A viagem pela Senda da Iluminação leva toda uma vida. Não se alcança a meta rapidamente. Não há métodos fáceis que, como num passe de mágica, permitam atravessar grandes distâncias com notável rapidez. A cada objetivo atingido, o viajante percebe outro mais além, que o incita para a frente.
Embora haja períodos de progresso aparentemente rápido suscitados por períodos de aparente estagnação, são meros indícios da percepção algo desconexa dum processo subjacente que se prova firme e cumulativo. Só se pode progredir passo a passo, hora a hora, dia a dia. Os passos na Senda são os pensamentos, sentimentos e ações do indivíduo. Esses, por sua vez, levam o indivíduo a experiências que contribuem para o desabrochar da rosa da alma – as lições que acarretam iluminação por criarem um portal para a Luz.
UMA ROTA MAIS DIRETA
Os visitantes da Senda logo descobrem a futilidade de procurarem atalhos que visem evitar experiências necessárias. Entretanto, é bastante razoável e mesmo admirável que eles se assegurem de que estão tomando a rota mais direta – não para evitar esforços, mas para focalizar, para concentrar suas energias.
Essa rota mais direta para a iluminação é construída sobre um alicerce psicológico e filosófico. Contrariamente às opiniões de muitos, esse alicerce subjacente não é composto de ensinamentos ou métodos, pois mesmo embaixo deles existe uma subestrutura: ‘atitudes’. As atitudes possuem componentes, afetivos e comportamentais. Podem determinar o modo como a pessoa pensa, sente ou age. Em suma, pode-se afirmar seguramente que as atitudes dão lugar a percepções e à correta utilização da técnica. As atitudes influenciam diretamente o modo de o estudante da vida mística encarar e dominar as tarefas necessárias ao desenvolvimento da personalidade anímica.
Estou declarando que certas atitudes são fundamentais à compreensão mística e ao autodomínio. Qualquer tentativa de catalogar essas atitudes essenciais exemplificadas na busca bem-sucedida de realização mística logo resultaria numa lista considerável. Por outro lado, vários desses itens se provariam pouco importantes para a maioria das pessoas. Muitas das atitudes necessárias são criadas a partir de intuições adquiridas somente após longo e árduo esforço.
Além disso, a maioria das intuições são percepções destinadas ao individuo apenas. São muito pessoais, aplicando-se exclusivamente à vida do próprio estudante. Outras intuições tendem a ser situacional e temporalmente específicas e, por conseguinte, têm pouco aplicabilidade geral. Existem, porém, inúmeras atitudes essenciais comuns aos viajantes da Senda, atitudes adquiridas por todos em algum ponto de jornada. Nesse sentido, elas são fundamentais. Consideraremos apenas cinco delas.
Antes, porém, é fundamental que o estudante imprima profunda e indelevelmente na consciência o conceito de que sempre existem duas causas para tudo. Qualquer fenômeno deve resultar necessariamente duma causa ativa e duma passiva, sendo produto da união dos aspectos positivo e negativo.[Estou, obviamente, usando positivo e negativo em seu sentido místico, e não como atribuição de valores]. Deve haver duas causas para produzir uma manifestação, que ocorre no ponto de união delas. Podemos usar uma analogia algo tosca: um depósito bancário é uma manifestação. Não pode consistir apenas no dinheiro; o banco é igualmente necessário.
ATITUDE PARA COM A CAUSAÇÃO
É importante compreender que qualquer situação é produto de algum fenômeno e da percepção pela consciência humana. Se não compreender claramente a dualidade da causação, o estudante tenderá a se concentrar apenas numa das causas, geralmente a mais óbvia. Assim fazendo, deixa de perceber os níveis mais profundos da causação, todo o escopo da força causal por trás duma ocorrência. Deixando de considerar a abrangência da causação e atribuindo realidade a uma só das causas, o estudante valoriza demais um único aspecto. A conseqüência é uma perda de perspectiva.
A pessoa que compreende a necessidade de duas causas tem melhor compreensão do EU. Geralmente, essa pessoas analisa algo ocorrido em sua vida, estando, portanto, alerta para reconhecer o papel que a personalidade desempenhou na causação do evento: o modo pelo qual ela compartilha responsabilidade.
ATITUDE PARA COM MUDANÇAS
A outra atitude essencial, relacionada a primeira, envolve as mudanças. Não só com a cabeça, mas com o coração também, o estudante deve compreender e aceitar as mudanças. Poucas coisas são tão estagnantes para a criatividade humana individual ou coletiva, tão deletéreas para o desenvolvimento social ou pessoal, que o apego errôneo a uma situação de ‘para todo o sempre’. As pessoas trabalham uma vida inteira visando a uma aposentadoria, achando-as às vezes vazia, mesmo fatal. Outros labutam incessantemente para criar algo, acham que sua criação é tudo o que elas desejavam – mas continuam insatisfeitas. Muitas acham que, tendo conseguido as coisas almejadas, será ocasião de as desfrutar. Mas não é assim: a mudança é a lei.
