Mas o diabo ri, pois encontra a brecha
E o muro desmorona ao sopro do tentador.
Se não houvesse muro, não haveria brecha.
Nenhuma fortaleza é intransponível.
A união é o remédio contra o espírito temível”.
TERRA -
Quanto mais avançamos na história da humanidade, menos a Terra é dividida por fronteiras, embora pareça que os homens se unem para melhor se odiarem. Mas se o movimento natural tende para a união dos Estados, ele é muito lento e os sentimentos nacionalistas e de independência estão exacerbados pelo peso das alianças que, ao produzirem um aumento da tensão internacional, causam a negligencia das particularidades internacionais. Antigamente as tribos compartilhavam a terra, hoje são as nações que o fazem. Mas na realidade, após o desaparecimento da cisão Oriente-Ocidente, damo-nos conta de que a oposição é bem diferente daquela do “capitalismo-comunismo” e que são a democracia e a ditadura que se defrontam, tendo esta última um terreno privilegiado: a crise econômica. E sempre o pobre é o mau e o rico, o bom. Entretanto, se pensarmos na união do mundo, veremos que o mau pode ser englobado pelo bom.
Alguns países se recusam a fazer parte de qualquer aliança, alegando o desejo de preservar sua neutralidade. É uma idéia: a agressividade é decuplicada pelo grupo. As guerras mundiais estão muito longe dos pequenos combates tribais como os que aconteciam, por exemplo, entre os índios da América. Quanto menos a Terra é dividida, mais as guerras são destrutivas. Contudo, não é necessário voltarmos à Idade da Pedra, e a neutralidade pode ser uma mostra de egoísmo. Um bom método de lutar contra a agressão consiste em desativar o impacto territorial, permitindo a cada um a liberdade de acesso total e a escolha de seu local de residência. Como? Suprimindo as fronteiras pela criação de uma só nacionalidade, uma supra-nacionalidade, a do Homem. Nosso tempo está contado; o novo tempo tem urgência de chegar.
Isto pode ser feito já. Não obstante, mesmo que a união seja completada, será necessário impedir a repetição de qualquer guerra. Como? Sublimando os conflitos, desfazendo as diferenças e os diferentes. Para evitar que a agressividade humana se dirija para a guerra sangrenta e assassina, existem duas medidas possíveis. A principal é o desarmamento total do Globo. A segunda medida é a utilização de práticas lúdicas e esportivas por meio de ‘despressionar’. Certamente será o caso de inventar outros esportes, outros jogos, que reúnam muitas pessoas, por exemplo, e que se pareçam com uma guerra, onde o número de participantes será muito importante, mas que se diferenciará pelo fato de não envolver nenhuma matança. O esporte, os jogos em geral, são a chave da felicidade. Poderão ser organizados encontros entre os diversos departamentos do mundo, que hoje são as nações. Que todos joguem, dancem, tornem-se crianças.
A idéia, na verdade, é focalizar os instintos humanos de rejeição, que realmente existem e que não podem ser sufocados sem que as conseqüências sejam nefastas; e essa focalização deve se operar pela ritualização lúdica: o jogo constitui um ritual de agressividade. É um prazer participar de jogos porque nos fazem sentir que dominamos o mal: matamos sem matar. O homem tem meios de transformar sua agressividade em horror, pelos modernos armamentos, mas também em felicidade, pelo jogo. A escolha entre o bem e o mal é sempre do ser humano. Ou ele se deixar enredar ou faz agir seu poder de controle. A maldade humana é igualmente o “berço da alegria”. Não há ódio que não possa transformar-se em amor. O mal não existe, porque tudo é Deus. O veneno pode tornar-se antídoto. É uma questão de transformação, uma questão de medida, um problema para o homem, o mais cruel dos animais, sendo contudo aquele que mais se assemelha ao seu criador.
Entretanto, existem outras condições para a completa união das nações. Essas condições podem ser resumidas em uma só palavra: intercâmbio – lingüístico, étnico, religioso, político, econômico, social. Em resumo, a unificação territorial é mantida pela troca, e o jogo é uma delas. É através dos encontros que os grupos se deformam - já sabemos que a aliança e o grupo aumentam a agressividade ao exaltarem o sentimento de ‘pertencer’, ou seja, a possessividade, nem mais nem menos. O grupo é o sectarismo, o dogmatismo: além do simples fato do indivíduo se inscrever num conjunto de homens, ele se apega ao mesmo e assume obrigações, ou, se não é ele que as assume, é o grupo que as impõe. Chega um momento em que o indivíduo perde a sua essência, que se dissolve na massa, sendo substituída pela personalidade constituída pelos hábitos do grupo. O homem nasce homem, mas torna-se um autômato. A divisão da humanidade pela compartimentalização provocou seu aprisionamento. O ser humano é prisioneiro de si mesmo;ele suprime seus apegos naturais porque não quer mais ser dependente da Mãe Natureza, e então os substitui por hábitos artificiais, falsos. O problema é bem este: o natural não é elevado, é simplesmente substituído, o homem passou do estado de animal ao de máquina. Os costumes selvagens são trocados por costumes estereotipados, tolos e disciplinados.
