O Mapa Mundial do Pensamento Humano.:
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20 de jul. de 2011
Jonh Dewey_Ciencia e Política
O que Dewey vê e reverencia como a mais bela das coisas é o crescimento; e tanto que é esta noção relativa, mas especifica, que faz o seu critério ético; refuga assim o absoluto “Bem”.
- Não perfeição como a meta final, mas o continuo processo de aperfeiçoar, refinar, constitui o alvo da vida...O homem mau é o homem que, pouco importando o bom que tenha sido, começou a deteriorar-se, a tornar-se menos bom. O homem bom é o homem que, pouco importando o moralmente indigno que foi, começa a tornar-se melhor. Esta concepção faz-nos severos no julgar-nos a nós mesmos e humanos no julgar os outros.
E ser bom não significa meramente ser obediente e inofensivo; a bondade sem capacidade é aleijada; e toda a virtude do mundo não nos salvará, se não tivermos inteligência. A ignorância não é uma benção – é inconsciência e escravidão; só a inteligência nos pode fazer colaborar em nossos destinos. Liberdade de vontade não é violação de seqüências causais – é a luminação da conduta pelo conhecimento. “Um médico ou engenheiro é livre em seus pensamentos e ações no grau em que sabe o que está fazendo. Talvez encontremos aqui a chave da liberdade”. Nossa confiança deve ir para o pensamento e não para o instinto; como poderia o instinto ajustar-nos ao meio-ambiente, cada vez mais artificial, que a industria constrói em redor de nós e a rede de intricados problemas que nos enleia?
- A ciência física, como a temos hoje, distancia de longe a ciência psíquica. Já dominamos suficientemente o mecanismo físico; mas não adquirimos um conhecimento das condições através das quais valores possíveis se tornem realidades na vida e por isso ainda estamos à mercê do hábito, da sorte e portanto da força...Com o tremendo crescimento do nosso controle da natureza, da nossa habilidade em utilizar a natureza para satisfação de nossas necessidades, a realização atual de fins e o gozo de valores parecem-nos inseguros e precários. A espaços, como que uma contradição nos colhe; mais multiplicamos meios e menos certo é o uso que seremos capazes de fazer deles. Não admira que um Carlyle ou um Ruskin condenem toda a civilização industrial e que Tolstoi clame pela volta ao deserto. Mas o único meio de encarar a situação no conjunto, e com firmeza, é ter em mente que o problema inteiro é de desenvolvimento da ciência e sua aplicação à vida...A moral e a filosofia voltam ao seu primeiro amor: o amor da sabedoria como a fonte do bem. Mas voltam ao principio de Sócrates equipadas com uma multidão de métodos especiais de testes e exames, com uma enorme massa de conhecimentos organizados e com o controle dos arranjos por meio dos quais a industria, a lei e a educação podem concentrar-se sobre o problema da participação intensa de todos os homens e mulheres em todos os valores realizados.
Ao contrário da maioria dos filósofos, Dewey aceita a democracia, embora lhe conheça os defeitos. O Alvo da ordem política é auxiliar o individuo a desenvolver-se completamente; e só é alcançado quando cada qual participa, na medida da sua capacidade, na determinação da política e dos destinos do seu grupo. Classes fixas são do tempo das espécies fixas; a fluidez das espécies. A aristocracia e a monarquia são mais eficientes do que a democracia, e também mais perigosas. Dewey desconfia do estado e deseja uma ordem pluralística; na qual o Maximo do trabalho social seja executado por associações voluntárias. Vê na multiplicidade das organizações, partidos, corporações, uniões, etc., uma reconciliação do individualismo com a ação comum. A medida que estas ...
- *se desenvolvem em importância, o estado tende a tornar-se mais e mais um regulador e ajustador das relações desses órgãos; definindo os seus limites e a sua atividade e prevenindo ou sanando conflitos...Ademais, as associações voluntárias...não coincidem com os limites políticos. Associações de matemáticos, químicos, astrônomos, negociantes, trabalhadores, igrejas, etc., são transnacionais porque os seus interesses são mundiais. Em sendas como essas o internacionalismo já não é aspiração mas fato, não é ideal sentimental mas força. Todavia esses interesses são embaraçados pelas doutrinas tradicionais das soberanias nacionais, doutrinas ou dogmas que representam a mais forte barreira à formação efetiva de uma mentalidade internacional, única adaptável ao movimento do trabalho, do comercio, da ciência, da arte e da religião de hoje.
