Se em algumas ocasiões enfatizei especialmente certas tendências condenáveis da época em que vivemos, seria no entanto um erro considerar isso uma confissão de pessimismo. Se eu fosse um pessimista, duvido que teria escrito qualquer coisa. Isso porque a natureza do pessimismo é empestar e matar. Ele cega o fio mental, fecha a porta à inspiração e abafa a voz da alma. Apontar fatos desagradáveis e indicar tendências que têm o poder de impedir e desencorajar a aspirante não é pessimismo. Se devotamos fidelidade aos artigos de fé, essa fidelidade exige que enxerguemos claramente os falsos valores da vida que os ignoram, distorcem nossa compreensão e derrubam esses artigos em proveito próprio. Além disso, se nos propusemos a nos entregar ao serviço aos outros, não acho sábio parecer ignorante de quanto em nosso modo de vida possa suscitar pessimismo naqueles que têm de enfrentar muitas circunstâncias desfavoráveis que exigem profunda fé e coragem para serem superadas.
Como nossa filosofia é vencer e progredir, a despeito das dificuldades, não precisamos fechar os olhos ao fato de que entre nós existem muitos cuja melhor parte é posta a duros testes, nestes dias em que [ainda que com bastante inconsciência e através de sua etapa individual de evolução] são chamados a equilibrar a balança de seu carma e desobstruir o caminho em que andam. Mas se estamos determinados a não ser pessimistas, tenhamos em mente que não nos tornamos radiantes otimistas pela simples absorção de muita luz decorrente de fitarmos o Sol, e também que distorcemos a verdade sobre nós e sobre a vida, esquecemo-nos da relativa importância da razão e nos debatemos como os que se professam se consideram ‘pessimistas’.
Curiosamente, porém, sinto-me muito incapaz de condenar ou refutar muito do pessimismo atual. Não sou alguém que se ponha a fitar o Sol, embora aprecie a luz e calor. Sou inclinado a ter uma visão sensata do horizonte distante, em que posso ver o que estão fazendo as pessoas e o que lhes está acontecendo. E não tenho dúvidas d que sobre a paisagem paria um pessimismo que só um milagre poderia eliminar. Tal pessimismo rouba a energia e cega a mente, não só de indivíduos reflexivos comuns, mas também de intelectuais bem informados: pois a maioria liga suas esperanças e a maior parte de suas aspirações a coisas e circunstâncias do solo mundano da existência. Sentem-se cada vez mais dirigidos e controlados ‘para o bem do estado’. Estão de tal modo perplexos e preocupados com o crescente número de regras e normas ‘para o bem do estado’, e tão aturdidos com tantos decretos e medidas ‘para o bem do estado’, que não é de admirar que duvidem de que neles haja algum bem ou qualquer coisa que valha a pena esperar.
Acho que concordarão comigo m que não muitos podem desempenhar o ardoroso otimista, pois suas ambições e esperanças, ideais e aspirações são desviadas e reprimidas para que gerações por vir possam concretizá-las e delas colher benefícios. Os homens não têm esse tipo de constituição. Não acham que nasceram para regredir. Têm ‘alguma necessidade’ qualquer que seja, de progredir. E se ‘essa necessidade’ está frustrada e impedida, podem ter certeza de que o declínio do Ocidente não é a negra visão de um pessimista, mas algo que está em marcha.
Para consolo dos que acreditam e trabalham em prol das possibilidades superiores do ser humano, assegura-se que o mundo se expande na direção do que é místico e divino, o que deveria ser motivo de otimismo. Não contestamos isso, mas gostaríamos de ver evidências. Os intelectuais parecem ignorá-lo, como demonstram claramente suas patéticas e infrutíferas controvérsias nos mais importantes periódicos de hoje. Não sabem o que pensar. Discutem e debatem, refutam afirmações dos outros, e demonstram elogiável capacidade na dialética das escolas. A religião não os satisfaz: não os incita à descoberta do Eu e de seus poderes; apenas insiste num futuro nebuloso. A Filosofia, segundo entendem, é um conflito de TEORIAS que não lhes dá um caminhar seguro: exorta-os a ficarem contentes com sua sorte, não lhes fornecendo nenhuma técnica prática para mudá-la. E a ciência os leva a uma terra prometida de novas porém temerárias descobertas materiais: nada revela sobre a ama do homem. Aliás, é por demais inteligente para se preocupar com a alma.
