26 de jul. de 2010

Aureum Seculum Redivivum [Idade de Ouro Restaurada]


A Antiqüíssima Idade Áurea que já se Passou.
A qual tem ressurgido novamente, florida em encantos, produzindo fragrantes sementes douradas. Esta preciosa e nobre semente é indicada e revelada a todos os verdadeiros ‘sapientiae e doctrinae filis’ por Henricus Madathanus, Theosophus, Medicus et tandem. Dei gratia áurea crucis Frater. [Datum in Monte Abiegno, die 25. Martii Anno 1621].


Epistola de Tiago. 1:5: Se algum de vós carece de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e o não lança em roso, e ser-lhe-á dada.

Prefácio
Ao Leitor Cristão e Virtuoso


Leitor Bondoso e Amante de Deus, e especialmente tu ‘sapientiae e doctrinae filii’, há alguns anos o Deus Todo-Poderoso abriu meus olhos com a iluminação de Seu santo Espírito [do qual recebemos toda a sabedoria e que nos foi enviado através de Cristo por seu Pai], pois tendo orado fervorosa, incessante e constantemente, e O tenho chamado por muitas vezes. E assim contemplei o verdadeiro Centrum in Trigono centri, como a única e verdadeira substancia da Nobre Pedra Filosofal, e embora eu a tivesse em minhas próprias mãos pelo tempo de cinco anos, não sabia como usá-la devida, apropriada e convenientemente, como extrair dele o rubro sangue do leão e o branco glúten da águia, muito menos ainda como misturar, fechar e selar o mesmo de acordo com o proporcional peso da Natureza, ou como submetê-lo ao fogo oculto e proceder com o mesmo, tudo devendo ser feito com conhecimento e cuidado. E, embora tenha eu pesquisado nos ‘scripts, parabolis e variis Philosophorum figuris’ com especial cuidado e entendimento, e com labor diligente tentando descobrir suas múltiplas e estranhas ‘aenigmata’, que existiam em parte somente em suas próprias mentes, descobri ‘reipsa’ que isso foi plena fantasia e insensatez, como também o testemunha o ‘Aurora Philosophorum’. Elas todas são tolices, como todas as ‘praeparationes’, mesmo as de Geber e Albertus Magnus, com suas ‘purgationes, sublimationes, cementationes, distillationes, rectificationes, circulationes, putrefactiones, conjunctiones, solutiones, assensiones, coagulationes, calcinationes, incinerationes, mortificationes, revificationes, etc’. Da mesma maneira são seus tripés, ‘Alanthor’, fornos refletores, fornalhas de fundição, putrescências, esterco de cavalo, cinza, areia, copos de ventosa, frascos de alambique, retortas, fixatórios, etc., coisas sofisticadas, fúteis e inúteis. Pessoalmente, tenho em verdade que admitir isso: especialmente desde que a nobre Natureza, eu se deixa facilmente encontrar em sua própria substancia inata, não conhece nenhuma dessas coisas. Há aqueles que procuram pela ‘materiam lapidis’ no vinho, no corpo imperfeito, no sangue, na marcassita, no mercúrio, no enxofre, na urina, no esterco, no auripigmento, e nas ervas tais como a quélidônia, a pulmonária, o teixo, o hissopo, etc. Theophrastus, em seu ‘Secreto Mágico de Lapide Philosophorum, acertadamente diz sobre elas: tudo isso é vilania e roubo com que descaminham outras pessoas, tomam-lhe dinheiro, gastam e desperdiçam seu tempo inutilmente, seguem apenas suas próprias tolices, mas que não sabem imaginar de antemão os requerimentos da Natureza. Antes, diz-me: O que pensas tu daqueles que queimam a água nas minas da terra, ou estão, também, entre eles pessoas que elevam o valor do vinho ou queimam a urina das criancinhas para fazer com eles seus metais? Ou pensas que tu que entre elas há algum boticário que tem para vender algo com que possas fazer metais? Estúpido, não entendes que estás em erro, que nenhuma dessas coisas pertence à Natureza?Ou queres estar acima de Deus, tu que queres fazer metais usando o sangue? Poderias mesmo tentar fazer um homem de um cavalo, ou uma vaca de um rato, dando bom leite de quebra. Isso, também, seria uma ‘multiplicação’, mas tais coisas não podem acontecer, e assim como não acontecem, tampouco poderás produzir metais com tais ingredientes, pois essa não é uma arte dada pela Natureza. E o que a Natureza produziu, nenhuma arte pode afetar: pois se uma mulher deu à luz um menino, nenhuma arte pode tornar o menino em águia, seja qual for o meio empregado. Após este breve discurso, deverá ser fácil para qualquer pessoa ver como, e sob qual forma, a natureza benedicta deve ser procurada e encontrada. E ninguém deve imaginar, muito menos ser persuadido por nenhum bufão, que ele tenha realmente em suas mãos a ‘veram materiam’, seja por meio de revelação secreta de Deus ou por meio daqueles que pretendem conhecê-Lo., e ninguém deve imaginar que então será capaz de desintegrar a dita ‘veram materiam’ proporcionalmente, para separar o ‘purum ab impuro’ nas mais altas coisas, que ele saiba como purificar tal e entendê-lo completamente. Não, meus caros analistas, de nenhuma forma isso é assim: nisso está a dificuldade. Para tais coisas fazem-se necessárias arte e mente capacitada. Olhem-me, por exemplo: como tender ouvido de mim no inicio, por cinco anos estive familiarizado com a ‘veram materiam lapidis’, mas em todo esse tempo não sabia como proceder com ela, e só no sexto ano foi a chave de sua força confiada a mim, através da secreta revelação de Deus Todo-Poderoso. E os antigos Patriarcas, Profetas e Philosophi’ tem em todos os tempos guardado esta chave no oculto e em segredo, pois o Monarcha in loco dicto diz: Seria um grande roubo, e não mais um segredo, tivessem eles revelado em seus escritos tal assunto, de modo que qualquer remendão ou boticário pudesse entendê-lo, e muito mal poderia ser feito desta maneira, o que seria contra o desejo do Senhor etc. Agora, há muitas razões pelas quais devo escrever este tratado: algumas são mencionadas aqui, outras no Epílogo, e outra razão é que eu não desejo apresentar-me como se tivesse para meu exclusivo uso o ‘talentum a Deo nihi redivivo’ tudo quanto Deus e a Natureza me permitiriam, sobre o grande segredo dos Filósofos, como meus olhos o testemunharam e minhas mãos o tomaram, e como isto foi revelado pela misericórdia de Deus, no tempo certo e em grande poder e glória: e possa o pio leitor, amante de Deus, tomar tudo isso de boa fé e aceitá-lo, examiná-lo habilmente, e não se perturbar se às vezes há palavras misturadas com meus dizeres que aparentam ser contrárias ao texto. Não podia escrever de outra maneira ‘per Theoriam ad praxim’, pois é proibido escrever mais exata e claramente sobre isso ‘in republica chymica’. Mas, sem duvida alguma, todos aqueles que lerem este tratado em verdadeira fé com o olho interno de suas mentes, e que são capazes de enxergá-lo de modo certo, e estudá-lo diligentemente, e que orem em todas as coisas internamente e de todo o coração, desfrutarão, como eu, a maravilhosamente doce fruta filosofal nele oculta e partilhar dele, de acordo com os desejos de Deus. E então eles serão e permanecerão verdadeiros Irmãos da Áurea Cruz, e em eterna aliança, membros escolhidos da Comunidade Filosofal.

Finalmente, serei tão Candido que revelarei meu verdadeiro nome e sobrenome pela seguinte maneira ao leitor inteligente, honrado e Cristão, para que ninguém tenha o direito de elevar a voz contra mim. Então, agora seja sabido a todos que o numero de meu nome é M.DCXII, no qual meu nome inteiro foi inscrito no livro da Natureza por 11 mortos e 7 vivos. Ademais, a letra 5 é a quinta parte do 8, e o 15 é também a quinta parte do 12, e que isso te seja suficiente.

EPIGRAMMA
Ad Sapientiae and doctrinae filios.


Quae sivi: inveni: purgavi saepius: atque Conjunxi: maturavi: Tinctura secuta est Áurea, Naturae centrum dicitur: inde Tot sensus, tot scripta virum, variaeque figurae Omnibus, ingenue fateor, Medicina meetallis: Infirmisque simul: punctum divinitus ortum. Harmanndus Datichus: Auth, famulus.

[O que eu avidamente desejei, tenho encontrado; tenho purificado mais vezes; e Eu tenho unido;tenho levado a amadurecer; a Essência resultante é Dourada, a qual é chamada de centro da Natureza; daí Tantas sensações, tantos escritos dos homens,e múltiplas formas. Em tudo, eu francamente admito, a Medicina em metais; E na debilidade também; o ponto que se eleva dos céus].

Enquanto estive meditando sobre as maravilhas do Altíssimo e sobre os segredos da Natureza oculta e sobre o fogoso e ardente amor do meu próximo, recordei-me da branca ceifa onde Rubem, o filho de Lia, encontrou nos campos e deu as mandrágoras que Raquel recebeu de lia por ter dormido com o patriarca Jacó. Mas meus pensamentos se aprofundaram muito mais e me levaram mais adiante, ate Moisés, e lembrei-me de como ele fez uma beberagem do bezerro do sol, fundido por Aarão, e como ele o queimou com fogo; o moeu até o pó, espalhando este sobre as águas, e deu-o de beber aos Filhos de Israel. E eu me maravilhei muito sobre esta pronta e hábil destruição, que a mão de Deus obrou. Mas, após ponderar sobre isso durante algum tempo, meus olhos foram abertos, assim como acontecera com os dois discípulos em Emaús, que conheceram o Senhor na Partição do Pão, e um coração se inflamou em meu peito. Mas eu me deitei e entrei no sono. E eis que em meu sonho o Rei Salomão me apareceu em todo o seu poder, riqueza e glória, levando consigo todas as mulheres de seu harém: havia três vintenas de rainhas e quatro de concubinas, e virgens inúmeras, porem uma delas era seu meigo amor, mais linda e cara a seu coração, e de acordo com o costume Católico, ela montou uma magnífica procissão, na qual o Centrum era altamente honrado e jubilado, e seu nome era como um supremo ungüento cuja fragrância ultrapassava a de todas as essências. E seu fogoso espírito era uma chave que abria o templo, para entrar no Sagrado Recinto e para empunhar os cornos do altar.

Quando a procissão terminou, Salomão mostrou a mim o unificado ‘Centrum in Itrigoni centri’ e me abriu a compreensão, e me dei conta de que atrás de mim estava uma mulher despida, com uma ferida sangrenta em seu seio, da qual jorrava sangue e água, mas as juntas de suas coxas eram como jóias, produto das mãos de um destro artesão, seu umbigo era como um cálice bem formado de que transbordava o licor, seu ventre era como um monte de trigo ornado com lírios, seus seios eram como duas jovens corças gêmeas, o pescoço era uma torre de marfim, seus olhos como os tanques de peixes em Heshbon, junto ao pórtico de Bath-rabbim: seu nariz era como a torre do Líbano que está voltada para Damasco. Sua cabeça era como o monte Carmelo, mas seu cabelo estava enlaçado em muitas dobras, como a púrpura de um rei. Mas seus vestidos, os quais despira, estavam a seus pés e eram desagradáveis à vista, fétidos e venenosos. E ela começou a falar: Tirei minhas vestes. Como posso eu vesti-las outra vez? Lavei meus pés, devo novamente sujá-los? Os vigias que estavam na cidade encontraram-me, golpearam-me, feriram-me e me tiraram todos os véus. Então estive dominado pelo medo e, inconsciente, cai sobre o solo; mas Salomão me pôs de pé e disse: não temas quando vires a Natureza nua, e o mais oculto que está sob os céus e sobre a terra. Ela é tão linda quanto Tirzã, tão graciosa quanto Jerusalém, tão terrível quanto um exercito sob armas, mas mesmo assim ela é a pura e casta virgem da qual Adão foi feito e criado. Selada e oculta, está a entrada de sua casa, pois ela habita no jardim e dorme nas duplas cavernas de Abraão, nos campos de Efrom, e seu palácio está nas profundezas do Mar Vermelho, e nos profundos e transparentes abismos, o ar lhe deu seu alento e o fogo a criou, sendo por isso a rainha dos campos, leite e mel tem ela em seus seios. Sim, seus lábios como um farto favo, mel e leite estão sob sua língua e o cheiro de seus vestidos é como a fragrância do Líbano para os Sábios, porém uma abominação para os ignorantes. E Salomão ainda disse: Levanta-te, olha todas as minhas mulheres e vê se podes encontrar uma igual a ela. E, em seguida, a mulher tirou de si as vestes e olhei para ela, porém minha mente perdeu a força de julgamento, e meus olhos foram ofuscados: assim não pude reconhecê-la.

