Eventualmente, um dado conhecimento é alcançado ou perdido. Todo o conhecimento está presente para sempre, mas com o fluir do tempo a verdade pode ser manifesta ou oculta. As escrituras, do nosso mundo são um repositório tangível para a verdade e o conhecimento, e uma das mais belas e líricas dessa escrituras é o “Bhagavad-Gita”, “A Canção do Senhor”.
Num primeiro nível, o Gita é a história de uma batalha entre as famílias dos Kurus e dos Pandavas. Os Kurus representavam as forças do mal e consistem nos Cem Filhos Maus e seu exército. Os Pandavas, as forças do bem, são primos dos Kurus e são liderados pelo guerreiro Arjuna.
Devemos ter em mente que a batalha iminente não é o conflito obvio que se espera. O que realmente acontece é muito mais pessoal e profundo. Arjuna, como membro da casta guerreira, tem o deve sagrado, ou ‘dharma’, de proteger sua família da agressão. Como é então que Arjuna supera esse conflito essencial do dharma, quando a ameaça contra seus parentes vem de um outro grupo de parentes, de pessoas de seu próprio sangue? A idéia de matar seus tios e primos gera um conflito entre a mente e o coração de Arjuna, paralisando-o. Ele tem de rejeitar uma das alternativas de recuar ou atacar. Eis então a batalha: é o dharma de Arjuna que tem de ser enfrentado e cumprido.
O ‘Gita’ começa com o cego Dhritarashttra, pai dos Cem Filhos Maus, pedindo a seu cocheiro, Sanjaya, que descreva a cena. Sanjaya é clarividente e clariaudiente e é tido como uma testemunha imparcial.
O primeiro Capítulo abre com a fala: ‘Dhritarashtra diz: reunidos no campo do Fharma, ó Sanjaya, no campo dos Kurus, ansiosos por lutar, que fizeram meu povo e os Pandavas?’ A primeira linha, ‘reunidos no campo do Dharma...’ forçosamente traz à tona as questões que estão em jogo na cena.
NÍVEIS DO DHARMA
Que é esse conceito de dharma? Terá o dharma, como essa batalha, níveis sutis? Será que cada um de nós tem o seu próprio dharma a cumprir?
O dharma pode ser explicado simplesmente como dever; nossas reconhecidas obrigações individuais. O dever de Arjuna, naturalmente, é de proteger sua família. Mas esse nível superficial do dharma é tão-somente, por assim dizer, a ponto do iceberg. Trata-se de um dharma relativo, do campo relativo da vida, e seu mecanismo se altera constantemente, conforme se altera também constantemente o campo relativo da vida.
Por outro lado, há o dharma do Ser, que não é relativo e não muda. É eterno, infinito e estabelecido em si mesmo. Isto só se consegue com a parada da ‘Roda da Vida’[símbolo do dharma relativo], quando o ciclo de morte e renascimento é rompido e se alcança a iluminação.
Entre o dharma relativo e o dharma do Ser há o dharma da evolução. Este pode ser descrito como um principio guia da vida, isto é, de como podemos chegar a nossas próprias decisões, no empenho de estruturar e dirigir nossa vida e nossas metas. Esta é a prioridade espiritual pessoal, de modo que cada um de nós tem de chegar a suas próprias conclusões conforme seu nível individual de evolução. Esse dharma de evolução, portanto, é o próprio fator que sustenta e dirige a evolução e desestimula tudo aquilo que é prejudicial a ela.
E devemos entender que esse dharma particular [o dharma de evolução] é tão individual ou pessoal quanto o dharma relativo, simplesmente porque depende do nível pessoal de evolução [consciência] do individuo. O Gita adverte:’melhor é a morte no seu próprio dharma: o dharma alheio traz perigo’.
SIGA A SUA VOZ INTERIOR
Se um individuo procura viver segundo o imperativo espiritual [dharma] de outrem, desvia-se da senda evolutiva. Esse individuo não pode viver eficientemente. Por exemplo, um estudante do primeiro grau não estuda Tolstoy. Um outro exemplo é que um individuo não deve escolher uma carreira apenas em busca de prestigio ou ganho financeiro, se suas aptidões ou sua personalidade não se adaptam à mesma. O resultado seria finalmente contraproducente. Analogamente, nada pode ser alcançado emulando-se austeridades espirituais para as quais não se está preparado.
A imitação pode muito bem ser a mais sincera forma de bajulação, mas pode ser também um sério embaraço ao progresso individual na senda. Tentar seguir do dharma de outrem é perigoso porque leva a confusão e desvio do dharma pessoal, postergando portanto a evolução particular. A morte não representa uma ameaça assim, porque constitui apenas uma pausa na senda[na “Roda da Vida”], seguida de mais progresso.
A ação harmoniosa com nossa própria prioridade espiritual [dharma] propicia a prosperidade, tanto no campo manifesto da existência como no não manifesto; e é esse nível do dharma que de fato mantém o giro da Roda da Vida”.
Voltando ao Gita, como é que Arjuna resolve seu dharma? Além dos Kurus[os Cem Filhos Maus] e dos Pandavas, liderados por Arjuna, e seus respectivos exércitos, há no campo de batalha [ o Campo do Dharma] o Senhor Krishna e seu exercito. Krishna, uma encarnação terrena do deus Vishnu, encarna em tempo de trevas para restaurar a luz no mundo, de modo que deu a escolha dele próprio ou de seu exército aos Kurus. Os Cem Filhos Maus escolheram seu próprio exercito, e assim o Senhor Krishna fica ao lado de Arjuna. Este, contemplando a cna da batalha iminente, hesita quando vê tantos de sus parentes e amigos enfileirados em lados oponentes. Embora se trate de uma justa defesa contra a agressão dos Kurus. Arjuna toma consciência da crueldade da guerra e levanta questões. Quando ele se sente superado pelo pesar e incapaz de agir, o Senhor Krishna acolhelha:”liberta-te dos três gunas, ó Arjuna; sê livre da dualidade, sempre firme na pureza, independente de posses e possuído pelo Eu interior”.
Nenhum problema pode ser resolvido ao nível do próprio problema. É preciso mergulhar dentro de si mesmo. Cada um de nós tem de buscar o silencio do Mestre Interior e o conhecimento do Eu Superior. A auto-conscientização é a senda da harmonia em que a retidão e o amor se fundem e o conflito de Arjuna se resolve.
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[Texto de Margaret Hargas]
25 de mar. de 2010
NO CAMPO DO DHARMA
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