Mas se a ciência, a filosofia e a religião deixam o homem ou espiritualmente apático ou dialeticamente preocupado e aborrecido [com o significado da vida e as possibilidades da evolução interior despercebidos por aqueles que deveriam ser seus transmissores], que se pode esperar em termos de inspiração e cooperação daqueles que sorvem esse alimento espiritualmente negativo e continuam tão especulativos e descrentes quanto aqueles que o distribuem? Some a isso tudo os comentários e palestras radiofônicas de títulos pretensiosos, das autoridades em ciência, filosofia e religião, e pergunte-se se você já vislumbrou uma luz maior, se já lhe mostraram um novo e secreto canal para a alma do universo, ou se continua no mesmo lugar, ainda perplexo e em dúvida, precisando da sabedoria e orientação do homem superior.
HOMENS E PRISÕES
“O homem nasce livre”, diz Rousseau. Interpretando, “ o homem nasce para a liberdade, porém sempre está preso”. Mas Rousseau era um teórico da política, e sua afirmação clássica se refere às cadeias de cativeiro político. É verdade que o homem nasceu para a liberdade, e não é menos verdade que ele ainda está preso. Mas não nos interessamos aqui pelo aspecto político. Conhecemos muito esse aspecto, tanto ou mais que Rousseau. Esse aspecto é abordado com eficiência em outro lugar, e muito ouviremos ainda sobre ele. O que desconcerta o aspirante atual é que o mesmo está preso, bem como seu irmão não-aspirante.
Pelo extenso contato com os estudantes do misticismo, sei que o portal de entrada para a vida mais ampla muitas vezes parece mais ameaçador que a larga estrada que eles estão tentando deixar para trás. Isso tem de ser assim. E não é de surpreender que a neblina ilusória que obscurece o umbral às vezes instile no inquiridor coração dos aspirantes um pessimismo quanto a como são as coisas, ao invés de otimismo quanto a como podem ser. Isso é o que está acontecendo com eles. Esse é o tentador que os faria voltar à estrada bem conhecida, onde tiveram amplo companheirismo que os fortalecia em objetivos e finalidades compatíveis com a estrada.
Mas estando decididamente fechada a porta a isso, e os olhos fixos
No caminho que ascende dos interesses puramente mundanos à verdade mística, deve se seguir um período de testes. E quanto mais abrupta e determinada for essa inversão de interesses, mais intensa será a exigência de a vontade do aspirante se ater firmemente ao novo ritmo que ele estabeleceu para si. As velhas algemas que prenderam o aspirante ao mundo não podem ser rompidas imediatamente, liberando-o para sua nova busca de paz. Longe disso: ele não pode desejar uma vida mais elevada sem que esse desejo seja arduamente testado. E o aspirante é testado em seus pontos mais fracos e em seus pontos mais fortes. Só ele sabe de que nível de sua natureza é provável que venham os ataques, ele deve estar preparado para enfrentá-los onde e quando menos espere.
Duvido que algum aspirante não tenha de alguma forma passado por testes e desafios. Tenho constatado esse teste na vida de todo o sincero aspirante que conheço. E embora eu sinta compaixão, sei que isso é bom para eles. Em alguns casos o teste foi tão ameaçador e inflexível, que eles questionaram a validade de seu ideal mais elevado. Isso não é condenável. A natureza humana é humana, por mais que a Divindade a esclareça. E a despeito do que diga o fanático religioso, a mais ferrenha batalha entre as duas naturezas é constatada na vida dos maiores santos, sábios e místicos dos tempos conhecidos. Mesmo então, os esforços mais intensos do divino no homem não são totalmente percebidos, e só podem ser sentidos compassivamente por poucos.
