20 de jul. de 2011

William James_Pluralismo

Apliquemos este método ao mais velho problema da filosofia – a existência e natureza de Deus. Os filósofos escolásticos descreviam a deidade como um “Ens a se extra et supra omme genus, necessarium, unum, infinite, perfectum, simplex, simmutabile, immensum, eternum, intelligens”. É magnificente. Que deidade não se sentiria orgulhosa de tal definição? Mas que significa? -  quais as conseqüências para a humanidade? Se Deus é oniciente e onipotente, nós somo bonecos; não há nada que possamos fazer para mudar o curso do destino, que desde os inícios a Sua Vontade delineou e decretou; o calvinismo e o fatalismo surgem como corolários lógicos dessa definição. O mesmo teste se aplica ao determinismo mecanicista, e com os mesmos resultados; se realmente admitimos o determinismo, temos que assumir a atitude mística dos hindus e abandonar-nos à tremenda fatalidade que nos usa como marionetes. Não há aceitar essas tétricas filosofias;o intelecto humano repetidamente as faz renascer em virtude da sua simplicidade lógica e da sua simetria;mas a vida as submerge e segue para a frente.

·          Uma filosofia pode ser intacavel sob muitos aspectos, mas defeitos em dois pontos a tornarão impassível de aceitação universal. Primeiro: seu principio ultimo não deve ser tal que ofenda ou desaponte as nossas mais caras esperanças. O segundo defeito: será contradizer as nossas propensões ativas e não lhes dar nenhum objetivo. Uma filosofia cujo principio se aparta das nossas mais intimas faculdades a ponto de lhes negar qualquer relevância no movimento das coisas e lhes aniquilar de um golpe os motivos, tornar-se-á ainda mais impopular que o pessimismo. É porque o materialismo sempre falhou de ser adotado universalmente.

O homem portanto, aceita ou rejeita a filosofia de acordo com as suas necessidades e temperamento, não de acordo com a “verdade objetiva”. O homem não indaga: É lógico? O que ele indaga é: Que é que a pratica dessa filosofia significa para minha vida e meu interesse? Argumentos pró e contra servirão para iluminar, mas nunca provam.

·          Lógica e sermão jamais convencem. A humanidade da noite penetra mais fundo na minha alma...Agora reexamino filosofias e religiões. Podem provar muito bem em salas de leitura, todavia nada provam sob o dossel das nuvens, ao longo da paisagem e dos rios que correm.

 
Sabemos que os argumentos são ditados pelas nossas necessidades, e que as nossas necessidades não podem ser ditadas pelos argumentos.

·          A historia da filosofia é em grande extensão a historia do choque de certos temperamentos humanos...De qualquer temperamento que seja o filosofo, ele procura, quando filosofa, subordinar o fato ao seu temperamento. Temperamento não é razão, de modo que ele tem necessidade de achar razões impessoais que lhe justifiquem as conclusões. E na realidade o temperamento lhe dá tendências mais fortes do que qualquer de suas mais rigorosas premissas objetivas.

Estes temperamentos que selecionam e ditam filosofias podem ser divididos em duas classes, a dos espíritos ternos e a dos espíritos fortes. O temperamento de espírito terno é religioso e gosta de seguir dogmas definidos e imutáveis, e também verdades a priori; aceita naturalmente o livre arbítrio, o idealismo, o monismo e o otimismo. O temperamento de espírito forte é materialista, irreligioso, empírico [só dá atenção a ‘fatos’], sensacionalista [atribuindo todos os conhecimentos a sensações], fatalista, pluralista, pessimista, cético. Em cada grupo subsistem hiatos de contradições; há temperamentos que escolhem suas teorias, parte num grupo, parte em outro. Há homens [James é um] que são “espíritos fortes” em seu apego aos fatos e confiança nos sentidos, e igualmente “espíritos ternos”, no seu horror ao determinismo e na necessidade da fé religiosa. Poderá ser encontrada uma filosofia que harmonize estas necessidades contraditórias?

James acreditava que o pluralismo teistico nos dá essa síntese. Ele propõe um Deus finito; em vez de um trovejador olímpico sentado em nuvens, “um auxiliar, primus inter pares, no meio de todos os formadores do destino do mundo. O cosmos, não é um sistema harmonioso e fechado, é uma arena de correntes contrárias e propósitos em conflitos; mostra-se com patética evidencia, não como universo, mas como multiverso. É inútil proclamar que o caos em que vivemos é o resultado de uma vontade consistente; superabundam os sinais de contradição. Talvez os antigos fossem mais sábios do que nós, e o politeísmo mais verdadeiro que o monoteísmo, dada a espantosa diversidade do mundo. Tal politeísmo “tem sido sempre a religião natural do povo comum, tanto no passado como hoje”. O povo está certo; os filósofos é que não. O monismo fez-se a doença natural dos filósofos, doença de fome e sede, menos de verdade que de unidade. “O mundo é Um!  - essa formula quer tornar-se uma espécie de numero-excelencia. “Três” e “sete” são reconhecidos como números sagrados: mas, abstratamente tomado, por que motivo “um” possui mais excelência que “quarenta e quatro” ou “dois milhes e dez!?”

