14 de jul. de 2011

Benedetto Croce_Consideração Final

Tudo isto é claro como uma noite sem estrelas; e não mais sábio do que pode ser. A Filosofia do Espírito mostra ausência de espírito e não encoraja uma exposição. A Filosofia do Pratico não é pratica e não revela sopro de vida. O Ensaio sobre a Historia agarra uma perna da verdade com propor a união da historia com a filosofia, mas não agarra a outra, falhando de ver que a historia pode tornar-se filosofia unicamente abandonando o analítico pelo sintético. Não história de retalhos [dando em obras separadas a historia separada de atividades supostamente isoladas – econômica, política, cientifica, filosófica, religiosa, literária e artística], mas o que com alguma propriedade poderíamos chamar chistosamente  historia casada – historia na qual todas as fases da vida humana de um dado período possam ser estudadas em sua correlação, em suas comuns reações sob estímulos similares em sua variada influencia mutua. Isso seria a pintura de uma época,a imagem da complexidade do homem; seria a historia que um filosofo consentiria em escrever.

Quanto a Estética, outros que a julguem. Um dos seus estudantes, pelo menos, não a entendeu. É o homem um artista logo que formam imagens? Jaz a essência da arte unicamente na concepção e não na exteriorização? Como conhecemos o que era imagem no cérebro do artista e como sabermos se a obra de arte corresponde a essa imagem ou a realiza? Como poderemos chamar a Meretriz de Rodin bela, exceto porque é a corporificação expressiva de uma concepção adequada? – embora seja a concepção de um assunto feio e depressivo? Aristóteles observa que nos agrada ver a imagem fiel de coisas que nos são na realidade repugnantes. Por que isto, não porque reverenciamos a arte que tão bem corporificou a idéia?

Seria interessante, e sem duvida desconcertante, saber que o que dizem os artistas destes filósofos que lhes ensinam o que é a beleza. O maior artista contemporâneo desistiu da empreitada. “Creio” diz ele, “que nunca saberemos exatamente por que uma coisa é bela”. Mas sua mesma suave sabedoria nos oferece uma lição que usualmente aprendemos muito tarde. ‘Ninguem ainda pôde mostrar-me com precisão o caminho certo...Quanto a mim, sigo meu sentimento da beleza. Que homem já encontrou melhor guia?...Se eu tivesse de escolher entre a beleza e a verdade, não hesitaria: tomava a beleza. Nada há verdadeiro no mundo, fora a beleza” [*Anatole France: Vie Littéraire]. Espero que não tenhamos necessidade de escolher de alma para ver a rutilante beleza ainda das mais escuras verdades.


Benedetto Croce_Que é Beleza?

Croce chegou a filosofia depois de estudos históricos e literários; era natural, pois, que seu interesse filosófico fosse colorido pelos problemas da critica e da estética. Seu maior livro é a Estética [1902].Ele prefere a arte à metafísica e à ciência; as ciências nos são úteis mas a arte nos fornece beleza; as ciências arrastam-nos do individual e do real para um mundo de transcendentes abstrações matemáticas até chegarem [Einstein] a momentosas conclusões de nenhuma importância pratica; mas as artes nos levam a pessoa em particular e ao fato – leva-nos ao universal filosófico intuito sob a forma do concreto individual. “O conhecimento tem duas formas: a intuitiva e a lógica; o conhecimento obtido por meio da imaginação e o conhecimento obtido por meio do intelecto; conhecimento de indivíduos e conhecimento do universal; das coisas individuais e das relações entre si; produção de imagens e produção de conceitos”. A origem da arte, em conseqüência, jaz no poder de formar imagens. “A arte é governada unicamente pela imaginação. As imagens constituem a sua única riqueza. A arte não classifica objetos, não os declara reais ou imaginários, não os qualifica, não os define; sente-os e apresenta-os – nada mais”. [*Carr: The Philosophy of Benedetto Croce]. Visto como a imaginação precede ao pensamento e lhe é necessária, a atividade artística, ou de formar imagens, é anterior a atividade lógica, a que forma conceitos. O homem torna-se artista logo que imagina e muito antes que raciocine.

Os grandes artistas compreendem o assunto assim. “O pintor não pinta com as mãos, mas com o cérebro”, disse Miguelangelo; e Leonardo escreveu: “O cérebro dos homens de alta genialidade mostra-se tanto mais ativo em invenção quanto menos esses homens exercem atividades externas”. Toda gente sabe a historia de da Vinci quando andava a pintar a “Última Ceia” e passava dias e dias sentado diante da tela, imóvel; o abade que lhe encomendara a obra aborrecia-se com aquilo e insistia na pergunta: “Quando começa o trabalho?” Leonardo vingou-se da impertinência tomando-o, sem que ele o percebesse, como o modelo de Judas.

A essência da atividade estética jaz nessa imobilidade do artista diante da tela, a conceber no cérebro o que a mão vai por no quadro; jaz em uma forma de intuição que não envolve nenhuma qualidade mística, mas perfeita visão, percepção completa e imaginação adequada. O milagre das arte não é a exteriorização e sim a concepção da idéia; a exteriorização depende apenas de mestria de técnica mecânica e habilidade manual.

  • Quando senhoreamos a palavra interna, quando vívida e claramente concebemos uma figura ou uma estátua, quando encontramos um tema musical, a expressão está nascida e é completa, nada mais necessitando. Se então abrimos a boca e falamos ou cantamos...o que fazemos é dizer alto do que já dissemos lá dentro. Se nossas mãos percorrem o teclado do piano, se tomamos o pincel ou o escopro, tais ações são queridas [pertencem já a atividade prática, não a estética], “e o que estamos fazendo é executar em maior o que já executamos lá dentro em menor” [*Estética].

Mas responderá isto a velha questão do que é a beleza? Há neste campo tantas opiniões quantas cabeças; e cada amador de arte se julga pontífice supremo na matéria. Croce responde que beleza é a formação mental de uma imagem [ou serie de imagens] que encerra em si a essência da coisa percebida. A beleza está, pois, mais na imagem interior do que na forma exterior que a corporifica. Apraz-nos pensar que a diferença entre nós e Shakespeare é apenas uma diferença de técnica e expressão eterna; que temos pensamentos que são muito profundos para caberem em palavras. Mas isto é uma grata ilusão; a diferença não está no poder de exteriorizar a imagem, e sim no de formar internamente uma imagem que expresse o objeto.

O próprio senso estético, que é contemplação em vez de criação, consiste também em uma expressão interior; o grau em que compreendemos ou apreciamos uma obra de arte depende da nossa capacidade para ver intuição direta a realidade retratada – nosso poder de formar por nós mesmos uma imagem expressiva. “Quando estamos contemplando uma bela obra de arte é sempre a nossa própria intuição que expressamos ... Unicamente pela minha própria intuição é que quando leio Shakespeare formo a  imagem de Otelo ou Hamlet”. Tanto no artista a criar, como  no espectador a contemplar a beleza, o segredo estético está na imagem expressiva. Beleza é expressão adequada: e desde que não há expressão se não é ela adequada, podemos responder muito simplesmente a velha questão dizendo que Beleza é expressão.