Como então podemos lamentar se a espada de dois gumes do destino atinge o coração da vida, ferindo-nos em nossa parte mais sensível e não poupando nem o santo nem o pecador? Pois, dum ponto de vista limitado, não há discriminação: ambos ascendem e caem juntos. E acredito que esse fato por si só já provocou tanta angústia na mente das pessoas reflexivas como qualquer outro. Mas certos aspirantes pensam que, ‘porque’empenharam-se em ascender, o passado está milagrosamente liquidado, os obstáculos aplainados, as marcas e obrigações das encarnações anuladas e obliteradas, sem qualquer poder ou influencia dentro deles, e a ascensão à verdade é convertida numa estrada desimpedida e angelical. O aspirante que acredita estar extinto seu passado simplesmente por ignorar suas conseqüências é na verdade um pensador superficial. E sabe muito bem que os erros de hoje são compensados amanhã. E ele ficaria muito surpreso se assim não fosse. Mas não consegue conceber que as vidas passadas condicionam a presente, como a presente determina as seguintes. E isso se aplica tanto aos indivíduos como às nações.
A VIDA INTERIOR
Mas acredito serem comparativamente poucos os estudantes Rosacruzes que caem ou que permanecem por muito tempo nessa atitude negativa. Por via de regra, a pessoa não sente o desejo de estudar antes que ocorra um impulso cármico de dar um passo adiante na evolução. E disso não se depreende absolutamente que o novo estudante seja necessariamente um neófito. É freqüente ele já ter feito muita leitura e estudo, que o preparou para iniciar o caminho da experimentação prática, o que consolidará seu conhecimento prévio e assegurará rápido progresso a uma vida de serviço. Tenho conhecido muitos desses estudantes, e a carta de um deles acabou de me chegar às mãos. Citarei um trecho, dado o seu caráter inspirador: “Não posso deixar de mencionar o impacto que seus livros, recentemente lidos e estudados, tiveram sobre mim. Deixaram minha alma em pedaços. Exerceram um efeito extraordinário em mim; não só abalaram minhas estruturas e tomaram conta de minha mente, mas têm eles um poder de persuasão e encantamento para a alma e raciocínio, que fazem coisas maravilhosas para minha evolução pessoal e da alma....” Faço essa citação com bastante impessoalidade, pois há nela uma profunda lição, que pode ser estimulante e útil para os que estão preparados.
Não me prendo simplesmente ao caráter de agradecimento dessa carta. O que desperta minha atenção é o fato de que ela vem espontânea e urgentemente de coração. É uma incomum declaração da vida interior. Que significa ela precisamente? Significa que a estudante de súbito respondeu a um alto nível vibratório de declaração da verdade da senda que já era dela e que só esperava despertar o reconhecimento. Verdadeiramente, isso foi uma iniciação para qual a vida e as circunstâncias e os estudos a prepararam. Num momento cármico propício, e como por um único impulso dinâmico, uma porta de revelação interior se abriu, e ela ficou face a face com seu verdadeiro EU. Essa é uma das valiosas recompensas de esforços passados, de enfrentar a vida de todos os ângulos, de aceitar a dor e o sofrimento oculto, talvez do passado remoto, mas destinados a produzir seus frutos neste ciclo. Isso mostra que não podemos antedatar o futuro. Por mais árduo e inauspicioso que seja o caminho, e por mais que às vezes tendamos a ceder à deprimente atmosfera do mundo ao nosso redor, esse véu ilusório à nossa frente não deve ser encarado como realidade.
