_Simbolismo
Uma combinação de lenda, romance e misticismo envolve o Santo Graal. O uso mais familiar da expressão ‘Santo Graal’ aplica-se à lendária taça usada por Cristo na Última Ceia. Entretanto, parece haver maiores suportes literários para a interpretação segundo a qual o Graal seria um vaso que José de Arimatéia coletou sangue das feridas do Mestre Jesus. Nas lendas, algumas vezes o Graal aparece como uma escudela; na verdade há muitas variações em seu significado. Nas fontes mais autenticas, essa palavra está relacionada com a palavra latina ‘crater’, ou ‘taça’.
Foi durante o período de 50 anos de 1170-1220 d.C., que o grande corpo do romance sobre o Graal veio à existência. Entretanto, foi só muito recentemente,em 1861, que textos sobre o Graal começaram a aparecer. A maioria desses textos eram transcrições dos séculos XIII e XIV de um manuscrito feito por Chrétien de Troys. A maioria das histórias sobre o Graal baseava-se em mitos antigos. Isso teve como resultado o aparecimento de quatro heróis diferentes nos relatos: Percival, Gawain, Bors e Galahad – que provavelmente foi uma criação mais recente. Acredita-se que Galahad foi criado por Walter Map, possivelmente como um tributo ao filho de Henrique II.
Conta-se que o Graal foi levado para a Inglaterra por Josef, o filho de José, ou por Brons, cunhado de José. A lenda afirma que o Graal passou de mão em mão, de uma geração à outra, e acreditava-se que possuía muitas propriedades místicas. Um relato conta que ele foi usado para alimentar uma multidão de famintos que não estavam em pecado, por meio da multiplicação de uns poucos pães, alimentando 500 pessoas. Os que não eram puros e que olharam para o Graal perderam a voz.
As referências a Percival um dos heróis associados com a história do Graal, relatam que ele vivia distante da corte real e, portanto, nada sabia a respeito da cavalaria. Um dia, encontrou-se com vários cavaleiros e, à primeira vista, ‘vendo o esplendor de suas armas duras, tomou-os por anjos’. Subseqüentemente, continua a lenda, Percival, Gawain, Bors e Galahad partiram numa busca pelo Graal. Embora se relate que um grupo de cavaleiros da corte do Rei Arthur tenha partido nessa jornada, a Galahad é que foi dada a liderança na busca. Cota-se que eles contemplaram o Graal nas terras do Extremo Oriente. A alma de Galahad foi elevada ao céu por uma grande multidão de anjos. Percival morreu num erimitério e Bors retornou à Inglaterra.
_ O Graal como Iniciador
Como disse, há muitas interpretações do romance do Graal, o qual acredita-se que seja principalmente uma alegoria expondo certos preceitos morais. Há também a TEORIA DA INICIAÇÃO. Segundo esta, ele é similar a certos testes e interrogatórios pelos quais os iniciados das antigas escolas de mistério. Durante as Cruzadas, os cavaleiros e outros ocidentais entraram em contato pela primeira vez com certos mistérios das antigas escolas iniciáticas do Oriente. Nas antigas iniciações aos mistérios faziam-se perguntas aos candidatos. Se dessem as respostas corretas, eram então considerados dignos de aprovação e aceitação. Se falhassem em responder corretamente ou tivessem segundas intenções, dizia-se então que ficavam sujeitos a determinados efeitos supernaturais ou cármicos. As perguntas e os testes a que os buscadores do Graal foram submetidos, na opinião de alguns estudiosos, tem uma forte semelhança com os antigos ritos iniciáticos, especialmente aqueles que continham segredos parecendo envolver certo conhecimento sagrado.
Há ainda uma outra hipótese com relação ao simbolismo do Graal. Trata-se da idéia de que o Graal representa a busca pelo ‘segredo da vida’. Esta seria igualmente reminescente dos antigos segredos buscados pelos alquimistas, tanto físico como transcendentais, que queriam conhecer os segredos supremos relativos ao propósito subjacente à vida e ao mistério da morte.
O aspecto moral da busca do Santo Graal relaciona-se com “os princípios sacramentais aceitos por toda cristandade e reverenciados como o meio através do qual as almas buscadoras da vida de fato encontram a vida. Conseqüentemente, o Graal tornou-se o emblema da pureza moral, da fé triunfante, do heroísmo soldadesco ou da caridade graciosa.”
Uma alegoria da natureza do Graal é, naturalmente, compatível com os princípios místicos. Basicamente, o Graal fala de uma pessoa pura buscando o poder e a sabedoria que sua natureza sagrada pode revelar e conceder a ela. Os que não possuíam essas virtudes morais estavam fadados à frustração e a falhar em sua busca. Assim sendo, é fácil substituir o Graal pelo Mestre Interior. Esse termo significa Iluminação pessoal, despertar espiritual, o alcançar a Consciência Cósmica ou Unidade mística com o Absoluto. Qualquer uma dessas expressões pode ser misticamente elegível como substituta para o termo Graal. A busca, então, é o puro de coração, a pessoa moralmente correta que procura adquirir o conhecimento maior do eu e sua relação cósmica.