Assim como positivo e negativo continuamente se combinam e recombinam para produzir novas manifestações, assim também o estudante deve sondar e procurar compreender um mundo em contínua renovação ao seu redor. Se existem benefícios incidentais ao febril caminhar da civilização moderna, um deles é o de que a civilização força os seres humanos a compreender a transitoriedade e instabilidade de criações materiais e sociais. Os estudantes avançados já sabem isso e compreendem plenamente que não é só o mundo exterior que muda constantemente: eles também mudam.
Os desejos, objetivos e aspirações, todos passam por mudanças de acordo com o desenvolvimento e expansão da consciência. Um novo ser encara um novo mundo a cada manhã.
Conseqüentemente, os que encaram com seriedade o desenvolvimento pessoal não deixam de examinar diariamente sua filosofia pessoal à luz de nova experiência, porque sabem que a filosofia de ontem é inadequada para o viver de hoje. Todo estudante busca a perfeição, mas, ao mesmo tempo, não esquece que o próprio conceito de perfeição está evoluindo. Dentre todas as pessoas, os místicos não nutrem nenhuma expectativa de um mundo em que as coisas permaneçam como estão. Devem ter suficiente certeza em si para viver confortavelmente num mundo que está em contínua transformação, tendo uma atitude construtiva para com os problemas e oportunidades de cada novo dia.
Viajantes experientes na Senda acolhem de bom grado as mudanças como veículos de desenvolvimento. Com efeito, compreendendo as mudanças, transcendem a mera aceitação e procuram participar do processo, orientando as mudanças para benefício próprio e dos outros. Não encontraremos o adepto desejando o retorno do passado, nem o encontraremos lutando contra a mudança em defesa dum presente estático. Encontrá-lo-emos totalmente imerso no ativo presente, enquanto trabalha com ardor e sapiência pelo futuro. Ele é um agente de mudança compreensivo, disposto e entusiasmado.
ATITUDE DE AUTOCONFIANÇA
O componente de caráter conhecido como autoconfiança é a terceira atitude essencial, que flui diretamente do conceito de EU do estudante. Mas por autoconfiança não insinuo que os estudantes devem ser egocêntricos, nem que não devem auxiliar seus semelhantes, nem que não devem cumprir as obrigações sociais de bons cidadãos. Muito pelo contrário.
A autoconfiança tem estreita relação com qualidades como a coragem, a determinação interior e o profundo senso de responsabilidade. Os verdadeiros místicos sabem que nenhuma resposta advém de outras pessoas ou de outros lugares que não do seu próprio interior, do EU. Escutam atenciosamente os outros, dedicam-se ao estudo e investigação e partilham suas experiências com outros. Na medida m que façam suas as experiências de outros, aprenderão valiosas lições. Mas todas as respostas que eles buscam estão em seu interior, devendo, pois, buscá-las aí.
Não pedindo a ninguém mais as percepções que ele mesmo deve conseguir, e não recorrendo a ninguém mais, o estudante fita diretamente o rosto da pessoa que tem as respostas secretas – toda vez que se senta diante do ‘espelho’. Sabe-se que o eu é uma extensão do EU DIVINO. Não é ele o corpo, nem quaisquer posses, nem qualquer acúmulo de conhecimento, nem quaisquer conquistas pessoais. O estudante é o eu - uma humilde extensão da consciência divina. É para o u que ele busca toda a realidade. Isso é um componente duma filosofia corajosa e não se destina a todos. Um número enorme de pessoas buscam alguém de que possam depender. O estudante deve depender do EU. Como um corolário dessa atitude, o estudante não procura impor aos outros suas crenças pessoais, nem tenta fazê-los pensar segundo ele próprio.
ATITUDE DE IMPESSOALIDADE
A impessoalidade é a quarta atitude essencial, de vital importância, sendo uma das mais difíceis de ser alcançadas. O termo impessoalidade, por seu uso no mundo dos negócios e da burocracia, passou infelizmente a ter uma conotação de ‘frieza’, ‘insensibilidade’, ‘despreocupação’. Para o místico, porém, o termo significa algo muito diferente. A impessoalidade é uma fonte de compreensão e poder.
Agindo de modo pessoal, os seres humanos tendem a bancar deuses. Mesmo quando estão sinceramente tentando auxiliar os outros, as pessoas se acham no direito de controlar os receptores de seu auxilio, escolhendo os meios e os objetos de auxilio de acordo com padrões de julgamento estreitos e pessoais. Em outras palavras,eles escolhem a quem auxiliar e qual o auxilio que devem prestar. Manifestam a tendência de determinar o que a outra pessoa ‘deve’ fazer ou de sugerir o modo de elas viverem ‘melhor’. Na grande sabedoria do indivíduo, torna-se muito fácil desejar fazer evoluir a compreensão dos outros, significando com isso, naturalmente, tornar a compreensão dos outros muito parecida com a sua. Não estará em todas essas coisas presumindo demais aquele que auxilia?
