19 de jul. de 2011

William James_O Pragmatismo

A direção do seu pensamento voltava-se para as coisas; e se começou com a psicologia não foi como um metafísico amigo de perder-se em obscuridades etéreas, mas como um realista para o qual o pensamento, por mais distinto que possa ser da matéria, é essencialmente um espelho da realidade física externa. E é um espelho melhor do que muitos supõe; percebe e reflete, não somente coisas separadas, como queria Hume, mas as relações que as ligam; vê tudo em um contexto, que é percebido ao mesmo tempo que a forma, o gosto, o cheiro da coisa. Daí a falta de significação do “problema do conhecimento” de Kant [como por senso e ordem em nossas sensações?] – o senso e a ordem já estão lá. A velha psicologia atomística da escola inglesa, que concebia o pensamento como série de idéias separadas e mecanicamente associadas, é uma duplicata errônea da química e da física; pensamento não é uma série, é uma corrente, uma continuidade de percepções e sensações que agem quais nódulos em transito, como os glóbulos do sangue. Temos “estados” mentais [embora seja isto uma expressão estática] que correspondem a preposições, verbos, advérbios e conjunções, e temos “estados” que correspondem aos nomes e pronomes da nossa linguagem; temos sentimentos de por e para e contra e porque, e atrás e depois, tanto para a matéria como para o homem. São estes elementos transitivos na “corrente” do pensamento que constituem o tecido da nossa vida mental e nos dão alguma medida da continuidade das coisas.

A consciência não é entidade, não é coisa, mas fluxo e sistema de relações; é um ponto no qual a seqüência e a relação dos pensamentos coincidem com a seqüência dos eventos e a relação das coisas. Em tais momentos é a própria realidade, e não meros “fenômenos”, que fulgura em pensamento; porque além de fenômenos e “aparências” nada existe. Nem há necessidade de uma alma ir além do processo-experiência; a alma não passa da soma da nossa atividade mental, como o “Noumenon” é simplesmente a totalidade dos fenômenos, e o “Absoluto” a teia do entrelaçamento das relações do mundo.  

Foi esta paixão para o imediato e o atual que levou James ao pragmatismo. Educado na escola francesa da claridade, destestava o obscuro e a pedantesca terminologia da metafísica alemã; e quando Harris e outros tentaram introduzir na América o moribundo hegelismo, James reagiu como um chefe de higiene que submete a quarentena o imigrante infeccioso. Estava convencido de que tantos os termos como os problemas da metafísica alemã eram irreais; e contra ela arremessou uns tantos “testes de significação”, que mostravam aos espíritos cândidos o vazio dessas abstrações.

James encontrou a arma que procurava quando, em 1878, leu na  Popular Science Mountly o estudo de Charles Peirce, “Como Fazer Claras as Nossas Idéias”. Para encontrar a significação de uma idéia, diz Peirce, temos de examinar as conseqüências de ação para as quais essa idéia nos leva; de outro modo a disputa sobre tal idéia poderá eternizar-se, sem nenhum fruto. Era uma direção que James teria prazer em seguir; passou a “testar” os problemas e idéias da velha metafísica segundo este critério – e todos se desfizeram em fumo, como certos compostos químicos à passagem da corrente elétrica. E os problemas que tinham significação apresentaram-se em luminosa realidade, como de brusco emersos de uma caverna escura para a plena luz do sol.

Esse simples teste levou James a uma nova definição da verdade. A verdade vinha sendo concebida como relação objetiva, do mesmo modo que outrora o Bom e o Belo; e se a verdade, o bom e o belo fossem considerados só em relação ao juízo humano e as necessidades humanas? “Leis naturais” tinham sido tomadas como verdades “objetivas”, eternas e imutáveis; Spinoza fez dela a verdadeira substancia da sua filosofia; e, entretanto, que eram essas verdades senão formulas da experiência, convenientes e bem sucedidas na pratica? Não copias de um objeto mas calculo correto de conseqüências especificas? A verdade é o valor-caixa [cash-value] de uma idéia.

