1 de mai. de 2010

O Mundo dos Sonhos


Mesmo em nossa época esclarecida, a pessoa que conte seus sonhos corre o risco de ser olhada de soslaio por todos, exceto por um psicoterapeuta. Os sonhos tem efetivamente má reputação por causa da tagarelice dos perturbados emocionalmente.

O mundo físico, psicológico e psíquico dos sonhos continua sendo uma fascinante área de nossa psique, isso se aplica à pessoa regida pelo intelecto, à pessoa de tendências científicas e à que se deixa levar pelas emoções. Paradoxalmente, é na própria esfera dos sonhos que essas atitudes conscientes, descoordenadas e unilaterais, são esclarecidas.

Em alguns momentos de nossas horas de vigília, todos nós, por descuido, deixamos de perceber muitas coisas, Para a vida psíquica, isso tem o mesmo efeito que uma alimentação incompleta tem para o corpo. Os sonhos são essenciais à educação de nossa individualidade, para levá-la à plenitude e independência necessárias a esclarecer todos os talentos e funções que até o presente receberam pouca ou nenhuma conscientização objetiva.

Não é verdade que aquilo em nós de que não temos consciência é necessariamente negativo e, portanto, indesejável! Mas nossos sonhos ficam obscurecidos quando os analisamos de perto com nossa mentalidade cientifica. Tornam-se claros quando os consideramos à luz da compreensão.

Os místicos referem-se às ‘experiências de sonho’ como um estado ‘intermediário’ d consciência, que ocorre entre o sono profundo e o estado de vigília.

Por experimentos, a ciência descobriu, que o estado de sonho ocorre em breves intervalos, nos quais a pessoa vivencia o que pode se converter numa longa história quando tenta lembrá-lo. À guisa de exemplo, todos podemos recordar alguns sonhos em que estávamos envolvidos em alguma atividade que, em estado de vigília levaria horas para ser realizada. Um interesse limitado pelos sonhos, ou nossa incapacidade de recordá-los, podem ser os dois motivos principais de acharmos que não sonhamos muito. Contrariando isso, a ciência nos afirma que nós sonhamos com muita freqüência durante a noite.

SÍMBOLOS
A experiência do sonho deve vir à tona em nossa consciência objetiva, na forma de símbolos que precisam ser interpretados para que tenhamos qualquer percepção ou lembrança dela. Como todos sabemos pela experiência prática, os símbolos são difíceis de colocar em palavras.

Como exemplo, alguma vez você já tentou descrever uma cena ou um evento observado durante o dia a algum desconhecido? Talvez lembre, portanto, de quantas palavras precisou para transmitir corretamente o ‘mais simples’ detalhe! Assim também nossos sonhos, quando tentam ‘se explicar’ à nossa consciência objetiva, tem a mesma dificuldade que nós ao tentarmos explicar coisas ou acontecimentos a pessoas relativamente desconhecidas! Sem e tratando de assuntos complexos, quanto maior o tempo decorrido, mais distorcida se torna a nossa lembrança. Esse principio se aplica aos sonhos. Para que seja corretamente preservado, o sonho deve ser registrado tão cedo quanto possível.

As incessantes preocupações que tem o homem com seu mundo mental deram origem à moderna ciência da psicologia, a qual se dividiu em duas principais escolas a partir das pesquisas do Dr. Freud e do Dr. Jung.

A avaliação dos sonhos varia conforme consideremo-los do ponto de vista do sistema ‘causal’ freudiano, o nome técnico para o desejo onírico reprimido, ou do ponto de vista ‘sincronístico’ junguiano, que afirma que ‘os sonhos contêm o material subliminar do momento específico’.

A abordagem causal do Dr. Freud começa com a TEORIA DO DESEJO, anseio ou busca de realização reprimida. Embora sempre ‘comparativamente simples ou elementar’ segundo esse sistema, tais repressões ficariam ‘disfarçadas’ em múltiplas formas.

O apego a um significado invariável ou uniforme para os símbolos pode levar à atitude comum e estática da psicologia freudiana que considera todos os objetos oblongos nos sonhos como símbolos masculinos, e todos os objetos redondos ou côncavos como símbolos femininos.

OPORTUNIDADE DE EXPANSÃO
O Dr. Jung afirma que é injustificável considerar literalmente, em todas as circunstâncias, os tipos de sonhos, enquanto outros conteúdos são explicados simbolicamente. Tão logo consideremos nossos sonhos símbolos de algo possivelmente ‘desconhecido’ par a nossa mente racional no momento, nossas idéias sobre o que estão eles tentando nos revelar tem oportunidade de se expandir.