Mas a reconstrução política começará quando aplicarmos aos nossos problemas sociais o método experimental e tomarmos as atitudes que deram tamanhos resultados nas ciências naturais. Estamos ainda no estagio metafísico da filosofia política; arremessados com abstrações à cabeça dos adversários e depois de terminada a pugna vemos que nada foi ganho. Não podemos curar os nosso males sociais com ideais por atacado, generalizações como individualismo e ordem, democracia ou monarquia ou aristocracia ou o que seja. Devemos enfrentar cada problema com uma hipótese específica, e não com uma teoria universal: teorias são tentáculos e a vida só pode confiar na experiência.
- A atitude experimental...substitui a análise detalhada por asserções em grosso, inquéritos específicos por convicções sentimentais, pequenos fatos por opiniões cuja força está em proporção exata com a sua incerteza. É dentro das ciências sociais, da moral, da educação e da política, que o pensamento ainda voga com mais amplas antíteses, oposições teóricas de ordem e liberdade, individualismo e socialismo, cultura e utilidade, espontaneidade e disciplina, atualidade e tradição. O campo das ciências físicas já foi em tempo ocupado com semelhantes vistas “totais”, cujo apelo emocional estava em razão inversa da clareza. Mas com o avanço do método experimental a questão cessou de ser qual das duas teorias em choque tinha direito à arena. Tudo se reduzia a esclarecer um assunto confuso atacando-o em partes. Não conheço nenhum caso em que o resultado final fosse algo equivalente a vitória completa de uma teoria sobre outra.
É neste campo, nesta aplicação do conhecimento humano aos nossos antagonismos sociais, que o trabalho das filosofias deve fazer-se. A filosofia agarra-se, qual tímida solteirona velha, a problemas e idéias fora da moda; “a direta preocupação com as dificuldades contemporâneas é deixada à literatura e a política”. A filosofia está hoje afastada das ciências, que uma a uma a largaram sozinha para irem ‘viver’ no mundo produtivo e, qual mãe abandonada pelas filhas, lá ficou ela em seu canto, enfraquecida e com todos os armários vazios.
A filosofia afastou-se timidamente das suas funções reais – o homem e a vida do homem no mundo – para abrigar-se em uma casa velha chamada epistemologia, a qual vive sob a ameaça das leis da higiene urbana que condenam os pardieiros em ruínas. Esses velhos problemas já perderam para nós a significação: “nós não os solvemos, pulamos por cima” e eles evaporaram-se ao calor do atrito social e das mudanças da vida. A filosofia, como tudo mais, deve secularizar-se: deve ficar na terra e ganhar o seu pão iluminando a vida.
- O que os homens de espírito sério, não dados a filosofia profissional, devem conhecer é que modificações e abandono de heranças intelectuais se fazem necessárias aos novos movimentos industriais, políticos e científicos...A tarefa da futura filosofia é esclarecer as idéias dos homens quanto aos problemas morais e sociais do momento. Sua mira será tornar-se, no humanamente possível, um órgão para enfrentar esses problemas e solver os seus conflitos...Uma universal e larga teoria do ajustamento dos fatores em conflito será FILOSOFIA.
Uma filosofia assim concebida poderá por fim produzir filósofos dignos de ser Reis.
John Dewey _ Instrumentalismo
O que distingue Dewey é a indisfarçada integridade com que aceita a teoria da evolução. Espírito, assim como corpo, são para ele órgãos que na luta pela existência evoluíram de formas inferiores. Seu ponto de partida em cada campo é o darwinismo.
- Quando Descartes disse: “A natureza das coisas físicas é mais facilmente concebida quando vistas entrarem em existência de modo gradual do que quando são consideradas como produzidas de jacto e já em estado perfeito”, o mundo moderno tornou-se consciente da lógica que dali por diante o iria controlar, lógica de que a ‘A Origem das Espécies de Darwin’ é o ultimo desenvolvimento cientifico...Quando Darwin disse das espécies o que Galileu disse da terra – ‘e pur si muove’, emancipava de uma vez por todas e entronizava as idéias genéticas e experimentais como um ‘organon’ de propor questões a atender explanações.