Como todo planeta, a Terra tem forma esférica; ora, a esfera é uma forma unidade, sem ‘propensões’, então nada nem pessoa alguma, por conseguinte, tem o direito de apropriar-se de uma parte dela. Também a hóstia tem a mesma imagem na religião cristã:símbolo de doação, um meio de ultrapassar o estado de criatura. Não, a Terra não existe para ser repartida - inteira ela nos foi dada, inteira deve permanecer, e não ser dividida por uma tantas idéias ultrapassadas. Cada grupo se apodera de uma parte do globo, sem se dar conta por um só momento de que essa atitude priva e restringe os outros. Disso decorrem comportamentos racistas e nacionalistas, e é então que ouvimos propostas que soam mal:querem que os estrangeiros voltem para o lugar de onde vieram e dizem:”cada um em sua casa...”mas não estão todos os homens em seu lar aqui na Terra?
Imaginemos o que encontraria um extraterrestre que tivesse descoberto nosso planeta: um mundo desunido, com povos que se detestam e discutem como jovens adolescentes.
Isto não é mais segredo – a posse da Terra é o fermento de todas as guerras e divisões entre os homens. Verificamos isso cada vez que uma nação se torna independente: a religião ou etnia serve de pretexto para uma aquisição territorial. E a motivação principal é o medo: o medo de errar, o medo do vazio, o medo de não ter nenhum apoio. No entanto, Deus é o apoio mais seguro, não em baixo mas em cima. É nessa mudança de registro que a humanidade pode encontrar o remédio contra todas as guerras.
“O Universo é um mundo bem mais vasto que a Terra, e está cheio de vida!”.
LÍNGUAS –
As diferenças lingüísticas são as cores da palavra. Conhecer esse arco-íris constitui a ponte lingüística.
Precisamos admitir que o aprendizado das línguas estrangeiras mantêm a amizade entre os povos. Não se trata de rejeitas a diversidade de palavras. As pessoas são bastante inteligentes para compreenderem mais do que sua língua materna, e isso pode ser feito através, da escola e, melhor ainda, através de viagens.
Ademais, o progresso das técnicas de comunicação encurta as distancias, dando ao globo terrestre uma maior acessibilidade, tornando o mundo familiar. Só que esse tipo de contato é artificial, indireto.
Vemos que viajar é para a palavra o que os jogos são para a Terra, a sublimação do contato. Ninguém deve se sentir estrangeiro. É preciso ir além do impacto das diferenças da palavra pela integração dessas diferenças no individuo, enriquecendo-o, pois dividir a palavra é dividir o ser humano – eis que o homem é verbo. O verbo é o liame entre o sujeito e o complemento do objeto, o homem é o liame entre Deus e a Matéria. As línguas do mundo são riquezas que permitem compreendê-lo, cada um a seu modo, cada uma delineando melhor certos domínios que outras, sendo o todo maravilhoso.
Na ausência da medida que acabamos de preconizar, a Terra nunca ficará unida. Lembremo-nos da história bíblica da torre de Babel, onde os seres humanos foram divididos pela diferenciação de sua linguagem em muitos idiomas. É preciso fazer voltar o homem ao estágio em que podia falar com todos os seus congêneres, onde todos podiam se entender e se ouvir, se compreender, e com isso não precisavam se altercar com quem quer que fosse. O que torna o ser humano superior aos animais é que ele foi dotado de uma alternativa de confrontação.
Dividir a palavra é,portanto, dividir os homens. Podemos contar com a forte natureza social do ser humano: ele ama se comunicar, trocar idéias. Isso fatalmente levará todo mundo a se auto-ensinar, tal como uma criança aprende escutando os adultos. Portanto, não será esse um aprendizado forçado, e sim vivo. Seria inútil tentar aprender todas as línguas faladas no mundo, o essencial é ter o desejo de aprender a palavra do outro a fim de compreendê-lo. Esse impulso é suficiente para transpor o abismo lingüístico.
É o múltiplo no UM que caracteriza o homem evoluído, e é esse o propósito de minhas idéias. Constatamos que, definitivamente, a palavra não é dividida e sim multiplicada, contudo os homens isolaram as múltiplas línguas, isolando-se uns dos outros, o que provocou o inverso do efeito que se poderia prever: em vez de UM MÚLTIPLO, a divisão. Não é uma adição, mas uma multiplicação que faz a união das línguas. A divisão preserva as diferenças, mas é uma preservação arriscada, pois uma diferença pode ser anulada por outra, já que a divisão cria o conflito, enquanto que a multiplicação preserva as diferenças sem risco, e as enriquece.