*A verdade... é apenas o conveniente nas sendas do nosso pensamento, assim como o “direito” é apenas o conveniente nas sendas da nossa conduta – Verdade é uma espécie de bem, e não, como vulgarmente suposto, uma categoria distinta de bem e apenas com ele coordenada. Verdade é o nome do que prova ser bom no campo das crenças.

Verdade é um processo; verdade é verificação. Em vez de indagar de onde se deriva uma idéia, ou quais as suas premissas, o pragmatismo examina-lhes os resultados; verdade é a “atitude de olhar primeiro para coisas, princípios, categorias, supostas necessidades,e depois olhar para os frutos, as conseqüências, os fatos resultantes”. A escolastica perguntou: “Que é a coisa?” e perde-se em quididades; o darwinismo pergunta: Qual é a origem? E perde-se em nebulas; o pragmatismo pergunta: Quais são as conseqüências? – e volta o pensamento para a ação e para o futuro.

William James_A Personalidade

O leitor terá compreendido que a filosofia que vimos de sumariar é européia em tudo, salvo quando ao lugar onde se originou. Tem as nuanças, o polido, a resignação característica das velhas culturas; sente-se em todas as suas partes que a Life of Reason não é uma voz americana.

Já em William James a voz, a idéia e próprio torneio da frase são da América. Polvilham seus escritos expressões como “cash-value”, “results”, “profits” que lhe afinam o pensamento a compreensão do homem da rua”; James não fala com a reserva aristocrática de Santayana ou de um Henry James, mas em um vernáculo racial, com uma força e precisão que fizeram a sua filosofia do “pragmatismo” e das “reservas de energia” o correlato mental do “prático” e “ estrênuo” Roosevelt. E ao mesmo tempo verbalizou para o homem comum aquela confiança nos essenciais da velha teologia, que na alma americana vivem lado a lado com o espírito realista do comercio e da finança e com a rude coragem que transformou um deserto virgem em terra da promissão.

William James nasceu em Nova York, em 1842. Seu pai fora um místico abeberado de Swedenborg, feição que não chegou a lhe enevoar a agudeza e o humor, e seu filho mostrou-se herdeiro desses três elementos. Depois de algumas estações em colégios particulares americanos, William e seu irmão Henry foram mandados para escolas em França. Lá travaram conhecimento com os trabalhos de Charcot e outros psicopatologistas, guinando ambos rumo à psicologia; um deles, para repetir velha frase, começou a tratar a ficção literária como psicologia e outro a tratar a psicologia como ficção literária. Henry passou a maior parte da vida no estrangeiro, acabando cidadão inglês. Graças ao seu contato longo com a cultura adquiriu uma alta maturidade de pensamento; mas William, voltando para a América, sentiu o estimulo forte de uma nação grande de alma e rica de oportunidades e esperanças, e tão bem apreendeu o espírito da época e do lugar, que se viu erguido nas asas do Zeitgeist a um solitário pináculo de popularidade jamais atingindo por nenhum outro filosofo americano.

Tomou em 1870 grau M.D. na universidade de Harvard, e lá professou de 1872 a 1910, data da sua morte, primeiro fisiologia e depois psicologia e filosofia. Sua grande obra foi a inicial, Princípios de Psicologia [1890], uma fascinante mistura de anatomia, filosofia e analise; porque em James a psicologia ainda goteja das membranas fetais de sua geratriz, a metafísica. A obra, entretanto, permanece o mais instrutivo e o mais absorvente sumário da matéria; alguma coisa da sutileza de Henry verteu em suas teses habilitou James a realizar a mais aguda introspecção que a psicologia havia testemunhado desde o jacto de luz de  Davi Hume.