As coisas têm, portanto, de ser explicadas pelo seu lugar e função no meio, em vez de por causa sobrenatural. Dewey é francamente naturalista; declara que ‘idealizar e racionalizar o universo é uma confissão de inhabilidade para dominar o curso das coisas que especificamente nos concernem”. Olha com desconfiança a Vontade de Schopenhauer e o ‘élan’ bergsoniano; podem existir, mas não há necessidade de adorarmo-los porque essas forças-mundo podem ser também destrutivas de tudo que o homem cria e reverencia. A divindade está dentro de nós, não nessas forças cósmicas neutras. “A inteligência desceu do solitário isolamento da fimbria das coisas, de onde operava como um imóvel motor e ultimo bem, para tomar assento na agitação da vida dos homens”. Devemos ser fieis à terra.
Como um bom positivista brotado de Bacon, Hobbes, Spencer e Stuart-Mill, Dewey repele a metafísica como um eco e um disfarce da teologia. O embaraço da filosofia tem sempre sido que seus problemas se misturavam com os da religião. “Platão começou a sua filosofia com o senso da sua missão essencialmente política – reconhecimento de que os seus problemas eram organização e ordem social. Mas breve perdeu o pé e enveredou-se pelos sonhos de um outro mundo”. Na filosofia alemã o interesse pelos problemas religiosos defletiu o curso do desenvolvimento filosófico; na filosofia inglesa o interesse social sobrepujou o sobrenatural. Durante dois séculos rugiu a guerra entre o idealismo, que refletia a religião autoritária e a aristocracia feudal, e o sensacionalismo, que refletia a fé liberal de uma democracia progressiva.
Não está terminada ainda essa guerra e por isso não estamos completamente imersos da idade média. A era moderna começará quando o ponto de vista naturalista for adotado em todos os campos. Isto não quer dizer que o espírito fica reduzido a matéria, mas que o espírito e a vida, em vez de compreendidos em termos teológicos, o serão em termos biológicos, como um órgão ou um organismo dentro de um meio-ambiente, atuado e reagente, moldado e amoldador. Precisamos estudar, não ‘estados de consciência’, mas modos de reação. “O cérebro é primariamente um órgão de conduta de um certo tipo, e não órgão para conhecer o mundo”. Pensamento é um instrumento de readaptação; é um órgão do mesmo modo que as pernas ou os dentes. Idéias são contatos imaginados, experiências em ajustamento. Não ajustamento passivo, não simples adaptação spenceriana. “A completa adaptação ao meio-ambiente significa morte. O ponto essencial em toda reação é o desejo de controlar o meio ambiente”. O problema da filosofia não consiste em como poderemos conhecer um mundo externo, mas como poderemos aprender controlá-lo e refazê-lo, e em que rumos. A filosofia não é a analise da sensação e do conhecimento [isto se chama psicologia] mas a síntese e a coordenação do conhecimento e do desejo.
Para compreender o pensamento devemos observá-lo quando surge em situações especificas. O raciocínio não começa com premissas e sim com dificuldades; depois concebe uma hipótese, que se torna conclusão para a qual ele procura as premissas; finalmente submete a hipótese à observação e a experiência. “A primeira característica do pensar é enfrentar os fatos – inquérito, minucioso e extensivo exame, observação”. Há aqui pouco espaço para o misticismo.
Temos depois o pensamento no campo social, o qual ocorre não somente em situações especificas, mas ainda em meios de cultura. O individuo é tanto um produto da sociedade como esta o é do individuo; mas uma vasta rede de costumes, maneiras, convenções, línguas e idéias tradicionais jaz sempre distendida para receber cada nova criatura que nasce e moldá-la à imagem do povo a que pertence. Tão rápida e completa é a operação desta hereditariedade social que freqüentemente se vê confundida com a hereditariedade física ou biológica. O próprio Spencer admitia que as categorias de Kant, ou hábitos e formas de pensamento, eram nativos no individuo, embora todas as probabilidades sejam de serem transmissões de hábitos sociais dos adultos para as crianças. O papel do instinto é em regra exagerado, e o papel do treino inicial da criança é em regra menosprezado. Os mais fortes instintos, como sexos e belicosidades, tem sido consideravelmente modificados e controlados pelo treino social; e não há razão para que outros instintos, como o de aquisição e dominação, não sejam igualmente modificados pela influencia social e a educação. Temos de eliminar a idéia de uma natureza humana imutável, bem como a de um meio ambiente irredutível. Não há limite cognoscível à mudança ou ao crescimento; e talvez nada seja impossível – e só o pensamento crie impossibilidade.