=> O lobo não teme o rebanho de carneiros, porque estes são egoístas, sendo unidos só em aparência e não em realidade.
O que conta não é o número de homens, mas a força do laço que os une para formar, por exemplo, um bom exército.
Um homem que fale muitas línguas não pode ser impedir de entrever e sentir a universalidade de seu ser, a multiplicidade de sua individualidade. É tão simples obedecer os instintos de casta, os impulsos primários e territoriais, mas o novo ser humano deverá colocar-se acima dessa animalidade, e por isso será necessário que ele seja sadio de espírito para poder suportar a imensidade de seu aspecto universal. É preciso que ele não tenha problemas de identidade como, por exemplo, os que encontramos entre tantos jovens de hoje, tão preocupados em manter seu ‘look’ mas negligenciando sua centelha interior. É preciso acabar com as mentiras publicitárias que aviltam a imagem do homem. O novo homem, indignado com as infames imagens do passado, varrerá as imbecilidades materialistas. È tempo de revolução.
Não esqueçamos que a harmonia perfeita está além das palavras. É um lugar sem palavras. Uma palavra é um espaço, um quadro dentro da realidade que não engloba; assim, valem mais muitos espaços [quadros] do que um só. O poliglota tem a tendência de expressar certas coisas numa língua mais que em outra [o espaço ou quadro está mais bem centrado]. A comunicação é o atributo de todos os homens e o sorriso é sua prova irrecusável.
Cada um de nós nasce, não com a palavra, mas com o dom da palavra. Cada um de nós aprende a falar; a fala é algo que se adquire como se fosse uma roupa; as diferenças são apenas diferenças exteriores.
O ser humano tem por característica identificar-se com o seu ambiente; a psicologia denomina isso de “introjeção”. Ele tem uma faculdade enorme de transformação, acomodação, adaptação. Aprender outras línguas, conhecer outras culturas, viajar, tudo isso traça o caminho para o homem universal.
POVOS _
Palavras de um índio Yaqui:
“ Prometi ao meu pai que viveria para destruir seus assassinos. Durante anos essa promessa permaneceu em mim. Agora ela mudou. Não estou mais interessado em destruir quem quer que seja. Não sinto mais ódio pelos mexicanos. Não odeio ninguém. Aprendi que os incontáveis caminhos que cada um percorre na vida são todos iguais. No fim, opressores e oprimidos se encontram, e a única coisa importante que resta é que a vida foi curta demais, tanto para uns como para outros. Hoje estou triste, não por causa da maneira como meu pai e minha mãe foram mortos. Sinto-me triste porque eles foram índios. Viveram como índios e morreram como índios. Nunca souberam que acima de tudo eles eram SERES HUMANOS”.
Desde o nascimento da humanidade, os grupos étnicos se aproximaram, dessa forma assegurando ao grupo um potencial cultural e genético. Esse contato étnico se desenvolveu continuamente no decurso do tempo e até os nossos dias, quando as mudanças econômicas proporcionaram a abertura de fronteiras às pessoas [mas sobretudo aos bens]; os países não se isolam mais. Isso conduziu ao aumento do turismo, o que provocou uma ligeira familiarização entre os povos. Mas o caleidoscópio étnico é intenso nos Estados de união: os povos se unem e o progresso não tarda em chegar. Podemos tomar como exemplo o caso dos Estados Unidos, onde o “melting pot”[1] se mostra muito benéfico, na medida em que traz para o país as qualidades de cada nação do Globo. Ainda falta deixar que as diferenças se expressem.
Trata-se de perceber o Homem acima da raça, algo que, aliás, já deixou de existir há muito tempo, exceto, talvez, entre algumas tribos isoladas. O mito da raça pura é uma aberração e se a mescla tiver de ocorrer, ocorrerá a despeito de tudo. Mistura genética ...bastardização, dirão alguns. Ora, isso não é uma perda das diferenças individuais, muito pelo contrário, seja o que for que os geneticistas queiram provar. É assim que se obtém mais diferenças, que são menos marcantes. Em suma, grandes diferenças são eliminadas, e no fim das contas os indivíduos continuam diferentes, apenas suas diferenças lhes são próprias, individuais. Não haverá mais diferenças entre grupos, as quais são causadoras de problemas. Todos serão iguais porque todos serão diferentes.
