29 de jul. de 2011

O Que é Real?

O que é a vida?
Quais de nossos pensamentos são realidade?
Nossa mente sempre está passando por um processo de ‘alquimia mental’.Nossas experiências constantemente estão transmutando antigas idéias em novos conceitos.
Mas quais os verdadeiros guias na vida, as crenças antigas, as idéias tradicionais, ou as novas conclusões a que chegamos pessoalmente? Em ultima análise, nossa visão da vida, o que esperamos dela, é uma síntese pessoal. Temos melhor possibilidade de moldar nossa existência em um estado feliz se tentarmos evitar os enigmas que a vida nos apresenta. De que maneira devemos confrontar esses ‘mistérios do eu’ e sua relação a tudo o mais que o eu confronta?

Aquilo em que ‘acreditamos’ é tão importante, como fator motivador no decorrer de nossa existência, quanto o que sabemos. Na verdade, muitos dos pensamentos pelos quais moldamos nossa vida são abstratos. Eles são aquilo em que acreditamos mas que ainda não foi experimentado e talvez não possa sê-lo. O que apresentamos são aquelas idéias que, de alguma forma ou maneira, finalmente acabam por atrair a atenção da maioria. A apresentação talvez não seja aceita pelo leitor, mas esperamos que o faça pensar seriamente sobre os chamados ’mistérios da vida’. A aceitação somente das explicações tradicionais muitas vezes restringe o pensamento e ocasiona interpretações errôneas, levando a armadilhas de erros e suas conseqüências adversas.

Contudo, será que a confiança por nós depositada em nossas crenças sempre se justifica? Será que recorremos às crenças como substituto para o conhecimento? Cumpre-nos pensar, especialmente nesta época, na ‘natureza da crença’. Devemos saber qualquer distinção que possa haver entre ‘crenças e pontos de conhecimento’. Por que dizemos, por exemplo,”Acredito na vida após a morte”, em lugar de declarar “Eu sei”. Na verdade, por que dizemos acreditar em algo, em lugar de afirmar nosso conhecimento a seu respeito?

A crença é uma ‘admissão’ de conhecimento. Em contraste com a crença, o conhecimento é experiência. Ele é realizado empiricamente, quer dizer, é percebido objetivamente. Por exemplo, se ouvimos um tamborilar na vidraça, podemos dizer: “Creio que está chovendo”. Dizemos ‘creio’ porque não percebemos diretamente a chuva. A experiência anterior nos diz que o barulho que ouvimos ‘pode’ ter outras origens, de modo que dizemos ‘creio’. Estamos, assim, admitindo um conhecimento.

Devemos, portanto, supor que o conhecimento é apenas aquilo que é experimentado através de nossos sentidos de recepção? Vamos supor que temos um problema. Ele consiste de vários elementos; estes são fatos e são aquilo que foi experimentado. Portanto, damo-lhes o nome de pontos de conhecimento. Contudo, é nos necessário relacioná-los em uma ordem satisfatória e útil. Revolvemos estas idéias em nossa mente, buscando uma solução; exercemos nosso intelecto nessa tarefa. E, por fim, chegamos a uma solução. O problema parece estar resolvido, de modo que ele se nos parece evidente por si mesmo. Não temos mais quaisquer duvidas a respeito.

Mas podemos dar o nome de ‘conhecimento’ à solução a que chegamos? Ou não são as conclusões de nosso raciocínio iguais ao que experimentamos objetivamente? Passamos a chamar de ‘nossas crenças’ a grande maioria de nossos pensamentos, o resultado de nosso raciocínio. Isto porque passamos a compreender que nossos juízos particulares são de natureza objetiva, em contraste com a experiência. Em outras palavras, passamos a distinguir entre as idéias que formamos, por um lado, e nosso conhecimento perceptual - o resultado de nossos sentidos – por outro lado. As idéias do intelecto, naturalmente, são algo que conhecemos. Elas existem na consciência, mas não tem qualquer equivalente, coisa alguma que as represente com exatidão, fora da nossa mente. O conhecimento perceptual, porém, é aquilo que qualquer um pode perceber pelos seus sentidos. Qualquer pessoa pode ver, ouvir, sentir o tato, o gosto, ou o cheiro daquilo que é conhecimento perceptual. É algo que pode ser compreendido ‘imediatamente’, sem qualquer raciocínio a respeito.

Usemos uma analogia para melhor compreensão. Durante muito tempo era pensamento geral que um objeto pesado caía mais depressa que outro mais leve. Com certeza pensavam que uma pedra sempre cai mais depressa que uma pluma. Esta idéia era aceita como conhecimento. Coube a Galileu demonstrar que os objetos caem de forma igual quando não são impedidos pelo ar; na realidade, uma pluma e uma bolinha de chumbo cairão de maneira igual num vácuo. A demonstração de Galileu constituiu um conhecimento ‘perceptual’. Foi algo que era uma questão de observação comum que podia ser comprovado por todos.

Creio que se concorda com o fato de que o valor do conhecimento está na sua capacidade de ser transmitido. Quero dizer com isto que ele é capaz de ser transmitido oralmente, por escrito ou por gestos à mente de outras pessoas. Por certo, algo que seja do conhecimento de todos separada e diferentemente não teria qualquer universalidade. Tal conhecimento não teria nenhum bem comum. Contudo, uma idéia pode ser conveniente. Ela talvez seja bem compreendida por alguém, mas esta pessoa pode não fazer com que outra a compreenda quando comunicá-la.

A imaginação e o raciocínio das pessoas variam. A idéia a que uma chega pode não ter absolutamente nenhum significado para a mente de outra – ela pode não ser conhecimento para outras pessoas. Portanto, para se tornarem conhecimento que seja universalmente aceito, nossas idéias tem de ser ‘objetivadas’. Elas tem de receber uma existência fora da mente. Temos de ser capazes de estabelecer condições e coisas que os sentidos receptores de outras pessoas possam experimentar individualmente.

Voltemos a analogia de Galileu. Ele jamais poderia ter tornado seu conhecimento da queda dos corpos aceitável a todas as pessoas se este conhecimento tivesse permanecido como uma idéia para ele. Conversar, fazer palestras a respeito, jamais teria aberto os olhos das pessoas quanto a noção comum geralmente aceita sobre corpos que caem. Ele teve de demonstrá-lo. Teve de preparar experiências que as pessoas podiam observar. O fato, então, tornou-se-lhes conhecimento perceptual intimo; foi então determinado como algo objetivo, muito diferente do raciocínio de Galileu – do processo subjetivo.

Quererá isto dizer que devemos confiar inteiramente naquilo que é percebido objetivamente? Pela experiência, todos aprendemos que nossos sentidos nos podem iludir. O que nos pareceu realidade, pode, talvez, mais tarde, revelar-se como falso. Como aprendemos que uma experiência sensorial é falsa? Somente através de outra experiência subseqüente que, em um tempo posterior, parece ser uma realidade mais consistente que a anterior.

Há uma outra razão, bastante vital, porque tudo o que concebemos como conhecimento tem de eventualmente ser transformado no que os sentidos podem discernir. Vivemos num universo físico. Existimos num virtual mar de energia e massa, ou matéria. Não podemos negar a existência deste universo físico porque nosso organismo físico faz parte dele. Somos obrigados a nos relacionar com ele, isto é, ajustar-nos às influencias que ele tem sobre nós. Na verdade, está é a razão por que desenvolvemos os cinco sentidos receptores. Estes cinco sentidos são necessários para que determinemos, em nosso ambiente, o que precisamos deles.

Alguém pode agora estar pensando: Que dizer de nossas impressões psíquicas, ou o que chamamos de impressões intuitivas e espirituais? Como acontece com as impressões interiores, com as sensações, o psíquico pode ser uma experiência tão definida quanto qualquer coisa que compreendamos externamente. Por certo, a sensação do místico de sua união com o Absoluto tem realidade para ele. A união do fanático com Deus é para ele uma experiência tão poderosa quanto qualquer coisa que tenha percebido objetivamente. Mas podemos confiar em tais experiências? Podemos chamá-las de um conhecimento equivalente ao que experimentamos objetivamente?

Existe um teste para saber se nossa interpretação está certa. O teste nos possibilita determinar se uma experiência psíquica tem a substancia do conhecimento. Em termos simples o teste é o seguinte: “ Podemos tornar pragmática a experiência psíquica? Pode ela ser reduzida a uma aplicação prática em nossa vida? Podemos transformar a experiência interior que temos em alguma condição de natureza objetiva? Ora, isto não quer dizer que a experiência tenha, necessariamente, de ser reduzida a uma coisa material tal como um objeto, mas deve produzir efeitos secundários que possam ser percebidos por outros, para se tornar conhecimento para estes.