John Dewey_Educação
Mas apesar de tudo o pragmatismo não era “uma completa filosofia americana”; não conglobava todo o espírito da América maior, que jaz a sul e a oeste dos estados de New England. Era uma filosofia altamente moralista e que traia as origens puritanas do seu autor. James falava de resultados práticos e de matérias de fato, e logo depois saltava, com a velocidade da esperança, da terra para o céu. Começara com uma saudável reação contra a metafísica e a epistemologia e dele fora esperada uma filosofia da natureza e da sociedade; mas ao cabo o que saiu foi uma exaltação apologética da respeitabilidade intelectual de cada crença. Quando aprenderá a filosofia a deixar para a religião essas perplexidades da outra vida e para a psicologia as sutis dificuldades do processo do conhecimento, para entregar-se unicamente à iluminação dos propósitos humanos e à coordenação e elevação da vida humana?
As circunstancias nada deixaram de fazer para preparar John Dewey como o filosofo que expressasse o pensamento da América consciente. Nascido em 1859, em Burlington, estado de Vermont, fez lá seus estudos e absorveu a velha cultura antes de aventurar-se a uma nova. Mas tomou logo o conselho de Greeley e mudou-se para oeste, a ensinar filosofia nas universidades de Minnesota [1888-9], Michigan [1889-94] e Chicago [1894-1904]. Unicamente então retornou para o leste, afim de agregar-se e depois chefiar o departamento de filosofia da universidade de Columbia. Os primeiros vinte anos passados em Vermont lhe deram aquela quase rústica simplicidade que ainda conserva agora que o mundo inteiro o aclama. Depois, em seus vinte anos de vida no “Middle west”, estudou a vasta América da qual a mentalidade ocidental se mostra, com tanto orgulho, ignorante; aprendeu a conhecer suas limitações e forças; e quando chegou o tempo de escrever a sua própria filosofia, deu aos leitores e discípulos uma interpretação do sadio e simples naturalismo que está por baixo das superstições “provincianas” da América. Compôs a filosofia como Whitman escreveu a poesia - não de um estado, mas do continente.
Dewey deu nos olhos do mundo com o seu trabalho na Escola de Educação, de Chicago. Foi por esta epoca que se revelou a resoluta inclinação experimental do seu pensamento; agora, trinta anos mais tarde, seu espírito ainda está aberto a todos os movimentos da educação, sem que arrefeça o seu interesse pelas “escolas de amanhã”. Talvez o maior livro de Dewey seja Democracy and Education, de onde emergem as varias linhas da sua filosofia centrada na tarefa de desenvolver uma melhor geração de homens. Todos os professores progressistas reconhecem a sua liderança, e dificilmente será encontrada uma escola na América que não mostre a sua influencia. Encontramo-lo ativo por toda parte, na tarefa de refazer as escolas do mundo; despendeu dois anos na China, prelecionando professores sobre a reforma da educação, e apresentou ao governo turco um relatório sobre a reorgarnização das escolas nacionais.
Completando a exigência de Spencer, de mais ciência e menos literatura na educação, Dewey acrescenta que a ciência não será apenas de livros, mas chegará ao aluno por meio da pratica de ocupações. Não mostra grande interesse pela educação ‘liberal’, termo usado originariamente para indicar a cultura de um ‘homem livre”, isto é, um homem que nunca trabalhou; tal educação será adequada a uma classe ociosa da aristocracia, não a uma vida industrial e democrática. Agora que quase todos estamos envolvidos pela industrialização da Europa e da América, as lições que precisamos aprender são as que o “fazer útil” ensina. A cultura escolástica produz o snobismo aristocrata, mas o aprender trabalhando em comum favorece a democracia. Em uma sociedade industrial a escola será uma oficina em miniatura ou uma comunidade reduzida; e ensinará, pela pratica do fazer e experimentar, todas as artes e disciplinas necessárias a ordem social. E finalmente a educação deve ser concebida, não como mero preparo para a maturidade [daí a nossa absurda idéia de que a educação deve parar depois da adolescência], mas como crescimento continuo do espírito e continua iluminação da vida. Em um sentido, as escolas só nos podem dar a instrumentalidade do crescimento mental; o resto vem da nossa absorção e interpretação da experiência. A educação real começa depois de deixada a escola – e não há razão para que não perdure até a morte.