A aventura vivida por Galahad em sua busca pelo Graal pode igualmente ser interpretada como sendo o conflito humano com sua própria natureza inferior, tentando transcendê-la. Se quiséssemos dramatizar, ou melhor, criar uma alegoria ilustrando a busca individual de cada pessoa pelas qualidades espirituais de seu próprios ser, e um canal dentro de nosso próprio ser que conduzisse à consciência cósmica, como também os obstáculos que nos defrontaríamos nessa busca, então certamente o Santo Graal seria um exemplo excelente.
_O Graal como Objeto
O Mito do Graal, que trata da busca de um cavaleiro por um objeto misterioso, provou ser um dos mitos mais estáveis de todos os tempos. Sua força como sobrevivente adormecido no inconsciente humano e sua emergência intermitente no consciente, em vários pontos da história, podem ser atribuídos a dois grupos de fatores.
Primeiro: há a atração humana pela busca os desafios da jornada, o próprio objeto e sua relativa inacessibilidade.
Segundo: como na natureza, há a aparente natureza cíclica dos eventos na sociedade humana, na qual elementos do mito do Graal emergem no consciente da sociedade assaltadas por crises intensas [freqüente e excessiva violência, opressão, injustiça, guerras e lutas civis, e nos dias atuais, catástrofe ambiental iminente], que representam os ‘baixos’ do ciclo do ‘progresso’ humano.
O velho mito do Graal é uma resposta, uma contrabalança para o lado ‘negro’ dos eventos históricos. É uma tentativa de salvar algo que foi perdido ou que se acredita perdido no espírito humano, um novo impulso na alma humana para levar a consciência humana a um outro ‘alto’ no ciclo, um triunfo dos ideais sobre a realidade cruel, uma vitória do eu sobre o ego ou a libertação da centelha divina, na humanidade, da subserviência ao desejo. O mito toma conta quando é sentida a necessidade de estimular a consciência da humanidade a se tornar ativa para criar ou restaurar um paraíso na terra, de modo a conter a pressuposta inevitabilidade do aumento do sofrimento causado por ignorância e erro.
Buscar um objeto misterioso, um talismã ou elixir, torna-se importante nesse desvio da consciência. É o reconhecimento humano da nossa incapacidade de lutar e vencer sem ajuda, e nossa disposição em assumir um compromisso que garanta essa ajuda. O objeto então torna-se a meta visada pelo individuo, isto é, ele guia e motiva a jornada por causa de seu valor. Esse valor pode residir no egocêntrico desejo de poder, mas depois revela ser algo não-egoísta, nobre e inspirador para outros; ou então, é percebido como sendo exatamente aquilo que é, do início ao fim da busca – um objeto físico ou um símbolo que fornece o propósito para moldar o destino do buscador e indiretamente o destino da humanidade.
Independente das origens dos componentes primordiais do mito do Graal [sejam celtas, do Oriente Médio, Asiáticas ou da cristandade medieval], sua forma, tal como a conhecemos, foi moldada nos séculos XII e início do XIII, começando coma história de Percival, ou a ‘Lenda do Graal’, de Cherétian de Troyes. Esta foi seguida por diversos outros contos centrados em torno da lenda da busca do Graal. No poema e Chrétien, o Graal, que parecia ser uma escudela ou uma taça, foi levado até o salão das refeições, em uma procissão solene, durante a visita de Percival ao castelo supranatural do Graal. Aqui, o Graal é descrito como sendo mais brilhante do que toas as velas do salão juntas, consistindo de puro ouro refinado e cravejado de pedras preciosas.
_QUALIDADES MÁGICAS
Em vários outros romances, o Graal apresenta outras qualidades mágicas: ele ‘flutuou’ pela sala, ficou parecido com um cálice de pedra, cegou temporariamente seus espectadores ou os emudeceu, tomou a forma de diversas imagens que apareceram em série ante seus espectadores, proveu um inesgotável ‘menu à la carte’ para todos os convidados presentes no refeitório ou estendeu a duração de vidas individuais, curou feridas e restaurou a fertilidade a terras inférteis.
