[A arte do alquimista se realiza dentro do sistema de tempo e espaço, embora sua finalidade transcenda esse sistema. O trabalho do alquimista é uma confrontação com a realidade. Seu passado e seu futuro, seu Eu interior e seu EU exterior, sua potencialidade e sua atualidade, tem de se unir numa harmonia que se repita até que persista e permaneça num estado relativamente fixo]
Limitações de tempo e espaço são substituídas por uma consciência de eternidade e infinidade. A LUZ invisível da unidade conduz o buscador ao fim de sua busca: a UNIDADE.
Essa unidade revela sua presença por meio de uma linguagem especial. Para ser percebida pela consciência objetiva, a mensagem precisa ser colocada numa forma extraída de referencias já integradas no arquivo de conhecimento adquirido do buscador, consciente e inconscientemente. O jorrar de expressões simbólicas é a primeira evidencia apresentada pelo potencial inconsciente à consciência objetiva do alquimista [seu ‘ego’].
A mensagem de unificação não dá margem a analise nem divisão em partes, mas vem a nós através da mente que, pertencendo ao reino da multiplicidade, desenrola a mensagem e lineariza a expressão do conhecimento global. Portanto, toda tentativa de decodificar a mensagem implica traição, já que significa reduzir a informação a formas especificas. Mas o símbolo permite que a mensagem seja transmitida sob várias formas alteradas: daí sua freqüência em sonhos, meditações e, naturalmente, textos alquímicos e iconografia.
O leitor de tratados alquímicos chega a uma interpretação pessoal dos símbolos que estudou e pode enriquecer sua experiência comparando esses símbolos com aqueles que recebeu através de sonhos e da vida espiritual. Essa interpretação individual é essencial, porque preserva a liberdade do buscador como individuo, e a forma particular em que a mensagem aparece é uma parte integrante de sua própria natureza. O crescimento resultante será assim muito adequado as suas necessidades e seu desenvolvimento.
É importante compreender que a alquimia é uma arte e, como tal, requer talentos e dons pessoais da parte do Adepto praticante. Assim como dois excelentes pintores, observando o mesmo cenário, não produzirão duas pinturas iguais, assim dois Adeptos da Arte Alquímica realizarão a GRANDE OBRA cada qual à sua maneira, dado que são diferentes tipos de ‘matéria-prima’
A TABUA DE ESMERALDA
Um dos textos fundamentais a que os alquimistas freqüentemente se referem é a Tabua de Esmeralda, obra atribuída a Hermes Trismegisto. Trata-se de um dos grandes testamentos legados à humanidade por um individuo ou grupo de indivíduos que alcançaram uma sabedoria incomum. A sabedoria se expressa na perspicácia do autor desconhecido, descrevendo seu próprio processo de geração. A doutrina ali proclamada servirá durante séculos como um fio de Ariadne para todos os Filhos da Ciência, no labirinto que pode levar à realização alquímica.
O “opus”, como é sumariamente descrito e confirmado na Tábua, é um processo que se aplica à gênese do Universo como um todo, abrangendo tanto o aspecto espiritual quanto o material. O alquimista sabe muito bem que não há hiato entre matéria e mente, visto que ambas são apenas dois aspectos da mesma coisa.
As leis que regem sistemas galácticos e planetários são as mesmas que operam no corpo e na mente do homem. E como essas leis se aplicam também à evolução do reino mineral,então o trabalho físico desenvolvido no ‘cadinho’ correspondo ao trabalho espiritual que requer que o alquimista atue sobre si mesmo como objeto e ‘matéria-prima’.
Não obstante, o ‘estado espiritual prevalece sobre o ‘estado material’, justificando como isso a injunção bíblica:”buscai antes o reino de Deus, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” [Lucas, 12:31].
Tudo isso se ajusta ao axioma alquímico de Geber, que diz:”corpos não podem influenciar corpos;somente espíritos são capazes de agir”. O espírito pode transcender a ilusão temporal a que os corpos estão sujeitos. É nisto que a Pedra Filosofal pode catalizar transmutações materiais, os fenômenos naturais que ela acelera. Assim o alquimista domina a energia contida na matéria, bem como sua própria energia psíquicas, que ele sublima para alcançar Conhecimento.