William James_Consideração Final
O leitor não necessita guia para apreender os novos e velhos elementos do sistema de James. Faz ele parte da guerra entre a ciência e a religião; é outro esforço, como o de Kant e Bergson, para salvar a velha fé das unhas do materialismo mecanicista. O pragmatismo tem suas raízes na “razão prática” de Kant; na exaltação da vontade, de Schopenhauer, na noção darwiniana da sobrevivência do mais apto [e também da idéia mais verdadeira]; no utilitarismo que mede tudo em termos de uso; nas tradições empíricas e indutivas da filosofia inglesa; e, finalmente, nas sugestões do cenário americano.
Como já tem sido apontado, se não na substancia pelo menos na maneira de apresentar-se, o pensamento de William James é especifica e unicamente americano. O ardor dos americanos pelo movimento e pela aquisição enche as velas do seu estilo e do seu pensamento, dando-lhe uma alegre e quase aérea mobilidade. Huneker denominou-o “filosofo para os filistinos”, e realmente há nele algo de homem de negócios. James fala de Deus como de um artigo a ser vendido a um consumidor de espírito materialista, e o anuncia com todas as seduções técnicas da propaganda comercial; aconselha-nos a crer como se aconselhasse uma inversão de capitais a longo prazo, suscetível de altos dividendos, onde não há hipótese de perder e há todo um outro mundo a ganhar. James foi a reação da defesa do jovem povo americano contra a metafísica e a ciência européias.
O seu teste da verdade era sem duvida bem antigo; e o honesto filosofo descreve muito modestamente o pragmatismo como “novo nome de um velho modo de pensar”. Se seu teste significa que a verdade é o que foi provado por experiência e experimentação, a resposta é: Sem duvida. Se significa que a utilidade pessoal é um teste da verdade, a resposta passa a ser: Não. Utilidade pessoal é meramente utilidade pessoal; só a utilidade permanente e universal constitui verdade. “Quando o pragmatista quer que uma crença tenha sido verdadeira unicamente porque foi útil, embora esteja hoje provada como falsa, está emitindo um contra-senso, porque na realidade se trata de um erro útil, não de uma verdade.
O que William James pretendeu fazer foi limpar de teias de aranha a filosofia; desejava repor em caminho novo e desimpedido a velha atitude inglesa para com a teoria e a ideologia. Continuou o trabalho de Bacon, voltando uma vez mais o rosto da filosofia para o iniludível mundo das coisas. William James será relembrado pela sua ênfase empírica, antes que pela sua teoria da verdade; e será honrado talvez mais como psicólogo do que como filosofo. Bem sabia ele não ter encontrado solução para os velhos problemas e francamente admitia haver proposto apenas uma nova fé. Na sua secretaria, quando morreu, foi encontrado um papel no qual lançara a mais característica das suas sentenças:
· “Não há conclusão. Quem é que concluiu que podíamos concluir? Não há fortuna a ser lida, nem conselho a ser dado. Adeus”.
William James_Pluralismo
Apliquemos este método ao mais velho problema da filosofia – a existência e natureza de Deus. Os filósofos escolásticos descreviam a deidade como um “Ens a se extra et supra omme genus, necessarium, unum, infinite, perfectum, simplex, simmutabile, immensum, eternum, intelligens”. É magnificente. Que deidade não se sentiria orgulhosa de tal definição? Mas que significa? - quais as conseqüências para a humanidade? Se Deus é oniciente e onipotente, nós somo bonecos; não há nada que possamos fazer para mudar o curso do destino, que desde os inícios a Sua Vontade delineou e decretou; o calvinismo e o fatalismo surgem como corolários lógicos dessa definição. O mesmo teste se aplica ao determinismo mecanicista, e com os mesmos resultados; se realmente admitimos o determinismo, temos que assumir a atitude mística dos hindus e abandonar-nos à tremenda fatalidade que nos usa como marionetes. Não há aceitar essas tétricas filosofias;o intelecto humano repetidamente as faz renascer em virtude da sua simplicidade lógica e da sua simetria;mas a vida as submerge e segue para a frente.