Tomemos, por exemplo, a vida de alguns dos grandes fundadores de religiões, como Zoroastro, Moises, Buda, Cristo e Maomé. Eles tinham experiências psíquicas e emocionais intensas. Para eles, a experiência continha um bem positivo. Mas eram elas um conhecimento real de valor moral que conduzisse à bondade que eles sentiam, ou eram apenas uma crença?

Primeiramente, tinham de ser transformadas em um código moral. Este precisava será ampliado para uma forma de instrução que outros homens pudessem perceber com os ouvidos e os olhos. Se, eventualmente, outros homens passavam a ter a mesma sensação espiritual daquele código moral que liam ou ouviam, e que os fundadores originais tinham tido, este então se transformava em conhecimento verdadeiro.

Muitas vezes se diz que uma experiência que se tem em um plano de consciência não pode ser provada em outro plano. Tal declaração, porém, é uma verossimilhança - uma meia verdade. Naturalmente, é verdade que não se pode tomar uma coisa como uma emoção, por exemplo, e colocá-la sob um microscópio. Tampouco podemos pesar um sentimento em uma balança. Não obstante, uma experiência de um plano de consciência, se compreendida pessoalmente, seria capaz de ser transformada para outro plano. Quando transformada, a experiência seria tão vívida naquele plano de consciência especifico quanto o fora no original.

Um plano de consciência deve ser capaz de estabelecer, acima ou abaixo de si mesmo, um símbolo que possa ser compreendido com significado similar. Não podemos, por exemplo, transmitir a outrem a noção subjetiva e intima que temos da beleza. Não podemos dizer, em palavras, nossa sensação especifica de beleza de modo que outra pessoa possa estar cônscia exatamente da mesma sensação. Todavia, muitas vezes podemos criar um símbolo físico que representará adequadamente para outra pessoa, nossa idéia de beleza. O símbolo objetivamente percebido, em forma visual ou auditiva, despertará o senso estético do outro.

Para compreender melhor esta transformação da experiência, pense em uma experiência em um plano de consciência como sendo uma nota musical. Sabemos que toda nota musical tem harmônicos em uma oitava superior ou numa inferior. De igual modo, cada experiência de nosso eu psíquico pode manifestar-se num plano superior ou inferior de consciência. A forma como ela se manifesta, porém, pode ser muito diferente. Não podemos esperar que os fenômenos psíquicos tenham um caráter objetivo semelhante. Mas podemos relacionar o psíquico com algum comportamento, com alguma condição que o simbolizará objetivamente. Por exemplo, pense nas coisas que você perceber no seu mundo cotidiano que o fazem ter sentimentos como o amor, compaixão, reverencia e humildade. Eles são causados por uma transformação de sua experiência sensorial – algo que você talvez tenha ouvido ou visto – nas emoções e sentimentos mais elevados que dela advêm.

Dissemos que nossas crenças são como admissões de conhecimento. Elas não são conhecimento real até que tenham sido objetivadas. Deveríamos rejeitar todas as crenças que não possam ser submetidas à objetividade? Ou será que existe certo tipo de crença que deve sempre ser conservada? Todas as crenças que postulam, isto é, apresentam uma probabilidade, devem ser aceitas. Uma crença de probabilidade é uma conclusão que é sugerida pelo conhecimento da experiência. Outro modo de se dizer isto é que uma crença de probabilidade é uma suposição racional que preenche uma lacuna entre pontos reais de conhecimento.

Usando outra analogia, sabemos que várias ilhas e pontos da Terra submergem no mar devido a profundas perturbações subterrâneas. Este fenômeno é experimentado continuamente pelo mundo inteiro. Por conseguinte, constitui um ponto de conhecimento. Deste ponto de conhecimento segue-se a crença provável de que este processo de submersão existe há bilhões de anos. A probabilidade prossegue no fato de que isto tem ocasionado a extinção de culturas. Como analogia adicional, a ciência demonstra que matéria e energia nunca se perdem, e sim passam por transformação. Assim, então, é uma crença da probabilidade de que a personalidade humana, ou eu, não se perde quando o corpo passa pela transição.

Tais crenças de probabilidade deveriam ser simples tampões temporários para nós entre experiências reais. Elas serviriam para nos sugerir um método de indagação adicional. Elas jamais devem ser aceitas de modo concludente. John Locke, o filosofo inglês, nos advertiu para não nos apoiarmos em crenças de probabilidade. Disse ele: “Quando os homens descobrem algumas proposições gerais que não podiam ser postas em duvida tão logo compreendidas, é um caminho curto e fácil de se concluir que elas eram inatas. Uma vez aceito, isto aliviava ao preguiçoso os labores da busca...” Jamais se deve confundir uma crença de probabilidade com uma superstição. Uma probabilidade, embora seja subseqüentemente comprovada como sendo errônea, é sempre racionalmente deduzida do que se conhece.

Podemos perguntar: que dizer das crenças abstratas? Estas incluem coisas como nossas concepções de verdade, bem, mal e liberdade. Também muitas crenças metafísicas são abstratas. Por exemplo, nossas noções sobre a natureza do ser e se o universo é finito ou infinito, são abstratas. Nossas crenças abstratas são para nós um conhecimento pessoal. Contudo, como ideais, elas podem ser tão convincentes quanto o que seja que já tenhamos experimentado objetivamente. Mas essas crenças abstratas nos são totalmente pessoais. Elas não tem equivalentes fora de nossa própria mente. Em outras palavras, jamais as experimentamos de um modo físico. Além disso, tais crenças abstratas são, com mais freqüência, as que não podemos demonstrar ou provar para outras pessoas. Por exemplo, podemos demonstrar algo que todos os homens aceitarão facilmente como verdade. Não podemos, porém, mostrar a verdade em si como forma pura. A razão é que a verdade não passa de uma idéia abstrata. É um valor subjetivo dentro da mente de cada pessoa. A verdade difere com o raciocínio do indivíduo.

Estas idéias abstratas manifestam-se continuamente em nossa mente. Elas são o produto da inteligência e razão ativas normais. Embora não possam ser convertidas em um conhecimento que todos os homens aceitam universalmente, não devem ser rejeitadas. Como são abstratas, não se pode nem refutá-las nem comprová-las.

Nossas crenças abstratas compreendem um mundo mental de grande realidade. Vivemos nesse mundo de crenças abstratas tal como vivemos naquele que os nossos sentidos reproduzem para nós. O mundo que vemos, ouvimos, sentimos, etc. nos deixa muita coisa inexplicada. O que vemos ou ouvimos pode ser bastante concreto. Podemos reconhecer suas qualidades físicas. Mas qual o seu valor real para nós como seres humanos? Não nos referimos a valor no sentido material. Mais precisamente, de que maneira cada experiência objetiva pode nos conferir mais realidade? Quer dizer, como pode ela nos fazer ter uma consciência mais profunda de nosso eu?

A experiência individual que temos deste mundo não satisfaz, por si só, nosso anseio de ser parte de algo maior que esta vida. Não há nada neste mundo que dê origem à idéia que temos de perfeição. A perfeição é uma noção abstrata pela qual medimos o valor do mundo para nós. Nossas experiências objetivas tem uma dupla função. Também atuam sobre nosso eu psíquico bem como nos familiarizam com o que parece ser a realidade externa. Estas experiências despertam uma série de valores interiores dos quais a perfeição é um. São estas que explicam a maioria de nossas crenças abstratas. Elas passam a formar a estrutura de nosso mundo psíquico individual. Embora tais crenças permaneçam sem substancia ou significado para outros, elas são pessoalmente conhecidas de cada um de nós.

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Ralph M. Lewis

• “ Que o homem, tendo retornado a si mesmo, considere o que ele é, comparado com o que existe; que se considere um viajante que perambule nesta província remota da Natureza; e, desta prisão estreita onde se encontra [refiro-me ao universo], que aprenda a avaliar a terra, os reinos, as cidades e a si mesmo num valor concreto. [Blaise Pascal _ 1623-1662].”

20 de jul. de 2011

Tabela de Afiliações Filosóficas

O Mapa Mundial do Pensamento Humano.:
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Jonh Dewey_Ciencia e Política

O que Dewey vê e reverencia como a mais bela das coisas é o crescimento; e tanto que é esta noção relativa, mas especifica, que faz o seu critério ético; refuga assim o absoluto “Bem”.

  • Não perfeição como a meta final, mas o continuo processo de aperfeiçoar, refinar, constitui o alvo da vida...O homem mau é o homem que, pouco importando o bom que tenha sido, começou a deteriorar-se, a tornar-se menos bom. O homem bom é o homem que, pouco importando o moralmente indigno que foi, começa a tornar-se melhor. Esta concepção faz-nos severos no julgar-nos a nós mesmos e humanos no julgar os outros.

