Todos nós vivemos três vidas numa só, tenhamos ou não plena consciência delas. A primeira é a física, ou melhor, a vida fisiológica. Tem inicio com o advento de nossa existência física. Deixando de lado o amor ou afeição paterna cega, percebemos que ao nascimento o corpo do recém-nascido não é muito marcante nem inspira louvor. É pouco mais que uma massa animada. É incapaz, incoerente e, em sua aparência, não revela nenhuma realização que possa conseguir oportunamente. Suas potencialidades estão mais dentro de esperança que de evidencia. Podemos comparar a criancinha à plantinha que brota no solo. O broto não dá quase nenhuma indicação de uma videira firme e tenaz, de uma planta perfumosa ou de uma árvore imponente.
No esquema da natureza e segundo o seu ritmo especifico, esse ciclo fisiológico da vida é completado quando a criança emerge de seu estado amorfo para a forma humana amadurecida. Ao atingir essa condição, ao adquirir plena posse de todas as suas faculdades e quando todos os seus processos orgânicos estão operando, fisicamente o homem é um adulto. Tendo alcançado a idade entre 21 e 26 anos, possui ele todas as características fisiológicas naturais à sua espécie. A vida fisiológica está então completada. Sua finalidade foi cumprida. Se continuasse os processos de crescimento e de desenvolvimento orgânico e estrutural, surgiria uma condição de anormalidade. O ser humano tornar-se-ia inatural, ou evoluiria a uma forma que não seria o verdadeiro ‘Homo Sapiens’.
A VIDA BIOLÓGICA
Por trás do processo evolutivo dessa vida fisiológica [o crescimento, o prolongado amadurecimento orgânico e a gradativa coordenação de suas partes e sistemas],existe ainda uma finalidade superior: a vida biológica. A construção dos tecidos, a transformação de cartilagem em ossos, o desenvolvimento do vigor e da simetria da forma – todas essas funções físicas da natureza humana contribuem para um só fim: a reprodução da espécie. É como se a primeira, a vida fisiológica, devesse servir à segunda, a biológica.
Como todos os outros fenômenos naturais, a vida se conforma à lei cósmica de continuar a existir. Na vida, como na matéria inorgânica, isso é expresso no ciclo de evolução e involução, e esse perpétua mudança nos seres vivos é vista comumente nos misteriosos processos de nascimento e morte - o nascimento do novo e a dissolução do velho -, o segundo decorrente do primeiro. Por conseguinte, dos pontos de vista fisiológico e biológico [especialmente deste], a transição ou morte do homem está ocorrendo ou se aproximando quando ele não mais é capaz de reproduzir sua espécie. Com base nessa estruturação mecanicista e impessoal da natureza, pode-se afirmar que pessoas que passaram da meia-idade são como um pomar cujas árvores não mais produzem frutos.
Mas outras características humanas precisam ser consideradas. Existem os atributos psíquicos, a consciência do ser, a percepção do eu, da existência pessoal, individual, e de estar separado de todos os demais, que formam o ‘sou quem sou’. Existe a intuição, a iluminação sutil, o influxo de compreensão que periodicamente aflora na consciência provinda das insondáveis profundezas de nosso ser. Existem os valores espirituais da Consciência, a escala invisível e intangível que pesa a conduta humana e revela seu verdadeiro valor para a mente mortal. Existe a compaixão, o amor todo-abrangente e consumidor pelo ser humano e outros seres, motivado por fins altruísticos. Existem os ditames morais que, por si sós, separam os homens dos animais. Existem ainda os processos mentais de ‘percepção, compreensão e raciocínio’. É através deles que percebemos o mundo, passamos a conhecê-lo e podemos interpretar suas realidades para nós mesmos e para os outros.
A VIDA ANÍMICA
O aprimoramento das qualidades citadas não corresponde ao nosso desenvolvimento físico, ou, em outras palavras, as nossas vidas ‘fisiológica e biológica’. Assim, por exemplo, um individuo não conseguiu o mais sólido discernimento quando alcançou o maior vigor físico, nem as virtudes mais elevadas o acompanham a condição de plena maturidade física. A síntese ou combinação dessas qualidades psíquicas ou espirituais e mentais constitui o ciclo de nossa personalidade – mais apropriadamente, de nossa vida anímica -, que é a terceira das três vidas que vivenciamos em cada existência terrena.