· Uma filosofia pode ser intacavel sob muitos aspectos, mas defeitos em dois pontos a tornarão impassível de aceitação universal. Primeiro: seu principio ultimo não deve ser tal que ofenda ou desaponte as nossas mais caras esperanças. O segundo defeito: será contradizer as nossas propensões ativas e não lhes dar nenhum objetivo. Uma filosofia cujo principio se aparta das nossas mais intimas faculdades a ponto de lhes negar qualquer relevância no movimento das coisas e lhes aniquilar de um golpe os motivos, tornar-se-á ainda mais impopular que o pessimismo. É porque o materialismo sempre falhou de ser adotado universalmente.
O homem portanto, aceita ou rejeita a filosofia de acordo com as suas necessidades e temperamento, não de acordo com a “verdade objetiva”. O homem não indaga: É lógico? O que ele indaga é: Que é que a pratica dessa filosofia significa para minha vida e meu interesse? Argumentos pró e contra servirão para iluminar, mas nunca provam.
· Lógica e sermão jamais convencem. A humanidade da noite penetra mais fundo na minha alma...Agora reexamino filosofias e religiões. Podem provar muito bem em salas de leitura, todavia nada provam sob o dossel das nuvens, ao longo da paisagem e dos rios que correm.
Sabemos que os argumentos são ditados pelas nossas necessidades, e que as nossas necessidades não podem ser ditadas pelos argumentos.
· A historia da filosofia é em grande extensão a historia do choque de certos temperamentos humanos...De qualquer temperamento que seja o filosofo, ele procura, quando filosofa, subordinar o fato ao seu temperamento. Temperamento não é razão, de modo que ele tem necessidade de achar razões impessoais que lhe justifiquem as conclusões. E na realidade o temperamento lhe dá tendências mais fortes do que qualquer de suas mais rigorosas premissas objetivas.
Estes temperamentos que selecionam e ditam filosofias podem ser divididos em duas classes, a dos espíritos ternos e a dos espíritos fortes. O temperamento de espírito terno é religioso e gosta de seguir dogmas definidos e imutáveis, e também verdades a priori; aceita naturalmente o livre arbítrio, o idealismo, o monismo e o otimismo. O temperamento de espírito forte é materialista, irreligioso, empírico [só dá atenção a ‘fatos’], sensacionalista [atribuindo todos os conhecimentos a sensações], fatalista, pluralista, pessimista, cético. Em cada grupo subsistem hiatos de contradições; há temperamentos que escolhem suas teorias, parte num grupo, parte em outro. Há homens [James é um] que são “espíritos fortes” em seu apego aos fatos e confiança nos sentidos, e igualmente “espíritos ternos”, no seu horror ao determinismo e na necessidade da fé religiosa. Poderá ser encontrada uma filosofia que harmonize estas necessidades contraditórias?
James acreditava que o pluralismo teistico nos dá essa síntese. Ele propõe um Deus finito; em vez de um trovejador olímpico sentado em nuvens, “um auxiliar, primus inter pares, no meio de todos os formadores do destino do mundo. O cosmos, não é um sistema harmonioso e fechado, é uma arena de correntes contrárias e propósitos em conflitos; mostra-se com patética evidencia, não como universo, mas como multiverso. É inútil proclamar que o caos em que vivemos é o resultado de uma vontade consistente; superabundam os sinais de contradição. Talvez os antigos fossem mais sábios do que nós, e o politeísmo mais verdadeiro que o monoteísmo, dada a espantosa diversidade do mundo. Tal politeísmo “tem sido sempre a religião natural do povo comum, tanto no passado como hoje”. O povo está certo; os filósofos é que não. O monismo fez-se a doença natural dos filósofos, doença de fome e sede, menos de verdade que de unidade. “O mundo é Um! - essa formula quer tornar-se uma espécie de numero-excelencia. “Três” e “sete” são reconhecidos como números sagrados: mas, abstratamente tomado, por que motivo “um” possui mais excelência que “quarenta e quatro” ou “dois milhes e dez!?”
O valor de um multiverso, comparado com um universo, jaz nisto, que onde há correntes contrárias de força em conflito a nossa própria força e a nossa vontade contam para alguma coisa e ajudam a decidir dos eventos; é um mundo onde nada está irrevogavelmente estabelecido, e conseqüentemente todas as ações tem importância. Um universo monístico é para nós um mundo morto; em tal universo ficamos adstritos aos papeis que nos foram atribuídos por uma deidade onipotente ou por uma nebula primária; e nem todas as nossas lagrimas podem mudar o que está escrito. A individualidade torna-se uma ilusão; na realidade somos fragmentos do mosaico da substancia, afirma o monista. Já em um mundo diverso podemos colaborar com algumas linhas nos papéis que representamos, e nosso arbítrio molda de algum jeito o futuro em que temos de viver. Podemos ser livres; é um mundo de chances e não de fado; tudo “não está completo”; e o que somos ou fazemos altera o curso das coisas. Se o nariz de Cleópatra fosse um pouco mais curto ou um pouco mais comprido, toda a historia do mundo estaria mudada, disse Pascal.