Esta paixão pela análise esclarecedora tinha de levá-lo da psicologia à filosofia, e por fim a própria metafísica; argüia ele [contra as suas próprias inclinações positivistas] que a metafísica era apenas um esforço para pensar com clareza, e na sua simples e diáfana maneira definia a filosofia como “pensar a respeito das coisas do modo mais claro possível”. Assim, depois de 1900, suas publicações restringiram-se todas ao campo filosófico. Começou com The Will to Believe [1897]; depois, em seguida a uma obra prima de interpretação psicológica – Varieties of Religious Experience [1902], passou aos seus famosos livros  Pragmatism [1907], A Pluralistic Universe [1909 e The Meaning of Truth [1909]. Um ano após sua morte apareceram Some Problems of Philosophy  [1911] e a seguir um notável volume dos Essays in Radical Empiricism [1912]. Começaremos nosso estudo por estas ultimas obras, visto que nelas James formula mais claramente as bases da sua filosofia.

George Santayana_Consideração Final

Há em todas as paginas de Santayana a melancolia do homem separado de tudo quanto lhe foi amor e costume – um homem desarraigado, um espanhol aristocrata solto na classe media americana. Uma tristeza irrompe-lhe a espaços: “Que a vida é digna de ser vivida”, diz ele, “constitui a mais necessária das proposições e a mais impossível das conclusões”. No primeiro volume da “The Life of Reason” fala da significação da vida e da historia humana como o tema da filosofia; em seu ultimo volume mostra-se duvidoso de que a vida tenha alguma significação. Inconscientemente descreveu a sua própria tragédia: Há tragédia na perfeição, porque o universo em que a perfeição se ergue é em si mesmo imperfeito...Como Shelley, Santayana nunca se sentiu em casa neste mesquinho planeta; seu agudo senso estético parece ter-lhe trazido mais sofrimento com a vista das coisas feias do que deleite com a vista das coisas belas. Torna-se com freqüência amargo e sarcástico; jamais consegue o riso sadio e de coração do paganismo, nem o genial perdão de Renan e Anatole France. Permanece no alto, afastado e superior – e, por isso, só. “Qual parte da sabedoria?” pergunta; e responde: “Sonhar com um dos olhos abertos; exultar com fugidias belezas e lastimar fugidios sofrimentos – sem jamais esquecer o fugidio de ambos”.

Este constante memento mori talvez seja um dobrar sinos à alegria; para viver, uma criatura tem que pensar mais na vida do que na morte; deve agarrar o atual e o mediato tanto quanto a esperança distante e perfeita. “A meta do pensamento especulativo nada mais é senão viver o mais que possa no eterno, e  absorve e ser absorvido na verdade”. Mas isto é tomar a filosofia mais a sério do que ela o merece; e uma filosofia que arranca um homem da vida é tão má como qualquer superstição celestial, em que os olhos em êxtase diante de visões da outra vida nada vêem da carne e do vinho desta. “A sabedoria vem pela desilusão”, diz Santayana; mas isto é apenas o começo da sabedoria, como a duvida é o começo da filosofia, não é o fim ou a realização dela. O fim é a felicidade para a qual a filosofia é apenas um meio; se a tomarmos como um fim, acabaremos como o místico hindu que passa a vida de olhos pregados no umbigo.

Talvez a concepção de Santayana, do universo como mero mecanismo material, tenha algo que ver com esta sombria introversão em si próprio; havendo suprimido a vida do mundo, procura-a no imo do seu ser. Ele protesta que não é assim; e embora seu protesto nos deixe céticos, desarma-nos com a sua beleza.

*Uma teoria não é algo vazia de emoção. Se a musica pode encher-se de paixão meramente dando forma a um só sentido, quanto mais beleza e terror não podem vir de uma visão que ponha ordem e método em tudo que conhecemos!...Se tendes o habito de crer em providencias especiais, ou de esperar a continuação da aventura da vida em outro mundo, o materialismo ofenderá mais desagradavelmente as vossas esperanças e pensareis durante um ano ou dois que nada mais vos resta na vida; mas um materialista perfeito, nascido para ele e não apenas nele semi-imerso por algum inesperado batismo, esse será como o soberbo Demócrito, o filosofo que sorria. Seu deleite em um mecanismo que pode apresentar tão maravilhosos aspectos e provocar tantas paixões excitantes será o mesmo do de quem visita um museu e vê milhares de borboletas classificadas, e flamingos e caranguejos, mamutes e gorilas. Houve sem duvida alguma dores naquela inumerável vida; mas passaram – e, entrementes, que belo era o espetáculo! Que infinitamente interessante a exibição universal e que tolas e inevitáveis aquelas pequenas paixões absolutas!   

