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A essência da Montanha Sagrada como símbolo puro reside na imagem de ascensão espiral através dos níveis do SER. Na vida real isto pode ser comparado à experiência do alpinista que tenta subir a encosta íngreme de uma montanha. Ele não pode mais esperar que a trilha se curve suave e gradualmente como fazia na planície. Ao contrário, ele é confrontado com subidas íngremes que ziguezagueam sobre encostas escarpadas. Embora relativamente pequenos em extensão, esses ziguezagues do caminho exercem uma demanda considerável sobe as reservas físicas do alpinista e ele pode muitas vezes duvidar de que alcance o seu objetivo – o cume.
Essa experiência de caminhar para frente e para trás, até mesmo de às vezes ter de descer de modo a continuar subindo, nos dá um sentido claro e literal da natureza espiral de nossa ascensão através dos níveis do SER. Porque a forma espiral da montanha parece tão notavelmente próxima, em natureza, à nossa experiência de vida no caminho espiritual, a montanha tem sido usada desde tempos imemoriais como um símbolo central para a prática espiritual, através do diligente esforço do constante subir e descer pela grande Cadeia do Ser.
Desde as montanhas da Ásia Central, os altos Himalaias, até as grandes cadeias das Américas, toda cultura humana reverenciou suas próprias montanhas sagradas, na medida em que estas espelhavam a ‘grande montanha interior’ dos mundo arquetípicos. Como imagem pura na mente do Cósmico, a grande montanha do universo está sempre no “axis mundi”, o eixo sobre o qual o mundo gira. Em geral, a montanha também se apresenta circundada por um rio ou oceano circular, significando sua separação das coisas mundanas. Em seu cume repousa a cidade sagrada – “a Cidade das Muralhas Quadradas” - que simboliza o encontro dos quatro elementos da vida. No centro da cidade, como misterioso e invisível quinto elemento, ou “quintessentia”, reside o Senhor do Mundo, que zela pela evolução de toda vida com um “olho” impessoal e matematicamente exato.
Em nossa ‘Tradição' estamos bem familiarizados com essa grande montanha sagrada em sua forma alquímica, como o “Mons Philosophorum” ou “Montanha dos Filósofos”, que são também conhecidos como os “Amantes da Sabedoria”. Conforme ilustrado no famoso “Geheime Figuren”, a montanha tem sua base guardada pela figura austera de Saturno, senhor da contrição e da passagem difícil. Isto simboliza o inicio do trabalho espiritual, que é empreendido em estado de escuridão, trabalho vigoroso e penúria interior. No topo da montanha alquímica ergue-se o orbe ou coroa do Senhor do Mundo, que é freqüentemente representado como Apolo ou Júpiter, Senhores do Ouro, da Luz, da expansão e da benevolência. A ‘Tradição Maçônica’ refere-se a esta figura como o “Grande Arquiteto do Universo”. Assim, os dois Senhores da base e do topo representam polaridades opostas de escuridão e luz, dificuldade e facilidade, chumbo e ouro, as quais definem bem a natureza ascendente e descendente, em constante espiral, da subida da montanha.
A JORNADA_
A jornada montanha acima, dos domínios do Senhor Saturno àqueles do Senhor Júpiter, pode ser dividida em quatro estágios primordiais de transformação, de ‘physis’ [matéria] até ‘spiritus’.
Começamos, naturalmente, no pesado e púmbleo mundo da materialidade, o submundo da ‘nigredo’, ou ‘enegrecimento’. Este é também o reino das cavernas subterrâneas de Vulcano, deus dos ferreiros, símbolo do subconsciente profundo. No centro destas vastas e labirínticas grutas está o trono da ‘Grande Mãe de Toda Vida”, aquela que manifesta e provê o elemento material do Ser, em toda a sua glória e esplendor.
Depois de passar por este reino escuro e extenuante, embora miraculoso, podemos então ascender ao menos pesado mundo do astral, ou etérico, governado pela “Senhora Sofia”, que representa o principio da sabedoria e sapiência. Como reflexo de sua mãe nutridora abaixo, Sofia é sempre representada alimentando seus amantes, os filósofos, com o leite de seus seios. Seu reino é também aquele da lua prateada, o primeiro portal para uma consciência mais elevada. Isto é representado em termos alquímicos como a “albedo”, ou “branqueamento” da alma.