Pouco depois de ter sido escrito o poema de Chrétien, no qual não há qualquer sugestão de que o Graal seja de proveniência cristã, o tema do Graal foi logo cristianizado [mas não oficialmente sancionado pela Igreja] por dois outros escritores do Graal, Robrt de Boron e Heinrich von dem Thürlin. O primeiro, em seu poema ‘José de Arimatéia’, chamou o Graal de ‘Cálice da Última Ceia’, que também foi usado para colher o sangue de Cristo em sua crucificação. O segundo, em ‘A Coroa’, descreveu seu Graal como uma urna contendo pão, que era acompanhada de um tecido manchado de sangue. A alusão era óbvia – intencionava a sugestão à Eucaristia. Muitos são os que vêem o Graal em seu conteúdo como parte – ou como simbolicamente explicando o significado – da Eucaristia. Nesta visão, a comunhão recebida toda semana estabelece contato entre o buscador do Graal [isto é, o celebrante] e o Graal e seu conteúdo [isto é o partilhamento ativo do corpo e do sangue do Redentor]. Esta é a visão mais popular.
A cristinização do Graal foi apoiada por um outro relato que liga o Graal ao Cristo, mas não através do Sagrado Sacramento. O romance, chamado ‘O Grande Santo Graal’, afirma que o Graal era um ‘livro’ escrito pelo próprio Cristo depois da Ressurreição; e ainda, uma outra referencia na introdução de ‘O Graal de Lancelot’ menciona que uma visão apareceu ante um eremita do século VIII, na qual Cristo apareceu para ele e disse: “Aqui começa o livro do Santo Graal, aqui começa o terror, aqui as maravilhas”. Isto faria do Graal um registro ou um depositário da sabedoria iniciática, comunicado à humanidade por um grande mestre na tradição sacerdotal, representado por figuras como ‘Melquisedeque, Hermes Trismegistus ou Merlin’, quer tenha o livro escrito ou comunicado oralmente.
_TRADIÇÃO INICIÁTICA
Uma descrição bastante incomum do Graal apareceu no romance do escritor anônimo de ‘Perlevaus ou a Nobre História do Graal’. Aqui o Graal era um mudador-de-forma. Isto, junto com os subtons templários do romance e outras referências, sugere uma forte ligação com a tradição iniciática das antigas escolas de mistério. Ao invés da identidade do Graal ser um único objeto fixo, ele assume uma série de formas diferentes ante o temeroso espectador, que vê imagens de um rei coroado e crucificado, uma criança, um homem com coroa de chifres e com feridas no corpo, uma outra manifestaçao indescritível e, finalmente, um cálice. As transformações desse ‘filme’ eram acompanhadas de perfumes agradáveis e uma luz extraordinária. O escritor de ‘Perlesvaus’ parecia estar sugerindo uma iniciação a algum culto de mistério, seja cristão ou de alguma outra escola de sabedoria. As imagens, e outras referencias na história, parecem conter mensagens secretas de natureza mística com significados mais profundos, compreendidas apenas por certos leitores ou ouvintes que olham além do simples entretenimento dado pela narrativa.
Entretanto, foi o Graal, compreendido como uma taça sagrada seu sagrado conteúdo, as histórias de sua origem, suas extensas jornadas, o imenso trabalho de seus protetores para ocultá-lo de seus inimigos, e seu poder transformador sobre aqueles que o vêem ou tocam que deu ao cálice seu forte conteúdo evocativo do mito de hoje.
_A TAÇA DE GLASTONBURY
Ao longo dos séculos parece ter se erguido um orgulho regional ou nacional localizando o Graal [seja ele um cálice ou outro objeto] em certas partes da Europa. A História de Glastonbury, associada a José de Arimatéia, é refletida por histórias similares na França e na Espanha.
Na Inglaterra, o cálice foi popularizado no século XIX por Alfred Lrd Tennyson, o poeta, e na Alemanha pelo compositor ‘Richard Wagner’. De fato, não muito tempo depois de Tennyson ter escrito seu ‘idílios’ do Rei, tornou-se sabido que uma taça, um cálice físico feito de madeira de oliveira, estava em posse da família Powell, que zelava por ela há séculos em Nanteos, perto de Aberystwyth, em Wales. Ela viera para suas mãos logo depois de Henrique VIII ter cortado relações com Roma e, implementado sua política de dissolução dos monastérios, saqueado a Abadia de Glastonbury. Por causa de Borons e sua lenda sobre José de Arimatéia, e suas outras conexões arturianas, acreditou-se que Glastonbury fosse o local de descanso do cálice sagrado.
Pouco antes dos comandados de Henrique invadirem o monastério, a historia conta que sete dos guardiões [monges] do cálice fugiram para seu monastério-irmão em Strata Florida, não muito longe de Aberystwyth. Mais tarde, esse monastério caiu vítima da dissolução, mas antes da invasão os sete monges [e seu precioso objeto] receberam asilo da nobre família de Nanteos, que não ficava muito longe da Abadia. Richard Wagner, vinte e sete anos antes de compor sua ópera ‘Percival’, visitou a família ‘Powel’ em Nanteos [1855], e relatou ter visto a taça de oliveira. A família Powel mudou-se para a Inglaterra e desde então não se ouviu mais falar da taça.
