Ocorreu o nascimento de Bacon a 22 de janeiro de 1561, em York House, Londres, residência de seu pai, Sir Nicholas bacon, que nos primeiros vinte anos do reino de Elizabeth fora o Guarda do Grande Selo. “A fama do pai”, diz Mamaulay, “ficou na sombra com a do filho. Mas Sir Nicholas não era homem comum”. [*Ensaios, Nova York, 1860,342]. É o que se poderia ter calculado, pois o gênio é uma culminância a que uma família se eleva por meio do talento; e com o decair do talento na descendência do gênio ela desce de novo ao nível da mediocridade humana. A mãe de Bacon era Lady Anne Cooke, cunhada de Sir William Cecil, Lord Burghley, Tesoureiro-Mór de Elizabeth e um dos homens mais poderosos da Inglaterra. Seu pai fora preceptor principar do rei Eduardo VI; ela era lingüista e teologa e não sentia dificuldade em corresponder-se em grego com bispos. Assumiu o encargo de professora de seu filho e não se poupou trabalho para sua educação.
Mas a maior criadora da grandeza de bacon foi a Inglaterra elizabetana, a época mais notável da mais poderosa das nações modernas. A descoberta da América desviara o comercio do Mediterrâneo para o Atlântico e guindara as nações atlânticas – Espanha, França, Holanda e Inglaterra – a supremacia comercial e financeira que pertencerá a Itália, quando metade da Europa fizera da Itália seu porto de chegada e partida para o comércio no Oriente; e com esta mudança a Renascença se passara de Florença, Roma, Milão e Veneza para Madrid, Paris, Amsterdã e Londres.
Após a destruição do poder naval da Espanha em 1588, o comercio inglês dilatou-se párea todos os mares; suas cidades prosperaram com a industria nativa; seus navegantes deram a volta ao globo e seus capitães conquistaram a América. A literatura floriu com a poesia de Spencer e a prosa de Sidney; seus palcos se animaram com os dramas de Shakespeare, Marlowe, Bem Jonson e mais cem outros. Nenhum homem poderia deixar de florescer em tal tempo e em tal país, se nele existisse qualquer semente germinal.
Na idade de doze anos mandaram Bacon para o Colégio da Trindade, em Cambridge. Lá permaneceu três anos e saiu com grande aversão a seus textos e métodos, com uma franca hostilidade ao culto de Aristóteles e resolvido a meter a filosofia em vereda mais fértil, desviando-a das discussões escolásticasa para o esclarecimento dos espíritos e aumento do bem-estar humano. Embora fosse um menino de dezesseis anos, ofereceram-lhe um cargo na embaixada inglesa da França; e só depois de cuidadosa pesagem de prós e contras, ele aceitou. No Proemio da Interpretação da Natureza comenta esta decisão inelutável que o desviou da filosofia para a política. É passagem de leitura indispensável:
Como me acreditasse a prestar serviços ao gênero humano e reconhecesse que o trabalho a bem do país figurava entre os deveres comuns a todos, assim como são comuns a água e o ar, perguntei-me o que poderia ser de mais vantagem à humanidade e qual a tarefa que eu, dado o meu natural, seria mais apto a realizar. E quando o procurava saber, não achei obra mais meritória do que a descoberta e o aperfeiçoamento das artes e das inovações que tendem a civilizar a humanidade... E, mais que tudo, se algum homem pudesse conseguir – não meramente deitar mais luz sobre determinada descoberta, por mais útil que fosse – mas acender para as coisas naturais um luzeiro que, ao despontar, projetasse alguma luz sobre os limites e confins atuais das descobertas humanas,e que depois, a proporção que se levantasse mais e mais sobre o horizonte, patenteasse e iluminasse todos os recantos e intersticios sombrios – parecia-me que um tal descobridor mereceria ser chamado Ampliador do Reinado do Homem sobre o universo, Paladino da liberdade humana e Debelador das necessidades que agora escravizam os homens. Mais ainda – encontrei em minha própria natureza uma adaptação especial para a contemplação da verdade. Pois eu tinha o espírito suficientemente versátil para aquela coisa essencial que é o reconhecimento das similitudes – e, ao mesmo tempo, suficientemente constante e concentrável para observação dos sutis matizes diferenciadores. Possuía paixão pelas investigações, o poder de suspender pacientemente o juízo, de meditar com prazer, de assentir com cautela, de retificar com presteza as impressões falsas e de concatenar meus pensamentos com escrupuloso trabalho. Não sentia sede de novidades, nem cega admiração pela antiguidade. Detestava com veemência a impostura sob qualquer de seus aspectos. Por estes motivos entendi que meu natural e disposição de espírito tinham, como era realidade, uma espécie de parentesco e conexão com a verdade.
Mas meu nascimento, minha criação e educação apontavam-me não para a filosofia, mas para a política. Eu fora impregnado de política desde a infância; e, que não raro sucede as pessoas novas, sentia as vezes abaladas as minhas convicções. Ponderei também que ao meu dever para com meu país, que tinha sobre mim direitos especiais, não podiam predominar outros quaisquer deveres de minha vida.
Por ultimo refleti esperançado de que, se conseguisse algum honroso posto em meu país, poderia assegurar auxilio e amparo para os meus trabalhos relacionados com a realização da tarefa a mim destinada. E tornei-me político.[*Tradução de Abbot:Francis Bacon, Londres, 1885, pág.37].