Existem forças que podem impedir nosso progresso e ascensão. Sua natureza é essa. Elas cumprem um papel na evolução. Todo aspirante é por elas testado. Devemos transcender essa experiência e recorrer à vontade para que esta exerça sua supremacia, a despeito de qualquer oposição, seja de solidão, de recuo momentâneo que se projeta a partir da infindável eternidade, seja de personalidades ou circunstâncias que obstroem o caminho que escolhemos percorrer, seja algum desafio atirado à nossa frente por um amigo ou inimigo.
O FOGO DA EVOLUÇÃO
Em ‘Tácito’ há uma frase sombria e significativa que diz: “E aqueles que não tinham inimigos foram destruídos pelos amigos.” É bom termos em mente a verdade dessa afirmação, pois não raro o aspirante é impedido e desencorajado pelas pessoas que com ele convivem. O que é bom para elas deve ser bom para ele também. Essa é a atitude que embasa a oposição e a critica por ter ele repudiado vínculos antigos. Conheço muitos desses casos, e alguns deles são patéticos e cruéis. Aquele que impede seu irmão de alcançar a Luz Maior da Senda é o inimigo do homem, e para isso existe uma compensação cármica. Aquele que em prol da Luz perde um amigo encontrará um amigo maior em seu Mestre. É só uma questão de tempo, e é o tempo que com tanta freqüência nos faz atrasar. Seja forte na tribulação. Nada valioso pode ser perdido que não seja recuperado mais tarde com maior potencia de conquista.
Podemos ter conhecimento e experiência, mas algo mais se faz necessário: o fogo da evolução. Há estudantes que às vezes ficam completamente parados nos estudos e propósitos. Falta-lhes o fogo da alma. Tivessem recorrido à alma rogando-a em nome do Bem Supremo e acreditando em sua presença e onipotência, ela teria descido sobre eles e os levado sobre o precipício da desesperança.
Existem entre nos pessoas que demonstram isso para si mesmas. Conhecem os aspectos da vida a que me refiro e há muito os enfrentaram. Enxergaram por entre as ilusões da vida e nunca mais vão se deixar dominar por elas. Os roufenhos tons do mundo não mais as perturbam, pois elas têm o coração tranqüilo e a mente perspicaz – duas invencíveis fortalezas contra as tendências nocivas e mortificadoras de nosso modo de vida. Jamais entregarão aquilo por que lutaram e venceram – PARA AJUDAR VOCÊ!
Será que você não percebe que se não fossem essas personalidades a quem o carma forçosamente e meritoriamente e arduamente levou à guarda da evolução, não só o pessimismo, mas também o desespero assolaria os pontos vitais da humanidade? Tem você consciência da influencia secreta e marcante daqueles que compõem a vanguarda da evolução? Eles pouco têm a demonstrar disso, a não ser uma existência vivida com determinação. Mas o fogo do coração pode produzir um rastro luminoso que cruza o universo, e os que não são mais sábios estão porém mais preparados para ele: aqueles que podem senti-lo despertam e vivem para algum objetivo. E hoje é de um objetivo, de um objetivo nobre e muito superior aos objetivos comuns, que os aspirantes precisam para encetar com segurança um novo progresso. Não me refiro a súbitos e inoportunos entusiasmos, que são de curta duração e logo cobram a penalidade dos opostos e desaparecem. O objetivo aqui significa um plano de procedimentos sabiamente elaborado, no anseio de atingir um ideal[seja ou não atingido neste ciclo] e a aceitação com sublime indiferença de tudo de bom ou ruim que o carma decrete, sabendo muito bem que tudo o que o objetivo precipite para sua imediata consecução é peculiarmente nosso e encerra a sensação da lei.
O fogo da alma nos confere indômito objetivo, mas não se destina a crianças na senda. Destina-se a alma temperadas que não recuam em seu objetivo. Esse temperamento caracteriza os poucos, e sempre vai caracterizá-los. Nada nesta vida é maior ou mais digno que o nos decidirmos viver segundo os Seres Excelsos e fazer parte deles.
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[Texto de Raymundo Andréa]
30 de mai. de 2010
ENFRENTANDO A VERDADE
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