Na infância, essa vida mental e anímica pode ser tão subdesenvolvida e imatura quanto a do corpo físico. Em criança, nossas recordações são mais sensíveis ou elásticas, por assim dizer, mas abrangem somente algumas experiências limitadas. São escassos os materiais que compõem a memória na infância. Há tão poucas experiências a que recorrer, que passado é um termo que meramente designa um grande e desinteressante vazio. Volver os olhos a ele é como debruçar-se num penhasco à noite e fitar o espaço escuro e informe abaixo.
Por conseqüência, na infância e juventude, nossas faculdades mentais são atraídas numa só direção: o exterior. O mundo de fora do menino ou menina é novo, brilhante, fascinante, impossivelmente persuasivo em sua atração. Cada pedra, cada folha, cada dia é uma aventura, repleta de perigos talvez, mas excitante em suas experiências e sensações novas e estranhas. Quase todos os incidentes e circunstancias, pela novidade e por não poderem ser comparados com nada, parecem intrigantes e benfazejos.
O DESENVOLVIMENTO
Durante esses anos, e conforme chegamos à maturidade física, nossos órgãos e faculdades sensoriais têm o máximo de acuidade. O ser assim faz parte da Sabedoria Infinita, porque desse modo são múltiplas nossas observações e plenas nossas experiências e impressões. A ativa imaginação do jovem antecipa o amanhã em visões fascinantes e mantém a mente ansiosa por possibilidades que talvez jamais se concretizem. Para o jovem, a perda de um dia infrutífero é apenas como retirar um grão de areia da pedra, onde há inúmeros mais.
PREPARAÇÃO PARA O FUTURO
AS potencialidades da razão e das faculdades psíquicas, porém, podem, na juventude, ser desenvolvidas no mesmo ritmo da percepção ou mesmo da imaginação desenfreada. Na juventude, como ao atingir a maturidade, podemos, se desejamos, planejar cuidadosamente essa nossa terceira vida: a vida mental e espiritual. No transcurso de cada dia de vida podemos refletir sobre cada ato importante que estejamos prestes a empreender. Podemos determinar se tais atos trarão mais que prazer momentâneo e se são motivados por desejos sórdidos e egoístas.
Se apenas usarmos os atributos da vida mental e espiritual, podemos, se pararmos um pouco antes de agirmos em questões importantes, prever com certeza se oportunamente, na velhice, talvez, eles resultarão em pesar para nós ou para os outros. Com freqüência o curso de ação por nós almejado pode ser medido segundo o parâmetro de nossa Consciência, que nos informa se há possibilidade de futuro remorso e amarga auto-denuncia.
Como dissemos, chega um tempo em que o ciclo físico da vida está completado. Isso não quer dizer que a morte efetivamente ocorre então, mas que o cume das realizações físicas foi alcançado e o corpo, como organismo, encontra-se em declínio. A vitalidade e as resistências são gradativamente diminuídas. Não mais há a alegria e o esforço, porque o esforço s torna um exercício consciente. A excitação juvenil de lidar com as viscissitudes do amanhã esmaeceu, porque as incertezas da vida tornaram-se um conhecimento adquirido. A percepção, a acuidade da visão, a perspicácia auditiva, estão diminuídas, e, conseqüentemente, a percepção das coisas do mundo exterior não mais é totalmente confiável.
A essa altura a vida biológica findou. Não mais são possíveis as alegrias da paternidade: acariciar o filho, o êxtase do orgulho das primeiras conquistas singelas da criança, seu falar infantil ou seus passos inseguros. Não mais é possível transmitir conselhos a um filho ou filha adolescente e sentir orgulho pela reação deles à medida que seu caráter desabrocha. Nada mais resta, nada a não sr a vida mental e espiritual, e esse é o OCASO.
OCASO:FIM OU COMEÇO?
No ocaso da vida a perspectiva mudou. A consciência é orientada para dentro. A introspecção suplantou a percepção objetiva. A imaginação não mais arrebata a pessoa idosa, pois o amanhã é por demais restrito. No ocaso da vida é inútil sonhar com novos amanhãs que provavelmente jamais chegarão. Se pensarmos que a vida mental e espiritual se move ao longo de uma linha reta entre dois pontos, o nascimento e a transição, os anos de ocaso empurram a vida para o futuro, aproximando-a da inevitável transição.
Por isso, pouco há que se almeje à frente, mas atrás de nós há uma grande estrada a que podemos nos voltar para olhar. Todos os interesses, portanto, ficam centralizados nos anos passados. O imenso armazém da memória foi aberto pela chave mágica do devaneio. No palco da consciência podem passar espectros que amedrontem nossos sonhos, como as recordações de atos impensados ou descorteses. Diante de nós talvez surja a medonha face de rumores viciosos e fúteis que geramos ou a que demos ouvidos. Podemos perceber os efeitos brutais de palavras descuidadas ou de conduta cruel e odiosa. Serão revividos os atos de paixão a que permitimos obscurecer nossa razão ou silenciar a Consciência. Apontando-nos o dedo acusador e medonho, poderá haver personalidades cuja vida arruinamos para alcançar algum objetivo agora inequivocamente inútil.