Há outras histórias a respeito do que teria acontecido com a taça de Glastonbury. Uma delas relata que na época da dissolução dos monastérios, a taça estava em meio ao tesouro que foi repartido entre dois grupos de monges que fugiram para Wales. Um grupo se dirigiu para a Strata Florida. O outro seguiu pela costaa sul de Wales e se abrigou num monastério m Caldy Island, levando com ele a taça, onde ainda hoje permanece, escondida para sempre!
Uma terceira versão da história da taça de Glastonbury nos é reconhecida por Hank Harrison, em seu livro ‘O caldeirão e o Graal’. De acordo com esta fonte, os guardiões do Poço do Cálic em Glastonbury tinham colocado sobre a mesa do sótão, na Casa do Poço do Cálice, seu genuíno Graal, juntamente com guarnições de mesa, para o retorno dos doze discípulos de Jesus. O espaço aqui nos impede de enumerar os vários outros locais secretos do Graal que existem nas Ilhas Britânicas.
_FRANÇA E ESPANHA
No continente, a história de José de Arimatéia e Glastonbury é refletida pela história da visita de Madalena [Maria Madalena] a Marselha, no sul da França, na Espanha há uma lenda da taça do Graal associada a São Lourenço e à região de Huesca.
Já no século IV, a lenda descreve Madalena deixando a Terra Santa, levando com ela algo chamado de Graal. A História conta que esse Graal foi escondido numa caverna no sul da França, cuidada pelos cátaros, um movimento religioso centrado nos Pirineus. No inicio do século XIII, os cátaros foram declarados heregs e a Cruzada Albigense lançou-se contra eles. Pouco antes da última fortaleza dos cátaros, o forte de Monsteségur, cair nas mãos dos Cruzados e dos sobreviventes queimados na fogueira, cerca de quatro ou cinco deles escaparam, levando com eles um tesouro desconhecido que se acredita incluir a taça, e que o esconderam numa caverna nos Pirineus Franceses. De lá, foi provavelmente levado para o monastério de Montserrat, perto de Barcelona.
A História espanhola leva a taça para as mãos de São Lourenço, um legado papal, que a levou de Roma para um ponto no distrito de Huesca, no nordeste da Espanha. Ela foi escondida numa caverna, na área em que foi construído o monastério de San Juan de la Peña. O medo da iminente ocupação árabe levou os guardiões da taça a removê-la para os Pirineus Franceses, para Monstségur ou Montreal-de-Sos, ou para ambos em seqüência, trazendo-a depois de volta para o monastério de San Juan de la Peña. Finalmente, foi transferida para a catedral em Valência. É provável que as duas histórias se refiram ao mesmo “Graal” associado a Madalena.
O debate ainda continua para saber se o Graal é um objeto físico, um talismã terrenal, mágico e digno de ser reverenciado como tal, ou um símbolo de algo no espírito humano que desencadeia mudanças aperfeiçoadas nos indivíduos e nas sociedades. Para o coração do peregrinador, seu significado simbólico é talvez melhor compreendido se manifestado numa forma concreta, um livro de sabedoria, uma taça mágica, uma pedra preciosa ou uma relíquia associada a grande instrutor religioso.
Há os que, em face da natureza especulativa sobre a existência real do objeto Graal, preferem expressar o mistério do Graal em algo menos tangível, mas espiritualmente real e em termos mais significativos. Para alguns, diz John Mattews, o Graal ‘não tem existência alguma, mas serve antes como uma idéia luminosa que assume forma à vontade, conforme a necessidade do indivíduo...’. E para outros, “ele é parte de um processo comportamental de transformação, um sonho alquímico da alma em sua busca de evolução humana ou unicidade com Deus”. A idéia parece ter entrado na consciência de ser, vinda de várias partes do mundo, simultaneamente ou em diferentes períodos da evolução humana, e se expressado nos vários mitos das sociedades individuais.
Geoffrey Ashe dá uma dimensão adicional ao Graal como uma idéia poderosa, vendo-o também como uma relação especial entre o Absoluto e o Homem. Ele expressa isso de forma muito apaixonada em seu livro ‘Avalon do Rei Arthur’:
“Ele [o Graal] era um sinal visível... da amizade de Deus pela Humanidade... [mas] a amizade pode ser tragicamente exigente e disruptiva...Um cavaleiro que busca corre o risco de arruinar sua vida. Mas o Graal compensa isso com preciosa certeza. Deus está lá. A mão de Deus se estende através da crueldade e da indiferença do mundo... qualquer que seja o sacrifício, e esse sacrifício vale a pena...”