Porém, como Salomão observou minha fraqueza, ele separou suas mulheres desta mulher desnuda e disse: Teus pensamentos são vãos e o sol queimou tua mente e tua memória é tão negra como o carvão, assim, tu não podes mais julgar acertadamente, e então, se não quiseres privar teu interesse e aproveitar a presente oportunidade, que te possam novamente refrescar o suor sangrento e as lagrimas brancas como a neve desta virgem nua, limpar teu entendimento e memória e restaurá-la integralmente, para que teus olhos possam perceber os milagres do Altíssimo, a elevação do mais superior, e então poderá sondar as profundezas dos fundamentos de toda a Natureza, o poder e operação de todos os Elementos, e teu entendimento será como a fina prata, e tua memória como o ouro, as cores de todas as pedras preciosas aparecerão diante de teus olhos e conhecerás sua produção, e saberás como separar o bem do mal, o joio do trigo. Tua vida será muito mais pacifica, mas os címbalos de Aarão te acordarão de teus sonhos, e a harpa de Davi, meu pai, de teu sono. Após Salomão assim ter falado, estive muito mais amedrontado, e aterrorizado, em parte por causa de suas palavras, que partiam o coração, e por outra parte, também, pelo grande esplendor desta régia mulher, e Salomão tomou-me pela mão e me guiou, por uma adega de vinhos, para um átrio secreto porém muito majestoso, onde me refrescou com flores e maças, e as janelas eram feitas de cristais transparentes e eu via através deles. E ele disse: Que vês tu? Eu, repliquei, apenas posso ver deste salão o salão do qual acabamos de sair. Á esquerda está tua régia mulher e à direita a virgem nua, e seus olhos estão mais vermelhos que o vinho, seus dentes, mais alvos que o leite, mas suas vestes, a seus pés, estão ainda mais desagradáveis à vista, mais negras e mais sujas que o córrego de Cedron. De todas elas, escolhe uma, disse Salomão, para ser a tua amada. Eu a estimo tanto quanto à minha rainha; agradado como estou com a formosura de minhas esposas, pouco me importo com a abominação das vestes desta virgem. E tão logo o rei terminou de falar, ele virou-se e conversou em tom muito amável com uma de suas rainhas. Entre elas estava uma criada centenária, com um manto cinzentos, uma capa negra sobre a cabeça, incrustada com incontáveis perolas brancas como a neve e forrada com veludo vermelho, e bordada e costurada de maneira artística, com seda azul e amarela, e seu manto era adornado com diversas cores turcas e figuras da Índia; esta velha acenou para mim secretamente e proferiu um sagrado juramento; que era a mãe da virgem nua, que ela fora nascida de seu ventre, que era uma casta, pura e reclusa virgem, que até então jamais sofrera os olhares de um homem sobre si, e apesar de ter ela se deixado usar em todos os lugares, entre as muitas pessoas nas ruas, jamais alguém a vira nua antes daquele momento, e ninguém a tocara, pois ela era a virgem da qual o Profeta disse: Vede, temos aqui um filho nascido entre nós em segredo, que é diferente de todos os outros; vede, a virgem que o gerou, virgem que é chamada ‘Apdorossa’, o que significa: secretamente, a que não pode suportar outros. Porém, enquanto esta sua filha estava ainda por casar, tinha que ter seu dote sob os pés, por causa do presente perigo de guerra, pois poderia ser roubada dele pela soldadesca errante e ser desnudada de sua formosa riqueza. Entretanto, eu não deveria ficar amedrontado por causa de suas repugnantes vestes, mas devia escolher sua filha, antes de qualquer outra, para delicia de minha vida e amor. Então, ela me revelaria uma lixívia para limpar suas vestes, e eu obteria um sal liquido e um óleo não combustível para uso em minha casa, e um tesouro imensurável, e sua mão direita sempre me acariciaria e sua mão esquerda estaria sob minha cabeça. E quando então ia declarar-me categoricamente sobre esse assunto, Salomão voltou-se novamente, viu-me e disse: eu sou o homem mais sábio da Terra; lindas e agradáveis são minhas esposas e o encanto de minhas rainhas ultrapassa o do ouro de Ofir; os adornos de minhas concubinas ofuscam os raios do sol, e a beleza de minhas virgens sobrepuja os raios da lua, assim como de celestial beleza são minhas mulheres, profunda é minha sabedoria e meu conhecimento é inexplicável. No que eu respondi, e meio receoso, eu me inclinei: Vede, tenho encontrando graça diante de teus olhos, e sendo eu pobre, dá-me esta virgem nua. Eu a escolhi entre todas as outras, para toda a minha vida,e apesar de estarem suas vestes sujas e amassadas, eu as limparei e amarei de todo o coração, e ela será como minha irmã e minha noiva, pois ela arrebatou meu coração com um só de seus olhos, com uma corrente de seu pescoço. Quando assim falei, Salomão deu-ma, e havia uma grande comoção no salão entre as mulheres, o que me despertou, e não soube o que me acontecera, acreditando ter sido apenas um sonho, e tive muitos pensamentos sutis sobre meu sonho até à manha. Mas, após haver-me levantado e dito minhas orações, vede! Eu vi as vestes da virgem nua em frente à cama, porém nenhum traço dela. E comecei a amedrontar-me. Todo o meu cabelo eriçou-se sobre minha cabeça e meu corpo inteiro estava banhado de suor frio; porém, tomei coragem, lembrando-me de meu sonho, e pensei novamente sobre ele, receoso do Senhor. Mas meus pensamentos não o explicaram e por essa razão não me atrevi a examinar as vestes, muito menos a reconhecer algo nelas. Então, sai de meu quarto e deixei nele as vestes por algum tempo ‘ex mera tamen ignorantia’, na crença de que, se as tocasse ou as revirasse, algo peculiar me pudesse acontecer, mas em meu sono o odor das vestes envenenou-me e inflamou-me violentamente, de modo que meus olhos não podiam ver o tempo da misericórdia, e não podia meu coração reconhecer a grande sabedoria de Salomão.

Depois que essas vestes estiveram por cinco anos em meu quarto sem que eu soubesse para que serviam, finalmente pensei em queimá-las, para que pudesse limpar o lugar. E passei o dia inteiro a pensar sobre isso. Porém, durante a noite apareceu-me em sonho a centenária mulher e assim me falou bruscamente: Homem ingrato! Por cinco anos te confiei as vestes de minha filha; entre eles estão suas mais preciosas jóias, e durante todo este tempo nem as limpaste nem tiraste delas os insetos e os vermes, e agora, finalmente, queres queimar estas roupas, como se não fosse bastante teres sido a razão da morte e da extinção de minha filha? No que me exaltei e respondi: Como devo entender-te, tu que me acusas de ser um assassino? Por cinco anos meus olhos não contemplaram tua filhas, e nada ouvi dela, como, então, posso ser a causa de sua morte? Ela porem, não me deixou terminar, e disse: É, verdade, as tu pecaste contra Deus, por isso não pudeste obter minha filha? No que me exaltei e respondi: Como devo entender-te, tu que me acusas de ser um assassino? Por cinco anos meus olhos não contemplaram tua filha, e nada ouvi dela, como, então posso ser a causa de sua morte? Ela, porém, não me deixou terminar, e disse: É verdade, mas tu pecaste contra Deus, por isso não pudeste obter minha filha, nem o filosófico ‘Lixivoium’ que te prometi para lavar e limpar suas vestes; pois no inicio, quando Salomão, de boa vontade, te deu minha filha, desprezaste suas vestes, o que enfureceu o Planeta Saturno, que é seu avô, e tão cheio de ira estava ele, que novamente a transformou no que era antes de seu nascimento; e como enfureceste Saturno com tua repulsa, causaste a sua morte, a putrefação e sua final destruição, pois dela o ‘Senior’ disse: Ah, desgraça! Trazer uma mulher desnuda perante mim, quando meu primeiro corpo não era bom d se olhar, e nunca fui mãe até que renasci, quando então ganhei a força das raízes de todas as ervas, e em meu ser mais intimo fui vitoriosa. Tais e outras tantas palavras confrangedoras me eram muito estranhas, mas contive a indignação até o humanamente possível, ao mesmo tempo protestando ‘solemniter’ contra seus doestos: Eu não sabia sobre sua filha, e muito menos sobre sua morte e putrefação, e apesar de ter guardado suas vestes por cinco anos em meu quarto, eu não as conheci, por causa de minha grande cegueira, nem descobri seus usos,e, portanto, era inocente perante Deus e os homens. Esta minha honesta e bem fundada desculpa deve ter agradado bastante à velha, pois ela olhou-me e disse: Sinto e observo em tua mente honesta que és inocente, e tua inocência será retribuída em abundância, pois te revelarei, secretamente e por um bom coração, que minha filha, por muito amor e afeição por ti, deixou-te uma caixa de mármore cinzento como herança, entre suas vestes, a qual sta encoberta por um envoltório áspero, negro e sujo [enquanto isso, ela me deu um copo cheio de lixívia, e continuou falando], esta mesma caixa tu deves limpar do mau cheiro sujidade que recebeu das vestes. Não tens necessidade de uma chave, pois ela se abrirá por si mesma, e encontrarás duas coisas nela: uma alva caixa prateada, cheia de magníficos diamantes polidos, e outra obra de arte em ouro, adornada com valiosos rubis solares. Este é o tesouro e integral legado de minha falecida filha, que ela deixou para que o herdes antes da transformação dela. Se tu somente transferires este tesouro e purificá-lo ao máximo em silencio e fechá-lo, com grande paciência, num porão quente, oculto, fumegante, transparente e úmido, e protegê-lo do entregelamento, da geada, dos raios, dos quentes trovões, e outras destruições, até à colheita do trigo, então perceberás primeiro a inteira glória de tua herança e tomarás parte dela. Então, acordei por uma segunda vez e orei a Deus, cheio de temor, para que Ele me abrisse os olhos a fim de que pudesse encontrar a caixa que me fora prometida no sonho. E, após haver terminado a oração, procurei com grande diligência entre as vestes e encontrei a caixa, porém o envoltório estava firmemente preso a ela, parecendo ter penetrado nela pela natureza, e não fui capaz de retirá-lo. Não podia, pois, limpá-la com a ´lixívia’, nem forçá-la com ferro, aço ou qualquer outro metal. Deixei a caixa mais uma vez, sem saber o que fazer com ela, e a tive por ser de bruxaria, pensando nos dizeres do profeta: “Pois mesmo que laves com ‘lixívia’ e uses bastante sabão, tua iniqüidade ainda te marca perante mim, diz o Senhor Deus.”