Nada temos a temer quanto às raças humanas ficarem mais divididas ainda, porque poderemos considerar melhor a espécie humana antes da questão da raça, e a ideologia hitleriana será completamente varrida pela ideologia contrária.
De qualquer forma, é essencial que os povos mantenham o contato entre si, não se isolem mais uns dos outros e se habituem às suas diferenças.
No final, perceberemos que não pode haver verdadeiramente uma uniformização racial e sim uma ‘desracialização’; conseqüentemente, o fim racismo. É preciso desarraigar completamente o ódio racial.
O fenômeno inverso do intercâmbio genético é a união consangüínea, e será supérfluo voltar a demonstrar seu aspecto negativo. Os faraós, por exemplo, pagaram caro por esse costume.
Desde os primórdios da humanidade os grupos se misturaram, e há muito tempo que praticamente não existem mais raças puras; o que, aliás, é uma felicidade, pois longe de serem superiores como pretendem alguns, elas são na realidade as menos adaptadas. Por isso os povos que se isolam estão sendo arrasados por aqueles que se intercomunicam com os demais.
Assim, cada povo tem sua cultura e o intercâmbio entre os povos não significa a perda das diferenças culturais, pois num clima de troca não pode haver predominância, sendo que só num clima de competitividade é que esse termo adquire realidade, e só nesse tipo de clima podemos qualificar esta ou aquela cultura como ‘imperialista’. Não tenhamos receio, o relacionamento com o outro não causa uma confusão na individualidade, pois é no jogo das interações que o indivíduo se descobre. Mas as relações sem fronteiras, sem discriminação racial, destroem o sentimento de ‘pertencer contra’ e formam um sentimento de ‘pertencer a favor’: a união dos povos para a glória de Deus. Sabemos que um bom meio de unir os indivíduos é fazê-los lutar contra um inimigo comum – seria o caso do ‘pertencer contra’, voltado para a destruição. Mas a aliança voltada para a construção, o laço positivo, embora necessitando mais elaboração, é sempre mais durável.
“Se és diferente de mim, longe de me prejudicares, me enriqueces”. [Antoine de Sainda-Exupéry].
O ódio,o medo do estrangeiro, o racismo, a xenofobia, não tam mais peso num mundo de viajantes – Saint-Exupéry era aviador.
Como é seguro ficarmos fechados no enclave das particularidades nacionais ou raciais, enquanto a grande aventura do Homem nos chama! O nacionalista vive envolvido pelo medo do esquecimento, o medo do fim da história de seu povo, o medo da mistura [ o gene jamais se mistura, ele sobrevive], o medo do outro - contudo a morte o chama assim mesmo.
A larva tem medo de se tornar borboleta.
Não é a mão que nos distingue do macaco, não é o cérebro que nos distingue do golfinho, nem é a conjunção de duas pessoas que distingue os povos abertos das tribos fechadas, mas a heterogeneidade – é esta que permite ao homem evoluir, pela conjunção das diferenças, pela troca. Um individuo heterogêneo, está mais apto a responder à heterogeneidade do meio ambiente.
O racista encerra o outro em sua pele. Não se nasce preto nem branco, os outros nos tornam assim. Pois é preciso que todos tomem consciência de que o homem é, acima de tudo, INDEPENDÊNCIA. No entanto, é errado dizer que quanto maior a diferença maior o ódio. Os acontecimentos da atualidade mostram o contrário: guerras civis ou étnicas, fratricidas. Para que haja ódio é preciso sobretudo que haja um centro de interesse, e para isso é necessário que haja semelhança. Ninguém odeias as plantas!
Em psicologia, encontramos o mesmo fenômeno. O amor nasce ao mesmo tempo da semelhança e da dessemelhança, é preciso que o outro contribua com a surpresa e a confirmação de si mesmo, é preciso que no outro nos encontremos parcialmente, a fim de evitar a estranheza e a alienação.
Num outro domínio, a psicologia de grupo, notamos o papel do bode expiatório, o laço de ódio que une os outros membros do grupo. Esse tipo de comportamento vergonhoso e covarde não pode ser encontrando num mundo unido, numa esfera que dele só tem o nome..
Esquematicamente:sejam 2 entidades [grupos ou indivíduos]
1_[a] [b] = indiferentes.
2_[]a => & b = uniformizados, só existe um grupo.
3_ a<= [[]] => b = detestam-se.
4_ [a[b]] = amam-se.
Eis por que é preciso criar laços na humanidade sem uniformizar, sem querer eliminar as diferenças, e sem separar;pois sempre haverá diferenças e, não obstante, todo homem se parecerá com outro homem.
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Notas
[1] Melting Pot: termo americano que caracteriza a mistura, a fusão de diferentes raças e nacionalidades nos Estados Unidos.
[*] Texto de:Joseph Choukroun.