Conforme prossiga na memória essa remoedora parada do passado, execraremos nossa personalidade, e mesmo condenaremos nossa existência. Podemos nos tornar pessoas idosas amargas e rancorosas, que invejam a felicidade dos outros. Podemos ser repelidos por nossos companheiros, que verão nas linhas de nosso rosto sulcos feitos pelas forças malignas de nossa natureza inferior. Viveremos anos restantes do ciclo consciente desejando que logo acabem, assim como ocorreu com as vidas biológica e fisiológica, que, após chegarem ao ápice, esmaeceram.
Se, por outro lado, nossas outras duas vidas, a fisiológica e a biológica, foram vividas com inteligência, foram temperadas espiritualmente por nossas virtudes, as lembranças do ocaso da vida trarão o maior de todos os júbilos vivenciados em qualquer intervalo de nossa existência aqui na terra. Uma vida em que as paixões foram circunscritas e a mente foi disciplinada, em que o pensamento criativo reinou e os impulsos cósmicos da personalidade foram seguidos, resulta em conquistas que, ao serem revivenciadas em introspecção, trazem satisfação à alma. Paz Profunda e, ao coração, um espírito compassivo.
Uma vida de benevolência, ponderação, desejos simples e liberdade espiritual, faz os anos de ocaso ao término do ciclo mortal constituir um glorioso clímax de nossa existência. Traz, nos últimos anos e dias, a percepção de que a alma foi vitoriosa, de que todas as três vidas, fisiológica, biológica e anímica, foram devotadas a um derradeiro ideal: a expressão do Ser Divino, do interior e eterno eu. Sentimos então a satisfação de termos verdadeiramente seguido o plano cósmico, de que tudo fizemos para servir ao Uno – o Ser Divino.
Para que o ocaso da vida seja suave e feliz, não devemos glorificar nossas vidas fisiológicas e biológicas; devemos sempre usá-las apenas como manequim terreno em que confeccionaremos a veste de nossa alma. Inversamente, se delas abusarmos, mais tarde, ao olharmos em nossa memória a veste – a vida que tivemos, a personalidade que fizemos evoluir – ela parecerá grotesca e escarnecerá nossa própria existência. Lembremos que vive melhor aquele que vive sabiamente, pois os anos, conforme diminuem a capacidade de realizações físicas e materiais, aumentam a felicidade.
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[Imperator]
No esquema da natureza e segundo o seu ritmo especifico, esse ciclo fisiológico da vida é completado quando a criança emerge de seu estado amorfo para a forma humana amadurecida. Ao atingir essa condição, ao adquirir plena posse de todas as suas faculdades e quando todos os seus processos orgânicos estão operando, fisicamente o homem é um adulto. Tendo alcançado a idade entre 21 e 26 anos, possui ele todas as características fisiológicas naturais à sua espécie. A vida fisiológica está então completada. Sua finalidade foi cumprida. Se continuasse os processos de crescimento e de desenvolvimento orgânico e estrutural, surgiria uma condição de anormalidade. O ser humano tornar-se-ia inatural, ou evoluiria a uma forma que não seria o verdadeiro ‘Homo Sapiens’.
A VIDA BIOLÓGICA
Por trás do processo evolutivo dessa vida fisiológica [o crescimento, o prolongado amadurecimento orgânico e a gradativa coordenação de suas partes e sistemas],existe ainda uma finalidade superior: a vida biológica. A construção dos tecidos, a transformação de cartilagem em ossos, o desenvolvimento do vigor e da simetria da forma – todas essas funções físicas da natureza humana contribuem para um só fim: a reprodução da espécie. É como se a primeira, a vida fisiológica, devesse servir à segunda, a biológica.
Como todos os outros fenômenos naturais, a vida se conforma à lei cósmica de continuar a existir. Na vida, como na matéria inorgânica, isso é expresso no ciclo de evolução e involução, e esse perpétua mudança nos seres vivos é vista comumente nos misteriosos processos de nascimento e morte - o nascimento do novo e a dissolução do velho -, o segundo decorrente do primeiro. Por conseguinte, dos pontos de vista fisiológico e biológico [especialmente deste], a transição ou morte do homem está ocorrendo ou se aproximando quando ele não mais é capaz de reproduzir sua espécie. Com base nessa estruturação mecanicista e impessoal da natureza, pode-se afirmar que pessoas que passaram da meia-idade são como um pomar cujas árvores não mais produzem frutos.