E ser bom não significa meramente ser obediente e inofensivo; a bondade sem capacidade é aleijada; e toda a virtude do mundo não nos salvará, se não tivermos inteligência. A ignorância não é uma benção – é inconsciência e escravidão; só a inteligência nos pode fazer colaborar em nossos destinos. Liberdade de vontade não é violação de seqüências causais – é a luminação da conduta pelo conhecimento. “Um médico ou engenheiro é livre em seus pensamentos e ações no grau em que sabe o que está fazendo. Talvez encontremos aqui a chave da liberdade”. Nossa confiança deve ir para o pensamento e não para o instinto; como poderia o instinto ajustar-nos ao meio-ambiente, cada vez mais artificial, que a industria constrói em redor de nós e a rede de  intricados problemas que nos enleia?

  • A ciência física, como a temos hoje, distancia de longe a ciência psíquica. Já dominamos suficientemente o mecanismo físico; mas não adquirimos um conhecimento das condições através das quais valores possíveis se tornem realidades na vida e por isso ainda estamos à mercê do hábito, da sorte e portanto da força...Com o tremendo crescimento do nosso controle da natureza, da nossa habilidade em utilizar a natureza para satisfação de nossas necessidades, a realização atual de fins e o gozo de valores parecem-nos inseguros e precários. A espaços, como que uma contradição nos colhe; mais multiplicamos meios e menos certo é o uso que seremos capazes de fazer deles. Não admira que um Carlyle ou um Ruskin condenem toda a civilização industrial e que Tolstoi clame pela volta ao deserto. Mas o único meio de encarar a situação no conjunto, e com firmeza, é ter em mente que o problema inteiro é de desenvolvimento da ciência e sua aplicação à vida...A moral e a filosofia voltam ao seu primeiro amor: o amor da sabedoria como a fonte do  bem. Mas voltam ao principio de Sócrates equipadas com uma multidão de métodos especiais de testes e exames, com uma enorme massa de conhecimentos organizados e com o controle dos arranjos por meio dos quais a industria, a  lei e a educação podem concentrar-se sobre o problema da participação intensa de todos os homens e mulheres em todos os valores realizados.
Ao contrário da maioria dos filósofos, Dewey aceita a democracia, embora lhe conheça os defeitos. O Alvo da ordem política é auxiliar o individuo a desenvolver-se completamente; e só é alcançado quando cada qual participa, na medida da sua capacidade, na determinação da política e dos destinos do seu grupo. Classes fixas são do tempo das espécies fixas; a fluidez das espécies. A aristocracia e a monarquia são mais eficientes do que a democracia, e também mais perigosas. Dewey desconfia do estado e deseja uma ordem pluralística; na qual o Maximo do trabalho social seja executado por associações voluntárias. Vê na multiplicidade das organizações, partidos, corporações, uniões, etc., uma reconciliação do individualismo com a ação comum. A  medida que estas ...

  • *se desenvolvem em importância, o estado tende a tornar-se mais e mais um regulador e ajustador das relações desses órgãos; definindo os seus limites e a sua atividade e prevenindo ou sanando conflitos...Ademais, as associações voluntárias...não coincidem com os limites políticos. Associações de matemáticos, químicos, astrônomos, negociantes, trabalhadores, igrejas, etc., são transnacionais porque os seus interesses são mundiais. Em sendas como essas o internacionalismo já não é aspiração mas fato, não é ideal sentimental mas força. Todavia esses interesses são embaraçados pelas doutrinas tradicionais das soberanias nacionais, doutrinas ou dogmas que representam a mais forte barreira à formação efetiva de uma mentalidade internacional, única adaptável ao movimento do trabalho, do comercio, da ciência, da arte e da religião de hoje.

Mas a reconstrução política começará quando aplicarmos aos nossos problemas sociais o método experimental e tomarmos as atitudes que deram tamanhos resultados nas ciências naturais. Estamos ainda no estagio metafísico da filosofia política; arremessados com abstrações à cabeça dos adversários e depois de terminada a pugna vemos que nada foi ganho. Não podemos curar os nosso males sociais com ideais por atacado, generalizações como individualismo e ordem, democracia ou monarquia ou aristocracia ou o que seja. Devemos enfrentar cada problema com uma hipótese específica, e não com uma teoria universal: teorias são tentáculos e a vida só pode confiar na experiência.

  • A atitude experimental...substitui a análise detalhada por asserções em grosso, inquéritos específicos por convicções sentimentais, pequenos fatos por opiniões cuja força está em proporção exata com a sua incerteza. É dentro das ciências sociais, da moral, da educação e da política, que o pensamento ainda voga com mais amplas antíteses, oposições teóricas de ordem e liberdade, individualismo e socialismo, cultura e utilidade, espontaneidade e disciplina, atualidade e tradição. O campo das ciências físicas já foi em tempo ocupado com semelhantes vistas “totais”, cujo apelo emocional estava em razão inversa da clareza. Mas com o avanço do método experimental a questão cessou de ser qual das duas teorias em choque tinha direito à arena. Tudo se reduzia a esclarecer um assunto confuso atacando-o em partes. Não conheço nenhum caso em que o resultado final fosse algo equivalente a vitória completa de uma teoria sobre outra.

É neste campo, nesta aplicação do conhecimento humano aos nossos antagonismos sociais, que o trabalho das filosofias deve fazer-se. A filosofia agarra-se, qual tímida solteirona velha, a  problemas e idéias fora da moda; “a direta preocupação com  as dificuldades contemporâneas é deixada à literatura e a política”. A filosofia está hoje afastada das ciências, que uma a uma a largaram sozinha para irem ‘viver’ no mundo produtivo e, qual mãe abandonada pelas filhas, lá ficou ela em seu canto, enfraquecida e com todos os armários vazios.

A filosofia afastou-se timidamente das suas funções reais – o homem e a vida do homem no mundo – para abrigar-se em uma casa velha chamada epistemologia, a qual vive sob a ameaça das leis da higiene urbana que condenam os pardieiros em ruínas. Esses velhos problemas já perderam para nós a significação: “nós não os solvemos, pulamos por cima”  e eles evaporaram-se ao calor do atrito social e das mudanças da vida. A filosofia, como tudo mais, deve secularizar-se: deve ficar na terra e ganhar o seu pão iluminando a vida.

  
  • O que os homens de espírito sério, não dados a filosofia profissional, devem conhecer é que modificações e abandono de heranças intelectuais se fazem necessárias aos novos movimentos industriais, políticos e científicos...A tarefa da futura filosofia é esclarecer as idéias dos homens quanto aos problemas morais e sociais do momento. Sua mira será tornar-se, no humanamente possível, um órgão para enfrentar esses problemas e solver os seus conflitos...Uma universal e larga teoria do ajustamento dos fatores em conflito será FILOSOFIA.

Uma filosofia assim concebida poderá por fim produzir filósofos dignos de ser Reis.

John Dewey _ Instrumentalismo

O que distingue Dewey é a indisfarçada integridade com que aceita a teoria da evolução. Espírito, assim como corpo, são para ele órgãos que na luta pela existência evoluíram de formas inferiores. Seu ponto de partida em cada campo é o darwinismo.  

  • Quando Descartes disse: “A natureza das coisas físicas é mais facilmente concebida quando vistas entrarem em existência de modo gradual do que quando são consideradas como produzidas de jacto e já em estado perfeito”, o mundo moderno tornou-se consciente da lógica que dali por diante o iria controlar, lógica de que a ‘A Origem das Espécies de Darwin’ é o ultimo desenvolvimento cientifico...Quando Darwin disse das espécies o que Galileu disse da terra – ‘e pur si muove’, emancipava de uma vez por todas e entronizava as idéias genéticas e experimentais como um ‘organon’ de propor questões a atender explanações.

As coisas têm, portanto, de ser explicadas pelo seu lugar e função no meio, em vez de por causa sobrenatural. Dewey é francamente naturalista; declara que ‘idealizar e racionalizar o universo é uma confissão de inhabilidade para dominar o curso das coisas que especificamente nos concernem”. Olha com desconfiança a Vontade de Schopenhauer e o ‘élan’ bergsoniano; podem existir, mas não há necessidade de adorarmo-los porque essas forças-mundo podem ser também destrutivas de tudo que o homem cria e reverencia. A divindade está dentro de nós, não nessas forças cósmicas neutras. “A inteligência desceu do solitário isolamento da fimbria das coisas, de onde operava como um imóvel motor e ultimo bem, para tomar assento na agitação da vida dos homens”. Devemos ser fieis à terra.

Como um bom positivista brotado de Bacon, Hobbes, Spencer e Stuart-Mill, Dewey repele a metafísica como um eco e um disfarce da teologia. O embaraço da filosofia tem sempre  sido que seus problemas se misturavam com os da religião. “Platão começou a sua filosofia com o senso da sua missão essencialmente política – reconhecimento de que os seus problemas eram organização e ordem social. Mas breve perdeu o pé e enveredou-se pelos sonhos de um outro mundo”. Na filosofia alemã o interesse pelos problemas religiosos defletiu o curso do desenvolvimento filosófico; na filosofia inglesa o interesse social sobrepujou o sobrenatural.  Durante dois séculos rugiu a guerra entre o idealismo, que refletia a religião autoritária e a aristocracia feudal, e o sensacionalismo, que refletia a fé liberal de uma democracia progressiva.

