A História da Filosofia moderna gira em torno da guerra entre física e psicologia. O pensamento pode começar com o seu objeto, e por fim experimentar trazer sua mística realidade para o circulo dos fenômenos materiais e das lei mecânicas; ou pode começar consigo mesmo e ser levado pelas aparentes necessidades da lógica e conceber todas as coisas como formas e criações do espírito. A prioridade das matemáticas e da mecânica no desenvolvimento da ciência moderna e o recíproco estimulo da industria e da física sob a pressão comum das necessidades expansionistas, deram a especulação um impulso materialista; as ciências mais bem sucedidas tornaram-se os modelos da filosofia. O despeito da insistência de Descartes, de que a filosofia deve começar com o “eu” e depois projetar-se fora, a industrialização da Europa ocidental afastou o pensamento do próprio pensamento e o pôs na direção das coisas materiais.
O sistema de Spencer fez-se a Expressão culminante deste ponto de vista mecânico. Aclamado que foi como o filosofo do darwnismo, era ele na realidade o reflexo e o expoente do industrialismo; Spencer vestiu a industria com a gloria e virtudes que para a nossa vida inferior parecem grotescas;e sua visão geral era antes a de um mecânico ou de um engenheiro absorvido no movimento da matéria do que a de um biologista sentindo o élan da vida. O rápido crepúsculo da sua filosofia por principalmente devido a substituição no pensamento contemporâneo do ponto de vista físico pelo ponto de vista biológico; pela crescente disposição de ver a essência e o segredo do novo mundo no movimento da vida antes que na inércia das coisas. E, realmente a matéria em si adquiriu vida em nossos tempos: o estudo da eletricidade, do magnetismo e do elétron tem dado um toque vitalistico a física; de maneira que em vez de uma redução da psicologia à física – que era a mais ou menos consciente ambição do pensamento inglês – aproximamo-nos de uma física vitalizada e de uma quase espiritualizada matéria. Foi Schopenhauer quem primeiro, entre os modernos, frisou a possibilidade de tornar-se o conceito da vida mais fundamental e inclusivo do que o da força; e na nossa geração foi Bérgson quem retomou a idéia e quase converteu um mundo cético, graças a força da sua sinceridade e eloqüência.
Bérgson nasceu em Paris, em 1869, de descendência francesa e judia. Foi um ardoroso estudante que recolheu todos os prêmios acenados pelo caminho. Prestou homenagem às tradições da ciência moderna especializando-se a principio em matemática e física, mas suas faculdade de analise breve o pôs face a face do problema metafísico que se esconde atrás de cada ciência; e voltou-se espontaneamente para a filosofia. Em 1878 entrou para a Escola Normal Superior,e depois de graduar-se foi nomeado para reger a cadeira de filosofia no liceu de Clermont-Ferrand. Lá, em 1888, escreveu o primeiro livro - Essai sus lês domnées immédiates de la cosnciencie. Oito anos calmos se passaram antes que aparecesse o imediato – Matièreet Mémoire. Em 1898 tornou-se professor da Escola Normal, e em 1900, do Colégio de França. Em 1907 ganhou fama universal com a sua obra prima – L’Evolution Créatrice e passou a ser a figura mais popular do mundo filosófico, tendo em 1914, para remate do seu sucesso, a inclusão dos seus livros no Index Expurgatorius. Nesse mesmo ano foi eleito para a Academia Francesa.
É curioso que Bérgson, o Davi destinado a abater o Golias do materialismo houvesse sido na mocidade um devoto de Spencer. Mas o muito conhecimento leva ao ceticismo; os mais devotados do primeiro momento são os mais prováveis apostatas, como os mais precoces pecadores se tornam santos na velhice. Mais estudou Spencer, mais ficou Bérgson consciente das três juntas reumáticas do materialismo mecanicista; o ponto ente a matéria e a vida, o ponto entre o determinismo e o livre arbítrio. A paciência de Pasteur havia desacreditado a fé na abiogenese [geração da vida pela matéria não-viva]; e depois de cem anos de teoria e de mim experiências vãs, os materialistas não estavam mais perto da origem da vida do que no começo. De novo embora o pensamento e o cérebro mostrassem suas ligações, o modo dessa ligação permanecia ignorado.
ð Se o espírito era matéria e cada ato mental uma resultante mecânica de estados neurais, por que a consciência?
ð Por que não poderia o mecanismo material do cérebro dispensar esses “epifenomenos”, como o honesto e lógico Huxley lhes chamou, essa aparentemente inútil flama emitida pelo calor da comoção cerebral?
ð E, por fim, era o determinismo mais inteligível que o livre arbítrio?
Se o momento em que estamos nada encerra de escolha criativa, e tudo é totalmente o produto mecânico da matéria e do movimento do momento anterior, este, do momento que o procedeu, e assim por diante até chegarmos a nebulosa primária, causa total de todos os eventos posteriores, então cada verso de Shakespeare e cada sofrimento de sua alma e cada grito de Hamlet, Otelo, Machbeth ou Lear já estiveram remotissimamente nessa remotíssima nebulosa legendária. Que saque sobre a credulidade! Que volta à fé tal teoria exige desta geração descrente! Que mistério ou milagre do Novo ou do Velho Testamento será metade tão incrível como este mito fatalista – esta nebulosa compondo tragédias em um certo estágio do seu evoluir? Havia material bastante para a rebelião; e se Bérgson ganhou tão rápida fama foi porque teve a coragem de duvidar do ponto em que todos os piedosos duvidadores criam.