17 de mai. de 2010

Segredos da Mente _ A Verdade por Trás dos SÍMBOLOS


Presentes de forma espontânea no nosso dia-a-dia, os símbolos escondem um significado emocional importante para a compreensão da nossa própria história psíquica.

Para começar, um exemplo de um objeto que s torna um símbolo: ‘uma mulher perde, na pressa da faxina, seu anel de casamento. Inicialmente é possível encontrá-lo. A mulher pensa em fazê-lo depois da faxina; fica nervosa, intranqüila: será que o jogou fora com a água suja? Ela começa a refletir: será que a perda do anel tem algum significado? “Que direi ao meu marido?” Ela tenta se acalmar: “Ora, é apenas um anel!” Mas não é apenas um anel, é um anel de casamento. Sente medo de precisar contar o fato ao marido: curiosamente, fica com sentimentos de culpa. Nisso ela experiência seu marido como alguém muito compreensivo.

Por acaso sua amiga passa por ali. A mulher imediatamente lhe conta o que aconteceu. A amiga, uma pessoa resoluta, logo diz: “Está bem claro que por uma mera faxina você perde a relação com seu marido.”

A mulher reflete sobre a relação com o marido, tenta lembrar-se de quais sentimentos e expectativas associou a esse anel. Ela se pergunta se realmente não quer mais a relação. E também se pergunta por que sente tanto medo.

Não se pode separar a perda do anel de seu significado. O meda da reação de seu marido aponta para isso. O marido que ela não teme de modo algum. É o medo de poder perder ou ter perdido essa totalidade na relação, simbolizada pelo anel; em todo caso, mesmo que se compre um novo anel, é o medo de que surja o tema separação, que é assustador. Por isso, o impulso da separação é freqüentemente projetado sobre o(a) parceiro (a), de tanto que se temem as reações do(a) parceiro (a) em lugar dos próprios impulsos de separação.

Outros significados ou interpretações não ocorrem à mulher nessa situação. Ela poderia ter pensado que um novo anel era esperado, como expressão do desejo d renovar a relação com o parceiro, pois já se distanciara claramente bastante do velho anel.

Escolhi esse exemplo para tornar compreensível o fato de inicialmente se tratar, no tocante ao ‘símbolo’, de um objeto cotidiano percebido pelos sentidos, mas que aponta para algo encoberto, enigmático, para um significado e para um excesso d significado, tudo que não pode ser esgotado no primeiro momento. Esse objeto cotidiano e seu significado não devem ser separados.

SOBRE O CONCEITO ‘SIMBOLOS’_ A palavra ‘símbolo’ origina-se do grego ‘symbolon’, um sinal de reconhecimento. Na Grécia antiga, quando dois amigos se separavam, quebravam uma moeda, um pequeno prato de argila ou um anel. Quando o amigo ou alguém de sua família voltava, tinha de apresentar a sua metade. Caso ela combinasse com a outra metade remanescente, esse alguém teria revelado sua identidade de amigo e tinha, assim, direito à hospitalidade.

A etimologia mostra o símbolo como algo composto. Apenas quando combinado é um ‘símbolo’, tornando-se símbolo de alguma coisa: nesse exemplo ele está como representante da realidade espiritual da amizade e – apontando para além da amizade pessoal – da amizade de famílias, juntamente com o direito à hospitalidade. Nesse caso, o símbolo – e isso se aplica a todos eles – é um sinal visível de uma realidade invisível, ideal. Portanto, no símbolo observam-se dois níveis: * em algo externo, pode-se revelar algo interno, em algo visível algo invisível, em algo corporal o espiritual, no particular o geral. Na interpretação,procuramos a realidade invisível por trás deste algo visível e sua conexão. Nesse processo, o símbolo caracteriza um excedente de significado, nunca poderemos esgotar inteiramente seus significados.

O símbolo e o que nele está representado têm uma conexão interna, não devem ser separados um do outro, e é nisso que o ‘símbolo se distingue do sinal’. Sinais são acordos fixados por meio de uma declaração, não possuem um excedente de significado, mas são representantes. Consideremos, como exemplo, o sinal ‘faca em cruz com um garfo’ para restaurante: poderíamos substituir faca e garfo por meio de um novo acordo. Aceitaríamos um prato com uma colher como sinal para restaurante. Com um sinal não se retrata nada de encoberto, enigmático, é uma simples função de representação, indica-se algo. Sinais podem ser substituídos e adaptados ao gosto da época.