Não está terminada ainda essa guerra e por isso não estamos completamente imersos da idade média. A era moderna começará quando o ponto de vista naturalista for adotado em todos  os campos. Isto não quer dizer que o espírito fica reduzido a matéria, mas que o espírito e a vida, em vez de compreendidos em termos teológicos, o serão em termos biológicos, como um órgão ou um organismo dentro de um meio-ambiente, atuado e reagente, moldado e amoldador. Precisamos estudar, não ‘estados de consciência’, mas modos de reação. “O cérebro é primariamente um órgão de conduta de um certo tipo, e não órgão para conhecer o mundo”. Pensamento é um instrumento de readaptação; é um órgão do mesmo modo que as pernas ou os  dentes. Idéias são contatos imaginados, experiências em ajustamento. Não ajustamento passivo, não simples adaptação spenceriana. “A completa adaptação ao meio-ambiente significa morte. O ponto essencial em toda reação é o desejo de controlar o meio ambiente”.  O problema da filosofia não consiste em como poderemos conhecer um mundo externo, mas como poderemos aprender controlá-lo e refazê-lo, e em que rumos. A filosofia não é a analise da sensação e do conhecimento [isto se chama psicologia] mas a síntese e a coordenação do conhecimento e do desejo.

Para compreender o pensamento devemos observá-lo quando surge em situações especificas. O raciocínio não começa com premissas e sim com dificuldades; depois concebe uma hipótese, que se torna conclusão para a qual ele procura as premissas; finalmente submete a hipótese à observação e a experiência. “A primeira característica do pensar é enfrentar os fatos – inquérito, minucioso e extensivo exame, observação”. Há aqui pouco espaço para o misticismo.

Temos depois o pensamento no campo social, o qual ocorre não somente em situações especificas, mas ainda em meios de cultura. O individuo é tanto um produto da sociedade como esta o é do individuo; mas uma vasta rede de costumes, maneiras, convenções, línguas e idéias tradicionais jaz sempre distendida para receber cada nova criatura que nasce e moldá-la à imagem do povo a que pertence. Tão rápida e completa é a operação desta hereditariedade social que freqüentemente se vê confundida com a hereditariedade física ou biológica. O próprio Spencer admitia que as categorias de Kant, ou hábitos e formas de pensamento, eram nativos no individuo, embora todas as probabilidades sejam de serem transmissões de hábitos sociais dos adultos para as crianças. O papel do instinto é em regra exagerado, e o papel do treino inicial da criança é em regra menosprezado. Os mais fortes instintos, como sexos e belicosidades, tem sido consideravelmente modificados e controlados pelo treino social; e não há razão para que outros instintos, como o de aquisição e dominação, não sejam igualmente modificados pela influencia social e a educação. Temos de eliminar a idéia de uma natureza humana imutável, bem como a de um meio ambiente irredutível. Não há limite cognoscível à mudança ou ao crescimento; e talvez nada seja impossível – e só o pensamento crie impossibilidade.

John Dewey_Educação

Mas apesar de tudo o pragmatismo não era “uma completa filosofia americana”; não conglobava todo o espírito da América maior, que jaz a sul e a oeste dos estados de New England. Era uma filosofia altamente moralista e que traia as origens puritanas do seu autor. James falava de resultados práticos e de matérias de fato, e logo depois saltava, com a velocidade da esperança, da terra para o céu. Começara com uma saudável reação contra a metafísica e a epistemologia e dele fora esperada uma filosofia da natureza e da sociedade; mas ao cabo o que saiu foi uma exaltação apologética da respeitabilidade intelectual de cada crença. Quando aprenderá a filosofia a deixar para a religião essas perplexidades da outra vida e para a psicologia as sutis dificuldades do processo do conhecimento, para entregar-se unicamente à iluminação dos propósitos humanos e à coordenação e elevação da vida humana?

As circunstancias nada deixaram de fazer para preparar John Dewey como o filosofo que expressasse o pensamento da América consciente. Nascido em 1859, em Burlington, estado de Vermont, fez lá seus estudos e absorveu a velha cultura antes de  aventurar-se a uma nova. Mas tomou logo o conselho de Greeley e mudou-se para oeste, a ensinar filosofia nas universidades de Minnesota [1888-9], Michigan [1889-94] e Chicago [1894-1904]. Unicamente então retornou para o leste, afim de agregar-se e depois chefiar o departamento de filosofia da universidade de Columbia. Os primeiros vinte anos passados em Vermont lhe deram aquela quase rústica simplicidade que ainda conserva agora que o mundo inteiro o aclama. Depois, em seus vinte anos de vida no “Middle west”, estudou a vasta América da qual a mentalidade ocidental se mostra, com tanto orgulho, ignorante; aprendeu a conhecer suas limitações e forças; e quando chegou o tempo de escrever a sua própria filosofia, deu aos leitores e discípulos uma interpretação do sadio e simples naturalismo que está por baixo das superstições “provincianas” da América. Compôs a filosofia como Whitman escreveu a poesia -  não de um estado, mas do continente.

Dewey deu nos olhos do mundo com o seu trabalho na Escola de Educação, de Chicago. Foi por esta epoca que se revelou a resoluta inclinação experimental do seu pensamento; agora, trinta anos mais tarde, seu espírito ainda está aberto a todos os movimentos da educação, sem que arrefeça o seu interesse pelas “escolas de amanhã”. Talvez o maior livro de Dewey seja Democracy and Education, de onde emergem as varias linhas da sua filosofia centrada na tarefa de desenvolver uma melhor geração de homens. Todos os professores progressistas reconhecem a sua liderança, e dificilmente será encontrada uma escola na América que não mostre a sua influencia. Encontramo-lo ativo por toda parte, na tarefa de refazer as escolas do mundo; despendeu dois anos na China, prelecionando professores sobre a reforma da educação, e apresentou ao governo turco um relatório sobre a reorgarnização das escolas nacionais.  

Completando a exigência de Spencer, de mais ciência e menos literatura na educação, Dewey acrescenta que a ciência não será apenas de livros, mas chegará ao aluno por meio da pratica de  ocupações. Não mostra grande interesse pela educação ‘liberal’, termo usado originariamente para indicar a cultura de um ‘homem livre”, isto é, um homem que nunca trabalhou; tal educação será adequada a uma classe ociosa da aristocracia, não a uma vida industrial e democrática. Agora que quase todos estamos envolvidos pela industrialização da Europa e da América, as lições que precisamos aprender são as que o “fazer útil” ensina. A cultura escolástica produz o snobismo aristocrata, mas o aprender trabalhando em comum favorece a democracia. Em uma sociedade industrial a escola será uma oficina em miniatura ou uma comunidade reduzida; e ensinará, pela pratica do fazer e experimentar, todas as artes e disciplinas necessárias a ordem social. E finalmente a educação deve ser concebida, não como mero preparo para a maturidade [daí a nossa absurda idéia de que a educação deve parar depois da adolescência], mas como crescimento continuo do espírito e continua iluminação da vida. Em um sentido, as escolas só nos podem dar a instrumentalidade do crescimento mental; o resto vem da nossa absorção e interpretação da experiência. A educação real começa depois de deixada a escola – e não há razão para que não perdure até a morte.

William James_Consideração Final

O leitor não necessita guia para apreender os novos e velhos elementos do sistema de James. Faz ele parte da guerra entre a ciência e a religião; é outro esforço, como o de Kant e Bergson, para salvar a velha fé das unhas do materialismo mecanicista. O pragmatismo tem suas raízes na “razão prática” de Kant; na exaltação da vontade, de Schopenhauer, na noção darwiniana da sobrevivência do mais apto [e também da idéia mais verdadeira]; no utilitarismo que mede tudo em termos de uso; nas tradições empíricas e indutivas da filosofia inglesa; e, finalmente, nas sugestões do cenário americano.

Como já tem sido apontado, se não na substancia pelo menos na maneira de apresentar-se, o pensamento de William James é especifica e unicamente americano. O ardor dos americanos pelo movimento e pela aquisição enche as velas do seu estilo e do seu pensamento, dando-lhe uma alegre e quase aérea mobilidade. Huneker denominou-o “filosofo para os filistinos”, e realmente há nele algo de homem de negócios. James fala de Deus como de um artigo a ser vendido a um consumidor de espírito materialista, e o anuncia com todas as seduções técnicas da propaganda comercial; aconselha-nos a crer como se aconselhasse uma inversão de capitais a longo prazo, suscetível de altos dividendos, onde não há hipótese de perder e há todo um outro mundo a ganhar. James foi a reação da defesa do jovem povo americano contra a metafísica e a ciência européias.