Mas outras características humanas precisam ser consideradas. Existem os atributos psíquicos, a consciência do ser, a percepção do eu, da existência pessoal, individual, e de estar separado de todos os demais, que formam o ‘sou quem sou’. Existe a intuição, a iluminação sutil, o influxo de compreensão que periodicamente aflora na consciência provinda das insondáveis profundezas de nosso ser. Existem os valores espirituais da Consciência, a escala invisível e intangível que pesa a conduta humana e revela seu verdadeiro valor para a mente mortal. Existe a compaixão, o amor todo-abrangente e consumidor pelo ser humano e outros seres, motivado por fins altruísticos. Existem os ditames morais que, por si sós, separam os homens dos animais. Existem ainda os processos mentais de ‘percepção, compreensão e raciocínio’. É através deles que percebemos o mundo, passamos a conhecê-lo e podemos interpretar suas realidades para nós mesmos e para os outros.
A VIDA ANÍMICA
O aprimoramento das qualidades citadas não corresponde ao nosso desenvolvimento físico, ou, em outras palavras, as nossas vidas ‘fisiológica e biológica’. Assim, por exemplo, um individuo não conseguiu o mais sólido discernimento quando alcançou o maior vigor físico, nem as virtudes mais elevadas o acompanham a condição de plena maturidade física. A síntese ou combinação dessas qualidades psíquicas ou espirituais e mentais constitui o ciclo de nossa personalidade – mais apropriadamente, de nossa vida anímica -, que é a terceira das três vidas que vivenciamos em cada existência terrena.
Na infância, essa vida mental e anímica pode ser tão subdesenvolvida e imatura quanto a do corpo físico. Em criança, nossas recordações são mais sensíveis ou elásticas, por assim dizer, mas abrangem somente algumas experiências limitadas. São escassos os materiais que compõem a memória na infância. Há tão poucas experiências a que recorrer, que passado é um termo que meramente designa um grande e desinteressante vazio. Volver os olhos a ele é como debruçar-se num penhasco à noite e fitar o espaço escuro e informe abaixo.
Por conseqüência, na infância e juventude, nossas faculdades mentais são atraídas numa só direção: o exterior. O mundo de fora do menino ou menina é novo, brilhante, fascinante, impossivelmente persuasivo em sua atração. Cada pedra, cada folha, cada dia é uma aventura, repleta de perigos talvez, mas excitante em suas experiências e sensações novas e estranhas. Quase todos os incidentes e circunstancias, pela novidade e por não poderem ser comparados com nada, parecem intrigantes e benfazejos.
O DESENVOLVIMENTO
Durante esses anos, e conforme chegamos à maturidade física, nossos órgãos e faculdades sensoriais têm o máximo de acuidade. O ser assim faz parte da Sabedoria Infinita, porque desse modo são múltiplas nossas observações e plenas nossas experiências e impressões. A ativa imaginação do jovem antecipa o amanhã em visões fascinantes e mantém a mente ansiosa por possibilidades que talvez jamais se concretizem. Para o jovem, a perda de um dia infrutífero é apenas como retirar um grão de areia da pedra, onde há inúmeros mais.
PREPARAÇÃO PARA O FUTURO
AS potencialidades da razão e das faculdades psíquicas, porém, podem, na juventude, ser desenvolvidas no mesmo ritmo da percepção ou mesmo da imaginação desenfreada. Na juventude, como ao atingir a maturidade, podemos, se desejamos, planejar cuidadosamente essa nossa terceira vida: a vida mental e espiritual. No transcurso de cada dia de vida podemos refletir sobre cada ato importante que estejamos prestes a empreender. Podemos determinar se tais atos trarão mais que prazer momentâneo e se são motivados por desejos sórdidos e egoístas.
Se apenas usarmos os atributos da vida mental e espiritual, podemos, se pararmos um pouco antes de agirmos em questões importantes, prever com certeza se oportunamente, na velhice, talvez, eles resultarão em pesar para nós ou para os outros. Com freqüência o curso de ação por nós almejado pode ser medido segundo o parâmetro de nossa Consciência, que nos informa se há possibilidade de futuro remorso e amarga auto-denuncia.