Símbolos não podem ser substituídos mediante um acordo. Vamos tomar, por exemplo, a cor vermelha: as cores são, para além de sua qualidade corante, portadoras de significado. Relacionamos o vermelho ao sangue vermelho, que experienciamos existencialmente: e assim o vermelho ganha o significado de vida, vivacidade, sofrimento, paixão, etc. Mal se pode pensar em criar uma convenção segundo a qual se simbolizaria por meio da cor verde tudo que tem a ver com sofrimento, paixão, emoção ardente. Não podemos dar outro significado a um símbolo mediante um novo acordo, pois esse significado vincula-se diretamente à imagem.

O sinal é compreensível de modo bem mais racional,fala ao intelecto, sendo, por este motivo, usado na matemática, na ciência e no processamento de informações. O símbolo é muito mais irracional, não totalmente compreensível.

Não obstante, o sinal pode assumir o caráter de um símbolo. Tomemos, por exemplo, o numero: é um sinal, estipula-se que o dois é sinal para duas unidades, designando uma quantidade. Mas podemos encarar o numero qualitativamente: o numero 13 é o sinal para 13 unidades no sistema decimal; no entanto, pode-se dizer do 13 – de um ponto de vista qualitativo – que é um número de ‘sorte ou de azar’, etc. A ele são atribuídos um conteúdo, uma qualidade. Sinais podem converter-se facilmente em símbolos, especialmente quando nos aproximamos do mundo com uma postura simbolizadora.

O APARECIMENTO DE SÍMBOLOS_ Experienciamos símbolos nas imagens oníricas,em fantasias, em metáforas poéticas, em contos de fadas, em mitos, na arte, etc. Os símbolos podem surgir e ser representados de maneira bastante espontânea.

Um exemplo: durante a discussão de uma conferencia sobre relacionamento conjugal, um ouvinte pintou vários bodes num folha de papel. Ele os pintava de modo cada vez mais selvagem, com demasiada energia. Em certo momento, recua e olha seu último bode com uma expressão de satisfação no rosto. Agora, o bode parecia estar de acordo com sua intenção.

Quando lhe perguntei por que acabava de desenhar bodes com tanta dedicação, olhou-me espantado [como se eu estivesse lhe comunicando nesse momento que ele desenhou bodes]. E concordamos com o fato de que deveria se tratar de uma formação espontânea de símbolos. Mas um símbolo para que? Um símbolo para o orador? Para um participante da discussão? Um símbolo para a parte suprimida da conferencia? [na conferencia não se falou do âmbito sexual]. O bode pode ser um símbolo para esse homem nesse momento, ele próprio talvez se sinta um pouco como um bode. Ludicamente tentamos relacionar esse símbolo ao cotidiano. De repente, ele diz: “Agora me lembro: isso provém do fato de eu ter visto, hoje de manhã, ilustrações do lobo e as sete cabritas.” Olhei irritada para ele, eu vi um bode e não um lobo. Ele notou minha irritação: “Ah, realmente não pode ter vindo daí, afinal não é nenhum lobo”.

Quando olhamos mais de perto o conto de fadas do lobo e as sete cabritas, perguntamos categoricamente; por que a cabra não tem um bode, onde está o pai das sete cabritas? Ele é que poderia proteger os filhos. Transmiti essas reflexões ao desenhista, e ele me contou que, pela manhã, tivera uma discussão com sua mulher. Tratava-se dele, portanto, do pai tão freqüentemente ausente. Agora, tornava-se compreensível para o desenhista o seu símbolo ‘bode’.

Havia a probabilidade de que naquele momento ele descobrisse mais níveis de significação. Mas é muito comum sentir-se satisfeito quando um nível de significação faz sentido emocionalmente.

Símbolos mantêm sua importância por certo tempo; a vida se torna significativa em conexão com tais símbolos; em algum momento, eles passam para segundo plano, e outros tornam-se mais importantes. Quando as pessoas vivem com símbolos, a historia de vida pode ser reconstruída por meio deles, e fica claro que símbolos têm um tempo de origem, um de floração e um tempo de perecimento.

Símbolos surgem não apenas em longos processos terapêuticos, eles podem irromper espontaneamente a partir de situações de vida. A pergunta é apenas esta: nós os aguardamos e lhes dedicamos atenção?