E após um ano haver passado, novamente, sem que eu soubesse, após especulações e industriosas deliberações, como retirar o envoltório, finalmente fui passear no jardim, para livrar-me de meus pensamentos melancólicos, e após longo passeio, sentei-me numa pedra áspera e caí em pesado sono. Dormi, mas meu coração permaneceu acordado: apareceu diante de mim a centenária criada e disse: recebeste a herança de minha filha? Em voz triste, respondi-lhe que não, apesar Em voz triste, respondi-lhe que não, apesar de ter encontrado a caixa. Que para mim ainda era impossível retirar dela o envoltório, e a lixívia que me havia dado não fazia efeito em seu envoltório. Após esta exposição, a velha sorriu e disse: Querias, por acaso, comer ostras com as cascas? Não tem elas de ser separadas da casca e preparadas pelo antiqüíssimo planeta e cozinheiro Vulcano? Eu t disse que deves limpar a caixa cinzenta, perfeitamente, com a lixívia que te dei, a qual se originou inteiramente da caixa, que não foi refinada da áspera envoltura externa. Isso tens que especialmente queimar no fogo dos filósofos, então tudo dará certo. E então ela me deu carvões incandescentes, envolvidos em tafetá leve e branco, e instruiu-me ainda e observou que deveria deles fazer um fogo filosófico e bastante habilidosamente queimar nele o envoltório, que logo encontraria a caixa cinzenta. E imediatamente, a cada hora ventos do norte e do sul sopravam ambos varrendo o mesmo tempo através do jardim, e assim acordei, esfreguei então o sono de meus olhos, e notei que os carvões incandescentes envolvidos no branco tafetá estavam aos meus pés; com rapidez e alegria, peguei-os, orei diligentemente, invoquei a Deus, estudei e elaborei dia e noite, e pensei durante isso sobre os grandes e excelentes ditos dos Filósofos, que dizem: ‘Ignis et azoth tibi sufficiunt’. Sobre isso, Esdras diz em seu quarto livro: e ele deu a mim um copo repleto de fogo, e sua forma era como de um fogo, e quando bebi dele, meu coração revelou entendimento, e sabedoria cresceu em meu peito, pois meu espírito reteve sua memória: e minha boca foi aberta e não mais se fechou. O Altíssimo deu o entendimento aos cinco homens, e eles escreveram pelo curso da vida as coisas que lhes foram ditas, em caracteres que não conheciam. Assim, em quarenta dias foram escritos 204 livros, 70 somente para os mais sábios, que eram verdadeiramente dignos disso, e todos foram escritos em madeira de buxo. Procedi então ‘in silentio et spe’, como a velha me revelou em sonho, até que de acordo com a predição de Salomão, após longo tempo, meu conhecimento se tornou prata e minha memória se tornou ouro. Porém, de acordo com as instruções e os ensinamentos da velha criada, eu coloquei e tranquei de maneira apropriada e bastante hábil o tesouro de sua filha, a saber: os esplendidos e luminosos diamantes lunares e os rubis solares, ambos os quais provieram e foram encontrados na caixa e na paisagem. Ouvi a voz de Salomão, que disse: Meu amado é alvo e rosado, o mais distinto entre dez mil. Sua cabeça é como o mais fino ouro, seu cabelo é basto e negro como o corvo. Seus olhos são como os pombos junto às águas, lavados em leite e bem engastdos. Suas faces são como um canteiro de bálsamos, como doces flores. Seus lábios são como lírios, derramando mirra d doce olor. Suas mãos são como anéis de ouro encrustados como berílios. Seu vente é como o brilhante marfim trabalhado com safiras. Suas pernas são como colunas de mármore, colocadas sobre pedestais de fino ouro. Seu semblante é como o Líbano, excelente como os cedros. Sua boa é dulcíssima: sim, ele é todo encantador. Este é meu amado, e este é meu amigo; Ó filhas de Jerusalém. Por isso, deveis retê-lo e não deixá-lo ir, até que o leveis para a casa de sua mãe e para a câmara de sua mãe. E quando Salomão falou estas palavras, eu, não sabendo o que responder-lhe, silenciei, porém queria, mesmo assim, abrir novamente o tesouro fechado, como o qual eu pudesse permanecer sem ser perturbado. Então ouvi uma outra voz: Eu vos concito, ó filhas de Jerusalém, pelas gazelas e corças do campo, que não aticeis nem desperteis meu amor, até que ela o queira, pois ela é um jardim fechado, uma fonte vedada, uma nascente selada, o vinhedo em Baal-hamon, o vinhedo em Engeddi, o jardim de frutas e especiarias, a montanha de mirra, a coluna de incenso, a cama, o leito, a coroa, a palmeira e a macieira, a flor de Sarom, a safira, a turquesa, a parede, a torre, a elevação, o jardim das alegrias, o poço do jardim, a nascente da água viva, a filha do rei, e o amor de Salomão em sua concupiscência: ela é a mais cara à sua mãe, e a escolhida pela sua mãe, mas sua cabeça é cheia de orvalho, e suas madeixas, pontilhadas de gostas da noite.

Por meio deste discurso e revelação, fiquei tão bem informado, que conheci o propósito dos Sábios e não toquei no tesouro trancado até que pela permissão da misericórdia divina, pelo trabalho da nobre natureza, e pela operação de minhas próprias mãos, a obra foi felizmente completada.

Logo após esse tempo, justamente no dia em que a lua estava cheia, ocorreu um eclipse do sol, mostrando-se em toda a sua apavorante força, no inicio verde-escuro e com algumas cores misturadas, até, finalmente, tornar-se negro como o carvão, e escureceu o céu e a terra, e muitas pessoas se aterrorizaram, mas eu me rejubilei, pensando na grande misericórdia de Deus e no novo nascimento. Como Cristo nos tem indicado, um grão de trigo deve ser lançado ao solo, para que não apodreça e deixe de dar fruto. E então sucedeu que a escuridão foi encoberta por nuvens, e o sol começou a brilhar através delas, porém, ao mesmo tempo, três quartas partes dele ainda estavam pesadamente obscurecidas: e vede! Um braço irrompeu através das nuvens, e meu corpo tremia à sua vista, e sua mão segurava uma carta, com quatro selos pendentes, na qual estava escrito: Eu sou morena e formosa. Ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Quedar, como as cortinas de Salomão: não considerem que eu seja morena, pois o sol me queimou etc. Mas tão logo o ‘fixum’ agiu no ‘humidum’, um arco-íris se estendeu e eu pensei sobre a Aliança do Altíssimo, e sobre a fidelidade de meu “Ductoris”, e sobre o que tenho aprendido, e vede, com a ajuda do planeta e das estrelas fixas, o sol sobrepujou a escuridão, e sobre cada montanha e vale surgiu um claro e aprazível dia; então todo o medo e terror tiveram fim, e todos contemplaram este dia e se rejubilaram, honraram ao Senhor e disseram: O inverno passou, a chuva terminou e se foi; as flores apareceram na terra; o tempo do cantar dos pássaros chegou, e o arrulho das rolinhas é ouvido em nossa terra; a figueira produz seus verdes figos, e as vinhas, com seus macios cachos, dão um bom odor. Por isso, apressemo-nos para apanhar as raposas, as raposinhas que estragam as vinhas, para que possamos colher as uvas em tempo e com elas fazer e tomar vinho, e para que sejamos alimentados no tempo certo com leite e favor de mel – para que possamos comer e saciar-nos. Após o dia haver terminado e caído a noite, o céu inteiro empalideceu, e as setes estrelas surgiram com raios amarelos e seguiram seus cursos naturais através da noite, até que de manhã foram vencidas pela aurora purpúrea do raiar do sol. E vede! Os Sábios que habitavam na terra ergueram-se de seu sono, olharam para os céus e disseram: Quem é esta que parece com a madrugada, é bela como a lua, clara como o sol, e não há nela uma mancha, pois seu ardor é fogoso e não difere da chama do Senhor. Assim, nenhuma água poderá extinguir o amor, nenhum rio o afogará; por isso, nós não a deixaremos, pois ela é nossa irmã e apesar de ser ainda pequena, e não ter seios formados, nós a levaremos de volta à casa de sua mãe, para um átrio brilhante, onde ela esteve antes, para sugar ao seio d sua mãe. Então ela ressurgir como a torre de Davi, construída de baluartes nos quais estão pendurados mil escudos, e as muitas armas de homens poderosos; e enquanto ela prosseguiu, a filha e a louvou abertamente, e as rainhas e as concubinas a louvaram. Porém, eu cai sobre meu rosto, agradeci a Deus e a louvei Seu sagrado nome.

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EPILOGUS
E assim é trazido a um final, meus amados e verdadeiros ‘Sapientae et doctrinae filii’, em todo o seu poder e sua glória, o grande segredo dos Sábios, e a revelação do espírito, sobre o qual o Príncipe e o Monarca ‘Theoph in Apocalypsi Hermetis’, diz: é um único ‘Numen’, um divino, maravilhoso e sagrado ofício, pois que incorpora o mundo inteiro nele, e se tornará verdade com tudo o mais, e verdadeiramente sobrepuja os elementos e as cinco substancias. Olhos não viram, nem ouvidos escutaram, nem entrou no coração de nenhum homem, como o céu tem naturalmente incorporado a verdade deste Espírito; nele a verdade não está só, e por isso é chamado a Isaque e Jacó, deveram sua saúde física, suas longas vidas, e finalmente prosperaram em grande riqueza por meio desse poder. Com a ajuda deste Espírito, os ‘Philosophi’ fundaram as sete artes livres e adquiriram suas fortunas assim. Como ele Noé construiu a Arca, Moises o Tabernáculo, e Salomão o Templo e através dele obteve os vasos de puro ouro para o Templo, e pra a glória de Deus.

Salomão também obrou com ele muitos finos lavores e praticou outros grandes feitos. Com este Espírito, Esdras novamente estabeleceu o Mandamento; e com ele, Miriam, a irmã de Moises, foi hospitaleira. E este Espírito foi muito usado e muito comum entre os profetas do ‘Antigo Testamento’. Da mesma forma, ele é o remédio e a cura de todas as coisas, e a final revelação, o último e mais alto segredo da Natureza. É o Espírito do Senhor que encheu a esfera do reino terrestre, e se movia sobre as águas no início. O mundo não poderia entender e nem torná-lo sem a secreta e graciosa inspiração do Santo Espírito, ou sm ensinamentos secretos. Pois o mundo inteiro espera por ele, por causa de seus poderes, os quais não podem ser bastante apreciados pelos homens, e pelo qual os santos estiveram buscando desde o inicio da criação do mundo e tem ardorosamente desejado ver. Pois este Espírito penetra os sete planetas, levanta as nuvens e enxota as névoas, dá luz a todas as coisas, transforma tudo em ouro e prata, dá saúde abundancia, tesouros, limpa a lepra, curra a hidropsia e a gota, clareia as faces, prolonga a vida, fortalece os tristes, cura os doentes e todos os aflitos, sim, é o segredo de todos os segredos, uma coisa oculta entre todas as coisas ocultas, e é cura e medicina para tudo.

Da mesma maneira, ele é e continua insondável ‘in nature’ e infinito poder e invencível glória, que é uma apaixonada invocação pelo conhecimento, e uma linda coisa entre todas as que estão sob o circulo da lua, como o qual a Natureza é fortificada e o coração e todos os membros são renovados e mantidos em florida juventude, a idade é afastada, a fraqueza destruída, e o mundo inteiro refrescado.

Da mesma maneira, este Espírito é um espírito escolhido entre todos os outros espíritos ou coisas celestiais, que dá saúde, sorte, felicidade, alegria, paz, amor, expelindo todo o mal, destruindo a pobreza e a miséria, fazendo também que ninguém possa nem falar nem pensar em algo mal; ele dá ao homem o que ele deseja das profundezas de seus corações, honras mundanas e longa vida aos que amam a Deus, mas punição eternas aos fazedores do mal, que o usam inapropriadamente.

Ao Altíssimo Deus Todo-Poderoso, que criou esta arte e ao qual apraz revelar este conhecimento a mim, um miserável pecaminoso, através de uma promessa e juramento, a Ele, louvor, honra, glória e agradecimentos, com uma prece verdadeiramente humilde e fervorosa para que Ele dirija meu coração, mente e sentidos por intermédio do Seu Santo Espírito, determinando que eu a ninguém fale sobre este segredo, e que muitos comunique a alguém que não seja temeroso de Deus, nem o revele a nenhuma criatura, para que eu não quebre meu voto e juramento, e rompa os selos celestiais, e assim me torne um perjuro ‘Irmão Áurea Crucis’, e ofenda a Divina Majestade, cometendo grave, imperdoável pecado contra o Espírito santo. Portanto, possam Deus Pai, Filho e Espírito Santo, a Santíssima Trindade, misericordiosamente preservar-me e proteger-me constantemente. Amen, Amen, Amen.
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FINIS

22 de jul. de 2010

Alquimia _Livro Primeiro


Que, de um antigo manuscrito, foi aqui trazido à luz.