O seu teste da verdade era sem duvida bem antigo; e o honesto filosofo descreve muito modestamente o pragmatismo como “novo nome de um velho modo de pensar”. Se seu teste significa que a verdade é o que foi provado por experiência e experimentação, a resposta é: Sem duvida. Se significa que a utilidade pessoal é um teste da verdade, a resposta passa a ser: Não. Utilidade pessoal é meramente utilidade pessoal; só a utilidade permanente e universal constitui verdade. “Quando o pragmatista quer que uma crença tenha sido verdadeira unicamente porque foi útil, embora esteja hoje provada como falsa, está emitindo um contra-senso, porque na realidade se trata de um erro útil, não de uma verdade.

O que William James pretendeu fazer foi limpar de teias de aranha a filosofia; desejava repor em caminho novo e desimpedido a velha atitude inglesa para com a teoria e a ideologia. Continuou o trabalho de Bacon, voltando uma vez mais o rosto da filosofia para o iniludível mundo das coisas. William James será relembrado pela sua ênfase empírica, antes que pela sua teoria da verdade; e será honrado talvez mais como psicólogo do que como filosofo. Bem sabia ele não ter encontrado solução para os velhos problemas e francamente admitia haver proposto apenas  uma nova fé. Na sua secretaria, quando morreu, foi encontrado um papel no qual lançara a mais característica das suas sentenças:

·         “Não há conclusão. Quem é que concluiu que podíamos concluir? Não há fortuna a ser lida, nem conselho a ser dado. Adeus”.

William James_Pluralismo

Apliquemos este método ao mais velho problema da filosofia – a existência e natureza de Deus. Os filósofos escolásticos descreviam a deidade como um “Ens a se extra et supra omme genus, necessarium, unum, infinite, perfectum, simplex, simmutabile, immensum, eternum, intelligens”. É magnificente. Que deidade não se sentiria orgulhosa de tal definição? Mas que significa? -  quais as conseqüências para a humanidade? Se Deus é oniciente e onipotente, nós somo bonecos; não há nada que possamos fazer para mudar o curso do destino, que desde os inícios a Sua Vontade delineou e decretou; o calvinismo e o fatalismo surgem como corolários lógicos dessa definição. O mesmo teste se aplica ao determinismo mecanicista, e com os mesmos resultados; se realmente admitimos o determinismo, temos que assumir a atitude mística dos hindus e abandonar-nos à tremenda fatalidade que nos usa como marionetes. Não há aceitar essas tétricas filosofias;o intelecto humano repetidamente as faz renascer em virtude da sua simplicidade lógica e da sua simetria;mas a vida as submerge e segue para a frente.

·          Uma filosofia pode ser intacavel sob muitos aspectos, mas defeitos em dois pontos a tornarão impassível de aceitação universal. Primeiro: seu principio ultimo não deve ser tal que ofenda ou desaponte as nossas mais caras esperanças. O segundo defeito: será contradizer as nossas propensões ativas e não lhes dar nenhum objetivo. Uma filosofia cujo principio se aparta das nossas mais intimas faculdades a ponto de lhes negar qualquer relevância no movimento das coisas e lhes aniquilar de um golpe os motivos, tornar-se-á ainda mais impopular que o pessimismo. É porque o materialismo sempre falhou de ser adotado universalmente.

O homem portanto, aceita ou rejeita a filosofia de acordo com as suas necessidades e temperamento, não de acordo com a “verdade objetiva”. O homem não indaga: É lógico? O que ele indaga é: Que é que a pratica dessa filosofia significa para minha vida e meu interesse? Argumentos pró e contra servirão para iluminar, mas nunca provam.

·          Lógica e sermão jamais convencem. A humanidade da noite penetra mais fundo na minha alma...Agora reexamino filosofias e religiões. Podem provar muito bem em salas de leitura, todavia nada provam sob o dossel das nuvens, ao longo da paisagem e dos rios que correm.

 
Sabemos que os argumentos são ditados pelas nossas necessidades, e que as nossas necessidades não podem ser ditadas pelos argumentos.

·          A historia da filosofia é em grande extensão a historia do choque de certos temperamentos humanos...De qualquer temperamento que seja o filosofo, ele procura, quando filosofa, subordinar o fato ao seu temperamento. Temperamento não é razão, de modo que ele tem necessidade de achar razões impessoais que lhe justifiquem as conclusões. E na realidade o temperamento lhe dá tendências mais fortes do que qualquer de suas mais rigorosas premissas objetivas.

Estes temperamentos que selecionam e ditam filosofias podem ser divididos em duas classes, a dos espíritos ternos e a dos espíritos fortes. O temperamento de espírito terno é religioso e gosta de seguir dogmas definidos e imutáveis, e também verdades a priori; aceita naturalmente o livre arbítrio, o idealismo, o monismo e o otimismo. O temperamento de espírito forte é materialista, irreligioso, empírico [só dá atenção a ‘fatos’], sensacionalista [atribuindo todos os conhecimentos a sensações], fatalista, pluralista, pessimista, cético. Em cada grupo subsistem hiatos de contradições; há temperamentos que escolhem suas teorias, parte num grupo, parte em outro. Há homens [James é um] que são “espíritos fortes” em seu apego aos fatos e confiança nos sentidos, e igualmente “espíritos ternos”, no seu horror ao determinismo e na necessidade da fé religiosa. Poderá ser encontrada uma filosofia que harmonize estas necessidades contraditórias?

James acreditava que o pluralismo teistico nos dá essa síntese. Ele propõe um Deus finito; em vez de um trovejador olímpico sentado em nuvens, “um auxiliar, primus inter pares, no meio de todos os formadores do destino do mundo. O cosmos, não é um sistema harmonioso e fechado, é uma arena de correntes contrárias e propósitos em conflitos; mostra-se com patética evidencia, não como universo, mas como multiverso. É inútil proclamar que o caos em que vivemos é o resultado de uma vontade consistente; superabundam os sinais de contradição. Talvez os antigos fossem mais sábios do que nós, e o politeísmo mais verdadeiro que o monoteísmo, dada a espantosa diversidade do mundo. Tal politeísmo “tem sido sempre a religião natural do povo comum, tanto no passado como hoje”. O povo está certo; os filósofos é que não. O monismo fez-se a doença natural dos filósofos, doença de fome e sede, menos de verdade que de unidade. “O mundo é Um!  - essa formula quer tornar-se uma espécie de numero-excelencia. “Três” e “sete” são reconhecidos como números sagrados: mas, abstratamente tomado, por que motivo “um” possui mais excelência que “quarenta e quatro” ou “dois milhes e dez!?”

O valor de um multiverso, comparado com um universo, jaz nisto, que onde há correntes contrárias de força em conflito a nossa própria força e a nossa vontade contam para alguma coisa e ajudam a decidir dos eventos; é um mundo onde nada está irrevogavelmente estabelecido, e conseqüentemente todas as ações tem importância. Um universo monístico é para nós um mundo morto; em tal universo ficamos adstritos aos papeis que nos foram atribuídos por uma deidade onipotente ou por uma nebula primária; e nem todas as nossas lagrimas podem mudar o que está escrito. A individualidade torna-se uma ilusão; na realidade somos fragmentos do mosaico da substancia, afirma o monista. Já em um mundo diverso podemos colaborar com algumas linhas nos papéis que representamos, e nosso arbítrio molda de algum jeito o futuro em que temos de viver. Podemos ser livres; é um mundo de chances e não de fado; tudo “não está completo”; e o que somos ou fazemos altera o curso das coisas. Se o nariz de Cleópatra fosse um pouco mais curto ou um pouco mais comprido, toda a historia do mundo estaria mudada, disse Pascal.

A evidencia teórica para tal livre arbítrio, ou tal multiverso, ou tal Deus finito, escasseia tanto como a correlata evidencia das filosofias contrárias. E ainda a evidencia pratica varia de pessoa para pessoa; é concebível que algumas encontrem para suas vidas mais conveniência em uma filosofia determinista do que em uma libertaria. Mas a evidencia é indecisa; aos nossos interesses morais e vitais cabe fazer a escolha.

·          Se há uma vida realmente melhor que a que levamos, e se existe alguma idéia que, aceita por mim, me leva a essa vida melhor, então não será melhor para nós todos que eu creia nessa idéia a não ser que a crença nessa idéia se choque com algum beneficio vital maior?

Temos agora que a universal persistência na fé em Deus é a melhor prova do seu quase universal valor moral e vital. James sentia-se admirado e atraído pela variedade sem limites das experiências e da fé religiosa; e mesmo quando em desacordo as descrevia com amor de artista. Via alguma verdade em cada uma delas e exigia espírito aberto para cada nova esperança. Não hesitou em afiliar-se a Sociedade de Estudos Psíquicos; por que tais fenômenos, do mesmo modo que os outros, não haviam de tornar-se objeto de paciente exame? No fim convenceu-se da realidade de um Além espiritual.