Como analogia, considerar nossos sonhos exclusivamente do limitado ponto de vista freudiano equivale a tratarmos um crônica dor de cabeça sem considerarmos a possibilidade de que ela seja o sintoma de outra coisa. Mas conferir um significado ‘fixo’ aos símbolos é o método mais difundido pela universidade americana moderna, que só ensina a Psicologia Freudiana Causal por considerá-la mais de acordo com o espírito cientifico de nossa época e seu estrito raciocínio causalista.

O estudante de misticismo tem especial atração pelas muitas obras do médico Suíço Carl Jung. Muitos místicos concordariam com o conceito junguiano de que ‘todas as imagens dos sonhos são importantes em si mesmas e por si mesmas’. Cada símbolo tem um significado especial próprio e uma razão especifica de estar incluído em nossos sonhos.

Contrariando o ponto de vista freudiano de que o sonho é essencialmente uma consecução almejada, um místico pode concordar com Jung, que diz: “ O sonho é uma auto-retratação, em forma simbólica, da real situação do inconsciente’.

Analisemos essa profunda afirmação.

“PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO’
Do ponto de vista sincronístico de Carl Jung, o símbolo onírico tem mais o valor duma ‘parábola’ ou ‘alegoria’, pois ‘não’ tenta disfarçar o que está tentando transmitir; antes, ‘ensina-nos’ a mudarmos a compreensão de nossa psicologia, a ‘vermos’ as coisas dum ponto de vista totalmente diverso. É altamente desejável que compreendamos o conteúdo simbólico de nossos sonhos para que alcancemos um relacionamento saudável e ‘bem-equilibrado’ entre nosso estado consciente e inconsciente de ser. Jung chama a isso ‘processo de individuação’, e um místico pode chamar de ‘tomada de consciência do Cósmico’ ou ‘harmonização com o Mestre Interior’.

O que já ouvimos ou lemos sobre os sonhos constitui, na maior parte, a interpretação ‘causal’ ou fixa dos símbolos, interpretação essa repetida infindavelmente em livros bem-intencionados. Quando aceitamos ‘somente’ essas interpretações, o conteúdo do sonho perde muito de seu valor como uma mensagem especial e pessoal para nós.

Cada ser humano é único no que se refere ao seu mundo onírico. Mesmo os gêmeos siameses podem ser distintos em seus sonhos! Por conseguinte, o ‘sonho típico’ é extremamente raro, mas, apesar dessa raridade, existe ‘efetivamente’ na forma dum ‘tema’.

A importância do tema ‘dum sonho típico’ acima citado está na comparação que podemos fazer com os temas inclusos em mitologias, contos de fada e na alquimia medieval e oriental. A alquimia chinesa é especialmente rica nesse particular. Os contos de fada infantis podem ganhar novo significado para nós, adultos, se mudarmos nosso modo de encará-los.

No outro lado do espectro dos sonhos, o filósofo Nietzche propôs a noção de que ‘os sonhos [as imagens dos sonhos] devem ser considerados um modo de pensamento filogeneticamente mais antigo’. Em outras palavras, assim como o organismo retém traços de seu desenvolvimento arcaico [como os diminutos músculos que fazem arrepiar nossos pelos], assim também a mente humana guarda vestígios de um arcaico modo de pensamento. Esses vestígios primordiais, embora não mais percebidos conscientemente, ainda colorem o material inconsciente que emerge à superfície de nossa consciência. Os conseqüentes símbolos oníricos provêm duma esfera em que o tempo e o espaço não parece que possuem algum conjunto de padrões. Vestígios de ‘pensamento’ primitivo antigos, e às vezes até inúteis, podem ser inseridos em nosso conteúdo onírico por associação casual, ou podem ser causados por nosso estado mental no momento do sonho.

Mas, na verdade, não nos deveria surpreender tanto o fato de que a linguagem figurada dos sonhos seja um vestígios de nossos primeiros ancestrais. Entretanto, nossos sonhos contêm reflexos apenas de certos conteúdos do inconsciente universal como um todo. Esses certos conteúdos ou conteúdos parciais estão concatenados associativamente e são selecionados por nosso estado de consciência no momento do sonho.

COMPLEMENTAÇÃO

Parece bastante óbvio, portanto, que, melhor interpretemos nossos sonhos, precisamos saber em que nossa consciência estava centralizada não somente no momento do sonho, mas durante o dia anterior também. O Dr Jung diz:’O sonho contém seu complemente inconsciente, os materiais que a situação consciente agrupou no inconsciente.’

Em outras palavras, aquilo que nos ocorreu no dia anterior e que só foi parcialmente percebido [com avaliação excessiva ou escassa] tenderá a ‘complementar-se’ ou a revelar à situação consciente outro lado por meio do veículo de nossos sonhos.