O Onipotente Todo-Poderoso DEUS e SENHOR, Aquele Único que é Onisciente e Verdadeiramente Sábio, deu ao Homem compreensão superior à de qualquer de Suas criaturas, para que este possa conhecer as Suas obras e não deixá-las inexploradas. Ora, desde que esse Homem, a quem o Deus onisciente concedeu a inspiração e, assim, a descoberta desta alta e profunda Obra secreta e o grande segredo da antiga ‘Pedra d’Água dos Sábios’, ele deve provar-se na sua correção. Se há algo na Terra que seja coisa natural, esta é a Preparação e o ‘Magisterium da Pedra do Filósofo’, natural, e não da fabricação do Homem, mas totalmente obrada pela Natureza, pois nada acrescenta a ela o Artista. Só a Natureza dirige o crescimento, como no caso de cada cultivador do solo com suas frutas e plantas; só que ele deve ser de mente sutil e ter a graça de DEUS, para que a possa dirigir à medida que a obra se torna evidente na fervura e através dos tempos sucessivos: a saber, no principio é o ‘Subjectum’, que se recebe da Natureza diretamente nas mãos. Aí jaz oculta a Tintura Universal de todos os metais, animais e plantas. É um ‘Corpus’ cru e rudimentar, sem contornos de animal ou planta, mas é no início uma substancia áspera, terrosa, pesada, viscosa, dura e nebulosa, na qual a natureza parou de obrar; mas quando o Homem esclarecido abre tais matérias, investiga em ‘Digestão’ as densas e nebulosas sombras com as quais elas se cercam, eles as purifica, permitindo que o oculto emerja, e através de adicional ‘Sublimação’, sua Alma mais interior, que ali fica escondida, também se separa e é trazida a uma forma corporal. Então será descoberto o que a Natureza tinha oculto m tal substancia, que fora informe, e que poder ‘Magnalia’ o Supremo Criador deu a seu Creato e nele implantou. Pois Deus teve este Creato para todas as outras criaturas, já que no inicio da Criação este poder foi implantado, e Ele ainda o dá diariamente, pois do contrário não seria só impossível a uma pessoa levar tal trabalho natural até o fim desejado, como também seria impossível criar aqui qualquer coisa de útil. Mas o bom e dadivoso Deus não negaceia ao Homem os tesouros e bens que Ele implantou na Natureza, do contrário não teria concedido tais coisas às Suas criaturas; não, Ele criou tudo o que é bom para o Homem, o fez Senhor de toda a Sua criação. Portanto, é próprio do Homem compreender e engajar-se em tal Obra natural e filosófica, pois de outro modo uma criação tão dadivosa e maravilhosa teria sido em vão, contemplaríamos a Natureza como se fôssemos animais sem discernimento, que por aqui perambulam, e seguiríamos vâmente os conselhos de Deus, e não nos ajustaríamos às finalidades da Natureza. ‘Deus autem et Natura, nihil facitum frustra [Deus e a Natureza em vão]. Mas o Deus Todo-Poderoso tudo comanda. Ele ordena e provê para que a forragem seja posta diante do asno e do cavalo, mas que o ser humano racional seja servido de alimentos mais custosos, mais deliciosos. Portanto, aqueles que tentam investigar e que desejam esse ‘Arcanum’ e grande tesouro tão profundamente oculto, na maneira correta, não precisam depender da colheita do ignorante, que não possui conhecimento sob a Luz de nosso Sol.

Os Filósofos e Sábios, bem como os ‘Neotrici e Veteres’, já se envolveram em grandes discussões sobre essa arte secreta, e tentaram indicar, sob muitos nomes diferentes, alegorias e palavras sofismadas, maravilhosamente estranhas, o ‘Subjectum e sua Essentia’, e que espécie de Matéria, que espécie de ‘Corpus’, que espécie de ‘Subjectum’, e quão maravilhosa e secreta é uma Criatura, que tenha incorporado poderes tão fortes, estranhos e celestiais, e com os quais, depois de ‘Digestio’ e purificação, pode-se ajudar a seres humanos, animais, plantas e metais, e pode-se levar sua saúde e perfeição até o mais alto grau, podendo-se também praticar outras maravilhosas ações. Entretanto, todos os que foram e ainda são verdadeiros ‘Philosophi’ unanimemente afirmam que há apenas um único ‘Scopum’ e uma única ‘Materiam’, o ‘Fili Sapientat’, sendo muitos e variados os discursos e escritos sobre ele. Com relação à coisa essencial, entretanto, só há silencio, e tal silencio trancou firmemente suas bocas e sobre elas colocou um sólido ‘Sigili’, pois, caso se tornasse um conhecimento vulgarizado, como o dos padeiros e cervejeiros, o mundo em breve pereceria.

Muitos são os que buscaram esta única RES, que ‘solvit se ipsum, coagulat se ipsum, se ipsum impregnat, mortificat et vivicat’ [dissolve-se, coagula-se, impregna-se, mata-se e revive-se a si própria], mas a maioria de tais pesquisadores falharam, pois se perderam em meio à busca. Portanto, é algo que mais se aproxima do ouro; e é algo que tanto pode ser ganho pelo pobre como pelo rico, seja lá o que for. Mas aquele que, de sua própria boca, venha a falar ‘expressamente sobre este Subjectum’, o faz sob a ameaça da ‘Philosophi execrationem divinam’, e sobre si chama a maldição de Deus.

Quando os filósofos pronunciavam um ‘Execratio’, o Deus Todo-Poderoso respeitava o seu apelo e o outorgava, dando-lhes o que até então Ele havia guardado em Suas próprias mãos por muitos e muitos séculos. Ora, o referido ‘Subjectum’ é de tal natureza, que ele, nossa ‘Magnesia’, não apenas contém uma quantidade em pequenas proporções do Spiritus Vitalis universal, como também um pouco de energia celestial condensada e comprimida em si. Muitos dos que o encontraram ficaram de tal modo intoxicadas pelo seu fumo que se mantiveram em seus lugares e não mais puderam erguer-se. Somente um sábio, e um que conheça tais coisas poderá tomar de uma medida desse mesmo fluido e levá-la para si, desde o lugar onde a encontrou, seja este qual for, mesmo que das profundezas das montanhas. Pela singular e abundante graça de Deus, tanto ricos como pobres possuem a mais absoluta liberdade de tomar disso, para que vá de volta a casa com isso, e coloque isso atrás da chaminé ou em qualquer outro lugar que lhe aprouver onde lhe for conveniente, e poderá começar a trabalhar isso e fazer experimentos, pois poderá deixar isso de lado tão rapidamente que nem seus próprios servos o notarão. Pois esta obra natural não é tão desajeitada como a dos alquimistas comuns, como seus desastrados trastes, seus fogareiros de carvão, suas cubas fundidoras e seus cadinhos de refinação, e com todo o restante de suas tralhas. Não, esta é uma obra que se pode guardar, numa arca fechada, em qualquer aposento que se queira, tão sossegadamente que nem mesmo um gato a encontrará, e, caso necessário, ele poderá prosseguir com seu ofício, tomando cuidado apenas para que a fornalha tenha um testador triplo, e que ele a mantenha no calor certo, deixando que a Natureza siga o seu curso. Quando, finalmente, a Solutio for retirada do ‘Terrestriat’ e fortalecida por longa ‘Digestio’, ficará então livre de ‘Crudae Materiae’ e estará preparada e renascida de forma mais sutil. Subseqüentemente, claro está, este agudo e potente ‘Spiritus’ recebe em certas ocasiões uma quantidade bem medida, como sucede nos casos de bebida e nutrição, ‘per modum inibibitionis et nutriotionis’. E sua potencia assim fica condensada e dia a dia torna-se como se fora novos suportes para seus irmãos, e muito ativa. Em verdade pensas que podes trazer esta obra e levá-la a tal potencia em intensidade oculta imensurável, um ‘Spiritus Vitalis?’ ‘ As Crudae Materiae’ ou o ‘Subjectum’ originam-se das ‘Astris e Constellatio dos céus, descendo para seu reino terreno’, sendo então sacado o ‘spiritus universi secretur’ dos Filósofos, que é o Mercuriuns dos Sábios, e é o principio, o meio e o fim, nos quais, o ‘Aurum Psysicum’ está determinado e oculto, que o alquimista comum pensa poder extrair do ouro ordinário, mas em vão. EEnquanto isso, os Philosophi lidam muito, em seus escritos, sobre Sol e Luna que de todos os metais são os mais duráveis no /_\. Mas isto não deve ser tomado literalmente, pois o seu Sol e Luna, quando levados à sua intia ‘puritaet’, através de preparação verdadeira, natural, correta e filosófica, podem muito bem ser comparados com os corpos celestiais, tais como o sol e a lua, que com o seu brilho iluminam, dia e noite, o alto e o baixo ‘Firmamentum’. Portanto, estes dois nobres metais, como Sol e a Luna dos Filósofos, assemelham-se, por natureza, ao corpo humano, e para os que sabem como prepará-los corretamente e usá-los sabiamente, dão muita saúde, e exceto isso,e acima disso, nada mais deve ser preparado, além do ponto tríplice do Universalis, pois o Spiritus a ser encontrado nestas duas coisas produz consistência, força e virtude, entre outras coisas.

Ora, o Homem perdoado por Deus pode preparar e aprontar um objeto ou substancia do supramencionado vermelho oou branco , do Sol e Luna, o que é chamado de Lapidem Philosophorum, ou a antiqüíssima Pedra d’Água dos Sábios, feita da substância na qual Deus colocou potencia na criação ou gênese do mundo, ou dos materiais freqüentemente mencionados ou Subjectum, os quais Deus, por amor e por graça, implantou no altamente dotado homem divino. Porém, creio, por isso, que a substancia divina deixada para ele na primeira Criação do mundo, do Spiritu Vitali, da Inspiração, tem sobrevivido em todas as espécies de criaturas. Todos receberam o mesmo Spiritum no mencionado Massam, e firmemente oculto nas mais internas profundezas da terra, e foi indicado e permitido aos Sábios desenterrá-lo, extraí-lo, usá-lo realizar as mesmas Miracula com ele, através do santo conhecimento que nele ainda está implantado e com o qual é diariamente suprido.

Ambas as substâncias acima mencionadas, como o Sol e a Lua, ou vermelho e branco, ou, antes, a Preparação, é, e os Mercurii são, os ingredientes na Composição de nosso Lapidis Philosophorum. Ora, as Matéria são no inicio purificadas e purgadas através de bastantes e repetidas Sublimentiones, e então cuidadosamente pesadas e logo depois compostas; também tu não deves ignorar o que representa a potência e a ocasião de ambos os ingredientes mencionados, porém deves saber como dispor ambas as Pondera, secundum proportionem Physicam [de acordo com a analogia da Física], pois uma boa porção da Preparação e do Mercúrio é misturada com uma pequena porco de animae Sollis vel Sulphuris, e então unem-se ambos com delicada mão, parra que finalmente a Preparação e o trabalho mais difícil sejam completados. Mas terás que saber que deverás primeiramente tingir a Preparação com a vermelha Tinctur, todavia ela não se tornará vermelha ‘in continenti’, mas permanecerá branca, pois o Mercurius tem o privilégio de querer ser tingido primeiro, antes de todos os outros. Os ‘Philosophi’ dizem que o fazer em adição com a Anima Solis desta Tinctur do Mercurii, e de onde deve ser tirada. O Fermento do ouro é ouro, justamente como o Fermento da massa é massa. Ademais, é o Fermento do ouro proveniente de sua própria natureza, e então sua potencia é perfeita quando retransformada em terra. E então isso é primeiro o inicio dos Filósofos, a certa e verdadeira Prima Matéria Philosophorum metallorum [a primeira Matéria dos metais dos Filósofos]. Daí para diante os verdadeiros Mestres, experienciados na Arte, começam a estimular seus Ingniam e aproximar-se da Grande Obra. E então o ‘Artifex’ continua com tal obra, e através da benção de Deus, leva-a ao final, para o qual tende e onde é encarnada por Deus, nominalmente, para a abençoadíssima Pedra Filosofal. De modo que de nada senão per Spiritum universali Secretum a verdadera matéria prima Philosophorum é preparada e aprontada. Quem, então, compreender bem este Spiritum Secretum entende também, sem dúvida, os segredos e milagres da Natureza e tem a percepção da luz da Natureza. Pois ela é ‘motus harmonicus Sympaticus e magneticus’, da qual se origina a Harmonia e Concordantia, a magnética e simpática força ou efeito do mais superior e do mais inferior. Porém, nota que a natureza de ambos os ingredientes não é semelhante uma à outra no inicio, por causa de suas opostas qualidades. Pois uma é quente e seca, a outra é fria e úmida, e logicamente,elas devem ser unidas. Mas quando isso está prestes a ocorrer, então suas qualidades opostas devem vagarosamente ser mudadas e igualadas, de modo que nenhuma das suas naturezas opostas, por meio de seu intenso fogo, retire da outra sua potencia. Mas tu jamais poderás juntá-las, pois ambas as naturezas devem elevar-se simultaneamente no poder do fogo. Então a Discrasia será retirada do Corpori, e uma Aequalitas e boa Temperatur são estabelecidas, o que ocorre através da moderada e constante ebulição.

Pois quando ambas as naturezas Sulphur e Meercurius são encerradas em espaço muito apertado e são mantidas sob calor moderado, começam a extenuar suas características opostas e a unir, até finalmente terem todas as qualidades. Elas se tornam Conspiratio e se elevam ao mesmo tempo, e certamente no topo do vidro se encontra número um. Elas estão prontas a consorciar-se, e então o noivo coloca o anel de ouro em sua noiva, dizem os Philosophi. E assim que Mercurius com seu Sulphur, como a água e a terra entre si, estiverem devidamente ebulidos [ quanto mais tempo, melhor], expelem de si todas as suas superfluidades e as partes puras encontram-se e dispõem de seus ‘corlicibi’; de outro modo as partes impuras impedem a unificação e o Ingressus.