Eis o texto da Tábua de Esmeralda:
Verdade é, sem falsidade, certo e muito verdadeiro. Aquilo que é acima é como aquilo que é abaixo, e aquilo que é abaixo é como aquilo que é acima, para realizar o milagre de uma só coisa.
E como todas as coisas passaram a ser pelas meditações de uma, todas as coisas surgiram dessa coisa única por adaptação.
O pai disso é o Sol, a mãe é a Lua.
O vento o carregou em seu ventre, e a Terra é a sua ama-de-leite.
Eis o pai do Telesma[perfeição] do mundo inteiro.
Seu poder é perfeito se é convertido em Terra.
Separarás a Terra do Fogo, o sutil do grosseiro, delicadamente, com grande diligência.
Isso de fato ascende da Terra para o Céu e novamente desce para a Terra, recebendo força das coisas superiores e coisas inferiores.
Assim possuirás a glória do mundo inteiro e toda obscuridade fugirá para longe de ti.
É a vigorosa fortitude de toda força, pois supera todas as coisas sutis e penetra todas as coisas sólidas.
Assim foi o mundo criado.[1]
Portanto, haverá maravilhosas adaptações, cuja maneira de realizar está aqui.
Por esta razão sou chamado de Hermes Trismegisto, porque tenho as três partes da sabedoria do mundo inteiro.
O que eu disse sobre a operação do Sol está completo.
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O texto afirma a aparente dualidade das coisas e a similaridade dos opostos. Essa similaridade existe para realizar o milagre de uma só coisa, isto é o milagre da Unidade. É a união de forças universais contrárias, análogas mas opostas em virtude de sua diferença de polaridade. Essa unidade é o axioma básico da alquimia que, muito antes de nossa Física contemporânea, afirmava a unidade de energia e matéria.
A própria missão de Hermes Trismegisto, de harmonizar os contrários, deu à alquimia sua denominação de “arte da música”. Na imensa sintonia executada no Teclado Cósmico, o homem situa-se como uma corda vibratória esticada entre o Céu e a Terra, entre o que é acima e o que é abaixo, e cuja tensão permitirá ao homem tornar-se um verdadeiro Mercúrio, um mensageiro de deuses em seu próprio planeta.
A evolução de uma geração múltipla partindo da unidade corresponde ao estágio alquímico de separação, em que temos um dividindo-se em dois, de polaridades opostas, mas harmonizando-se em virtude de serem capazes de gerar, por adaptação, todos os fenômenos do mundo de aparências. Por isto é que a Criação ocorre pela meditação do Um, ou seja, mediante profunda reflexão no seio da unidade.
Isso supõe um sujeito e um objeto e daí uma heterogeneidade de ‘matéria-prima’ aceita como uma ‘unidade de partida’.Por este motivo, em iconografia alquímica, a matéria-prima ou CAOS é muitas vezes representada como seres polimórficos. Esse ‘caos’ também figura no estado de desordem dos componentes do homem profano no começo de sua busca.
Assim como uma criança nasce da conjunção do pai e da mãe, a Pedra [unidade recém-percebida] nasce da união de ambas as naturezas. Nasce do Sol e da Lua. O Sol é o Filosofal, com sua propriedade multiplicadora gerando um novo Sol. O Sol é o principio ativo da vida terrestre, irradiando sua energia em calor, luz e magnetismo. O receptáculo dessa semente é a Lua, a prata Filosofal, um principio passivo que recebe a força vitalizadora do Sol.
Note-se que o esquema, luz direta[Sol] + a mesma luz polarizada por seu reflexo[Lua], aplica-se ao comportamento psíquico das pessoas, tanto individual quanto coletivamente.