A ATITUDE SIMBOLIZADORA_ Há símbolos que se nos impõem numa situação de vida, símbolos que percebemos como imagens a partir dos sonhos, fantasias que mal conseguimos repudiar, etc. Há também ‘uma atitude simbolizadora’ como atividade do eu, como mostra o seguinte exemplo:

‘Um homem dirige seu carro ao mesmo tempo fala com sua mulher sobre seus planos profissionais. Ele fala interessado e dirige o carro com bastante afinco. O trânsito se torna cada vez pior, ele fala e xinga, e em certo momento vem o grande engarrafamento, e diz:
- Agora ficamos encalhados. Mas que absurdo é esse, dirigir quando a gente sabe que vai ficar preso!
De repente ele fica pensativo e diz:
- Como não percebi que isso é um símbolo? Agora está tão claro para mim seu significado: profissionalmente, faço tudo como desenvolvi previamente, e no fim para num engarrafamento, fico preso, ficamos presos, pois não temos mais nenhuma liberdade de movimento. Impera um sentimento inteiramente miserável.

Para ele o engarrafamento possui o sentido de chamar a atenção para o fato de o plano formulado poder ter um aspecto perigoso.

Simbolizar significa descobrir o segredo oculto na situação concreta. Assim, o cotidiano concreto sempre teria um lado oculto, enigmático, e teria também a ver conosco. Essa maneira de ver vai bastante longe para muitas pessoas, principalmente quando se pensa: o símbolo seria bom para quê? O símbolo tem um aspecto que aponta para o futuro, mas em geral ele é muito enigmático para poder dizer linearmente a alguém o que é bom na situação atual.

Apesar disso, podemos questionar se toda a concretude não possui um significado oculto: o engarrafamento é um símbolo para a situação difícil que criamos para nós mesmos. A única questão é se não seria mais sensato ver situações coletivas como símbolos para problemas coletivos e, em tais circunstancias, conceber-nos inseridos com nossa temática de vida em situações coletivas e então buscar transformações. A pergunta sobre o significado oculto, enigmático é também uma pergunta sobre o sentido. A psicologia de Jung é continuamente julgada como ‘ávida de sentido’. A atitude simbolizadora é, de fato, parte essencial da terapia junguiana, ela está refletida no conceito teórico da interpretação no nível subjetivo e no objetivo, e no pensamento de que o externo é também interno e o que está no macrocosmo está no microcosmo. Mas a atitude simbolizadora é também uma atitude humana muito natural. Quando estamos, por exemplo, diante do mar, nós o percebemos primeiro com todos os sentidos à nossa disposição; talvez percebamos como nos sentimos nessa ocasião. Constatamos então que o mar não é apenas água, mas que transmite, por exemplo, a experiência da ‘infinidade’. O tema ‘eu e a infinidade’começa a nos ocupar, ou o tema ‘eu e o ritmo do eterno ir e vir’. Quando observamos o mar mais detidamente, outros aspectos de nossa psique tornam-se perceptíveis, e finalmente se pode dizer muita coisa sobre ele.

Nessa atitude simbolizadora, trata-se de um processo de projeção: projetamos nosso inconsciente sobre a realidade na superfície. No entanto, não podemos projetar um tema qualquer, mas apenas temas – no tocante ao símbolo – que tenham conexão interna com nossa existência. Simbolizar significa, por um lado, questionar a realidade superficial em vista de uma realidade oculta e, por outro, observar a realidade superficial no espelho dessa realidade oculta, desconhecida para nós.

O ENVOLVIMENTO COM O SÍMBOLO_ Para vivenciar os símbolos realmente como tais – e em última análise o que importa é a vivência -, devemos estar prontos para nos deixar tocar emocionalmente por eles.

Um exemplo: Um homem de 35 anos, durante sua terapia, diz: ”Tive um sonho com um menino de 7 anos, que chorava. Eu ficava impaciente, aquela criança devia parar de chorar”. Casualmente, ele me diz que esse sonho nada significa, pois a realidade é assim mesmo, as crianças sempre choram e ele não queria, por isso, ter filhos. Ele não é casado. E não quer saber mais nada a respeito desse sonho.