·          Firmemente não aceito que a nossa humana experiência seja a mais alta forma de experiência possível no universo. Creio antes que estamos em relação ao universo como os nossos cachorrinhos em relação ao todo da vida humana. Os cachorrinhos vivem em nossas salas e bibliotecas. Tomam parte em cenas sobre as quais nenhum juízo podem formar. Não passam de mera tangente de curvas da historia, começos e fins e formas do que se passa totalmente fora das suas vistas. Os homens também são tangentes de uma vida mais larga das coisas.

Não obstante, ele considera a filosofia como meditação sobre a morte; nenhum problema tem valor para James a não ser que possa guiar e estimular a nossa carreira na terra. “Foi com as excelências, não com a duração das nossas naturezas, que ele se ocupava”. Não viveu mais no gabinete do que na vida externa; fez-se um ativo trabalhador em inúmeras direções para o melhoramento da condição humana; estava sempre ajudando alguém, levantando o animo dos homens com o exemplo da sua coragem. Acreditava que cada individuo era “uma reserva de energias”, que a ocasional obstetrícia das circunstancias pode botar em ação; e sua constante predica dirigida ao individuo e à sociedade consistia em um apelo para que essas reservas fossem inteiramente usadas. James horrorizava-se com a destruição das energias humanas na guerra, e sugeria que esses incoercíveis impulsos para o combate e a dominação fossem canalizados para uma “guerra contra a natureza”. Por que cada individuo, rico ou pobre, não daria dois anos da sua vida ao estado, não com o propósito de matar outras gentes, mas com o de vencer as pragas e drenar os pântanos e irrigar os desertos e abrir canais, e democraticamente construir obras de engenharia, de construção tão lenta e que a guerra destrói tão rapidamente?

James simpatizava com o socialismo, mas desadorava a imprecação contra o individuo e o gênio. A formula de Taine, que reduz toda a cultura a um jogo de “raça, meio e momento”, parecia-lhe inadequada, precisamente por omitir o individuo.

Porque só o individuo tem valor: tudo o mais é instrumento, inclusive a filosofia. E assim, de uma parte, necessitamos um estado que seja o procurador dos interesses dos indivíduos; e, de outra parte, uma filosofia e uma fé que “ofereçam o universo antes como uma aventura, do que como um plano pré-estabelecido”, e que estimule todas as energias mantendo o mundo como o lugar onde, apesar de todas as derrotas, existem muitas vitórias a ser ganhas.

·          A shipwrecked, sailor, buried on this coast,
Bids you set sail.
Full many a gallant bark, when we were lost,
Weathered the gale.

19 de jul. de 2011

William James_O Pragmatismo

A direção do seu pensamento voltava-se para as coisas; e se começou com a psicologia não foi como um metafísico amigo de perder-se em obscuridades etéreas, mas como um realista para o qual o pensamento, por mais distinto que possa ser da matéria, é essencialmente um espelho da realidade física externa. E é um espelho melhor do que muitos supõe; percebe e reflete, não somente coisas separadas, como queria Hume, mas as relações que as ligam; vê tudo em um contexto, que é percebido ao mesmo tempo que a forma, o gosto, o cheiro da coisa. Daí a falta de significação do “problema do conhecimento” de Kant [como por senso e ordem em nossas sensações?] – o senso e a ordem já estão lá. A velha psicologia atomística da escola inglesa, que concebia o pensamento como série de idéias separadas e mecanicamente associadas, é uma duplicata errônea da química e da física; pensamento não é uma série, é uma corrente, uma continuidade de percepções e sensações que agem quais nódulos em transito, como os glóbulos do sangue. Temos “estados” mentais [embora seja isto uma expressão estática] que correspondem a preposições, verbos, advérbios e conjunções, e temos “estados” que correspondem aos nomes e pronomes da nossa linguagem; temos sentimentos de por e para e contra e porque, e atrás e depois, tanto para a matéria como para o homem. São estes elementos transitivos na “corrente” do pensamento que constituem o tecido da nossa vida mental e nos dão alguma medida da continuidade das coisas.

A consciência não é entidade, não é coisa, mas fluxo e sistema de relações; é um ponto no qual a seqüência e a relação dos pensamentos coincidem com a seqüência dos eventos e a relação das coisas. Em tais momentos é a própria realidade, e não meros “fenômenos”, que fulgura em pensamento; porque além de fenômenos e “aparências” nada existe. Nem há necessidade de uma alma ir além do processo-experiência; a alma não passa da soma da nossa atividade mental, como o “Noumenon” é simplesmente a totalidade dos fenômenos, e o “Absoluto” a teia do entrelaçamento das relações do mundo.  

Foi esta paixão para o imediato e o atual que levou James ao pragmatismo. Educado na escola francesa da claridade, destestava o obscuro e a pedantesca terminologia da metafísica alemã; e quando Harris e outros tentaram introduzir na América o moribundo hegelismo, James reagiu como um chefe de higiene que submete a quarentena o imigrante infeccioso. Estava convencido de que tantos os termos como os problemas da metafísica alemã eram irreais; e contra ela arremessou uns tantos “testes de significação”, que mostravam aos espíritos cândidos o vazio dessas abstrações.

James encontrou a arma que procurava quando, em 1878, leu na  Popular Science Mountly o estudo de Charles Peirce, “Como Fazer Claras as Nossas Idéias”. Para encontrar a significação de uma idéia, diz Peirce, temos de examinar as conseqüências de ação para as quais essa idéia nos leva; de outro modo a disputa sobre tal idéia poderá eternizar-se, sem nenhum fruto. Era uma direção que James teria prazer em seguir; passou a “testar” os problemas e idéias da velha metafísica segundo este critério – e todos se desfizeram em fumo, como certos compostos químicos à passagem da corrente elétrica. E os problemas que tinham significação apresentaram-se em luminosa realidade, como de brusco emersos de uma caverna escura para a plena luz do sol.

Esse simples teste levou James a uma nova definição da verdade. A verdade vinha sendo concebida como relação objetiva, do mesmo modo que outrora o Bom e o Belo; e se a verdade, o bom e o belo fossem considerados só em relação ao juízo humano e as necessidades humanas? “Leis naturais” tinham sido tomadas como verdades “objetivas”, eternas e imutáveis; Spinoza fez dela a verdadeira substancia da sua filosofia; e, entretanto, que eram essas verdades senão formulas da experiência, convenientes e bem sucedidas na pratica? Não copias de um objeto mas calculo correto de conseqüências especificas? A verdade é o valor-caixa [cash-value] de uma idéia.

*A verdade... é apenas o conveniente nas sendas do nosso pensamento, assim como o “direito” é apenas o conveniente nas sendas da nossa conduta – Verdade é uma espécie de bem, e não, como vulgarmente suposto, uma categoria distinta de bem e apenas com ele coordenada. Verdade é o nome do que prova ser bom no campo das crenças.

Verdade é um processo; verdade é verificação. Em vez de indagar de onde se deriva uma idéia, ou quais as suas premissas, o pragmatismo examina-lhes os resultados; verdade é a “atitude de olhar primeiro para coisas, princípios, categorias, supostas necessidades,e depois olhar para os frutos, as conseqüências, os fatos resultantes”. A escolastica perguntou: “Que é a coisa?” e perde-se em quididades; o darwinismo pergunta: Qual é a origem? E perde-se em nebulas; o pragmatismo pergunta: Quais são as conseqüências? – e volta o pensamento para a ação e para o futuro.

William James_A Personalidade

O leitor terá compreendido que a filosofia que vimos de sumariar é européia em tudo, salvo quando ao lugar onde se originou. Tem as nuanças, o polido, a resignação característica das velhas culturas; sente-se em todas as suas partes que a Life of Reason não é uma voz americana.

Já em William James a voz, a idéia e próprio torneio da frase são da América. Polvilham seus escritos expressões como “cash-value”, “results”, “profits” que lhe afinam o pensamento a compreensão do homem da rua”; James não fala com a reserva aristocrática de Santayana ou de um Henry James, mas em um vernáculo racial, com uma força e precisão que fizeram a sua filosofia do “pragmatismo” e das “reservas de energia” o correlato mental do “prático” e “ estrênuo” Roosevelt. E ao mesmo tempo verbalizou para o homem comum aquela confiança nos essenciais da velha teologia, que na alma americana vivem lado a lado com o espírito realista do comercio e da finança e com a rude coragem que transformou um deserto virgem em terra da promissão.