_
[Texto de:R.M.Lewis e Earle de Motte]
Uma combinação de lenda, romance e misticismo envolve o Santo Graal. O uso mais familiar da expressão ‘Santo Graal’ aplica-se à lendária taça usada por Cristo na Última Ceia. Entretanto, parece haver maiores suportes literários para a interpretação segundo a qual o Graal seria um vaso que José de Arimatéia coletou sangue das feridas do Mestre Jesus. Nas lendas, algumas vezes o Graal aparece como uma escudela; na verdade há muitas variações em seu significado. Nas fontes mais autenticas, essa palavra está relacionada com a palavra latina ‘crater’, ou ‘taça’.
Foi durante o período de 50 anos de 1170-1220 d.C., que o grande corpo do romance sobre o Graal veio à existência. Entretanto, foi só muito recentemente,em 1861, que textos sobre o Graal começaram a aparecer. A maioria desses textos eram transcrições dos séculos XIII e XIV de um manuscrito feito por Chrétien de Troys. A maioria das histórias sobre o Graal baseava-se em mitos antigos. Isso teve como resultado o aparecimento de quatro heróis diferentes nos relatos: Percival, Gawain, Bors e Galahad – que provavelmente foi uma criação mais recente. Acredita-se que Galahad foi criado por Walter Map, possivelmente como um tributo ao filho de Henrique II.
Conta-se que o Graal foi levado para a Inglaterra por Josef, o filho de José, ou por Brons, cunhado de José. A lenda afirma que o Graal passou de mão em mão, de uma geração à outra, e acreditava-se que possuía muitas propriedades místicas. Um relato conta que ele foi usado para alimentar uma multidão de famintos que não estavam em pecado, por meio da multiplicação de uns poucos pães, alimentando 500 pessoas. Os que não eram puros e que olharam para o Graal perderam a voz.
As referências a Percival um dos heróis associados com a história do Graal, relatam que ele vivia distante da corte real e, portanto, nada sabia a respeito da cavalaria. Um dia, encontrou-se com vários cavaleiros e, à primeira vista, ‘vendo o esplendor de suas armas duras, tomou-os por anjos’. Subseqüentemente, continua a lenda, Percival, Gawain, Bors e Galahad partiram numa busca pelo Graal. Embora se relate que um grupo de cavaleiros da corte do Rei Arthur tenha partido nessa jornada, a Galahad é que foi dada a liderança na busca. Cota-se que eles contemplaram o Graal nas terras do Extremo Oriente. A alma de Galahad foi elevada ao céu por uma grande multidão de anjos. Percival morreu num erimitério e Bors retornou à Inglaterra.
_ O Graal como Iniciador
Como disse, há muitas interpretações do romance do Graal, o qual acredita-se que seja principalmente uma alegoria expondo certos preceitos morais. Há também a TEORIA DA INICIAÇÃO. Segundo esta, ele é similar a certos testes e interrogatórios pelos quais os iniciados das antigas escolas de mistério. Durante as Cruzadas, os cavaleiros e outros ocidentais entraram em contato pela primeira vez com certos mistérios das antigas escolas iniciáticas do Oriente. Nas antigas iniciações aos mistérios faziam-se perguntas aos candidatos. Se dessem as respostas corretas, eram então considerados dignos de aprovação e aceitação. Se falhassem em responder corretamente ou tivessem segundas intenções, dizia-se então que ficavam sujeitos a determinados efeitos supernaturais ou cármicos. As perguntas e os testes a que os buscadores do Graal foram submetidos, na opinião de alguns estudiosos, tem uma forte semelhança com os antigos ritos iniciáticos, especialmente aqueles que continham segredos parecendo envolver certo conhecimento sagrado.
Há ainda uma outra hipótese com relação ao simbolismo do Graal. Trata-se da idéia de que o Graal representa a busca pelo ‘segredo da vida’. Esta seria igualmente reminescente dos antigos segredos buscados pelos alquimistas, tanto físico como transcendentais, que queriam conhecer os segredos supremos relativos ao propósito subjacente à vida e ao mistério da morte.
O aspecto moral da busca do Santo Graal relaciona-se com “os princípios sacramentais aceitos por toda cristandade e reverenciados como o meio através do qual as almas buscadoras da vida de fato encontram a vida. Conseqüentemente, o Graal tornou-se o emblema da pureza moral, da fé triunfante, do heroísmo soldadesco ou da caridade graciosa.”
Uma alegoria da natureza do Graal é, naturalmente, compatível com os princípios místicos. Basicamente, o Graal fala de uma pessoa pura buscando o poder e a sabedoria que sua natureza sagrada pode revelar e conceder a ela. Os que não possuíam essas virtudes morais estavam fadados à frustração e a falhar em sua busca. Assim sendo, é fácil substituir o Graal pelo Mestre Interior. Esse termo significa Iluminação pessoal, despertar espiritual, o alcançar a Consciência Cósmica ou Unidade mística com o Absoluto. Qualquer uma dessas expressões pode ser misticamente elegível como substituta para o termo Graal. A busca, então, é o puro de coração, a pessoa moralmente correta que procura adquirir o conhecimento maior do eu e sua relação cósmica.