Já que o sonhador não tem, de inicio, nenhuma relação com o símbolo, é tarefa minha estabelecer a relação simbólica. Se ele tivesse filhos nessa idade, poderíamos perguntar se lida com eles de modo tão impaciente. Poderíamos pensar que há em sua vizinhança uma criança de 7 anos que sempre chora.

Para entrar em contato com o símbolo, deve-se primeiramente questionar o nível de vida concreto e depois ocupar-se com o que está no plano oculto, enigmático.

O que representa essa criança? Representa a própria infância e/ou a idéia de ser criança? Faço a ligação com a infância do analisando com a seguinte pergunta: “Que tipo de criança você era quando tinha aproximadamente 7 anos?”

Ele responde:

- Ah,veja bem, eu era um menino muito chorão, nem mesmo era um menino. Vamos deixar isso de lado.

Imagino esse menino e formulo:
- Posso pensar que você foi um menino rejeitado, para o qual as pessoas adorariam ter comprado um sorvete.

Ele:
- Então você gosta de meninos chorões?

Respondo:
- Eles despertam em mim a necessidade de consolá-los e de fazê-los sorrir.

Ele:
- Ah!

As perguntas e minha fantasia levam-no a sentir em si essa criança de 7 anos e que ela ainda existe nele.

Durante semanas, tentamos permanecer em contato com esse lado, o que é possível por meio de minha empatia com o menino de 7 anos que o analisando foi outrora. Assim entramos em contato com o símbolo.

Quando estabelecemos relação com um símbolo, tudo o que está ligado a ele torna-se repentinamente vivo. Com o símbolo ‘criança’ a lembrança torna-se viva; que tipo de criança eu era? Como foi minha infância? Como lido com meus próprios filhos? E logo desperta o sentimento de vida que se tinha na infância: o futuro ainda está à minha frente; espera apenas que eu cresça. Contudo, esse símbolo não se refere só a própria infância, é também um símbolo de abertura ao futuro, da vontade de vida, da constante renovação. Embora saibamos que somos adultos e estamos, por isso, comprometido com várias coisas, é o sentimento de vida do tornar-se novo que se aproxima de nós no símbolo criança; o sentimento do despertar e do perigo do despertar. Experienciar esse sentimento de vida é importante justamente para pessoas com a vida difícil.

Um símbolo com o qual nos envolvemos ativamente pode vivificar toda uma série de experiências psíquicas, mas isso ocorre apenas quando entramos em contato com ele emocionalmente. Se não for esse o caso, podemos discorrer sobre toda a mitologia, apresentar todo elemento da mitologia da ‘criança divina’: o efeito não será especialmente notável. No entanto, sabemos ao menos que tivemos um sonho muito significativo, o que às vezes tem um efeito; transmite-se o sentimento de que espontaneamente acontece algo significativo em nossa vida. Mas toda a eficácia contida no símbolo e a energia presa nele são liberadas apenas quando conseguimos nos envolver emocionalmente com ele.

Assim, quando um símbolo se torna significativo ou nosso envolvimento emocional com ele se torna possível, inicialmente toda uma multiplicidade de interpretações do símbolo irá nos ocupar.

Símbolos são categorias de condensação: uma gama de associações está atada a um símbolo; para nossa necessidade de clareza, um aborrecimento, para nossa necessidade d mistério e sentido, uma mina de ouro.

No símbolo também são expostas lembranças de âmbitos da vida que não gostaríamos de recordar, são vivificadas expectativas angustiantes, pois não-conciliáveis com a auto-imagem que formamos de nós mesmos. Por isso deve-se contar com mecanismos de defesa no envolvimento e no trabalho com símbolos.

Apesar das dificuldades, dos mecanismos de defesa, podemos admitir: se um símbolo é emocionalmente significativo para nós, prestamos atenção ao deparar com ele na literatura, em conversas, na arte., etc. Começamos a nos lembrar de coisas de nossa história de vida na perspectiva do símbolo vivificado; muitos fatos do passado são visíveis nele, e não só o passado pessoal, mas também o passado dos seres humanos tais como os conhecemos na mitologia, nos contos de fadas, na arte, na literatura. A expectativa também está ligada ao aparecimento dos símbolos, e até mesmo à esperança de uma abertura, de uma vida melhor.
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[Texto de Verena Kast_ Excerto do segundo capitulo do livro A Dinâmica dos Símbolos – Fundamentos da Psicoterapia Junguiana, publicado pelas Edições Loyola, tradução:Milton Camargo Mota].