Será o homem a única realidade?
Os filósofos conhecidos como solipistas sustentam que não há outra realidade a não ser o próprio EU;em outras palavras, toda experiência é considerada uma fantasia, não havendo qualquer existência exterior que lhe corresponda. Muitos pensadores ilustres, porém, tem refutado esta TEORIA de modo lógico e racional. As noções verdadeiras vivenciadas pela mente têm sua origem nas impressões dos sentidos objetivos do homem. O homem pode distorcer as impressões de seus sentidos a um estado de fantasia. Não obstante, ‘alguma’ coisa existe por detrás da fantasia; não se trata pura e simplesmente de um produto da consciência humana.
No entanto, não podemos presumir que a mente do homem seja um espelho da realidade; que aquilo que percebemos seja uma imagem autêntica da realidade. Nem podemos estar certos de que a nossa consciência do que chamamos ‘realidade’ seja sequer uma sombra da mesma, conforme Platão a ela se refere em seu diálogo ‘A República’.
Há uma enorme complexidade entre a natureza dos estímulos de nossos sentidos objetivos e sua interpretação em sensações e, finalmente, em idéias. Conferimos a essas variações exteriores de energia, às quais reage nossa consciência, uma identidade específica, como cor, som, gosto, etc.
Se tais impressões são as mesmas e aparentemente absolutas para todo mundo, constituirão então realidade?
Sabemos que certos comprimentos de onda da luz visível do espectro solar sempre produzem determinadas cores para a visão normal do homem. O mesmo pode ser dito quanto a certas oitavas de som que produzem diversas vibrações para a audição normal.
Mas terão elas a característica de realidade independente da consciência do homem?
Surge a questão:
ð “Pareceriam diferentes estes fenômenos a um ser senciente que não o homem?
ð Alguns animais são cegos às diversas freqüências da luz visível que o homem interpreta como cor. Qual, pois, constitui a realidade?
ð Será a interpretação do homem das energias do ‘espectro eletromagnético’[como as ondas de rádio, ondas infra-vermelhas, ultravioletas, raio-x, e raios cósmicos]a realidade pura?
ð Deverá aquilo que se apresenta ao homem como uma ‘constante’, aquilo que é percebido por todas as pessoas, ser aceito como ‘realidade absoluta?’
O célebre filósofo e cientista ‘Albert Einstein disse:
“A crença num mundo exterior independente do sujeito que o percebe é a base da ciência natural. Entretanto, visto que a percepção sensorial só fornece informação desse mundo exterior ou da ‘realidade física’ indiretamente, só podemos inferir a última por meio especulativos. Segue-se que nossas noções da realidade física não podem jamais ser conclusivas. Devemos estar sempre prontos para mudar essas noções... de modo a fazer justiça aos fatos percebidos de modo mais logicamente perfeito.”
O HOMEM E O COSMOS_
Uma vez que não podemos racionalmente aceitar a TEORIA DO SOLIPISTA, de que o homem é a única realidade, e sim a de que ele é apenas uma minúscula parte do Cosmos, será o ser humano então o único fenômeno a ser admitido exatamente como ele é vivenciado?
Mais sucintamente, será o EU, o nosso ser, o único arquétipo do todo da realidade que nossa consciência pode perceber em sua verdadeira natureza?
O homem ‘existe’, e tudo o mais de que ele tem consciência também ‘existe’; mas existirão o homem e as coisas de que ele tem consciência exatamente como ele próprio as conhece?
Os homens tem em comum um padrão de avaliação pelo qual consideram a existência. Confiam nesse padrão devido à sua universalidade; isto é, todos os seres humanos ‘normais’ tem-no de igual forma. Esse padrão de avaliação consiste nas características dos sentidos objetivos e nas construções mentais que o homem faz dos mesmos. Esses instrumentos de medida inatos são as classificações de:
ð identidade;
ð quantidade;
ð qualidade;
ð continuidade;
ð tempo-espaço [sucessão]; e –
ð causalidade.
I] A ‘identidade’ é mais do que a percepção. Não se trata simplesmente dos estímulos dos sentidos objetivos específicos, como a visão, a audição, etc. Antes, identidade, é a ‘compreensão’ que decorre da experiência. Deve haver uma existência independente; em outras palavras, o que se percebe deve ser compreendido como uma espécie específica ou ‘classe’ de coisas. PÓ analogia, para que uma banana tenha identidade, não basta apenas que ela assuma para nós certa forma, certa cor, e exale um cheiro característico. Deve também ser distinta, isto é, algo em si mesma, exceto no que ela pode ser relacionada a muitas de sua própria espécie, ou àquilo que lhe parece semelhante; assim, ela é ‘identificada’ como uma classe de sensações semelhantes.
Conseqüentemente, quando somos capazes de atribuir identidade a nossas experiências sensoriais, elas assumem então uma ‘relativa’ realidade para nós. Trata-se daquilo a que atribuímos ‘significação’ e existência igual às nossas próprias, no que diz respeito à consciência.
II] O conceito de ‘quantidade’ surge da repetição da mudança espacial ou da repetição de mudança de forma, ou de ambas. Por exemplo, diversas bolinhas de gude do mesmo tamanho e da mesma cor, embora colocadas bem próximas, tem uma variação de espaço em sua posição com relação uma às outras. Esta alteração espacial implica a idéia de quantidade em contraste com a de um único objeto.