O terceiro reino da ascensão é um intermediário entre a terra de Sofia – o jardim da rosa da sabedoria – e o topo da montanha, o trono do “Demiurgo”, ou “Senhor do Mundo”. Esse estado intermediário é conhecido na alquimia como “citrinitas”, ou, “amarelamento”, e corresponde àquilo que os grandes místicos conhecem como “ a noite negra da alma”. Esta é uma terra gélida, de neve, tempestades e gelo, onde podemos tão somente esperar pacientemente que correntes espirituais profundas fluam do interior, para que a passagem para a cidade sagrada seja permitida com segurança.Por mais negro que este reino possa parecer, o “amarelado” deste período nos dá também a esperança do ouro pleno da aurora do Sol ou rei, na cidade solar acima.
O SOL VIVIFICANTE_
Quando ascendemos deste terceiro reino intermediário, com seus desertos frios e congelados, descobrimos miraculosamente uma primavera dourada no grande cimo. Há neste pico um planalto bem-aventurado, agraciado com a presença harmoniosa e geometricamente perfeita da cidade quadrada, cujas doze portas representam os signos do zodíaco e a passagem de toda vida por todas as forças vivificantes do Sol. Em certo sentido o Sol no centro da cidade é o Senhor do Mundo, que canaliza e molda as forças espirituais do Sol elétrico na forma de manifestação na Terra abaixo. O Senhor é um figura estranha e algo distante, andrógino e onisciente, conhecido pelos gnósticos como “Ialdaboath, o Demiurgo ou Criador”, o qual é o representante metafísico do Cósmico incorpóreo. O Senhor pode também ser chamado de “Mônada Elevada” – uma janela, não-espacial e não-temporal, que permite olhar para dentro do coração do absoluto. O Senhor guarda a fonte da vida, no centro da cidade. Esta fonte, que é o coração da vida, distribui a cura e a própria força vital revivificante, que é muitas vezes contida no vaso sagrado, para ser usada pelo Senhor. No mundo ocidental, faz-se referência a este vaso com o nome de “Santo Graal”.
O REI PESCADOR_
O Senhor do Mundo freqüentemente é representado nos mitos arthurianos como o rico Rei Pescador; Prester John; Melquisedeque; ou como Imperador de Sarras, a misteriosa cidade do Graal no Leste, o lugar onde o Sol nasce. Na verdade, a “Montanha da Salvação ou Montanha do Graal” apresenta um paralelo extremamente próximo ao “Mons Philosophorum”. Em essência, devemos considerar ambas as montanhas como versões ligeiramente diversificadas do arquétipo singular mais amplo da “Montanha Sagrada”. No “Parcival”, de “Wolfram von Eschenbach”, o papel do Senhor Saturno, da Montanha Alquímica, é representado por Klingsor, o Mago Negro; enquanto Kundry, a Virgem do Graal, torna-se a Senhora Sofia, e o Rei Pescador, torna-se o Rei Solar da Montanha Alquímica.
Similarmente os aspectos geométricos e mandálicos do Monte Meru das tradições hindus e budistas, a Montanha da Salvação oculta uma presença sagrada dentro de seu cume – uma passagem que se liga aos domínios supernais do Cósmico e que pode ser representada por uma aurora, erguendo-se como uma imensa coroa acima do pico da montanha.
Existindo no próprio coração da Criação e paradoxalmente em todo lugar, a Montanha Cósmica arquetípica nos proporciona um caminho cristalino, porém em constante espirilamento, para o “Absoluto”.
Voltando ao nível das montanhas terrenas reais, é importante relembrarmos os muitos paralelos entre a ascensão física – alpinismo - a ascensão espiritual – o estudante na Senda. A gravidade é uma força viva contra a qual devemos lutar nas altitudes. A própria natureza parece conspirar para nos manter seguramente aninhados nos vales sombrios abaixo, enquanto o espírito anseia por pairar nos domínios da leveza e da luz. É talvez ao mesmo tempo irônico e comovente que nossa grande fábula moderna sobre a aventura da montanha, “Monte Análogo”, a obra-prima de René Daumal, tenha ficado inacabada em seu leito de morte. A escalada da montanha interior de fato não tem conclusão, pois um topo simplesmente nos conduz ao próximo, através de todos os mundos do Cósmico e além.
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[Texto de Timothy O’Neill]