A aventura vivida por Galahad em sua busca pelo Graal pode igualmente ser interpretada como sendo o conflito humano com sua própria natureza inferior, tentando transcendê-la. Se quiséssemos dramatizar, ou melhor, criar uma alegoria ilustrando a busca individual de cada pessoa pelas qualidades espirituais de seu próprios ser, e um canal dentro de nosso próprio ser que conduzisse à consciência cósmica, como também os obstáculos que nos defrontaríamos nessa busca, então certamente o Santo Graal seria um exemplo excelente.
_O Graal como Objeto
O Mito do Graal, que trata da busca de um cavaleiro por um objeto misterioso, provou ser um dos mitos mais estáveis de todos os tempos. Sua força como sobrevivente adormecido no inconsciente humano e sua emergência intermitente no consciente, em vários pontos da história, podem ser atribuídos a dois grupos de fatores.
Primeiro: há a atração humana pela busca os desafios da jornada, o próprio objeto e sua relativa inacessibilidade.
Segundo: como na natureza, há a aparente natureza cíclica dos eventos na sociedade humana, na qual elementos do mito do Graal emergem no consciente da sociedade assaltadas por crises intensas [freqüente e excessiva violência, opressão, injustiça, guerras e lutas civis, e nos dias atuais, catástrofe ambiental iminente], que representam os ‘baixos’ do ciclo do ‘progresso’ humano.
O velho mito do Graal é uma resposta, uma contrabalança para o lado ‘negro’ dos eventos históricos. É uma tentativa de salvar algo que foi perdido ou que se acredita perdido no espírito humano, um novo impulso na alma humana para levar a consciência humana a um outro ‘alto’ no ciclo, um triunfo dos ideais sobre a realidade cruel, uma vitória do eu sobre o ego ou a libertação da centelha divina, na humanidade, da subserviência ao desejo. O mito toma conta quando é sentida a necessidade de estimular a consciência da humanidade a se tornar ativa para criar ou restaurar um paraíso na terra, de modo a conter a pressuposta inevitabilidade do aumento do sofrimento causado por ignorância e erro.
Buscar um objeto misterioso, um talismã ou elixir, torna-se importante nesse desvio da consciência. É o reconhecimento humano da nossa incapacidade de lutar e vencer sem ajuda, e nossa disposição em assumir um compromisso que garanta essa ajuda. O objeto então torna-se a meta visada pelo individuo, isto é, ele guia e motiva a jornada por causa de seu valor. Esse valor pode residir no egocêntrico desejo de poder, mas depois revela ser algo não-egoísta, nobre e inspirador para outros; ou então, é percebido como sendo exatamente aquilo que é, do início ao fim da busca – um objeto físico ou um símbolo que fornece o propósito para moldar o destino do buscador e indiretamente o destino da humanidade.
Independente das origens dos componentes primordiais do mito do Graal [sejam celtas, do Oriente Médio, Asiáticas ou da cristandade medieval], sua forma, tal como a conhecemos, foi moldada nos séculos XII e início do XIII, começando coma história de Percival, ou a ‘Lenda do Graal’, de Cherétian de Troyes. Esta foi seguida por diversos outros contos centrados em torno da lenda da busca do Graal. No poema e Chrétien, o Graal, que parecia ser uma escudela ou uma taça, foi levado até o salão das refeições, em uma procissão solene, durante a visita de Percival ao castelo supranatural do Graal. Aqui, o Graal é descrito como sendo mais brilhante do que toas as velas do salão juntas, consistindo de puro ouro refinado e cravejado de pedras preciosas.
_QUALIDADES MÁGICAS
Em vários outros romances, o Graal apresenta outras qualidades mágicas: ele ‘flutuou’ pela sala, ficou parecido com um cálice de pedra, cegou temporariamente seus espectadores ou os emudeceu, tomou a forma de diversas imagens que apareceram em série ante seus espectadores, proveu um inesgotável ‘menu à la carte’ para todos os convidados presentes no refeitório ou estendeu a duração de vidas individuais, curou feridas e restaurou a fertilidade a terras inférteis.