Mas talvez as borboletas, se pudessem falar, nos haveriam de fazer ver que um museu [do mesmo modo que um filosofo materialista] é apenas um mostruário de coisas mortas; que a realidade do mundo foge aquelas trágicas preservações e se fixa nas dores da paixão sobre a sempre mutável e intermina caudal da vida.

Santayana, conta um amigo observador, “tinha uma natural preferência pela solidão...Lembro-me do seu vulto debruçado na amurada de um transatlântico ancorado em Southampton, a observar os passageiros que se precipitavam para o portaló  na ânsia da saída; observa-se com alheamento e só quando a escada ficou vazia é que se moveu para sair”. Quem há de ser aquele, senão Santayana? Murmurou uma voz ao meu lado; e todos sentimos a satisfação de encontrar um caráter verdadeiro para consigo mesmo.

Também podemos dizer isto da sua filosofia e julgá-la qual corajosa e veraz auto-expressão; nela uma alma sutil e madura, embora sombria, imprimiu-se com calma em prosa esculturalmente clássica. E apesar de que não apreciemos seus tons menores, sua surdina de pesar por um mundo desaparecido, vemos nele a expressão completa desta era de transição, na qual os homens não podem ser completamente sábios e livres porque vêm de abandonar suas velhas idéias e ainda não encontraram as novas que os levarão mais para perto do perfeito.

         

George Santayana_Razão na Sociedade

O grande problema da filosofia é descobrir um meio de persuadir o homem a virtude sem o recurso aos terrores e esperanças sobrenaturais. Teoricamente foi este problema resolvido duas vezes; tanto em Sócrates como em Spinoza aparece um perfeito sistema de ética racional. Se os homens pudessem ser amoldados a essas filosofias, tudo estaria resolvido. Mas “uma verdadeira moralidade ou um verdadeiro regime social racional nunca existiram no mundo, e é difícil de lhe concebermos a possibilidade; permanecem um luxo de filósofos. “Um filosofo tem um céu em si, do qual, suspeito a bem-aventurança o seguirá em outras vidas...é um símbolo poético; tem prazer na verdade e uma igual presteza para gozar a cena ou abandoná-la [embora se observe nos filósofos uma teimosa longevidade]. Para o resto de nós a alameda do desenvolvimento moral deve estar, no futuro, como o foi no passado, no crescimento das emoções sociais que florescem na generosa atmosfera do amor e do lar”.

È verdade, como argüiu Schopenhauer, que o amor constitui decepção que a raça arma ao individuo; que “nove décimos das causas do amor estão no amante e apenas um décimo no objeto amado”; e que o amor “funde novamente a alma no cego fluxo impessoal”. Não obstante, o amor tem suas recompensas; e no sacrifício máximo encontra o homem o seu mais feliz momento. “Em seu leito de morte Laplace murmurou que a ciência era uma bagatela e que nada havia de real fora do amor”.  Mas apesar de tudo,o amor romântico, com tas as suas ilusões poéticas, desfecha normalmente em um parentesco – de pai e filho – muito mais satisfatório para os instintos do que a segurança do celibato. Os filhos soa a nossa imortalidade de boa vontade o borrão manuscrito das nossas vidas as chamas devoradoras quando vemos o texto imortal duplicado em mais uma bela cópia”.

A família é a via da perpetuidade humana e por isso constitui a instituição básica entre os homens; e manter-se-á mesmo quando todas as outras instituições venham a desaparecer. Mas essa via é estreita para a civilização; ulterior desenvolvimento pede um sistema mais amplo e mais complexo, no qual a família cesse de ser uma unidade produtiva, perca o controle sobre as relações econômicas dos seus membros e tenha a sua autoridade e os seus poderes mais e mais controlados pelo estado. O estado pode ser um monstro, como queria Nietzsche; um monstro de desnecessário vulto; mas a sua tirania centralizada tem a virtude de abolir a miscelanea de inumeráveis pequeninas tiranias que outrora atenazavam e confinavam a vida. Um pirata único, que calmamente arrecada tributos, é preferível a cem piratas que os exijam sem aviso e sem limitação. 