William James nasceu em Nova York, em 1842. Seu pai fora um místico abeberado de Swedenborg, feição que não chegou a lhe enevoar a agudeza e o humor, e seu filho mostrou-se herdeiro desses três elementos. Depois de algumas estações em colégios particulares americanos, William e seu irmão Henry foram mandados para escolas em França. Lá travaram conhecimento com os trabalhos de Charcot e outros psicopatologistas, guinando ambos rumo à psicologia; um deles, para repetir velha frase, começou a tratar a ficção literária como psicologia e outro a tratar a psicologia como ficção literária. Henry passou a maior parte da vida no estrangeiro, acabando cidadão inglês. Graças ao seu contato longo com a cultura adquiriu uma alta maturidade de pensamento; mas William, voltando para a América, sentiu o estimulo forte de uma nação grande de alma e rica de oportunidades e esperanças, e tão bem apreendeu o espírito da época e do lugar, que se viu erguido nas asas do Zeitgeist a um solitário pináculo de popularidade jamais atingindo por nenhum outro filosofo americano.

Tomou em 1870 grau M.D. na universidade de Harvard, e lá professou de 1872 a 1910, data da sua morte, primeiro fisiologia e depois psicologia e filosofia. Sua grande obra foi a inicial, Princípios de Psicologia [1890], uma fascinante mistura de anatomia, filosofia e analise; porque em James a psicologia ainda goteja das membranas fetais de sua geratriz, a metafísica. A obra, entretanto, permanece o mais instrutivo e o mais absorvente sumário da matéria; alguma coisa da sutileza de Henry verteu em suas teses habilitou James a realizar a mais aguda introspecção que a psicologia havia testemunhado desde o jacto de luz de  Davi Hume.

Esta paixão pela análise esclarecedora tinha de levá-lo da psicologia à filosofia, e por fim a própria metafísica; argüia ele [contra as suas próprias inclinações positivistas] que a metafísica era apenas um esforço para pensar com clareza, e na sua simples e diáfana maneira definia a filosofia como “pensar a respeito das coisas do modo mais claro possível”. Assim, depois de 1900, suas publicações restringiram-se todas ao campo filosófico. Começou com The Will to Believe [1897]; depois, em seguida a uma obra prima de interpretação psicológica – Varieties of Religious Experience [1902], passou aos seus famosos livros  Pragmatism [1907], A Pluralistic Universe [1909 e The Meaning of Truth [1909]. Um ano após sua morte apareceram Some Problems of Philosophy  [1911] e a seguir um notável volume dos Essays in Radical Empiricism [1912]. Começaremos nosso estudo por estas ultimas obras, visto que nelas James formula mais claramente as bases da sua filosofia.

George Santayana_Consideração Final

Há em todas as paginas de Santayana a melancolia do homem separado de tudo quanto lhe foi amor e costume – um homem desarraigado, um espanhol aristocrata solto na classe media americana. Uma tristeza irrompe-lhe a espaços: “Que a vida é digna de ser vivida”, diz ele, “constitui a mais necessária das proposições e a mais impossível das conclusões”. No primeiro volume da “The Life of Reason” fala da significação da vida e da historia humana como o tema da filosofia; em seu ultimo volume mostra-se duvidoso de que a vida tenha alguma significação. Inconscientemente descreveu a sua própria tragédia: Há tragédia na perfeição, porque o universo em que a perfeição se ergue é em si mesmo imperfeito...Como Shelley, Santayana nunca se sentiu em casa neste mesquinho planeta; seu agudo senso estético parece ter-lhe trazido mais sofrimento com a vista das coisas feias do que deleite com a vista das coisas belas. Torna-se com freqüência amargo e sarcástico; jamais consegue o riso sadio e de coração do paganismo, nem o genial perdão de Renan e Anatole France. Permanece no alto, afastado e superior – e, por isso, só. “Qual parte da sabedoria?” pergunta; e responde: “Sonhar com um dos olhos abertos; exultar com fugidias belezas e lastimar fugidios sofrimentos – sem jamais esquecer o fugidio de ambos”.

Este constante memento mori talvez seja um dobrar sinos à alegria; para viver, uma criatura tem que pensar mais na vida do que na morte; deve agarrar o atual e o mediato tanto quanto a esperança distante e perfeita. “A meta do pensamento especulativo nada mais é senão viver o mais que possa no eterno, e  absorve e ser absorvido na verdade”. Mas isto é tomar a filosofia mais a sério do que ela o merece; e uma filosofia que arranca um homem da vida é tão má como qualquer superstição celestial, em que os olhos em êxtase diante de visões da outra vida nada vêem da carne e do vinho desta. “A sabedoria vem pela desilusão”, diz Santayana; mas isto é apenas o começo da sabedoria, como a duvida é o começo da filosofia, não é o fim ou a realização dela. O fim é a felicidade para a qual a filosofia é apenas um meio; se a tomarmos como um fim, acabaremos como o místico hindu que passa a vida de olhos pregados no umbigo.

Talvez a concepção de Santayana, do universo como mero mecanismo material, tenha algo que ver com esta sombria introversão em si próprio; havendo suprimido a vida do mundo, procura-a no imo do seu ser. Ele protesta que não é assim; e embora seu protesto nos deixe céticos, desarma-nos com a sua beleza.

*Uma teoria não é algo vazia de emoção. Se a musica pode encher-se de paixão meramente dando forma a um só sentido, quanto mais beleza e terror não podem vir de uma visão que ponha ordem e método em tudo que conhecemos!...Se tendes o habito de crer em providencias especiais, ou de esperar a continuação da aventura da vida em outro mundo, o materialismo ofenderá mais desagradavelmente as vossas esperanças e pensareis durante um ano ou dois que nada mais vos resta na vida; mas um materialista perfeito, nascido para ele e não apenas nele semi-imerso por algum inesperado batismo, esse será como o soberbo Demócrito, o filosofo que sorria. Seu deleite em um mecanismo que pode apresentar tão maravilhosos aspectos e provocar tantas paixões excitantes será o mesmo do de quem visita um museu e vê milhares de borboletas classificadas, e flamingos e caranguejos, mamutes e gorilas. Houve sem duvida alguma dores naquela inumerável vida; mas passaram – e, entrementes, que belo era o espetáculo! Que infinitamente interessante a exibição universal e que tolas e inevitáveis aquelas pequenas paixões absolutas!   

Mas talvez as borboletas, se pudessem falar, nos haveriam de fazer ver que um museu [do mesmo modo que um filosofo materialista] é apenas um mostruário de coisas mortas; que a realidade do mundo foge aquelas trágicas preservações e se fixa nas dores da paixão sobre a sempre mutável e intermina caudal da vida.

Santayana, conta um amigo observador, “tinha uma natural preferência pela solidão...Lembro-me do seu vulto debruçado na amurada de um transatlântico ancorado em Southampton, a observar os passageiros que se precipitavam para o portaló  na ânsia da saída; observa-se com alheamento e só quando a escada ficou vazia é que se moveu para sair”. Quem há de ser aquele, senão Santayana? Murmurou uma voz ao meu lado; e todos sentimos a satisfação de encontrar um caráter verdadeiro para consigo mesmo.

Também podemos dizer isto da sua filosofia e julgá-la qual corajosa e veraz auto-expressão; nela uma alma sutil e madura, embora sombria, imprimiu-se com calma em prosa esculturalmente clássica. E apesar de que não apreciemos seus tons menores, sua surdina de pesar por um mundo desaparecido, vemos nele a expressão completa desta era de transição, na qual os homens não podem ser completamente sábios e livres porque vêm de abandonar suas velhas idéias e ainda não encontraram as novas que os levarão mais para perto do perfeito.

         

George Santayana_Razão na Sociedade

O grande problema da filosofia é descobrir um meio de persuadir o homem a virtude sem o recurso aos terrores e esperanças sobrenaturais. Teoricamente foi este problema resolvido duas vezes; tanto em Sócrates como em Spinoza aparece um perfeito sistema de ética racional. Se os homens pudessem ser amoldados a essas filosofias, tudo estaria resolvido. Mas “uma verdadeira moralidade ou um verdadeiro regime social racional nunca existiram no mundo, e é difícil de lhe concebermos a possibilidade; permanecem um luxo de filósofos. “Um filosofo tem um céu em si, do qual, suspeito a bem-aventurança o seguirá em outras vidas...é um símbolo poético; tem prazer na verdade e uma igual presteza para gozar a cena ou abandoná-la [embora se observe nos filósofos uma teimosa longevidade]. Para o resto de nós a alameda do desenvolvimento moral deve estar, no futuro, como o foi no passado, no crescimento das emoções sociais que florescem na generosa atmosfera do amor e do lar”.

È verdade, como argüiu Schopenhauer, que o amor constitui decepção que a raça arma ao individuo; que “nove décimos das causas do amor estão no amante e apenas um décimo no objeto amado”; e que o amor “funde novamente a alma no cego fluxo impessoal”. Não obstante, o amor tem suas recompensas; e no sacrifício máximo encontra o homem o seu mais feliz momento. “Em seu leito de morte Laplace murmurou que a ciência era uma bagatela e que nada havia de real fora do amor”.  Mas apesar de tudo,o amor romântico, com tas as suas ilusões poéticas, desfecha normalmente em um parentesco – de pai e filho – muito mais satisfatório para os instintos do que a segurança do celibato. Os filhos soa a nossa imortalidade de boa vontade o borrão manuscrito das nossas vidas as chamas devoradoras quando vemos o texto imortal duplicado em mais uma bela cópia”.