Pouco depois de ter sido escrito o poema de Chrétien, no qual não há qualquer sugestão de que o Graal seja de proveniência cristã, o tema do Graal foi logo cristianizado [mas não oficialmente sancionado pela Igreja] por dois outros escritores do Graal, Robrt de Boron e Heinrich von dem Thürlin. O primeiro, em seu poema ‘José de Arimatéia’, chamou o Graal de ‘Cálice da Última Ceia’, que também foi usado para colher o sangue de Cristo em sua crucificação. O segundo, em ‘A Coroa’, descreveu seu Graal como uma urna contendo pão, que era acompanhada de um tecido manchado de sangue. A alusão era óbvia – intencionava a sugestão à Eucaristia. Muitos são os que vêem o Graal em seu conteúdo como parte – ou como simbolicamente explicando o significado – da Eucaristia. Nesta visão, a comunhão recebida toda semana estabelece contato entre o buscador do Graal [isto é, o celebrante] e o Graal e seu conteúdo [isto é o partilhamento ativo do corpo e do sangue do Redentor]. Esta é a visão mais popular.
A cristinização do Graal foi apoiada por um outro relato que liga o Graal ao Cristo, mas não através do Sagrado Sacramento. O romance, chamado ‘O Grande Santo Graal’, afirma que o Graal era um ‘livro’ escrito pelo próprio Cristo depois da Ressurreição; e ainda, uma outra referencia na introdução de ‘O Graal de Lancelot’ menciona que uma visão apareceu ante um eremita do século VIII, na qual Cristo apareceu para ele e disse: “Aqui começa o livro do Santo Graal, aqui começa o terror, aqui as maravilhas”. Isto faria do Graal um registro ou um depositário da sabedoria iniciática, comunicado à humanidade por um grande mestre na tradição sacerdotal, representado por figuras como ‘Melquisedeque, Hermes Trismegistus ou Merlin’, quer tenha o livro escrito ou comunicado oralmente.
_TRADIÇÃO INICIÁTICA
Uma descrição bastante incomum do Graal apareceu no romance do escritor anônimo de ‘Perlevaus ou a Nobre História do Graal’. Aqui o Graal era um mudador-de-forma. Isto, junto com os subtons templários do romance e outras referências, sugere uma forte ligação com a tradição iniciática das antigas escolas de mistério. Ao invés da identidade do Graal ser um único objeto fixo, ele assume uma série de formas diferentes ante o temeroso espectador, que vê imagens de um rei coroado e crucificado, uma criança, um homem com coroa de chifres e com feridas no corpo, uma outra manifestaçao indescritível e, finalmente, um cálice. As transformações desse ‘filme’ eram acompanhadas de perfumes agradáveis e uma luz extraordinária. O escritor de ‘Perlesvaus’ parecia estar sugerindo uma iniciação a algum culto de mistério, seja cristão ou de alguma outra escola de sabedoria. As imagens, e outras referencias na história, parecem conter mensagens secretas de natureza mística com significados mais profundos, compreendidas apenas por certos leitores ou ouvintes que olham além do simples entretenimento dado pela narrativa.
Entretanto, foi o Graal, compreendido como uma taça sagrada seu sagrado conteúdo, as histórias de sua origem, suas extensas jornadas, o imenso trabalho de seus protetores para ocultá-lo de seus inimigos, e seu poder transformador sobre aqueles que o vêem ou tocam que deu ao cálice seu forte conteúdo evocativo do mito de hoje.
_A TAÇA DE GLASTONBURY
Ao longo dos séculos parece ter se erguido um orgulho regional ou nacional localizando o Graal [seja ele um cálice ou outro objeto] em certas partes da Europa. A História de Glastonbury, associada a José de Arimatéia, é refletida por histórias similares na França e na Espanha.
Na Inglaterra, o cálice foi popularizado no século XIX por Alfred Lrd Tennyson, o poeta, e na Alemanha pelo compositor ‘Richard Wagner’. De fato, não muito tempo depois de Tennyson ter escrito seu ‘idílios’ do Rei, tornou-se sabido que uma taça, um cálice físico feito de madeira de oliveira, estava em posse da família Powell, que zelava por ela há séculos em Nanteos, perto de Aberystwyth, em Wales. Ela viera para suas mãos logo depois de Henrique VIII ter cortado relações com Roma e, implementado sua política de dissolução dos monastérios, saqueado a Abadia de Glastonbury. Por causa de Borons e sua lenda sobre José de Arimatéia, e suas outras conexões arturianas, acreditou-se que Glastonbury fosse o local de descanso do cálice sagrado.
Pouco antes dos comandados de Henrique invadirem o monastério, a historia conta que sete dos guardiões [monges] do cálice fugiram para seu monastério-irmão em Strata Florida, não muito longe de Aberystwyth. Mais tarde, esse monastério caiu vítima da dissolução, mas antes da invasão os sete monges [e seu precioso objeto] receberam asilo da nobre família de Nanteos, que não ficava muito longe da Abadia. Richard Wagner, vinte e sete anos antes de compor sua ópera ‘Percival’, visitou a família ‘Powel’ em Nanteos [1855], e relatou ter visto a taça de oliveira. A família Powel mudou-se para a Inglaterra e desde então não se ouviu mais falar da taça.