Dai, em parte, o patriotismo do povo; o povo sabe que o preço pago pelo  governo é mais baixo do que lhe custaria o caos. Santayana indaga se tal patriotismo não traz mais mal que bem,visto que sua tendência é para apor o estigma da deslealdade sobre todos que advogam mudanças. “Amar um país, a não ser que esse amor seja cego e não-ativo, envolve uma distinção entre as condições atuais do país e o seu ideal inerente; e por sua vez esta distinção envolve uma necessidade de mudanças”. Por outro lado, o patriotismo racial é indispensável. “Algumas raças são obviamente superiores a outras. Um mais perfeito ajustamento as condições da existência dá-lhes espírito de vitória, escopo e uma relativa estabilidade”. Em conseqüência, a mistura com outras raças se torna perigosa, exceto se forem de reconhecida igualdade e estabilidade. “Os judeus, os gregos, os romanos, os ingleses nunca foram tão grandes como quando defrontavam outros povos, reagiam contra eles e ao mesmo tempo lhes adotavam a cultura; mas esta grandeza desaparece sempre que o contato chega a amalgamação”.

O grande mal do estado está na sua tendência para tornar-se maquina de guerra, ou punho hostil erguido contra o rosto de povos supostamente inferiores. Santayana estabelece que nenhum povo jamais ganhou uma guerra.

*Onde partidos e governos são maus, como tem acontecido em muitas épocas e países, não há nenhuma diferença pratica, para a comunidade, em que o seu exercito ou o do inimigo saia vitorioso da guerra...Em ambos os casos os cidadãos continuarão a pagar as taxas máximas e a sofrer nos seus interesses privados o Maximo de vexação e desleixo. Não obstante...os oprimidos exultam com patriótico ardor e insultam como mortos para o dever e para a honra os que apontam a calamidade de um governo que não atende ao interesse publico.

Isto é linguagem forte para um filosofo, mas queremos aqui dar Satayana como ele é, não expurgado. Freqüentemente, diz ele, a conquista e absorção por um estado maior é passo a frente para a organização e pacificação do gênero humano; seria um grande negocio para o mundo se ele fosse governado por um só poder ou um grupo de poderes, como já em grande parte sucedeu, primeiro pela espada e depois pela palavra de Roma.

*A ordem universal já uma vez sonhada e nominalmente quase estabelecida e o império da paz universal, não são tidos em conta hoje...Aquelas escuras idades das quais a nossa pratica política deriva, produziram uma teoria política que devíamos estudar; a teoria do império universal sob a igreja católica foi por sua vez o eco de uma anterior idade de razão, quando, uns poucos homens conscientes do governar o mundo procuravam vê-lo qual um todo e dirigi-lo com justiça.

Talvez o desenvolvimento dos esportes internacionais possa dar vazão ao espírito de rivalidade entre os grupos e de algum modo servir como o “equivalente moral da guerra”; e talvez a inversão internacional dos capitais consiga contra-bater a tendência para choques armados em vista da disputa de mercados. Santayana não se mostra tão seduzido pela industria como Spencer; conhece-lhe tanto o lado pacifista como o militarista, e sente-se mais à vontade na atmosfera de uma antiga aristocracia do que no turbilhão da metrópole moderna. Produzimos demais e sentimo-nos afogados pelas coisas que fazemos; “as coisas estão na sela e cavalgam o gênero humano”, como disse Emerson. Em um mundo composto inteiramente de filósofos, uma hora ou duas de trabalho manual produziria todo o preciso para todas as necessidades materiais. A Inglaterra mostra-se mais sabia que a América; porque embora também esteja obsecada  pela mania de produção, pelo menos uma parte do seu povo compreende o valor das artes e do ócio.

Santayana pensa que a cultura, como o mundo a tem conhecido, é sempre um produto das aristocracias.