A evidencia teórica para tal livre arbítrio, ou tal multiverso, ou tal Deus finito, escasseia tanto como a correlata evidencia das filosofias contrárias. E ainda a evidencia pratica varia de pessoa para pessoa; é concebível que algumas encontrem para suas vidas mais conveniência em uma filosofia determinista do que em uma libertaria. Mas a evidencia é indecisa; aos nossos interesses morais e vitais cabe fazer a escolha.
· Se há uma vida realmente melhor que a que levamos, e se existe alguma idéia que, aceita por mim, me leva a essa vida melhor, então não será melhor para nós todos que eu creia nessa idéia a não ser que a crença nessa idéia se choque com algum beneficio vital maior?
Temos agora que a universal persistência na fé em Deus é a melhor prova do seu quase universal valor moral e vital. James sentia-se admirado e atraído pela variedade sem limites das experiências e da fé religiosa; e mesmo quando em desacordo as descrevia com amor de artista. Via alguma verdade em cada uma delas e exigia espírito aberto para cada nova esperança. Não hesitou em afiliar-se a Sociedade de Estudos Psíquicos; por que tais fenômenos, do mesmo modo que os outros, não haviam de tornar-se objeto de paciente exame? No fim convenceu-se da realidade de um Além espiritual.
· Firmemente não aceito que a nossa humana experiência seja a mais alta forma de experiência possível no universo. Creio antes que estamos em relação ao universo como os nossos cachorrinhos em relação ao todo da vida humana. Os cachorrinhos vivem em nossas salas e bibliotecas. Tomam parte em cenas sobre as quais nenhum juízo podem formar. Não passam de mera tangente de curvas da historia, começos e fins e formas do que se passa totalmente fora das suas vistas. Os homens também são tangentes de uma vida mais larga das coisas.
Não obstante, ele considera a filosofia como meditação sobre a morte; nenhum problema tem valor para James a não ser que possa guiar e estimular a nossa carreira na terra. “Foi com as excelências, não com a duração das nossas naturezas, que ele se ocupava”. Não viveu mais no gabinete do que na vida externa; fez-se um ativo trabalhador em inúmeras direções para o melhoramento da condição humana; estava sempre ajudando alguém, levantando o animo dos homens com o exemplo da sua coragem. Acreditava que cada individuo era “uma reserva de energias”, que a ocasional obstetrícia das circunstancias pode botar em ação; e sua constante predica dirigida ao individuo e à sociedade consistia em um apelo para que essas reservas fossem inteiramente usadas. James horrorizava-se com a destruição das energias humanas na guerra, e sugeria que esses incoercíveis impulsos para o combate e a dominação fossem canalizados para uma “guerra contra a natureza”. Por que cada individuo, rico ou pobre, não daria dois anos da sua vida ao estado, não com o propósito de matar outras gentes, mas com o de vencer as pragas e drenar os pântanos e irrigar os desertos e abrir canais, e democraticamente construir obras de engenharia, de construção tão lenta e que a guerra destrói tão rapidamente?
James simpatizava com o socialismo, mas desadorava a imprecação contra o individuo e o gênio. A formula de Taine, que reduz toda a cultura a um jogo de “raça, meio e momento”, parecia-lhe inadequada, precisamente por omitir o individuo.
Porque só o individuo tem valor: tudo o mais é instrumento, inclusive a filosofia. E assim, de uma parte, necessitamos um estado que seja o procurador dos interesses dos indivíduos; e, de outra parte, uma filosofia e uma fé que “ofereçam o universo antes como uma aventura, do que como um plano pré-estabelecido”, e que estimule todas as energias mantendo o mundo como o lugar onde, apesar de todas as derrotas, existem muitas vitórias a ser ganhas.
· A shipwrecked, sailor, buried on this coast,
Bids you set sail.
Full many a gallant bark, when we were lost,
Weathered the gale.
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