Sir Nicholas Bacon morreu subitamente em 1579. Pretendera dar ao filho um patrimônio; mas a morte transtornou-lhe os planos, de forma que o jovem diplomata, chamado com urgência a Londres, se viu, na idade de dezoito anos, sem pai e sem vintém. O jovem Bacon já se acostumara a quase todo o luxo de seu tempo, pelo que difícil lhe foi habituar-se então a vida simples que era forçado a levar. Dedicou-se a advocacia e ao mesmo tempo importunava seus parentes de influencia para que lhe conseguissem algum cargo publico que o livrasse de preocupações pecuniárias. Suas cartas quase suplicantes deram pouco resultado, se lhe considerarmos a elegância e o vigor de estilo e a provada aptidão de seu autos. Talvez porque Bacon não tivesse em menos conta essa aptidão e considerasse a colocação ambicionada como lhe sendo devida, Burghley deixou de dar-lhe resposta; e talvez também nessas cartas o missivista repisasse em demais sua dedicação passada, presente e futura ao respeitável Lord; na política, assim como em amor, ninguém se deve dar totalmente; deve dar-se sempre, mas em tempo nenhum dar tudo.
A gratidão alimenta-se com a expectativa.
Afinal Bacon subiu sem que o puxassem de cima; mas a ascensão de cada degrau exigiu muitos esforços. Em 1583 foi eleito para o Parlamento por Taunton; e seus representados apreciaram-no tanto, que em eleições sucessivas o reelegeram. Tinha eloqüência vigorosa e pronta nos debates e era orador sem oratória. “Nenhum homem”, disse Bem Jonson, “falava mais clara, mais concisa, mais ponderadamente ou tinha menos vacuidade ou frases ociosas no que dizia. O valor da sua oratória não se baseava na sedução pessoal. Os ouvintes não podiam tossir ou desviar dele o olhar sem perder alguma coisa. Falava como quem ordena...Homem nenhum sabia dominar melhor seus sentimentos. O receio de todos que o ouviam era de que ele acabasse de falar”. Invejável Orador! [*Nichol, Francis Bacon, Edimburgo, 1907,I, 37].
Um amigo poderoso mostrou-lhe generoso – o belo conde de Essex, a quem Elizabeth amou em vão, passando por isso a odiá-lo. Em 1595, como compensação de ter falhado seu plano de obter um cargo político para Bacon, Essex presenteou-o com uma bela propriedade em Twickenham. Dádiva magnífica, e seria de presumir-se que, a vida toda, ela acorrentasse Bacon a Essex; mas tal não sucedeu. Poucos anos após Essex fomentou uma conspiração para aprisionar Elizabeth e lhe escolher sucessor no trono. Bacon escreveu cartas sucessivas a seu benfeitor, protestando contra esta traição; e como Essex persistisse, Bacon preveniu-o de que poria sua fidelidade a rainha acima da gratidão ao amigo. Essex fez a tentativa, que falhou. E foi preso. Tantas vezes Bacon intercedeu a seu favor junto a rainha que por fim ela lhe ordenou que “mudasse de assunto”. Quando Essex, temporariamente livre, reuniu forças armadas e marchou para Londres tentando fazer a população revoltar-se, Bacon voltou-se contra ele, colérico. Nesse entrementes fora-lhe dado um cargo na procuradoria do reino; e, quando Essex, novamente preso, foi julgado pelo crime de traição, Bacon tomou parte ativa na acusação do homem que fôra seu amigo incondicional. [*Escreveram-se centenas de volumes, sobre este aspecto da carreira de Bacon. O processo contra bacon. “o homem mais sábio e mais vil da espécie humana” (conforme o chamou Pope) encontra-se no ensaio de Macaulay e mais circunstanciadamente no Francis Bacon de Abbott; estes lhe aplicaram suas próprias palavras:”A sabedoria do eu humano, assim como a dos ratos, o faz achar mais seguro abandonar a casa antes que ela caia” (Ensaio “Da Sabedoria do Eu Humano”).O processo contra Bacon é reproduzido na obra Vida e Tempos de Francis Bacon, de Speddin, em seus Serões com um Critico (minuciosa replica a Macaulay), In médio veritas.
Essex foi condenado a morte e executado. A parte tomada por Bacon nesse julgamento tornou-o por algum tempo impopular – e desde essa época viveu cercado de inimigos que procuravam oportunidade para aniquilá—lo. Sua insaciável ambição não lhe dava tréguas; estava sempre descontente e sempre despendia adiantadamente os rendimentos de um ano. Pródigo em suas despesas; gastar muito era satisfazer a uma exigência da política. Quando se casou, na idade de quarenta e cinco anos, a opulência dispendiosa da cerimônia deu grande rombo no dote da noiva, que era o que mais o seduziu nela. Em 1598 foi preso por divida. Mesmo assim, continuou a subir. Suas varias aptidões e conhecimentos quase ilimitados tornavam-no membro de valor em qualquer junta importante; gradativamente abriram-se as portas dos mais altos cargos: em 1666 foi nomeado Solicitador Geral; em 1613 tornou-se Procurador Geral; em 1618, na idade de cinqüenta e sete anos, chegou, afinal, ao posto de Lord Chanceler.