* A civilização tem até aqui consistido na difusão e diluição de hábitos originados nos centros privilegiados. Esses hábitos não procedem do povo; surgem dentro dele por meio de uma variação e são depois impostos de cima para baixo...Um estado composto exclusivamente de operários e camponeses seria um estado profundamente bárbaro. Todas as tradições liberais pereceriam; e igualmente a própria essência racional e histórica do patriotismo. A emoção desse patriotismo perduraria, sem duvida, porque não é  generosidade o que falta ao povo. O povo possui todos os impulsos; experiência é o que não pode acumular, porque acumulando-se, passa logo a constituir esses órgãos mais altos que formam a sociedade aristocrática.

Também desadora o ideal da igualdade e argüi, com Platão, que a igualdade de desiguais constitui desigualdade. Não obstante não se entrega completamente a aristocracia; sabe que a historia já a experimentou e viu que suas virtudes e defeitos se contrabalançam; que ela fecha o caminho ao talento sem pedigree e sufoca o desenvolvimento dos valores que mais devia desenvolver e usar. Beneficia a cultura, mas também fomenta a tirania;a escravidão de milhões sustenta a liberdade de muito poucos. O primeiro principio da política deve ser que uma sociedade será julgada pela medida em que favorece a vida e a capacidade dos indivíduos constituintes. Deste ponto de vista a democracia constitui um grande avanço sobre a aristocracia. Mas também ela tem seus males; não apenas corrupção e incompetência mas, pior, uma peculiar tirania – o fetiche da uniformidade. “Não existe mais odiosa tirania do que a anônima e vulgar. Infiltra-se em tudo, torce tudo; destrói todos os botões e rebrotos da novidade e sufoca o gênio sob o peso da sua onipresente e altiva estupidez”.

O que Santayana acima de tudo despreza é o caos e a indecente pressa da vida moderna. Fica em duvida se não haveria mais felicidade para os homens na velha doutrina aristocrática de que o bom não é a liberdade, mas sim a sabedoria da resignação as nossas naturais limitações; a tradição clássica admitia que só muito poucos podem vencer. Mas agora que a democracia abriu o livre-para-todos, o ‘catch-as-catch-can” do industrialismo “laisses-faire’, cada alma se angustia na luta para subir e ninguém está contente. Guerra de classes: “qualquer classe que saia vitoriosa, a vitima será o liberalismo -  o mesmo liberalismo que tornou possível a luta”. Esta é também a Nemesis das revoluções, que para sobreviverem tem que restaurar a tirania que destruíram.

  • As revoluções são ambíguas. Em regra tem o sucesso proporcionado ao poder de adaptação àquilo contra o que se rebelaram. Milhares de reformas deixaram o mundo tão corrupto como era, porque cada reforma vitoriosa cria uma nova instituição e esta instituição desenvolve novos abusos congenitais.

Por que forma de sociedade, então, nos devemos bater?  Talvez por nenhuma; não há grandes diferenças entre elas. Mas a decidirmo-nos por alguma, então pela ‘timocracia”. Seria Seria o  governo dos homens de  mérito e de honra; uma aristocracia não hereditária; cada homem ou mulher teria de conformidade com sua capacidade o caminho aberto para as mais altas funções do estado; mas esse caminho estaria fechado a incompetência, por mais apoiada que fosse nos plebiscitos. “A única igualdade subsistente seria a das oportunidades”. Sob tal governo a corrupção atingiria o mínimo e a ciência e as artes floresceriam dentro de um ambiente de estimulo indiscriminado. Só os melhores poderiam governar mas cada homem teria todas as oportunidades de evoluir de modo a ser colocado entre os melhores. Temos de novo aqui ao velho Platão com os reis filósofos da sua Republica, visão que invariavelmente reaparece no horizonte de cada filosofia que vê longe. Mais meditamos nestes assuntos, mais retornamos a Platão. Prova de que não necessitamos de novas filosofias; necessitamos apenas de coragem para por em pratica as mais velhas e melhores.