É muito melhor ser impessoal. Permitam-me usar outra analogia, muitas vezes usada na instrução do místico: a da humildade vela. Alguns de nós seríamos muito felizes se a chama duma vela começasse a proporcionar luz só aos julgados dignos, ou se concluísse quais de nós precisam de luz, de calor, ou, ainda, se passasse a nos aconselhar sobre como usar sua luz. Mas não: a vela não nos pergunta quem somos, como vivemos nem mesmo o objetivo nosso para o uso de sua luz. A vela simplesmente ilumina de modo impessoal, sem nos impingir sermões, conselhos ou julgamentos. Ilumina a todos nós, e podemos usar suas vibrações como quisermos ou como pudermos. Ela fornece luz porque essa é a sua natureza.
Agindo de modo pessoa, o indivíduo se limita a auxiliar só aqueles que ele sabe estão precisando, limitando-se também pelas emoções. Obviamente, há certas ocasiões em que esforços pessoais são adequados e mesmo necessários, tanto a aspectos materiais como a não-materiais. Todo estudante deve responder ao apelo de auxilio. A algum grau, todos devem tratar os enfermos, confortar os infelizes e proteger entes queridos. Entretanto, a maioria dos labores do indivíduo devem ser devotados ao serviço impessoal, uma entrega total de si ao Cósmico no sentido de ser utilizado em todas as ocasiões e de todos os modos necessários, sem exigências de reter controle total, nem mesmo pelo conhecimento objetivo do sucesso de seus esforços individuais.
Impessoalmente, a pessoa serve a todos, conhecidos e desconhecidos, que precisem do que pode ser dado. Impessoalmente, a totalidade da consciência é suavizada, não só naquilo que se acredita necessário ou no que pode ser dado facilmente. O melhor de tudo é que, ao servir impessoalmente, o estudante não é detido por preocupações quanto a sucesso, nem se sente orgulhoso de se provar útil. Sim, os estudantes na Senda simplesmente doam a todos – porque sua natureza é doar – como a radiação duma luz num quarto escuro.
A ATITUDE DE RESOLUTA ASPIRAÇÃO
A quinta e última atitude essencial que consideraremos pode ser enunciada com simplicidade, mas requer grande esforço para ser conseguida. Essa atitude é a determinação de atuar sempre no mais alto nível de que o estudante é capaz. Significa manter a consciência elevada e trabalhar no mais alto nível de percepção que possa ser alcançado com conforto.
Inúmeros estudantes lamentam o fato de não poderem se tornar adeptos da noite para o dia. Eles se comparam com os mestres e, naturalmente, sentem-se frustrados. Durante todo esse tempo, deixam de usar os dons que já possuem. Sentindo-se incapazes e sem o poder suficiente para operar com facilidade e sutileza num plano vibratório muito elevado, eles nada fazem. Que desculpa esfarrapada para estudantes da vida mística! Nenhum de nós alcançou o mais alto plano de consciência a que aspiramos, e Oxalá jamais consigamos. Nenhum de nós pode em todas as ocasiões estar em completa harmonia. Somos seres humanos temos efetivamente certas limitações ligadas à nossa humana condição. Entretanto, sabemos que à nossa frente sempre há um caminho superior e um inferior – e devemos escolher. Se preferimos atuar no inferior, nossa liberdade de movimento não aumentará.
É melhor que o estudante não se compare com os mestres – e com ninguém mais a propósito disso - e que se decida firmemente a operar no plano de consciência mais elevado acessível no momento. Assim, o estudante sempre estará no limite superior da capacidade pessoal do trabalho místico. Nesse nível, ele recebe lampejos do que se encontra mais acima. O estudante passa a querer alcançar esses planos superiores e, por essa aspiração, os alcança. Não importa que o plano mais elevado não possa ser atingido hoje; importa que o estudante esteja sempre no nível mais alto possível. Há um antigo adágio, um truísmo: “Prove que lhe podem confiar um fósforo. Terá então permissão de segurar a vela”. Isso simplesmente quer dizer: ‘faça o melhor que possa agora, que alcançará maior desenvolvimento.’
Obviamente, essas cinco atitudes essenciais estão intimamente entrelaçadas, reforçando-se mutuamente. Aliás, só podemos isolá-las para análise. As atitudes não têm qualquer poder intrínseco, mas suas implicações são tremendas. Elas exercem influencia por efeitos nos pensamentos, sentimentos e ações. Sua eficácia reside em que permitem maior percepção e no emprego adequado de métodos e técnicas.
Com efeito, se a sociedade conferisse adequados fundamentos filosóficos aos seres humanos, nem haveria necessidade de falar dessas atitudes essenciais. Tudo o que essas cinco atitudes fazem é orientar psicologicamente os estudantes de misticismo de modo que possam realizar com maior eficiência o trabalho que se encontra dentro de suas capacidades pessoais. Corretamente compreendidas, essas cinco atitudes permitem que as capacidades pessoais se desenvolvam mais rapidamente para serem utilizadas na Grande Obra da Fraternidade.
Se quiser, apodere-se delas. Incorpore-as m suas próprias atitudes essenciais. Talvez elas lhe sejam úteis em sua jornada na Senda nos dias futuros.
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[Texto de Herbert George Baker]