Há outras histórias a respeito do que teria acontecido com a taça de Glastonbury. Uma delas relata que na época da dissolução dos monastérios, a taça estava em meio ao tesouro que foi repartido entre dois grupos de monges que fugiram para Wales. Um grupo se dirigiu para a Strata Florida. O outro seguiu pela costaa sul de Wales e se abrigou num monastério m Caldy Island, levando com ele a taça, onde ainda hoje permanece, escondida para sempre!
Uma terceira versão da história da taça de Glastonbury nos é reconhecida por Hank Harrison, em seu livro ‘O caldeirão e o Graal’. De acordo com esta fonte, os guardiões do Poço do Cálic em Glastonbury tinham colocado sobre a mesa do sótão, na Casa do Poço do Cálice, seu genuíno Graal, juntamente com guarnições de mesa, para o retorno dos doze discípulos de Jesus. O espaço aqui nos impede de enumerar os vários outros locais secretos do Graal que existem nas Ilhas Britânicas.
_FRANÇA E ESPANHA
No continente, a história de José de Arimatéia e Glastonbury é refletida pela história da visita de Madalena [Maria Madalena] a Marselha, no sul da França, na Espanha há uma lenda da taça do Graal associada a São Lourenço e à região de Huesca.
Já no século IV, a lenda descreve Madalena deixando a Terra Santa, levando com ela algo chamado de Graal. A História conta que esse Graal foi escondido numa caverna no sul da França, cuidada pelos cátaros, um movimento religioso centrado nos Pirineus. No inicio do século XIII, os cátaros foram declarados heregs e a Cruzada Albigense lançou-se contra eles. Pouco antes da última fortaleza dos cátaros, o forte de Monsteségur, cair nas mãos dos Cruzados e dos sobreviventes queimados na fogueira, cerca de quatro ou cinco deles escaparam, levando com eles um tesouro desconhecido que se acredita incluir a taça, e que o esconderam numa caverna nos Pirineus Franceses. De lá, foi provavelmente levado para o monastério de Montserrat, perto de Barcelona.
A História espanhola leva a taça para as mãos de São Lourenço, um legado papal, que a levou de Roma para um ponto no distrito de Huesca, no nordeste da Espanha. Ela foi escondida numa caverna, na área em que foi construído o monastério de San Juan de la Peña. O medo da iminente ocupação árabe levou os guardiões da taça a removê-la para os Pirineus Franceses, para Monstségur ou Montreal-de-Sos, ou para ambos em seqüência, trazendo-a depois de volta para o monastério de San Juan de la Peña. Finalmente, foi transferida para a catedral em Valência. É provável que as duas histórias se refiram ao mesmo “Graal” associado a Madalena.
O debate ainda continua para saber se o Graal é um objeto físico, um talismã terrenal, mágico e digno de ser reverenciado como tal, ou um símbolo de algo no espírito humano que desencadeia mudanças aperfeiçoadas nos indivíduos e nas sociedades. Para o coração do peregrinador, seu significado simbólico é talvez melhor compreendido se manifestado numa forma concreta, um livro de sabedoria, uma taça mágica, uma pedra preciosa ou uma relíquia associada a grande instrutor religioso.
Há os que, em face da natureza especulativa sobre a existência real do objeto Graal, preferem expressar o mistério do Graal em algo menos tangível, mas espiritualmente real e em termos mais significativos. Para alguns, diz John Mattews, o Graal ‘não tem existência alguma, mas serve antes como uma idéia luminosa que assume forma à vontade, conforme a necessidade do indivíduo...’. E para outros, “ele é parte de um processo comportamental de transformação, um sonho alquímico da alma em sua busca de evolução humana ou unicidade com Deus”. A idéia parece ter entrado na consciência de ser, vinda de várias partes do mundo, simultaneamente ou em diferentes períodos da evolução humana, e se expressado nos vários mitos das sociedades individuais.
Geoffrey Ashe dá uma dimensão adicional ao Graal como uma idéia poderosa, vendo-o também como uma relação especial entre o Absoluto e o Homem. Ele expressa isso de forma muito apaixonada em seu livro ‘Avalon do Rei Arthur’:
“Ele [o Graal] era um sinal visível... da amizade de Deus pela Humanidade... [mas] a amizade pode ser tragicamente exigente e disruptiva...Um cavaleiro que busca corre o risco de arruinar sua vida. Mas o Graal compensa isso com preciosa certeza. Deus está lá. A mão de Deus se estende através da crueldade e da indiferença do mundo... qualquer que seja o sacrifício, e esse sacrifício vale a pena...”
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[Texto de:R.M.Lewis e Earle de Motte]