George Santayana_Razão na Religião

Sainte-Beuve disse de seus patrícios que continuariam a ser católicos mesmo depois de abandonassem o cristianismo. È como pensam Renan, Anatole e o nosso Santayana. Subsiste neste filosofo um amor ao catolicismo equiparável ao do amante enganado pela amante. “Creio nela embora saiba que me mente”. Santayana chora pela sua fé perdida, esse “esplendido erro que se conforma melhor com os impulsos da alma” do que a própria vida. E descreve-se em Oxford, empolgado por um velho ritual:

Exile that I am
Exile not only from the wind-swept moor,
Where Guadarana lifts purple crest,
But from the spirit’s realm,celestial, sure,
Goal of all hope, and vision of the best.

[Exilado que sou – exilado não só dos baldios surrados pelo vento onde Guadarana ergue a sua crista púrpura, mas do reino do espírito celestial, meta de todas as esperanças e visão do melhor].

Foi em virtude deste amor secreto, desta fé incrédula, que Santayana concluiu a sua obra prima com a Razão na Religião, impregnando suas paginas céticas de uma ternura triste e achando na beleza do catolicismo o motivo para continuar a amá-lo. Sorri, é verdade, da “tradicional ortodoxia ou da crença de que o universo existe por causa do homem ou do espírito humano”; mas desdenha “a cultura comum a moços de espírito e velhos satiristas roídos de vermes que se vangloriam de apontar a incapacidade da religião -  coisa que até os cegos vêem – mas deixam sem analise os hábitos do pensamento dos quais essas crenças emergem, bem como as suas significações originais e as suas verdadeiras funções”. Aqui, afinal de contas, subsiste um notável fenômeno: -  que os homens por toda parte tenham tido religiões; e pois como compreender o homem, se não compreendermos a religião?  “Tais estudos fariam o cético defrontar-se com o mistério e o patético da existência mortal. Fa-lo-iam compreender por que a religião é tão profundamente ativa e em certo sentido profundamente justa”.

Santayana pensa, com Lucrecio, que os deuses foram criados pelo medo.

*A fé no sobrenatural é um desesperado recurso do homem nos momentos de transes; está longe de ser essa fonte de vitalidade normal que subseqüentemente, quando o mal do momento passa, e os bons ventos voltam a favorecê-lo, o homem gradualmente recobra...Se tudo vai bem nós o atribuímos a nós mesmos.
As primeira coisas que o homem aprende a distinguir e a repetir são coisas com vontade própria, coisas que lhe resistem; e assim o primeiro sentimento com que ele defronta a realidade é uma certa animosidade, que se torna crueldade para com o fraco e medo diante do poderoso... É patético observar como são baixos os motivos que a religião, mesmo as mais altas, atribuem à deidade, e de que dura e amarga existência elas tem nascido. Receber a melhor parte, ser louvado, ser obedecido cegamente – tais são os pontos de honra dos deuses, que para mantê-los abrem-se em favores e castigos dos mais tremendos.

Ao medo acrescente a imaginação: o homem, incorrigivelmente animista, interpreta todas as coisas de um modo antropomórfico; personaliza e pragmatiza a natureza, enchendo-a de uma nuvem dos deuses: “o arco-íris é conhecido como traço deixado no céu pela passagem de alguma deusa invisível”. Não que o povo creia literalmente nesses esplendidos mitos; mas a poesia deles ajuda-o a suportar o prosaico da vida. Essa tendência mito-poética acha-se hoje enfraquecida graças a violenta reação da ciência contra a imaginação; mas nos povos primitivos, sobretudo no Oriente próximo, subsiste intacta. O Velho Testamento abunda de poesia e metáfora; os judeus que o compuseram não tomavam essas figuras no sentido literal; mas quando os povos europeus, mais literais e menos imaginativos, receberam tais poemas como ciência, a teologia ocidental começou a nascer. O cristianismo foi a principio uma combinação da teologia grega com a moralidade judaica; combinação instável, na qual um dos elementos teria inevitavelmente de desaparecer; no catolicismo o elemento grego, ou pagão, triunfou; no protestantismo triunfou a severa moral hebraica. Um produziu a Renascença; outro, a Reforma.