Pois o Mercurius, como o primeiro Corpus, é inteiramente imperfeito e pode ‘per anima’ nem ser misturado nem perpetuado, pois nenhum dos Corpus ingressa no outro nem será unido a ele, seja ‘in vere’ ou ‘in radice’. Mas devem essas coisas ser tratadas de modo que uma verdadeira Tinctur se formará, e deverá ser preparada dela um novo Corpus espiritual que provenha de ambos, pois após a purificação um adotada as virtudes do outro, e de vários provém o único, numero et virtute [em numero e força]. Porém, se o fogo for por demais intenso e não for controlado de acordo com as exigências da Natureza, ambos estes acima mencionados serão sufocados ou separados. Se a eles não for dispensado o modo certo de preparo, transformar-se-ão em nada, em trabalho estragado e um Monstrum. Mas quando se proceder prudentemente e com o calor devidamente controlado, então ambas as substâncias se elevarão na Sublimatio do topo ou cúpula do vidro. Então, quando tu colheres estas lindas flores, poderás já desfrutar delas em particularia.

Mas não poderás observar o motum occultum naturae; assim como não poderás ouvir ou ver a erva crescer, pois ninguém pode observar, nem notar, o aumento e desenvolvimento destes dois ingredientes, Mercurii e Sulphuris, por causa de seu sutil, oculto e vagaroso Progressus de hora em hora. Somente por meio de marcas colocadas d semana em semana isso poderá ser observado e uma conclusão tirada, pois o fogo interno é muito delicado e sutil. Porém, por mais vagaroso que o processo possa ser, não terminará até chegar ao final, quando seu intento poderá ser visto, como em todas as plantas, a não ser que tal sutil e competente ebulição seja detida pelo calor demasiado do sol e seja queimada, ou detida por frio de aparição instantânea; ‘ergo qui scit occultum motum naturae, scit perfectum decotionm’ [por isso, aquele que conhece o movimento oculto da Natureza, conhece também a perfeita ebulição ou preparação]. Este motum deve agora tomar seu rumo natural e autodeterminado,apesar de ninguém poder ouvi-lo nem vê-lo, como também ninguém pode compreender. O Centra et ignem invisibilem seminum invisibilum [ o Centro e o fogo invisível]. Por isso deverás deixar tal assunto somente à Natureza, e observá-la, e nenhuma vez tentar opor-se à Natureza, mas depositar nela toda a confiança,até que ela produza seu fruto.

Quando alguém trata a Natureza com calor gentil e agradável, ela faz e produz tudo de si mesma, o que, para o suprimento de um Creati ou para a introdução de uma nova forma, é o objeto de necessidade: pois o Verbo Divino Fiat ainda reside em todas as criaturas e em todas as plantas, e tem sua poderosa força nestes tempos, assim como teve no inicio.

Existem, entretanto, quatro principais Virtudes e Potentias, das quais a nobre Natureza faz uso em cada ebulição; através disso ela completa sua obra e a leva a um final.

A PRIMEIRA VIRTUS
É, e é chamada, ‘appellativa et attracctiva’, pois lhe é possível atrair para si, de longe ou de perto, alimento pelo qual se mostre desejosa de resultados e lugares agradáveis à sua natureza, e ela pode crescer aumentar. E aqui ela não tem um poder magnético, tal como o de um homem por uma mulher, o Mercurius pelo Suplhur, o seco pelo úmido, a Matéria pela forma. Por isso o axioma dos Filósofos é: natura naturam amat, ammplectitur prossequitur. Omnia namquam crescentia, dum radices agunt et vivant, succum ex Terra altrahunt, atque avide arripiunt ilud, quo vivere et augementari sentiunt – isto é, a natureza ama a natureza, a envolve e segue. Pois todas as plantas, quando lançam raízes e começam a viver, tiram a seiva da terra, e a sugam avidamente, pois sentem que deste modo elas podem viver e multiplicar-se. Pois onde há fome e sede, alimento e bebida serão recebidos com avidez esta Virtus e Potentia será desperta e provém do calor e da seca mediana.

A SEGUNDA VIRTUS E POTENTIA
É, e é chamada natura retentiva et coagulativa. Pois a Natureza em si não somente é útil a ela e serve por sua continuação e é vantajosa quando ela carece daquilo que é avidamente produzido de si mesma, mas tem também com ela o laço com o qual ela tira e traz e a segura a si mesma. Sim, a Natureza até se muda em si mesma, pois como tem ela escolhido, destas duas, as mais puras partes, ela separa o resto e as leva à boca e a faz crescer, e não está carecendo de qualquer outra ‘calcinação ou fixação:natura naturam continent’[A natureza retém a natureza], e tal habilidade provém de sua secura, pois o frio constringe as partes obtidas e formas e as reduz, por secura, na Terrae.

A TERCEIRA VIRTUS E POTENTIA
[naturae in rebus generandis et augmentandis]

Est Virtus digestiva, quae fir per putrefactionnem seu in putrefactione [é a força digestiva, que ocorre por meio da putrefação ou na putrefação], em calor e umidade moderados e temperados. Pois a Natureza dirige, muda e introduz um tipo e qualidade, a imperfeição é eliminada, o amargo é adoçado, o autero é abrandado, o áspero é feito liso, o imaturo e selvagem é domado,o que era anteriormente incapaz é agora habilitado e tornando eficiente, e leva à execução finalmente pretendida e perfeição da Obra, e representa os Ingredientia da Compositio.

A QUARTA POTENTIA NATURAE
Est virtus expulsiva mundificativa, segregativa [a força expelente, purificante, separadora] que separa e divide, que purifica e purga, que lava durante a Sublimação ou Decocção.

Ela parte do Sordibus da escuridão e trás consigo um Corpus ou substância pura, transparente, poderosa ou iluminada; ela reúne as Partes homogneis, e é gradualmente liberada do heterogeneis, repele a Vitia e tudo o que for estranho, inspeciona o rude, e dá a cada parte um lugar especial. Isto é causado por – e é proveniente de – agradável calor, constante em umidade apropriada, e isso é a Sublimação e fruta madura que agora cairá da casca. Por isso foi no inicio designado pela Natureza artesãos, a saber: o Patiens é liberado do Agente e será aperfeiçoado. Nam liberatio illa a partibus heterogeneis est vita et perfectio omnis Rei – isto é, para a liberação destas desiguais partes, é a vida a perfeição de todas as coisas. Para o Agens e Patiens que até agora estiveram em contenda um com o outro, de modo que cada um afetava e oferecia resistência de acordo com a resistência de seu oponente – isto é, o quanto for possível ela quebrará a resistência de seu oponente e não se devem unir durante o tempo de sua Decocção, porém a melhor parte deverá ganhar a vitória e expelir o impuro, e subjugá-lo.

Agora, quando todas as Naturalis potentia tiverem desempenhado seu Officium, então virá o novo nascimento e como a fruta madura se apresenta em todas as outras plantas, assim também agora sucederá em nosso Subjecto e obra natural que, quando aperfeiçoada, surpreendentemente em nada mais parece com seu primeiro inicio e não tem mais qualidade, e é nem frio nem seco, nem úmido nem quente, e ´nem masculus nem foemina. Pois o frio é por si mesmo transformado m calor, e o seco em úmido, e o pesado em leve, pois ela é uma nova ‘Quinta Essentia’, um ‘Corpus Spirituale’, e tornou-se um ‘Spiritus Corporales’, tal Corpus é claro e puro, transparente e cristalino: por si mesma, a natureza jamais poderia ter produzido tal corpo enquanto existir o mundo. O Artifex e o homem iluminado, entretanto, auxiliante Deo et natura [pela ajuda de Deus e da Natureza], produziu por meio do seu intelecto a arte, e ele o coloca lá por si mesmo. De modo que subseqüentemente ele encontra uma Miracula e que é chamada: ‘unguentum anima, aurum Philosophorum, flos auri’[o ungüento, a alma, o ouro do filósofo, a flor do ouro]. Theopharastus e outros o chamam de Glutem aquilae.

Agora, o que foi mostrado sobre as quatro ‘potentiis naturae’ foi efetuado por meio do fogo, que deve ser incombustível, agradável à Natureza, e de acordo com a Natureza deve continuar estável e deve também sr vantajoso à Obra: porém nesta Obra dois tipos de fogos são particularmente bem tratados, a saber: o fogo elementar externo que o Artifex produz e o qual aplica à Obra, e depois deste o fogo natural, inato, interno, das substancias. Embora encontre em todas as três coisas primárias ou genera um fogo natural, tal como nos Animalibus, Vegetabilus e Mineralibus, através dos quais ele iniciou e se moveu, mantendo a vida, foi fortificado e aumentado; e pode continuar seu inato poder de continuidade e de virtude radicada de acordo com o caráter de cada um.

Mas o fogo que se encontra em nosso Subjecto em si mesmo não é mínimo entre as criaturas e os minerais. Ele tem oculto dentro d si o mais maravilhoso, o mais potente fogo, confrontado com o qual o fogo externo é semelhante à água, pois nenhum fogo elementar comum pode consumir e destruir o puro ouro, que é a mais durável substancia entre todos os metais, por mais intenso que o fogo possa ser, mas apenas os essenciais /_\ e \¨/ dos filósofos o podem conseguir.

Se tivéssemos hoje este fogo com o qual Moisés queimou o bezerro de ouro e o triturou em pó e o espalhou sobre a água de que então fez os Filhos de Israel beber [Êxodo, cap.32] – que seja esta uma parte da obra alquímica de Moisés, o homem de Deus! Pois ele foi instruído na arte egípcia e nela habilitado. Ou o fogo que o profeta Jeremias escondeu sob o pé da montanha, da qual Moisés avistou a Terra Prometida e onde ele morreu, o fogo que foi recuperado senta anos mais tarde pelos Sábios, os descendentes dos antigos sacerdotes, após o retorno do Cativeiro Babilônico. Porém, no entretempo, o fogo da montanha foi mudado e se transformou em água [II Macabeus, cap. 1 e 2]. O que pensas tu? Não nos deveríamos aquecer nele e manter afastado de nós o frio do inverno?

Tal fogo dormita em nosso Subjecto calma e pacificamente, e não se move espontaneamente. Se agora este secreto e oculto fogo devesse auxiliar seu próprio Corpori, de modo que possa elevar-se e ter seu efeito, e manifestar seu poder e força, para que o Artista possa alcançar o final desejado e predestinado, este fogo deverá ser estimulado pelo fogo elementar externo, ser atiçado e ser trazido para seu curso. Este fogo pode estar em lâmpadas ou em qualquer outro lugar que desejares, ou engedrares, pois ele sozinho é suficientemente capaz de executar a atividade com facilidade, e tal fogo e calor externos devem ser cuidados e mantidos durante todo o tempo, até o final da Sublimação, para que o fogo essencial e interno seja mantido aceso, para que os dois fogos mencionados possam ajudar-se um ao outro e o fogo externo possa dignificar o fogo interno, até que em seu tempo apropriado l se torne tão forte e intenso que rapidamente reduzirá a cinzas, pulverizará, reverterá a si mesmo e igualará a si tudo aquilo que for nele colocado, mas que é, todavia, de sua própria espécie e natureza.

Todavia, é necessário a todo Artifex, à custa do final desejado, saber que entre estes dois fogos mencionados ele mantenha determinada proporção entre o mais externo e o mais interno, e que ele atice o fogo apropriadamente, pois se o deixar fraco, então a Obra será paralisada, e o fogo mais externo não é capaz de aumentar o interno, e desde que ele o atice moderadamente por várias vezes, produzirá um vagaroso efeito de processo muito longo, e quando tiver esperado com tal paciência e obtiver seus dados, então finalmente alcançará seu objetivo. Porém, se alguém fizer um fogo mais forte do que o adequado a este processo, e este for apressado, então o fogo interno padecerá e será inteiramente inepto, a Obra certamente será destruída, e o apressado jamais alcançará seu fim.

