"Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por séculos sem consciência de si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros..." Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro.
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“Povo Brasileiro”, livro de Darcy Ribeiro é leitura obrigatória da cidadania_ 14/12/2006
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O jornalista Ali Kamel, em artigo desta semana no jornal O Globo “Lições de Londres”, nos brinda com uma análise sobre a bela mistura de raças que compõe o povo brasileiro. E quanto o combate ao racismo é prejudicado pela exaltação das diferenças, quando na verdade deveríamos chamar a atenção para nossas semelhanças.
Isso nos lembra um dos nossos expoentes, o antropólogo Darcy Ribeiro, cujo livro “Povo Brasileiro”, de 1995, fala exatamente das origens do povo brasileiro. Mestre Darcy sem dúvida alguma foi um dos gênios de nossa raça. Pela multiplicidade de tarefas a que se propôs para além de uma visão da antropologia brasileira indiscutivelmente singular.
Ao contrário de nossos grandes intérpretes, que muito bem vasculharam nossas origens, como Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque de Hollanda, Darcy faz uma antropologia apontada para um porvir como civilização, da qual estamos apenas a sentir as dores do parto. Uma nova Roma latina, tardia e tropical, como a definia.
Não bastasse isso, Darcy enveredou pelos caminhos acadêmicos, da administração educacional, da política parlamentar e executiva, da literatura, do ensaísmo e da crítica cultural. E em todos esses campos foi brilhante.
O livro “Povo Brasileiro” foi sua mais alentada obra, a mais difícil de parir e a última a que se dedicou até pouco antes de sua morte em 1997. Para além de uma antropologia etnográfica, o projeto revela o desenvolvimento de uma antropologia cultural, onde o lugar da educação pública de qualidade e de uma participação política da cidadania era condição essencial para a emancipação do povo brasileiro.
Em Darcy, a noção de povo não se choca com o conceito de cidadania consciente pela qual lutamos hoje em dia. Muito pelo contrário, costumava se auto-exigir de realizações políticas por quantos cargos ocupava, desde reitor na Universidade de Brasília, que ele mesmo criou, até ministro-chefe do gabinete civil do presidente João Goulart, que lhe custou 20 anos de exílio, passando por secretário da educação do Rio de Janeiro, sob o governo de Leonel Brizola, vive-governador e senador da República pelo mesmo estado.
Darcy considerava que, se a escola não educa, a igreja não catequiza, os partidos não politizam, as instituições, enfim, perdem seu poder de integração, restando apenas a mídia de massa a provocar desejos que não satisfaz, mas marginaliza e exclui, resta aos homens públicos essa tarefa ética de integrar os anseios de prosperidade dos povos.
E neste caso, a noção de povos não é a mesma do vocativo demagógico, mas de auto-referência étnica, da formação e sentido histórico de uma civilização.
E a maior contribuição deste livro, fundamental para a compreensão do que somos feitos, é a sistematização dos cinco povos e tipos antropológicos que compõem a nacionalidade brasileira: o Brasil crioulo produto do ciclo econômico da exploração do açúcar do litoral de toda costa nordestina e sudeste, o Brasil sertanejo do interior tomado dos índios para a criação de gado, o Brasil caboclo e amazônico do ciclo econômico da borracha e do extrativismo, o Brasil caipira da mestiçagem do ciclo do ouro, bandeiras e entradas pelo interior central das Minas, São Paulo, Mato-Grosso e Goiás, e, por fim, o Brasil gaúcho, resultante dos guaranis e dos mais variados gringos das colonizações dos pampas durante o século XIX.
Todo um processo civilizatório que tem nos povos do tronco Tupi o traço comum de tantas diversidades étnicas, de judeus lusitanos cristãos-novos a tribos africanas as mais distintas, nos séculos XVI, XVII e XVIII, até as colonizações de imigrantes europeus, asiáticos e árabes dos séculos XIX e XX.
Processo civilizatório caracterizado pela excepcional comunhão lingüística, da língua guarani sucedendo o português, além da instituição ancestral do cunhadismo, a que devemos nossa singular integração social, de brasilíndios a neobrasileiros, até nossos costumes culinários e de festas as mais sincréticas, mas que nos iguala a todos como “comedores de farinha”, como se referia a si mesmo o índio Uirá diante de Deus e à procura de sua identidade. Em suma: aqui todas os povos se encontram num único povo! O Povo Brasileiro, do saudoso mestre Darcy, é o que de melhor podemos ler para entendermos de que somos feitos, nos livrarmos de todo o preconceito cultural e nos emanciparmos enquanto plenos cidadãos. E não somente ler, mas ver, com a série homônima da TV Cultura, lançada em DVD numa parceria com a Fundação Darcy Ribeiro.
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