O embrião da Pedra nascida do par Sol-Lua está no ar, no vento. Há então de fixar-se [2] nas águas do orvalho, antes de alcançar sua ama-de-leite terrestre. Esse movimento descendente do Fogo para o Ar, a Água e a Terra, leva a uma corporificação muito material da energia do espírito. A “Tábua de Esmeralda” qualifica essa ocorrência como o Pai do Telesma do mundo inteiro. As raízes árabes e gregas da palavra “Telesma” evocam também idéias de talismã, consecução, perfeição e iniciação. Tendo observado a corporificação do espírito na Terra, a Tábua acrescenta: o Pai[origem] de toda iniciação Pa perfeição está aqui, no mundo terrestre. Lembremo-nos da imagem de François Rabelais, do convento ideal, e de seu moto – “Fais ce que tu voudras” [Faze o que queiras]. Isto indica que, ao contrário de entregar-se à permissividade, o individuo deve submeter toda ação a uma vontade bem disciplinada.
Nesse ponto o “Rebis” terrestre é estabelecido. A Tábua pede agora ao filósofo que faça uma nova separação, ou seja, que aja sobre as forças universais de atração-repulsão que operam em todos os corpos. O homem não escapa dessa lei, visto que sua natureza dual [corpórea e espiritual] liga-o ao mundo material e visível através de seu envoltório físico e, ao mundo invisível de energias, através de sua sensibilidade, intuição e espiritualidade.
Para conseguir alcançar um estado superior de consciência, o buscador precisa submeter seu corpo a seu espírito, isto é, separar o fogo espiritual sutil do pesado corpo terrestre, de modo a colocá-lo em ressonância harmônica com o mundo superior.
Os alquimistas chamam essa operação de ‘mundificação’, separando a luz das tenebras [trevas]. As partes mais puras são separadas da impuras. Diz-se então que ‘Le Monde est séparé de l’immonde’[3]. Durante a operação de circulação, o volátil é separado muitas vezes do fixo, a fim de se elevar ao céu e descer à terra. A matéria sofre uma destilação num circuito fechado durante o qual o resíduo fixo, sucessivamente, é secado e umedecido novamente mediante volatização. Durante a volatização do fixo, o corpo se espiritualiza, ao passo que, durante a fixação do volátil, o espírito se corporifica.
VÔO DAS ÁGUIAS.
Nesse trabalho [também chamado ‘vôo das águias’] a matéria se harmoniza, num verdadeiro sentido musical, com coisas superiores e inferiores. No homem, o ciclo de circulação alternativa se aplica a períodos de vigília e de sono, racionalização de experiências intuitivas e oníricas [ de sonho], bem como ao processo deliberado pelo EU de liberar seu corpo sutil do corpo físico. Isso deve ser entendido mais como um estado alterado do que uma mudança espacial de lugar.
Durante as sucessivas ascensões e descensões, o Filho da Ciência se enriquece ao ascender à força do nível cósmico superior, que ele traz para baixo, para o nível terrestre de sua experiência encarnada.
O discípulo possui as ferramentas da maestria. Estabelece contato com o mundo das causas que regem o destino das coisas e dos seres. Sua consciência conheceu muitas fusões à fonte original de toda ciência. Toda obscuridade dele se afasta, as trevas são separadas e ele permanece na luz.
O fruto da Grande Obra é o agente da transformação universal, que atua sobre a energia contida na matéria. Após a fase de crescimento de poder da Pedra, conhecida como ‘multiplicação’ e produzida por repetição do processo de fermentação, o “Mercúrio Filosofal” adquire uma propriedade que lhe dá a capacidade de “tingir” metais inferiores. Quer dizer, sua superabundância de tintura pode ser passada a corpos imperfeitos, por uma penetração intima no próprio coração desses metais.
TRANSMUTAÇÃO PESSOAL
Tendo realizado a Grande Obra, o Adepto agora efetua sua própria transmutação. Daí em diante, sua vida mental e espiritual tem a mesma qualidade penetrante e de tintura de sua pedra física. Os antigos costumavam dizer que o filósofo que tinha sucesso recebia ‘o presente muito precioso de Deus’. Essa dádiva é o eterno presente, que dá ao seu possuidor a reputação de longevidade. Liberada das restrições objetivas de tempo e espaço, sua consciência pode ser projetada para coisas e seres preparados para recebê-la.