Por outro lado, objetos de diferentes cores e formas, embora agrupados, transmitem a impressão de uma repetição de mudança de forma e dos elementos da forma que fazem dos objetos coisas distintas. Obviamente, a ‘identidade’ não pode ser separada da ‘quantidade’. Deve existir aquilo que possa ser ‘percebido como algo’, para que lhe possamos atribuir quantidade. Conseqüentemente, a quantidade é outro fator que contribui para nossa crença comum na realidade da nossa experiência objetiva.
III] A idéia de ‘qualidade’ tem sua origem nas impressões de cada um de nossos sentidos objetivos. Em outras palavras, só podemos julgar a qualidade de algo pela visão, pelo paladar, aroma, som e toque. Quanto mais as impressões dos sentidos objetivos confirmem uma a outra, ou seja, contribuam para a noção de realidade, tanto mais aceitação terá a experiência. A qualidade, não obstante, é uma classificação cultivada. É algo que se avalia da satisfação proporcionada pela experiência daquilo que está sendo percebido. Por exemplo, o que é satisfatório ou prazeroso para nós, chamamos de ‘bom’. Aquilo que proporciona estas sensações é a excelência da natureza da coisa; em outras palavras, é a sua ‘qualidade’. Inversamente, aquilo que não nos é aceitável em níveis variáveis é de menor qualidade.
IV] Espaço e Tempo_ A ‘ continuidade’ ou ‘sucessão’ está relacionada com o conceito de ‘espaço e tempo’. A experiência mais comum de sucessão e tempo constitui-se dos três estados fundamentais de consciência. Em relação ao nosso estado de percepção imediata, como a visão, a ‘memória’ diz respeito ao passado. A experiência imediata por que passamos constitui o presente. Apesar de que a recordação de qualquer acontecimento esteja na categoria de experiência imediata, as impressões da memória não trazem consigo a intensidade das impressões sensoriais diretas. O que percebemos ‘agora’ normalmente causa uma impressão mais real na consciência do que uma imagem da memória.
A ‘imaginação’ sugere a noção de ‘futuro’. A mente ’normal’ pode distinguir a imagem mental criada volitivamente daquela que é ‘percebida diretamente’. Aquilo que imaginamos constitui também uma percepção do presente, porém,sabemos que não se trata da conseqüência de uma experiência sensorial imediata ou de memória. Sabemos que sua apreensão como uma atualidade pode só ocorrer num período posterior; assim, aquilo que imaginamos pode ser considerado parte de um possível futuro.
Vários fatores matemáticos, que dependem do contínuo espaço-tempo, implicam de igual modo o conceito de tempo. Por exemplo, o ponto de referência de um indivíduo no espaço modifica o conceito de tempo. Consideremos o clássico exemplo freqüentemente empregado para transmitir esta idéia. A luz viaja à velocidade de 300.000/km por segundo. De uma estrela “A”, ela leva dez anos para alcançar a Terra, e leva quatro anos para alcançar uma estrela “B”. Digamos agora que você se encontra na Terra olhando a estrela “A” através de um potente telescópio. Sua visão da mesma será no ‘presente’. Em nenhuma outra ocasião no passado ou no futuro você poderia vê-la. Para quaisquer seres na estrela “A” o evento estaria se desenrolando dez anos no passado. Para um observador na estrela “B”, o evento estaria quatro anos no passado. Assim a realidade do tempo e do espaço depende de como a ‘percebemos’, sendo ‘relativa’ à nossa posição no espaço.
V] A classificação de ‘causalidade’ normalmente se apresenta como realidade; simplesmente, parecem existir causas ‘absolutas’. Mas haverá realmente causas independentes, ou seja, causas que não dependam de qualquer fator precedente? As causas são uma concatenação de fatores que contribuem para o acontecimento que chamamos de ‘efeito’. Há uma transição de um evento [coisa] para outro, numa sucessão de causa e efeito. No entanto, nem sempre temos consciência do que antecedeu aquilo que pensamos ser a causa. Nenhum efeito está isolado, nem é inerte. Sua transição para algo diferente, porém, nem sempre é observável. Esse efeito, por sua vez, pode ser a causa de outra forma ou condição. Algo como uma causa absoluta teria de sr uma coisa imutável; não apenas imutável, mas, também uma singular criação primordial. Nenhum verdadeiro começo ou término ocorre na natureza; há somente aquela corrente de mudanças em que todas as coisas estão relacionadas. Não há qualquer realidade especifica quanto ao que percebemos serem essas mudanças em determinado momento; elas não são como nós a apreendemos.
Não estamos negando a existência do ser, da realidade, mas sim questionando nossa concepção objetiva da mesma. Citando Albert Einstein outra vez:
“Por trás dos incansáveis esforços do cientista esconde-se uma compulsão mais forte e mais misteriosa: a existência e a realidade que ele pretende compreender. Mas ele se esquiva ao uso destas palavras, pois logo se vê em dificuldades quando tem de explicar o que ele quer realmente dizer com “realidade” e “compreender” numa afirmação tão genérica como esta.”
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[Texto do Imperator]