Os germânicos – os “bárbaros do norte” como lhe chama Santayana  - jamais aceitaram realmente o catolicismo romano. ‘Uma ética não-cristã que exaltava o valor e a honra, um fundo não-cristão” de lendas e sentimentos sempre subsistiram na gente medieval. As catedrais góticas eram barbaricas, não romanas. O temperamento guerreiro dos teutões ergueu-se acima do pacifismo do oriental e transformou o cristianismo da fraternidade e do amor em uma severa inculcação de virtudes fortes – e a religião da pobreza passou a religião do poder e da prosperidade. “Foi essa jovem religião, barbarica, profunda, poética, que as raças teutonicas transfundiram no cristianismo.

Nada seria tão belo como o cristianismo, pensa Santayana, se não fosse tomado literalmente; mas os germânicos insistiram em tomá-lo literalmente. A dissolução da ortodoxia cristã na Alemanha seria daí por diante inevitável. Porque tomado literalmente nada tão absurdo como alguns dos seus velhos dogmas – a danação dos inocentes, por exemplo, ou a existência do mal em um mundo criado pela benevolência onipotente. O principio da interpretação individual conduzia naturalmente a um rebrotar intenso de seitas no povo, e ao panteísmo nas elites – o panteísmo nada mais sendo que o “naturalismo expresso com poesia”. Lessing e Goethe, Carlyle e Emerson foram marcos dessa mutação. Em resumo, o sistema moral de Jesus havia destruído aquele militarista Jeová, que por um curioso acidente da historia fora transmitido para o cristianismo juntamente com o pacifismo dos profetas e de Cristo.
Por constituição e hereditariedade, Santayana é incapaz de simpatia para com o protestantismo; prefere a cor e o incenso da sua fé da infância. Malsina os protestantes por abandonarem a belas lendas do medievalismo e, acima de tudo, por desprezarem a Virgem Maria, que, como Heine, considera a “mais bela flor da poesia”. Como já um critico de muito aticismo o notou, Santayana não crê na existência de Deus, mas crê que Maria é a mãe de Deus. Seu quarto enfeita-se de quadros da Virgem e de santos [*Margaret Mursterber, no The American Mercury]. Pela mesma razão que prefere a arte à industria, há em nosso filosofo mais amor pela beleza do catolicismo do que pela verdade de qualquer outra fé.

*Existem dois estágios na critica dos mitos...No primeiro ela os trata colericamente como superstições; no segundo os trata amavelmente como poesia...Religião é a experiência humana interpretada pela imaginação...A idéia de que a religião encerra a representação da verdade e da vida, em vez de ser apenas uma simbólica, é absurda. Quem quer que a sustente nunca penetrou com filosofia no assunto...Assuntos de religião nunca devem ser objeto de controvérsia...Procuremos antes honrar a piedade e compreender a poesia corporificada nessas fábulas. 
   
O homem de cultura, então, deixará em paz os mitos que dessa forma confortam e inspiram a vida do povo, e talvez lhe venha a invejar um pouco a felicidade; mas não terá fé em nenhuma vida do além. “O fato de ter nascido é para o homem um mau augúrio quanto à imortalidade”. A única imortalidade que interessa Santayana é a que Spinoza descreve.

“Quem vive no ideal”, diz ele, “e deixa-o expresso em sociedade ou em arte, goza de dupla imortalidade. O eterno absorve-o durante a vida e depois de morto sua influencia arrasta outros a mesma absorção, fazendo-os por meio desta ideal identidade como o melhor que há nele, reencarnações de tudo quanto podia racionalmente esperar que se salvasse da destruição. Esse homem pode dizer sem subterfúgio, ou desejo de iludir a si próprio, que não morrerá inteiramente; tornando-se o espectador e o confessor de sua própria morte e da universal mutação, ter-se-á identificado com o que é espiritual em todos os espíritos; e concebendo-se desse modo pode verdadeiramente sentir-se e saber-se eterno”. [* The Sense of Beauty].