O discípulo obreiro tornou-se um mestre cuja consciência pode agora contribuir para a Grande Obra que ocorre em escala cósmica.
Os passos da Grande Obra correspondem aos da criação do Mundo, demonstrando uma analogia entre microcosmo e macrocosmo. Mas isso é apenas uma analogia, porque, segundo os sábios antigos, Magisterius não é criação e sim um processo gerador realizado pelo artista que é conduzido pela natureza e está apenas acelerando seu próprio trabalho de purificação.
Lembremo-nos de que,para os alquimistas, criar o mundo significa separar o puro [mundo]do impuro [imundo]. Nenhuma operação advém da unidade, e todas as coisas se originam de uma coisa única por adaptação.
Se admitimos que o Adepto, tendo recebido o eterno presente, torna-se senhor do tempo e do espaço, e que sua Arte de Música consiste num trabalho com o teclado harmônico de vibrações universais, temos então a ‘chave’ de toda a sua aventura. Freqüências vibratórias dependem de tempo. Um numero de vibrações num dado tempo é uma característica de uma substancia ou um fenômeno. Chegamos então à seguinte interpretação dos primeiros versos da Tábua de Esmeralda:”as ondas acima são como as ondas abaixo, para realizar o milagre de uma só coisa. Portanto, todas as ondas surgiram de uma onda única por adaptação de sua freqüência vibratória”.
Naturalmente, cada um de nós tem liberdade para traduzir ‘onda’ por palavras como:vibração, espírito, energia ou Logos.
O adepto realizou sua separação e depois sua conjunção, enquanto o “Casamento Alquímico” ocorria nele próprio. Em seu laboratório, o artista cauteloso limita o número de multiplicações, sob pena de perder todo o resultado de seu longo trabalho, que, espiritualizando-se desapareceria totalmente do nível objetivo. Analogamente, quando o Adepto completa sua própria transmutação, não busca sua fusão total na Unidade, porque sabe que ação efetiva só é possível no mundo da dualidade.
Em seu novo estado, o Adepto representa e tem permissão para falar ao mundo como o próprio Mercúrio do Sábio, a exemplo de Hermes Trismegisto, que possui as três partes de toda a filosofia do mundo. A Esmeralda Filosofal, ou orvalho da primavera, é também denominada ‘mercúrio triplo’, devido ao seu uso em três diferentes estágios principais da obra. Do mesmo modo, o Adepto recebe a tripla Coroa como símbolo de sua vitória em obter o remédio dos três reinos.
O que eu tinha a dizer sobre a operação do Sol está completo. O Sol, símbolo do ouro espiritual e da perfeição, emite suas radiações. O Adepto existe daí em diante como um Sol entre seus irmãos humanos, porque tornou-se também um ser radiante.
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Notas do Editor:
1] criado: Esta é uma tradução do latim. O texto árabe, mais antigo, diz:”assim o pequeno mundo criado segundo o protótipo do grande mundo”. Isto implica que o homem, o microcosmo, é a imagem perfeita do macrocosmo, quando finalmente realiza sua natureza original que foi “feita à imagem de Deus”. Embora a Tábua de Esmeralda seja atribuída ao antigo e legendário Hermes Trismegisto, as mais antigas versões conhecidas dessa expressão de dogma alquímico estão em árabe [8º Século]. Não obstante, a Tábua e seu conhecimento são de origem pré-islâmica.
2]Fixar: Nesta e em outras referencias alquímicas, significa ter uma forma ou um caráter final ou cristalizado, não-volátil. Significa também transformar um liquido num corpo sólido – isto é, “fixação”.
3]”O mundo é separado do não-mundo”. Há aqui um trocadilho em francês,correspondendo ao português: “o mundo é separado do imundo”. Quer dizer, o “puro” é separado do “impuro”.
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[Texto de: Cristian Balister]
5 de nov. de 2009
A ARTE HERMÉTICA
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