Como dissemos, chega um tempo em que o ciclo físico da vida está completado. Isso não quer dizer que a morte efetivamente ocorre então, mas que o cume das realizações físicas foi alcançado e o corpo, como organismo, encontra-se em declínio. A vitalidade e as resistências são gradativamente diminuídas. Não mais há a alegria e o esforço, porque o esforço s torna um exercício consciente. A excitação juvenil de lidar com as viscissitudes do amanhã esmaeceu, porque as incertezas da vida tornaram-se um conhecimento adquirido. A percepção, a acuidade da visão, a perspicácia auditiva, estão diminuídas, e, conseqüentemente, a percepção das coisas do mundo exterior não mais é totalmente confiável.
A essa altura a vida biológica findou. Não mais são possíveis as alegrias da paternidade: acariciar o filho, o êxtase do orgulho das primeiras conquistas singelas da criança, seu falar infantil ou seus passos inseguros. Não mais é possível transmitir conselhos a um filho ou filha adolescente e sentir orgulho pela reação deles à medida que seu caráter desabrocha. Nada mais resta, nada a não sr a vida mental e espiritual, e esse é o OCASO.
OCASO:FIM OU COMEÇO?
No ocaso da vida a perspectiva mudou. A consciência é orientada para dentro. A introspecção suplantou a percepção objetiva. A imaginação não mais arrebata a pessoa idosa, pois o amanhã é por demais restrito. No ocaso da vida é inútil sonhar com novos amanhãs que provavelmente jamais chegarão. Se pensarmos que a vida mental e espiritual se move ao longo de uma linha reta entre dois pontos, o nascimento e a transição, os anos de ocaso empurram a vida para o futuro, aproximando-a da inevitável transição.
Por isso, pouco há que se almeje à frente, mas atrás de nós há uma grande estrada a que podemos nos voltar para olhar. Todos os interesses, portanto, ficam centralizados nos anos passados. O imenso armazém da memória foi aberto pela chave mágica do devaneio. No palco da consciência podem passar espectros que amedrontem nossos sonhos, como as recordações de atos impensados ou descorteses. Diante de nós talvez surja a medonha face de rumores viciosos e fúteis que geramos ou a que demos ouvidos. Podemos perceber os efeitos brutais de palavras descuidadas ou de conduta cruel e odiosa. Serão revividos os atos de paixão a que permitimos obscurecer nossa razão ou silenciar a Consciência. Apontando-nos o dedo acusador e medonho, poderá haver personalidades cuja vida arruinamos para alcançar algum objetivo agora inequivocamente inútil.
Conforme prossiga na memória essa remoedora parada do passado, execraremos nossa personalidade, e mesmo condenaremos nossa existência. Podemos nos tornar pessoas idosas amargas e rancorosas, que invejam a felicidade dos outros. Podemos ser repelidos por nossos companheiros, que verão nas linhas de nosso rosto sulcos feitos pelas forças malignas de nossa natureza inferior. Viveremos anos restantes do ciclo consciente desejando que logo acabem, assim como ocorreu com as vidas biológica e fisiológica, que, após chegarem ao ápice, esmaeceram.
Se, por outro lado, nossas outras duas vidas, a fisiológica e a biológica, foram vividas com inteligência, foram temperadas espiritualmente por nossas virtudes, as lembranças do ocaso da vida trarão o maior de todos os júbilos vivenciados em qualquer intervalo de nossa existência aqui na terra. Uma vida em que as paixões foram circunscritas e a mente foi disciplinada, em que o pensamento criativo reinou e os impulsos cósmicos da personalidade foram seguidos, resulta em conquistas que, ao serem revivenciadas em introspecção, trazem satisfação à alma. Paz Profunda e, ao coração, um espírito compassivo.
Uma vida de benevolência, ponderação, desejos simples e liberdade espiritual, faz os anos de ocaso ao término do ciclo mortal constituir um glorioso clímax de nossa existência. Traz, nos últimos anos e dias, a percepção de que a alma foi vitoriosa, de que todas as três vidas, fisiológica, biológica e anímica, foram devotadas a um derradeiro ideal: a expressão do Ser Divino, do interior e eterno eu. Sentimos então a satisfação de termos verdadeiramente seguido o plano cósmico, de que tudo fizemos para servir ao Uno – o Ser Divino.
Para que o ocaso da vida seja suave e feliz, não devemos glorificar nossas vidas fisiológicas e biológicas; devemos sempre usá-las apenas como manequim terreno em que confeccionaremos a veste de nossa alma. Inversamente, se delas abusarmos, mais tarde, ao olharmos em nossa memória a veste – a vida que tivemos, a personalidade que fizemos evoluir – ela parecerá grotesca e escarnecerá nossa própria existência. Lembremos que vive melhor aquele que vive sabiamente, pois os anos, conforme diminuem a capacidade de realizações físicas e materiais, aumentam a felicidade.
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