A família é a via da perpetuidade humana e por isso constitui a instituição básica entre os homens; e manter-se-á mesmo quando todas as outras instituições venham a desaparecer. Mas essa via é estreita para a civilização; ulterior desenvolvimento pede um sistema mais amplo e mais complexo, no qual a família cesse de ser uma unidade produtiva, perca o controle sobre as relações econômicas dos seus membros e tenha a sua autoridade e os seus poderes mais e mais controlados pelo estado. O estado pode ser um monstro, como queria Nietzsche; um monstro de desnecessário vulto; mas a sua tirania centralizada tem a virtude de abolir a miscelanea de inumeráveis pequeninas tiranias que outrora atenazavam e confinavam a vida. Um pirata único, que calmamente arrecada tributos, é preferível a cem piratas que os exijam sem aviso e sem limitação. 

Dai, em parte, o patriotismo do povo; o povo sabe que o preço pago pelo  governo é mais baixo do que lhe custaria o caos. Santayana indaga se tal patriotismo não traz mais mal que bem,visto que sua tendência é para apor o estigma da deslealdade sobre todos que advogam mudanças. “Amar um país, a não ser que esse amor seja cego e não-ativo, envolve uma distinção entre as condições atuais do país e o seu ideal inerente; e por sua vez esta distinção envolve uma necessidade de mudanças”. Por outro lado, o patriotismo racial é indispensável. “Algumas raças são obviamente superiores a outras. Um mais perfeito ajustamento as condições da existência dá-lhes espírito de vitória, escopo e uma relativa estabilidade”. Em conseqüência, a mistura com outras raças se torna perigosa, exceto se forem de reconhecida igualdade e estabilidade. “Os judeus, os gregos, os romanos, os ingleses nunca foram tão grandes como quando defrontavam outros povos, reagiam contra eles e ao mesmo tempo lhes adotavam a cultura; mas esta grandeza desaparece sempre que o contato chega a amalgamação”.

O grande mal do estado está na sua tendência para tornar-se maquina de guerra, ou punho hostil erguido contra o rosto de povos supostamente inferiores. Santayana estabelece que nenhum povo jamais ganhou uma guerra.

*Onde partidos e governos são maus, como tem acontecido em muitas épocas e países, não há nenhuma diferença pratica, para a comunidade, em que o seu exercito ou o do inimigo saia vitorioso da guerra...Em ambos os casos os cidadãos continuarão a pagar as taxas máximas e a sofrer nos seus interesses privados o Maximo de vexação e desleixo. Não obstante...os oprimidos exultam com patriótico ardor e insultam como mortos para o dever e para a honra os que apontam a calamidade de um governo que não atende ao interesse publico.

Isto é linguagem forte para um filosofo, mas queremos aqui dar Satayana como ele é, não expurgado. Freqüentemente, diz ele, a conquista e absorção por um estado maior é passo a frente para a organização e pacificação do gênero humano; seria um grande negocio para o mundo se ele fosse governado por um só poder ou um grupo de poderes, como já em grande parte sucedeu, primeiro pela espada e depois pela palavra de Roma.

*A ordem universal já uma vez sonhada e nominalmente quase estabelecida e o império da paz universal, não são tidos em conta hoje...Aquelas escuras idades das quais a nossa pratica política deriva, produziram uma teoria política que devíamos estudar; a teoria do império universal sob a igreja católica foi por sua vez o eco de uma anterior idade de razão, quando, uns poucos homens conscientes do governar o mundo procuravam vê-lo qual um todo e dirigi-lo com justiça.

Talvez o desenvolvimento dos esportes internacionais possa dar vazão ao espírito de rivalidade entre os grupos e de algum modo servir como o “equivalente moral da guerra”; e talvez a inversão internacional dos capitais consiga contra-bater a tendência para choques armados em vista da disputa de mercados. Santayana não se mostra tão seduzido pela industria como Spencer; conhece-lhe tanto o lado pacifista como o militarista, e sente-se mais à vontade na atmosfera de uma antiga aristocracia do que no turbilhão da metrópole moderna. Produzimos demais e sentimo-nos afogados pelas coisas que fazemos; “as coisas estão na sela e cavalgam o gênero humano”, como disse Emerson. Em um mundo composto inteiramente de filósofos, uma hora ou duas de trabalho manual produziria todo o preciso para todas as necessidades materiais. A Inglaterra mostra-se mais sabia que a América; porque embora também esteja obsecada  pela mania de produção, pelo menos uma parte do seu povo compreende o valor das artes e do ócio.

Santayana pensa que a cultura, como o mundo a tem conhecido, é sempre um produto das aristocracias.

* A civilização tem até aqui consistido na difusão e diluição de hábitos originados nos centros privilegiados. Esses hábitos não procedem do povo; surgem dentro dele por meio de uma variação e são depois impostos de cima para baixo...Um estado composto exclusivamente de operários e camponeses seria um estado profundamente bárbaro. Todas as tradições liberais pereceriam; e igualmente a própria essência racional e histórica do patriotismo. A emoção desse patriotismo perduraria, sem duvida, porque não é  generosidade o que falta ao povo. O povo possui todos os impulsos; experiência é o que não pode acumular, porque acumulando-se, passa logo a constituir esses órgãos mais altos que formam a sociedade aristocrática.

Também desadora o ideal da igualdade e argüi, com Platão, que a igualdade de desiguais constitui desigualdade. Não obstante não se entrega completamente a aristocracia; sabe que a historia já a experimentou e viu que suas virtudes e defeitos se contrabalançam; que ela fecha o caminho ao talento sem pedigree e sufoca o desenvolvimento dos valores que mais devia desenvolver e usar. Beneficia a cultura, mas também fomenta a tirania;a escravidão de milhões sustenta a liberdade de muito poucos. O primeiro principio da política deve ser que uma sociedade será julgada pela medida em que favorece a vida e a capacidade dos indivíduos constituintes. Deste ponto de vista a democracia constitui um grande avanço sobre a aristocracia. Mas também ela tem seus males; não apenas corrupção e incompetência mas, pior, uma peculiar tirania – o fetiche da uniformidade. “Não existe mais odiosa tirania do que a anônima e vulgar. Infiltra-se em tudo, torce tudo; destrói todos os botões e rebrotos da novidade e sufoca o gênio sob o peso da sua onipresente e altiva estupidez”.

O que Santayana acima de tudo despreza é o caos e a indecente pressa da vida moderna. Fica em duvida se não haveria mais felicidade para os homens na velha doutrina aristocrática de que o bom não é a liberdade, mas sim a sabedoria da resignação as nossas naturais limitações; a tradição clássica admitia que só muito poucos podem vencer. Mas agora que a democracia abriu o livre-para-todos, o ‘catch-as-catch-can” do industrialismo “laisses-faire’, cada alma se angustia na luta para subir e ninguém está contente. Guerra de classes: “qualquer classe que saia vitoriosa, a vitima será o liberalismo -  o mesmo liberalismo que tornou possível a luta”. Esta é também a Nemesis das revoluções, que para sobreviverem tem que restaurar a tirania que destruíram.

  • As revoluções são ambíguas. Em regra tem o sucesso proporcionado ao poder de adaptação àquilo contra o que se rebelaram. Milhares de reformas deixaram o mundo tão corrupto como era, porque cada reforma vitoriosa cria uma nova instituição e esta instituição desenvolve novos abusos congenitais.

Por que forma de sociedade, então, nos devemos bater?  Talvez por nenhuma; não há grandes diferenças entre elas. Mas a decidirmo-nos por alguma, então pela ‘timocracia”. Seria Seria o  governo dos homens de  mérito e de honra; uma aristocracia não hereditária; cada homem ou mulher teria de conformidade com sua capacidade o caminho aberto para as mais altas funções do estado; mas esse caminho estaria fechado a incompetência, por mais apoiada que fosse nos plebiscitos. “A única igualdade subsistente seria a das oportunidades”. Sob tal governo a corrupção atingiria o mínimo e a ciência e as artes floresceriam dentro de um ambiente de estimulo indiscriminado. Só os melhores poderiam governar mas cada homem teria todas as oportunidades de evoluir de modo a ser colocado entre os melhores. Temos de novo aqui ao velho Platão com os reis filósofos da sua Republica, visão que invariavelmente reaparece no horizonte de cada filosofia que vê longe. Mais meditamos nestes assuntos, mais retornamos a Platão. Prova de que não necessitamos de novas filosofias; necessitamos apenas de coragem para por em pratica as mais velhas e melhores.