Se após a duradoura Decocção e Sublimação as nobres e puras partes do Subject forem gradualmente, e com a vantagem de um tempo calculado, separadas e liberadas da rústica substancia terrosa imprestável, o impulso m tal atividade deverá ser de acordo com a Natureza e deverá ser ajustado com moderação que seja agradável, complacente e vantajosa ao fogo interno, a fim de que o fogo interno essencial não seja destruído por calor demasiadamente intenso, ou mesmo extinguido e tornado imprestável. Não, antes ele será mantido em seu grau natural, será fortificado, enquanto as partes puras e sutis se ajuntam e se reúnem, sendo o imperfeito separado, de modo que as partes puras combinem e o melhor alcance o objetivo em vista. Portanto, tu deves aprender da Natureza sobre o grau deste fogo que a Natureza usa em suas operações até que ela faça amadurecer seus frutos, e disso conhecer a Razão e fazer os cálculos. Pois o fogo essencial interno é realmente aquele que leva o Mercurium Philosophorum à aequalitaet; mas o fogo externo estende-lhe uma mão, para que o fogo interno não seja impedido em sua operação, e, portanto, o externo deverá estar em concordância com o interno e deverá ajustar-se de acordo com o mesmo, e vice-versa. Então, em tal uso do fogo elementar universal, ele deverá ser levado ao calor natural interno, e o calor externo será ajustado a ele, para que este não exceda no CREATO a força do SPIRITUS úmido e quante, o qual é inteiramente ‘subtil’; de outra maneira, a natureza quente de tal ‘spiritus’ seria rapidamente dissolvida, e não poderia mais manter-se unida, e não teria mais potência. Segue daí que um fogo mais intenso do que for necessário para reviver e manter o fogo natural interno implantado em nossa Materiae poderia ser apenas para o impedimento e a deterioração. In natura et illius Creatis et generationibus sit tua Imaginatio, isto é, na natureza e no que foi criado ou trazido por ela deverás mediar. Por isso leva o Spiritum úmido para terra, faze-o secar, agglutinirs e figurs, com um suave fogo. Assim deveras tu também levar o Animam para o Corpus morto e restaurar o que tiveres levado embora, e tu restaurarás o que não tem alma e o que é morto para a vida, para que se eleve e se equipe novamente, porém o que assim o fez não suportará o calor, pois este não se tornará constante como no caso de ter sido recebido espontaneamente com boa vontade, com alegria e com desejo, ficando profundamente impressionado.

E isto é ‘sicci cum humido natuiralis unio et ligamen tum optimun’ [a unificação natural do seco com o úmido, e também a melhor ligação]. Sim, se alguém realmente deseja discutir este assunto: os Sábios mencionam três tipos de fogo, cada um dos quais está encarregado do ‘operis magni’, assim é que cada melhor forma em particular deve em sabedoria e boa prontidão tê-lo também em governo. Assim, ele não trabalhará como um cego, mas de maneira entendida e prudente, como é adequado a um Philosophus inteligente.

O primeiro fogo é o externo, feito pelo Artista ou vigia, o qual os Sábios chamam de ‘ignem frotem’, do qual ‘Reginem’ depende a segurança ou a ruína da Obra inteira, e isto de dois modos:’nemium sumiget cave’ [tome cuidado para que não fumegue demais], mas também é dito:‘combure igne fortissimo’[queime-o com o mais forte fogo].

O segundo fogo é o ninho no qual a Phoenix dos Filósofos tem sua morada, e lá choca ‘ad regenerationem’. Isto não é nada mais que o ‘Vas Philosophorum’. Os Homens Sábios o chamam de ‘ignem corticum’, pois está escrito que a ave ‘Phoenix’ ajuntou todos os gravetos de madeiros balsâmicos com os quais cremou-se a si mesma. Se não fosse assim, a Phoenix morreria de frio e não alcançaria a Perfeição. Sulphura Sulphuribus continentur [os enxofres são mantidos pelos enxofres]. Pois, o ninho deve proteger, assistir, nutrir e vigiar a descendência do pássaro até o final.

O terceiro, entretanto, é o verdadeiro fogo inato do nobre Sulphuris, ele mesmo a ser encontrado ‘in radice subjecti’, e é um ‘Ingrediente’, e ele acalma o ‘Mercurium’ e lhe dá forma; este é o verdadeiro Senhor, sim, o verdadeiro ‘Sigillum Hermetis’. Em relação a este fogo ‘Creberus’ escreve: ‘In profundo mercurii est Suplhur, quod tandem vincit frigiditatem et humiditatem in Mercúrio.Hoc nihil aliud est, quam parvus ignis occultus in mercúrio, quod in mineris nostris exitatur et longo temporis sucesse digerti frigiditatem et humiditatem in mercurio, isto é: Na essência do Mercurii está um enxofre que finalmente subjuga a frieza e a umidade no Mercúrio. Isto nada mais é do que um pequeno fogo oculto no Mercúrio, que é feito presente em nosso Mineris, e na integridade do tempo ele absorve a frieza e a umidade do Mercúrio ou as remove, e isto também é dito sobre o fogo.


FINIS.

21 de jul. de 2010

A Rosa _ Símbolo de Psicologia Espiritual?


Durante muitas décadas, pode-se dizer que de modo geral psicologia e espiritualidade foram vistas como antinômicas. Jung, porém, colocou em evidencia a importância da dimensão espiritual como fator de evolução do ser humano, que é um ser em ‘devenir’, com real capacidade de transformação. Mas reconheçamos que na França Jung foi pouco compreendido que a maior parte dos ensinamentos da psicologia nas universidades francesas permanece fortemente marcada pelo pensamento materialista, o que, aliás, vai inteiramente contra o fenômeno da retomada de interesse pela espiritualidade; fenômeno com que nos encontramos e que deveria cumprir seu papel de pôr a questão em evidência em muitos campos.

Falar de psicologia espiritual é ter em conta, de modo global, a dimensão espiritual do ser no quadro da abordagem psicológica. Portanto, não se trata apenas de se interessar pela primeira infância, a infância, a esfera psico-afetiva ou a esfera profissional de um indivíduo, mas também de se ter em conta a esfera espiritual ou o despertar espiritual, com as qualidades psíquicas relacionadas, como por exemplo, a intuição, e com toda a simbologia que expressa, através dos sonhos, do corpo físico [simbologia corporal], do corpo psíquico [psico-energético], certos eventos interiores e certas enfermidades significativas. É também ter em conta os elementos da sombra em nós, isto é, os elementos negativos de nosso EU, os elementos que representam um problema e que devem ser reconhecidos e canalizados, para serem depois transmutados - é o caso da agressividade ou da passividade que devem ser reconhecidos como tal conscientemente. Posto que devem ser transmutados ao longo dos anos em uma energia positiva disponível para outra coisa. E é também integrar os fenômenos que fogem ao ordinário e que levantam questionamentos, como as experiências PES, as visões místicas, a sincronicidade, a memória de vidas anteriores, etc. – tudo isto faz parte da alquimia interior.

Como disse o Dr. JACQUES Vigne, “o que diferencia a psicologia espiritual é a experimentação pessoal: as observações são feitas mergulhando-se na própria psique, coisa que os sábios vêm praticando há milhares de anos, graças à meditação e a outras técnicas de expansão da consciência. Para eles, cada ser humano é seu próprio laboratório para explorar seus próprios estados interiores. Isto não é uma questão de crença ou de fé, é uma questão de experiência...”

Para nós ocidentais, não se trata de rejeitar, digamos assim, a psicologia clássica, convencional, que desenvolveu bastante o aspecto analítico, mas de inscrevê-la numa perspectiva espiritual que desenvolva o aspecto mais intuitivo e metafórico. Em outras palavras, trata-se de conciliar em nós o analítico e o intuitivo.

Freud, em sua obra, trabalhou bastante na estruturação do Ego, insistindo no papel da primeira infância, da infância, etc. Jung, por outro lado, aprofundou suas pesquisas na evolução do Ego rumo ao Eu. Em alquimia mental e em psicologia espiritual, sabemos que é essencial que haja um Ego bem estruturado – de onde a importância da infância e da adolescência – e sabemos também que a partir desse Ego bem estruturado pode se dar uma evolução de boa qualidade rumo ao Eu.

Os místicos aspiram à realização desse Eu, e a psicologia espiritual se interessa muito particularmente por esse campo. O Eu é o que há de mais elevado em nós e representa na verdade a ‘Imago Dei’ que todo ser humano possui em seu intimo, o reino de Deus dentro de nós. Como constatou o psiquiatra Adler, do ponto de vista psicológico o Eu pode ser considerado como a experiência de Deus em nós, de certo modo o Deus do nosso coração. Ele constitui o que podemos chamar de a mais alta intensidade de vida.

E é através da ampliação progressiva do campo da consciência que nosso Ego pode tender ao Eu cósmico, sendo a experiência última a reintegração da alma no Uno. E é essa ampliação que os rosacruzes realizam, aprendendo a desenvolver em si mesmos a consciência cósmica.

Abordaremos neste artigo três pontos simbólicos concernentes à rosa, de um ponto de vista psico-espiritual.

I – A Rosa como Símbolo do Desejo Espiritual de Realização do Eu
A jornada interior pode ser simbolizada pelo desabrochar da rosa na cruz. A rosa é considerada como um dos símbolos desse processo de mudança, dessa transmutação alquímica, mas outros símbolos, como o diamante, a flor de lótus, a criança interior, a esfera dourada, a luz branca, são também exemplos de símbolos do Eu. Podemos encontrá-lo nos sonhos espirituais, nos grandes mitos da humanidade, em alguns contos infantis tradicionais, como também nos manuscritos alquímicos ou ainda, por exemplo, nas cartas do Tarô iniciático.

Alertamos, porém, que não é suficiente sonhar com símbolos maravilhosos para que se seja um Realizado: os símbolos do Eu, as situações arquetípicas, devem ser consideradas sobretudo como um encorajamento e uma expressão do desejo de ir mais longe; não é o fim do processo, mas na verdade um novo começo para uma nova volta da espiral.

Do mesmo modo, podemos dizer que uma experiência de despertar, como uma visão mística, não é O Despertar. É simplesmente uma experiência de despertar, um encorajamento para a senda ou uma arrancada na evolução. A rosa em seu desabrochar, com suas diferentes pétalas, pode então traduzir esse desejo, mostrando que novas tarefas devem ser empreendidas.

II – A Rosa Como Símbolo do “Saber Dar” e do “Saber Receber”
A rosa pode ser apreendida como um magnífico símbolo de harmonização entre o ‘saber dar’ e o ‘saber receber’. Um bom numero de escritores já insistiu nessa necessidade de equilibrar em nós o saber dar e o saber receber, e entre esses podemos citar Jung, Maslow, Stanilas Grof, Annick de Sounzenelle, entre outros. Esse equilíbrio resulta de um movimento harmonioso, de uma aliança entre esses dois componentes, movimento que constitui uma dinâmica entre o exterior e o interior de nós mesmos. Em nossa vida cotidiana, não façamos a partilha do ‘saber dar’ e do ‘saber receber’. Por exemplo, não há uma hora de ‘saber dar’ seguida de uma hora de ‘saber receber’.

Nossa psique é constituída de uma energia masculina e uma feminina. A energia masculina representa nossa capacidade de ação no mundo físico: pensar, falar, mover-se, etc. Para o homem, como para a mulher, é a energia masculina que permite o agir; é a emissividade, a função emissa, e o ‘saber dar’ participa deste processo de emissividade.

A energia feminina representa nossa porção mas intuitiva, essa porção interior que pode se abri à inteligência suprema do universo. Para o homem, como para a mulher, é a receptividade, a função receptiva, e o ‘saber receber’ participa deste processo de receptividade.

De um modo esquemático, podemos dizer que o processo criativo traduz-se assim: o aspecto feminino recebe a energia criadora universal e o aspecto masculino a exprime no mundo pela ação; isto é parte da nossa alquimia mental e espiritual.

Se tomarmos o símbolos da rosa, poderemos nos dar conta de que este símbolo possui um núcleo central de onde emanam as pétalas. Ania Teillard, psicóloga, observou que tudo se passa como se neste símbolo da rosa houvesse, ao mesmo tempo, uma reunião em torno do ponto central e uma irradiação estelar emanando do centro:

- Por um lado, as energias vindas do exterior, que passam pelas diferentes pétalas e que são reunidas no centro da rosa, representam de certo modo nosso ‘saber receber’ – do exterior para o interior, o fenômeno da interiorização.

- Por outro lado, as energias que partem do interior, do centro da rosa, e se difundem através das pétalas irradiando-se para o exterior, representam de certo modo nosso ‘saber dar’ – do interior para o exterior, o fenômeno da exteriorização.

Tudo isso representa simultaneamente a concentração interior e a união com o mundo exterior. A mesma coisa participa também do processo de evolução individual e coletivo. Temos necessidade de ambos: do ‘saber receber’ e do ‘saber dar’. Talvez seja útil recordar em que consistem esses dois conceitos.

