A direção do seu pensamento voltava-se para as coisas; e se começou com a psicologia não foi como um metafísico amigo de perder-se em obscuridades etéreas, mas como um realista para o qual o pensamento, por mais distinto que possa ser da matéria, é essencialmente um espelho da realidade física externa. E é um espelho melhor do que muitos supõe; percebe e reflete, não somente coisas separadas, como queria Hume, mas as relações que as ligam; vê tudo em um contexto, que é percebido ao mesmo tempo que a forma, o gosto, o cheiro da coisa. Daí a falta de significação do “problema do conhecimento” de Kant [como por senso e ordem em nossas sensações?] – o senso e a ordem já estão lá. A velha psicologia atomística da escola inglesa, que concebia o pensamento como série de idéias separadas e mecanicamente associadas, é uma duplicata errônea da química e da física; pensamento não é uma série, é uma corrente, uma continuidade de percepções e sensações que agem quais nódulos em transito, como os glóbulos do sangue. Temos “estados” mentais [embora seja isto uma expressão estática] que correspondem a preposições, verbos, advérbios e conjunções, e temos “estados” que correspondem aos nomes e pronomes da nossa linguagem; temos sentimentos de por e para e contra e porque, e atrás e depois, tanto para a matéria como para o homem. São estes elementos transitivos na “corrente” do pensamento que constituem o tecido da nossa vida mental e nos dão alguma medida da continuidade das coisas.
A consciência não é entidade, não é coisa, mas fluxo e sistema de relações; é um ponto no qual a seqüência e a relação dos pensamentos coincidem com a seqüência dos eventos e a relação das coisas. Em tais momentos é a própria realidade, e não meros “fenômenos”, que fulgura em pensamento; porque além de fenômenos e “aparências” nada existe. Nem há necessidade de uma alma ir além do processo-experiência; a alma não passa da soma da nossa atividade mental, como o “Noumenon” é simplesmente a totalidade dos fenômenos, e o “Absoluto” a teia do entrelaçamento das relações do mundo.
Foi esta paixão para o imediato e o atual que levou James ao pragmatismo. Educado na escola francesa da claridade, destestava o obscuro e a pedantesca terminologia da metafísica alemã; e quando Harris e outros tentaram introduzir na América o moribundo hegelismo, James reagiu como um chefe de higiene que submete a quarentena o imigrante infeccioso. Estava convencido de que tantos os termos como os problemas da metafísica alemã eram irreais; e contra ela arremessou uns tantos “testes de significação”, que mostravam aos espíritos cândidos o vazio dessas abstrações.
James encontrou a arma que procurava quando, em 1878, leu na Popular Science Mountly o estudo de Charles Peirce, “Como Fazer Claras as Nossas Idéias”. Para encontrar a significação de uma idéia, diz Peirce, temos de examinar as conseqüências de ação para as quais essa idéia nos leva; de outro modo a disputa sobre tal idéia poderá eternizar-se, sem nenhum fruto. Era uma direção que James teria prazer em seguir; passou a “testar” os problemas e idéias da velha metafísica segundo este critério – e todos se desfizeram em fumo, como certos compostos químicos à passagem da corrente elétrica. E os problemas que tinham significação apresentaram-se em luminosa realidade, como de brusco emersos de uma caverna escura para a plena luz do sol.
Esse simples teste levou James a uma nova definição da verdade. A verdade vinha sendo concebida como relação objetiva, do mesmo modo que outrora o Bom e o Belo; e se a verdade, o bom e o belo fossem considerados só em relação ao juízo humano e as necessidades humanas? “Leis naturais” tinham sido tomadas como verdades “objetivas”, eternas e imutáveis; Spinoza fez dela a verdadeira substancia da sua filosofia; e, entretanto, que eram essas verdades senão formulas da experiência, convenientes e bem sucedidas na pratica? Não copias de um objeto mas calculo correto de conseqüências especificas? A verdade é o valor-caixa [cash-value] de uma idéia.
*A verdade... é apenas o conveniente nas sendas do nosso pensamento, assim como o “direito” é apenas o conveniente nas sendas da nossa conduta – Verdade é uma espécie de bem, e não, como vulgarmente suposto, uma categoria distinta de bem e apenas com ele coordenada. Verdade é o nome do que prova ser bom no campo das crenças.