A complementação é uma forma de ‘compensação’, pois fornece o necessário equilíbrio para uma personalidade plenamente integrada. Mas é exatamente nesse ponto que a maioria de nós fica enrascada por adotar clichês como ‘pessoas tristes devem ter sonhos alegres’. Infelizmente para nós, esse não é o caso, porque algumas compensações em sonhos tomam a forma ‘redutiva’ de ‘combater fogo com fogo’.

Por exemplo: quando algum de nós tem sonhos consideravelmente piores que a situação consciente do momento, só o impacto do sonho já nos pode fazer alterar nossa percepção consciente e nos fazer enxergar uma perspectiva diversa, bastando que nos ocorra a percepção de que ‘as coisas poderiam ser piores’. Na realidade, os sonhos buscam nos fazer examinar nossos problemas e nossas atitudes conscientes, os quais podem não estar em harmonia com as coisas em sua verdadeira forma.

Precisamos lembrar aqui [algo de que às vezes nos esquecemos] que o caráter dos sonhos compensatórios não pode ser isolado de nosso Eu, de nossa individualidade. Aquilo que se presta a ensinar um homem nem sempre se presta a ensinar outro. Grande verdade é que mesmo a interpretação ‘profissional’ dos sonhos não é segura.

SONHOS ANTECIPATÓRIOS
Nossos sonhos podem nos revelar nossas antecipações futuras. O Dr. Jung rotula esse tipo de sonho de antecipatório; mas essa função não deve ser entendida como profética, pelo menos não mais que o diagnóstico dum médico ou uma previsão do tempo. Como cabemos, essas previsões nem sempre se concretizam!

Igualmente, o sonho antecipatório, como uma combinação antecipada de probabilidades, pode coincidir com o resultado ‘real’ de acontecimentos [de coisa], mas não precisa necessariamente coincidir nos mínimos detalhes. Como os sonhos em geral podem recorrer ao conhecimento superior dos vestígios subliminares de memória não mais acessíveis a nós conscientemente, estão em melhores condições de prever ou prognosticar. Mas esse conhecimento superior não deve ser convertido num olho-que-tudo-vê, como alerta o Dr. Jung, pois os processos de ‘consciência e inconsciência’ devem ser considerados ‘partes iguais de um todo’. O místico O místico perceberá que isso se harmoniza bastante com sua noção de dualiade.

Os ditos sonhos ‘psíquicos’, ao contrário dos sonhos induzidos fisicamente ou psicologicamente, ‘sempre são impessoais’, e estimulam nossa natureza superior, espiritual. Quando não há outro meio de aprendermos algo importante para o nosso desenvolvimento espiritual, podemos nos tornar recipientes de sonhos muito especiais. Tais sonhos não requerem uma interpretação objetiva para que compreendamos seu significado. Entretanto, a compreensão de seu conteúdo, quando não imediata, ocorrerá oportunamente, num modo bastante racional e equilibrado.

Quando alcançamos um nível de consciência em que não mais nos sentimos culpados ou temerosos por causa do conteúdo de nossos sonhos, podendo então considerá-los mais como ferramentas de aprendizagem, estamos perto do desapego compreensivo necessário ao progresso místico regular.

Os sonhos constituem um tema sumamente complexo, que um breve artigo não pode passar de um mero esboço. Contudo, queremos acentuar que a teoria dos sonhos elaborada por Jung ‘não’ derruba a ‘psicologia de tendência personalística’ brilhantemente concebida por Freud: simplesmente acrescenta um fator impessoal, um principio de conexões ‘acausais’, chamado por Jung de ‘sincronicidade’.

Um psicólogo americano, Erich Fromm, destacado discípulo de Freud, escreveu um dos mais interessantes e úteis livros sobre os sonhos, “A Linguagem Esquecida” , editado em 1951. Não obstante, o leitor deve ter cautela com as afirmações de Fromm a respeito da psicologia junguiana dos sonhos. O conteúdo dessas afirmações revela sua falta de familiaridade com as então muito escassas traduções das obras d C.C.Jung. Fromm chegou independentemente a quase as mesmas conclusões de Jung sobre a importância universal da linguagem dos sonhos.

Concluindo, esta introdução à psicologia junguiana dos sonhos visa transmitir a importância de considerarmos nosso mundo dos sonhos um mundo tão valioso quanto o nosso mundo racional, consciente. Conferir a nossos sonhos toda ou nenhuma importância equivale a sermos personalidades superficiais, estreitas, uma condição muito aquém da vida plena e harmoniosa que aspiramos.
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[Texto de B.J.Schaa]