1_O ‘Saber Receber’
Nem todo mundo sabe receber ou estar em receptividade. Sylvie Galland e Jacques Salomé, psicoterapeutas, dizem que “reagimos como doentes do receber e, numa relação de longa ou de curta duração, muitas são as situações em que temos receio de receber.”

Receber presentes, palavras agradáveis, elogios, sinais de amor – pode parecer incrível, mas há muitas pessoas que não suportam essas atenções. Os autores citados acima colocaram a seguinte questão: a visão que temos de nós mesmos é tão severa, tão exigente, que não podemos aceitar o reconhecimento daquilo que é?

Mas receber é também receber as evidências, as opiniões diferentes, as proposições novas e até perturbadoras. A maioria dos seres humanos funciona com uma atitude defensiva; muitos dizem não pegar para si aquilo que lhes parece desconhecido; poucos estão realmente abertos às diferenças, o que explica bem os problemas das nossas sociedades contemporâneas que se caracterizam às vezes pela intensidade de sua intolerância. A falta de tolerância é um medo ancestral, um fechamento, um bloqueio de energia do receber.

2_ O ‘Saber Dar’
Assim como podemos estar doentes do ‘saber receber’, do mesmo modo podemos estar doentes do ‘saber dar’. Assim como a rosa pode receber a luz e o calor do sol sem reservas, do mesmo modo esta rosa pode dar seu perfume, sua irradiação, desinteressadamente e sem ficar privada do quer que seja.

Há prazer no saber dar, mas esse prazer não é algo calculado nem um troca de bons procedimentos, e menos ainda uma estratégia. O saber dar não põe em relevo o sofrimento e o sacrifício, ele revela uma forma de amor. Na vida cotidiana, é freqüente se ouvir frases como: “ E dizer que sacrifiquei dez anos de minha vida a tal causa, a tal ideal, a tal pessoa...” Aí não está a dádiva, o amor, mas o dever, e na psicologia moderna conhecemos bem os limites do dever. O dever nada tem a ver com o amor. Ora, é importante ter em mente que tanto no ‘saber dar’ como no ‘saber receber’ o prazer desempenha seu papel. Prazer de dar como prazer de receber, e vice-versa...

E isso pode ser feito muito naturalmente, como no exemplo da rosa que recebe calor e luz, e dá seu perfume e irradiação. O equilíbrio no cotidiano acha-se talvez na proporção, nessa adaptação com flexibilidade do ‘saber dar’ e do ‘saber receber’ que se faz simultaneamente.

O que dissemos da rosa, podemos aplicar ao símbolo Cruz. A cruz é qualquer parte da nossa vida cotidiana, isto é, um conjunto de experiências a serem vividas, com o braço vertical simbolizando a espiritualidade, o horizontal simbolizando a materialidade, e o ponto de encontro onde floresce a rosa, o desabrochar do ser. Podemos agora retomar os conceitos do ‘saber receber’ e do ‘saber dar’, pois material e espiritualmente recebemos do exterior elementos, informações, energias que vêm circular ao longo dos braços da cruz para se concentrarem no núcleo essencial que é a rosa; e inversamente, da rosa emana todo tipo de irradiações que vão se difundir ao longo dos braços da cruz, ressoando em nossa vida espiritual e material.

Não nos esqueçamos também que o que é válido para o funcionamento do individuo é igualmente válido para o funcionamento de um conjunto de indivíduos, podendo esse conjunto ser um grupo, uma nação e, por que não, todo o planeta. Se nosso planeta não vai atualmente muito bem, talvez seja por ele ter perdido o senso da proporção.

3_ A Rosa como Símbolo da Abertura do Coração
O que vamos abordar agora está completamente ligado ao que foi dito anteriormente: trata-se do que chamamos a ‘abertura do coração’, elemento essencial num caminho iniciático.

Na rosa-cruz, a rosa esta no centro da cruz, isto é, no ponto do coração do Cristo. Ângelus Silesius, místico do século XVII, autor de uma obra intitulada ‘O Peregrino Querubínico’, fez da rosa a imagem da alma, como também do Cristo.

Mantenhamos, então, essa imagem da rosa, símbolo, entre outros, da abertura do coração ... e mais particularmente da explicação simbólica da imagem do iniciado carregando um botão de rosa, que não deseja outra coisa além do desabrochar, como se o iniciado, em sua jornada interior, tivesse feito assomar em si o essencial. Esse essencial passa em verdade pela via do coração e a regeneração do Ser interior. O coração pode ser considerado como símbolo central dessa via, pois indica, quanto é importante para o homem saber amar a todos os níveis de seu ser, sendo o Amor Cósmico o nível mais elevado. Saber amar abre muitas portas, e num dos livros secretos dos gnósticos do Egisto havia esta expressão significativa: Vós, os Filhos do Conhecimento do Coração.

O centro cardíaco é um dos 7 centros psíquicos maiores. Lembremo-nos que, conforme recomendam os ensinamentos, é preferível não se polarizar excessivamente nesse ou naquele centro psíquico, pois é mais natural que o despertar, ou mais precisamente o redespertar, desses centros se faça de modo harmonioso, na exata medida em que se realiza a evolução espiritual. Do mesmo modo, as qualidades psíquicas, correspondentes aos centros psíquicos, despertam progressivamente. Os 7 centros psíquicos têm todos sua importância e seu desenvolvimento deve ser harmonioso, a fim d que a circulação energética possa ser feita normalmente de baixo para cima e de cima para baixo.

O centro cardíaco ocupa, entretanto, um lugar interessante no plano dos 7 centros psíquicos. De cima para baixo ele é o 4º, de baixo para cima é também o 4º. Alguns falam dele como sendo o primeiro centro altruísta. Sua localização mediana, à meia-distância entre a parte de baixo e a de cima, confere-lhe um papel especial, pois a abertura do coração, como se costuma dizer, favorece o desenvolvimento dos outros 3 centros superiores e tem uma ação aquietadora e harmonizadora sobre os outros 3 centros inferiores – são esses 3 centros inferiores que estão talvez exacerbados em nossa sociedade de hiperconsumismo e de hiperaglomeração emocional e especular.

É possível que a abertura do coração desenvolva o desejo espiritual de se ter uma relação mais intima com a alma. É possível que ele permita ao homem compreender melhor a natureza do amor.

Podemos acrescentar também que quanto mais adentramos na luz cósmica, mais somos iluminados no interior de nosso ser, e mais desejamos ajudar os outros e compartilhar com eles essas bases de compreensão, de conhecimento e de revelação mística que integramos em nós. De fato, quanto mais essa comunhão cósmica se dá, mais podemos amar e ajudar naturalmente e sem esforço da vontade pessoal, pois ajudar com esforço da vontade pessoal denuncia algo do conceito de poder.

Auxiliamos os outros na qualidade de transmissores, como canal espiritual. A abertura do coração, isto é, essa rosa que aos poucos se abre simbolicamente em nós, nos ensina a bondade interior. Esse desenvolvimento, pelo fato de estar carregado de amor, vai muito além do mero desenvolvimento intelectual. Ele tende a uma evolução mais profunda do ser, que proporciona uma expansão do campo da consciência e às vezes uma hiperconsciência – uma hiperconsciência transitória mas, ainda assim, uma hiperconsciência – como também um desejo espiritual de comunhão interior, e é sta comunhão interior que permite que se tome consciência do sentimento de universalidade e de unidade.

Não é então de se admirar que, a despeito de todo seu conhecimento, alguns cientistas passem longe da sua verdade: eles trabalham tão somente com a cabeça.

Ora, reconhecemos essa simplicidade do coração, esse calor interior, na tradição mística ocidental. A rosa e a cruz, através de seus diversos sentidos simbólicos, nos propõem manter, tão intactas quanto possível, essas qualidades da via do coração, mesmo no decorrer de experiências difíceis e talvez até mais ainda durante elas. Os estudantes sabem muito bem que vivenciar isto é parte do campo da iniciação. As experiências a serem vivenciadas podem ser individuais ou coletivas, mas todas devem ser consideradas significativas, ou seja, plenas de sentido.

E o conjunto das experiências, por um lado cotidianas, com seu quinhão de alegrias e sofrimentos para cada um, e por outro lado místicas e espirituais, pode conduzir afinal à experiências fundamental da luz interior, e com isto a aceitação plena e inteira do Plano Divino.


Há um adágio que diz: Ao te engajares num caminho, pergunta-te se esse caminho tem um coração. Não se trata,claro, do coração físico e nem do coração afetivo e emocional, mas do coração enquanto centro de integração de certas faculdades espirituais, esse coração centro do ser.

No limiar da Era de Aquário, sentimos, na psicologia espiritual, que o homem deve se reconciliar com seu coração. A inteligência sem coração, a ciência sem consciência, nos levaram à situação planetária atual, com nossas sociedades a um só tempo muito analíticas e muito emocionais na superfície, mas muito frias na profundidade. A abertura do coração pode dar um sentido e uma outra visão às descobertas da inteligência na vida cotidiana, e o coração purificado, no sentido alquímico da expressão, torna-se capaz de ver ‘aquilo que’ é em sua essência.

E como disse o poeta, numa visão muito idealista: Que é um coração puro senão aquele olho capaz de contemplar todas as coisas sem projeção, sem transferência, com aquela qualidade da inocência que faz com que o mundo nele se reflita como sobre água límpida...

Paralelamente a esta visão poética, podemos recordar a explicação de Mircéia Eliade sobre o simbolismo, que ele considera como um dado imediato da consciência total, quer dizer, do homem que se descobre como tal, do homem que toma consciência de sua posição no universo; essas descobertas primordiais são tais que o próprio simbolismo determina simultaneamente a atividade do subconsciente e as mais nobres expressões da senda espiritual.

UM TRIÂNGULO
Vimos assim 3 pontos simbólicos concernentes à rosa numa abordagem psico-espiritual; portanto, um triângulo com:

1ª ponta:a rosa como símbolo do desejo espiritual de realização do Eu.
2ª ponta:a rosa como símbolo do saber dar e do saber receber.
3ª ponta:a rosa como símbolo de abertura do coração.

Três pontos simbólicos que favorecem o sentimento de unidade. Três em Um – sentimento de unidade que pode ser traduzido também pela rosa no centro da cruz.

- Sentimento de unidade no Eu, com a harmonização dos diferentes componentes do nosso ser.

- Sentimento de unidade com os que vivem o mesmo ideal místico, e quanto a isto conhecemos o papel desempenhado pela Egrégora.
- Sentimento de unidade com os que estão na busca spiritual, de uma maneira geral.

- Sentimento de unidade com o conjunto da humanidade, com a qual somos solidários no nível das alegrias e das tristezas.

- E um dia, sentimento de unidade com o infinito...

A unidade através do Amor e do Conhecimento auxilia no estabelecimento de novos valores.

É a tudo isso que nos convida o símbolo da rosa que irradia no sentido espiritual do termo, mas também no sentido psicológico, com as mudanças de valores e de comportamento que ela acarreta no mundo do pensamento; e, claro, no sentido cotidiano, com as aplicações práticas, concretas, pragmáticas, na vida de todo dia. Portanto, uma irradiação nos três planos – espiritual, psicológico e cotidiano.

CONCLUSÃO
Pode-se dizer que a senda espiritual e também a psicologia profunda a que nos referimos, isto é, a que leva em consideração a dimensão espiritual, introduzem o conceito de jornada interior. Cada um tem em si uma parcela da imensidão cósmica, da infinitude, e da busca da harmonia possível com o Cósmico. A jornada interior consiste nos encontros consigo mesmo, no casamento alquímico interior, na unificação, efetuando um circulo completo que, como Ulisses, nos conduz ao nosso ponto de partida, mas com uma consciência muito maior e com as múltiplas experiências que terão balizado nossas vidas sucessivas como etapas necessárias.

A senda iniciática é uma imensa jornada de Amor, tal como a empreenderam todos os alquimistas, e somos todos, com diz a Ordem, alquimistas espirituais. É um imenso poema de Amor pela vida, nessa busca pelo Absoluto, uma jornada através dos planos de consciência, das estrelas também - por que não? – através do cotidiano que se torna nosso verdadeiro laboratório, para descobrir passo a passo a realidade crística do Amor e da Luz. Algo semelhante ao que disse Jacob Boehme quando afirmou que somos de natureza terrestre no âmago dessa natureza terrestre havemos de descobrir nossa existência celeste.