O valor de um multiverso, comparado com um universo, jaz nisto, que onde há correntes contrárias de força em conflito a nossa própria força e a nossa vontade contam para alguma coisa e ajudam a decidir dos eventos; é um mundo onde nada está irrevogavelmente estabelecido, e conseqüentemente todas as ações tem importância. Um universo monístico é para nós um mundo morto; em tal universo ficamos adstritos aos papeis que nos foram atribuídos por uma deidade onipotente ou por uma nebula primária; e nem todas as nossas lagrimas podem mudar o que está escrito. A individualidade torna-se uma ilusão; na realidade somos fragmentos do mosaico da substancia, afirma o monista. Já em um mundo diverso podemos colaborar com algumas linhas nos papéis que representamos, e nosso arbítrio molda de algum jeito o futuro em que temos de viver. Podemos ser livres; é um mundo de chances e não de fado; tudo “não está completo”; e o que somos ou fazemos altera o curso das coisas. Se o nariz de Cleópatra fosse um pouco mais curto ou um pouco mais comprido, toda a historia do mundo estaria mudada, disse Pascal.

A evidencia teórica para tal livre arbítrio, ou tal multiverso, ou tal Deus finito, escasseia tanto como a correlata evidencia das filosofias contrárias. E ainda a evidencia pratica varia de pessoa para pessoa; é concebível que algumas encontrem para suas vidas mais conveniência em uma filosofia determinista do que em uma libertaria. Mas a evidencia é indecisa; aos nossos interesses morais e vitais cabe fazer a escolha.

·          Se há uma vida realmente melhor que a que levamos, e se existe alguma idéia que, aceita por mim, me leva a essa vida melhor, então não será melhor para nós todos que eu creia nessa idéia a não ser que a crença nessa idéia se choque com algum beneficio vital maior?

Temos agora que a universal persistência na fé em Deus é a melhor prova do seu quase universal valor moral e vital. James sentia-se admirado e atraído pela variedade sem limites das experiências e da fé religiosa; e mesmo quando em desacordo as descrevia com amor de artista. Via alguma verdade em cada uma delas e exigia espírito aberto para cada nova esperança. Não hesitou em afiliar-se a Sociedade de Estudos Psíquicos; por que tais fenômenos, do mesmo modo que os outros, não haviam de tornar-se objeto de paciente exame? No fim convenceu-se da realidade de um Além espiritual.

·          Firmemente não aceito que a nossa humana experiência seja a mais alta forma de experiência possível no universo. Creio antes que estamos em relação ao universo como os nossos cachorrinhos em relação ao todo da vida humana. Os cachorrinhos vivem em nossas salas e bibliotecas. Tomam parte em cenas sobre as quais nenhum juízo podem formar. Não passam de mera tangente de curvas da historia, começos e fins e formas do que se passa totalmente fora das suas vistas. Os homens também são tangentes de uma vida mais larga das coisas.

Não obstante, ele considera a filosofia como meditação sobre a morte; nenhum problema tem valor para James a não ser que possa guiar e estimular a nossa carreira na terra. “Foi com as excelências, não com a duração das nossas naturezas, que ele se ocupava”. Não viveu mais no gabinete do que na vida externa; fez-se um ativo trabalhador em inúmeras direções para o melhoramento da condição humana; estava sempre ajudando alguém, levantando o animo dos homens com o exemplo da sua coragem. Acreditava que cada individuo era “uma reserva de energias”, que a ocasional obstetrícia das circunstancias pode botar em ação; e sua constante predica dirigida ao individuo e à sociedade consistia em um apelo para que essas reservas fossem inteiramente usadas. James horrorizava-se com a destruição das energias humanas na guerra, e sugeria que esses incoercíveis impulsos para o combate e a dominação fossem canalizados para uma “guerra contra a natureza”. Por que cada individuo, rico ou pobre, não daria dois anos da sua vida ao estado, não com o propósito de matar outras gentes, mas com o de vencer as pragas e drenar os pântanos e irrigar os desertos e abrir canais, e democraticamente construir obras de engenharia, de construção tão lenta e que a guerra destrói tão rapidamente?

James simpatizava com o socialismo, mas desadorava a imprecação contra o individuo e o gênio. A formula de Taine, que reduz toda a cultura a um jogo de “raça, meio e momento”, parecia-lhe inadequada, precisamente por omitir o individuo.

Porque só o individuo tem valor: tudo o mais é instrumento, inclusive a filosofia. E assim, de uma parte, necessitamos um estado que seja o procurador dos interesses dos indivíduos; e, de outra parte, uma filosofia e uma fé que “ofereçam o universo antes como uma aventura, do que como um plano pré-estabelecido”, e que estimule todas as energias mantendo o mundo como o lugar onde, apesar de todas as derrotas, existem muitas vitórias a ser ganhas.

·          A shipwrecked, sailor, buried on this coast,
Bids you set sail.
Full many a gallant bark, when we were lost,
Weathered the gale.

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