Sócrates e depois Platão, cada qual em sua época, ansiaram por estimular os homens a fim de revelar neles os traços de conhecimentos acumulados ao longo da jornada da alma, de modo que esses conhecimentos pudessem servir como fonte interior da verdade. A tradição iniciática, como fizeram Sócrates, Platão e muitos outros,apóia-se no fato de que as fontes de sabedoria, de amor e de conhecimento se ocultam nas profundezas do ser, e que são elas que se desenvolvem da maneira mais significativa, desde que lhes seja permitido expressarem-se totalmente. No mundo da psicologia contemporânea, numerosos são os que, aos poucos, admitem essa realidade, e cujas tentativas de modelos psicológicos e psicoterapêuticos de visão espiritual buscam responder às nossas necessidades modernas.

Edouard Schuré, m 1889, autor do Livro ‘Os Grandes Iniciados’, escreveu o seguinte capítulo sobre Pitágoras: “Será esta, segundo nós, a tarefa de fazer com que se venha a render às faculdades trancendentes da alma humana sua dignidade e sua função social, reorganizando-as com o auxilio da ciência e sobre bases universais, abertas a todas as verdades. Então, a ciência regenerada, de olhos abertos, alcançará essas esferas onde a filosofia especulativa vagueia de olhos vendados e tateando. Sim, a ciência se tornará clarividente e redentora, na medida em que nela crescerão a consciência e o amor à humanidade.”

A ciência com consciência e não mais a ciência sem consciência.

Então, a rosa, cuja importância história não requer maiores provas, permanece um autentico símbolo da maior consciência de ser e do ensinamento espiritual.

E o que melhor se pode desejar para a humanidade do século XXI do que esperar vê-la ampliar seu campo de consciência e sua capacidade de amor?

Uma ultima imagem simbólica para encerrar: nos manuscritos alquímicos dos séculos passados, a rosa foi muitas vezes denominada Flor dos Sábios, e nos seus casamentos místicos a rosa vermelha era atribuída ao Rei e a rosa branca à Rainha. Retenhamos em nossos pensamentos esta imagem da rosa como Flor dos Sábios e como símbolo de abertura da consciência.

A consciência é uma questão de qualidade e não de quantidade técnica conhecida, e a Flor dos Sábios se reconhece, claro, por sua qualidade....
_
[Texto de Jean-Pierre Clainchard]


19 de jul. de 2010

O Homem _ quem ele é? Uma Visão Antropológica Filosófica

O Homem _ quem ele é? _ Uma Visão Antropológica Filosófica

“O interrogar-se sobre o homem, sobre a sua posição presente e futura no mundo, faz parte dos problemas centrais da filosofia. Na conjuntura da passagem mundial da humanidade pelo capitalismo, pelo socialismo e pelo processo de radicais mudanças técnico-científicas, essa questão ganha atualidade. À sua solução são dirigidos também esforços dos representantes da filosofia, da sociologia e da cultura, de maneira sempre mais intensa”.

Praticamente todos estão portanto de acordo em reconhecer a importância ‘capital de um estudo profundo do homem’.

Mas como realizá-lo? De onde começar? Que aspecto examinar? Qual o método a ser seguido, o da ciência experimental ou o da psicanálise, o da sociologia ou o da metafísica? Em outras palavras, para alcançar uma resposta conclusiva à interrogação “Quem é o Homem?” que tipo de antropologia se deve elaborar: a cientifica, a fenomenológica ou a filosófica?

A tentativa de abordar o estudo do homem prevê por seu próprio turno um numero considerável de ciências, pseudociências e especulações as mais variadas.

Variando pela abordagem, estas tentativas são cognominadas de acordo com seu enfoque. As ‘logias’ que conhecemos confirmam este fato.

Entretanto, ressaltaremos o homem como tema central – ele e suas relações, e mais ainda, discorreremos respeitando a sua Totalidade. Tal categoria representa, segundo o conceito aristotélico, um todo completo nas suas partes e perfeito na sua ordem. Plenitude.

Max Scheler afirma: “Num certo sentido, todos os problemas fundamentais da filosofia podem reconduzir-se à questão seguinte: que é o homem e que lugar e posição metafísica ele ocupa dentro da totalidade do ser, do mundo, de Deus”. Daí a importância da antropologia filosófica.

Representa efetivamente uma ciência fundamental acerca da essência e da estrutura de eidos [*eidos – um dos termos que Platão usava significando a idéia, Aristóteles a forma, usado na filosofia contemporânea por B.Husserl para indicar a ‘essência’]do homem; da sua relação com os reinos da natureza [minerais, plantas e animais] e com o princípio de todas as coisas; da sua origem essencial metafísica e ao seu inicio físico, psíquico e espiritual no mundo; das forças e potencias que agem sobre ele e aquelas sobre as quais ele age; das direções e das leis fundamentais do seu desenvolvimento biológico, psíquico, espiritual e social, consideradas nas suas possibilidades e realidades essenciais.

Historicamente, até dois séculos atrás, o estudo do homem era chamado ‘De Anima’. Era ao mesmo tempo ‘experimental e metafísico’, diríamos mais o segundo.

Foi Wolff o primeiro a distinguir os dois tipos de pesquisa, e as chamava respectivamente: Psychologia empírica [Frankfurt,1732] e Psychologia rationalis [Frankfurt, 1734].

Essa distinção depois assumiu caráter definitivo.

Hoje tende-se a substituir o termo ‘psicologia’ por ‘antropologia’, que é mais apto a indicar o conteúdo da pesquisa filosófica: ela diz respeito a todo homem e não só à sua alma.

O termo ‘antropologia’ afirmou-se por mérito de Kant, que intitulou uma de suas obras ‘Anthropologie in Pragmatischer Hinsicht [1798]’. Nela se define essa ciência como:”Uma doutrina do conhecimento do homem ordenada sistematicamente”.

Hoje ele é adotado para denominar três disciplinas bem diferentes:
a) O estudo do homem do ponto de vista físico-somático: antropologia física.
b) O estudo do homem do ponto de vista da sua origem histórica: antropologia etmológica ou cultural.
c) O estudo do homem do ponto de vista dos seus princípios últimos: antropologia filosófica.

Embora o termo antropologia tenha sido cunhado em tempos mais recentes, o homem tem sido objeto de estudo m todos os períodos da historia.

O homem foi estudado pela filosofia grega, assim como pela cristã, pela filosofia moderna como pela contemporânea. Não foi, porém, estudado sempre do mesmo modo, do mesmo ponto de vista, do mesmo ângulo.

*Na filosofia clássica o homem foi estudado a partir de uma perspectiva cosmocêntrica; na filosofia cristã, de uma perspectiva teocêntrica; na filosofia moderna e contemporânea, de uma perspectiva antropocêntrica.

É lógico que destas diversas perspectivas se obtiveram imagens do homem profundamente diferentes.

As antropologias mais significativas elaboradas numa perspectiva cosmocêntrica são as de Platão, Aristóteles e Plotino.

Para Platão o homem é essencialmente alma: alma espiritual, incorruptível, e portanto certamente imortal; a imortalidade da alma para Platão não constitui verdadeiramente um problema: o único problema para ele é libertar a alma da prisão do corpo.
A visão cosmocêntrica possui o Cosmo como centro, tendo portanto o homem uma importância relativa.

Nesta visão, a preocupação destaca-se pela origem, funcionamento e manifestações da natureza, do Cosmo e de Deus. É a fase a que se atribuem aos mitos as explicações e desígnios e é também chamada de mítica. A busca da ‘substancia primordial’ pelos filosóficos pré-socráticos é um marco deste período cosmocêntrico.

A visão teocêntrica mais característica do período medieval tem Deus como centro da visão e da origem do homem. Com o cristianismo abre-se para o homem [e portanto também para a reflexão antropológica] uma nova perspectiva. O fundo sobre o qual se desenvolve a vida humana não é mais o da natureza, do cosmo, como para os gregos, mais sim aquele da história da salvação, ou seja, a história das relações entre Deus e a Humanidade. Por conseguinte, a reflexão antropológica dos autores cristãos tem como ponto de referencia constante o próprio Deus: é uma reflexão evidentemente teocêntrica.

Com o inicio da época moderna a pesquisa antropológica abandona a impostação cosmocêntrica dos filósofos gregos e a teocêntrica dos autores cristãos e se dirige para a impostação antropocêntrica: o homem constitui o ponto de partida de onde se origina e em torno ao qual fica constantemente polarizada a pesquisa filosófica. A investigação critica, que em Descartes é o necessário ponto de partida de todo reto filosofar, tem por objeto o homem. Na Ethica, Spinoza não se propõe outro objetivo que estabelecer cientificamente qual seja o escopo da vida humana e os meios para o conseguir. Hume [em Treatrise on Human Nature] pretende oferecer um quadro definitivo do homem como indivíduo; Comte e Marx pretendem apresentar um quadro completo do homem como ser social; Freud estuda o homem como um complexo de instintos, etc... Enfim, o homem como centro das buscas do pensador moderno.

Existem modelos, métodos e enfoques para o estudo do homem que quando conhecidos pelo estudante rosacruz ampliam seu horizonte, contribuindo com subsídios à questão do homem em suas relações materiais e espirituais.

Propomo-nos trazer à tona um enfoque que o enxerga como um ser espiritual, como uma alma vivente, conforme a Ontologia Rosacruz, mas que sobretudo avalia-o inserido num contexto, numa manifestação material enquanto ser-no-mundo. Daí a necessidade da ética como mediadora das relações da sociedade humana e do conhecimento das classificações feitas pela ciência da antropologia filosófica como elemento vital desta compreensão.

É desta maneira que nos ocuparemos nos próximos artigos desta seção, a fim de que, conhecedor dessas ‘facetas’, o estudante possa efetivamente adequar o seu conhecimento místico-filosófico à realidade e expressão de seu ser na vida, na terra e na sociedade humana.

Deve-se observar que embora todos partam de uma perspectiva antropocêntrica, os filósofos modernos, de um primeiro estágio moderno, continuam inspirados em Platão, elaborando antropologia de cunho metafísico. Temos como exemplo as antropologias de Descartes, Spinoza, Pascal, Malebranche, Vico e Leibnitz.

Um novo modo de estudar o homem toma lugar quando um pensador de renome resolve provar a absurdidade da metafísica. Nada menos que Emmanuel Kant, autor da Critica da Razão Pura, procurou provar que o saber humano é limitado e a mente humana não pode adquirir um saber absoluto, nem do mundo nem do homem nem de Deus; a mente pode adquirir somente um conhecimento de caráter prático, moral. Daí seu imperativo categórico fundamentado, etc.

A critica kantiana à metafísica, os progressos da ciência, o emergir da consciência histórica e outros fatores já no século XIX, e depois mais decididamente ainda no século XX, deram uma reviravolta decisiva na investigação antropológica: abandona-se o terreno metafísico no qual, como se viu, os filósofos haviam trabalhado até Kant, para se colocarem em outros terrenos – os da história, da ciência, da cultura, da fenomenologia, da psicanálise, da religião, etc...

A proposta da Antropologia Filosófica é abarcar o quadro completo da situação do homem e responder a Questão: “Quem é o homem enquanto tal?”

Isto, sabendo que a realidade humana traz problemas que a razão de per si não consegue resolver. Desmascara deste modo a auto-suficiência do saber cientifico e aborda a questão acima não com o rigor parcial das especialidades cientificas, mas sobretudo buscando a resposta total, completa, exaustiva, última, uma resposta em condições de esclarecer plenamente o que seja o homem tomado globalmente, em seu todo, o que ele seja efetivamente além e sob as aparências, o que seja em si mesmo afora as diferenças causadas pelo ambiente, pela idade, pela educação, etc...

O homem nos interessa na sua totalidade, não por esse ou aquele de seus aspectos. As ciências especializadas [antropologia, lingüística, medicina, psicologia, sociologia, economia, ciências políticas], malgrado os seus esforços, tendem a limitar a totalidade do individuo, considerando-o do ponto de vista de uma função ou d um impulso particular. O nosso conhecimento do homem resulta de uma função ou de um impulso particular. O nosso conhecimento do homem resulta fragmentado: muito freqüentemente tomamos uma parte pelo todo. É esse erro que nos propomos evitar.

Isto posto, consideramos apresentada a legitimidade da Antropologia Filosófica. Nosso método será lento, porém de uma exploração, a mais ampla possível, do fenômeno humano, tomando para exame as suas principais manifestações que citaremos a seguir.

Depois, seguindo certo indícios que nos serão sugeridos por essas mesmas manifestações, procederemos à decifração do sentido profundo, último e completo do homem.

O Homem é a expressão do Homo Somaticus; Homo Vivens; Homo Sapiens; Homo Volens; Homo Loquens; Homo Socialis; Homo Culturalis; Homo Faber; Homo Ludens; Homo Religiosus.
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[Estudode Hélio de Moraes e Marques]