A Vida da Razão é “um nome para todo pensamento pratico e toda ação justificada pelos seus frutos na consciência”. A Razão não é inimiga do instinto e sim o seu uníssono; é a natureza tornando-se consciência em nós, iluminando o seu próprio caminho, rumo a meta. É o “feliz matrimonio de dois elementos – impulso e ideação – os quais, se divorciados, reduzem o homem ao bruto ou ao maníaco. O animal racional se gera pela união destes dois monstros. É constituído por idéias que cessaram de ser visionadas e por ações que cessaram de ser vãs”. A Razão é a “humana imitação da divindade”.
A Vida da Razão baseia-se francamente na ciência, porque a “ciência encerra todos os conhecimentos que merecem confiança”. Santayana conhece a precariedade da razão e a falibilidade da ciência; aceita a analise moderna dos métodos científicos como simples notas taquigráficas, descritivas da regularidade observada em nossas experiências, em vez de as considerar “leis” que governam o mundo e lhe asseguram a imutabilidade. Mas ainda assim modificada, a ciência deve ser o nosso único ponto de apoio; “fé no intelecto... é a única fé que já foi sancionada pelos seus frutos. Desse modo compreende ele a vida, sentindo, como Sócrates, que a vida sem expressão racional é indigna do homem, e procura sujeitar todas as “fases do progresso humano”, toda a paisagem dos interesses e da historia ao exame da razão.
Santayana é modesto; não propõe uma nova filosofia, mas sim a aplicação das velhas filosofias a nossa vida presente; considera os primeiros filósofos os melhores; e acima de todos coloca Demócrito [*Ele faz Demócrito o herói de seu ultimo volume, Dialogues in Limbo] e Aristóteles, aprecia o brutal materialismo do primeiro e a permanente sanidade do segundo. “Em Aristóteles a concepção da natureza humana é perfeitamente sadia: tudo é ideal tem uma base natural, e tudo quanto é natural tem um desenvolvimento ideal. Sua ética, quando perfeitamente digerida e ponderada, parecerá perfeitamente finalística. A Vida da Razão encontra ali a sua aplicação clássica”. E, armado desse modo, com os átomos de Demócrito e a aurea media de Aristóteles, Santayana enfrenta os problemas da vida contemporânea.
*Na filosofia natural sou um decidido materialista, aparentemente o único vivo...Mas não professo conhecer o que a matéria é em si...Espero que o homem de ciência venha dizer-mo...Mas, seja ela o que for, eu intrepidamente lhe chamo matéria, como chamo Smith e John a certas pessoas sem lhes conhecer os segredos.
Santayana não se permite ao luxo do panteísmo, que é mero subterfúgio do ateísmo; nada acrescentamos nós a natureza com chamar-lhe Deus; “a palavra natureza é bastante poética e suficientemente sugere a função geratriz, a vitalidade sem fim e a mutabilidade da ordem do mundo em que vivemos”. Estar sempre inclinado para a velha fé, refinada e desnaturada nestas formas, é ser D. Quixote enlatado na sua obsoleta armadura. Santayana, todavia, é bastante poeta para saber que um mundo completamente despido de deidades se torna uma casa gélida e desagradável. “Por que invariavelmente a consciência humana se há rebelado contra o naturalismo, voltando-se, de uma forma ou outra, para o culto do invisível?” Talvez “porque a alma é afim do eterno e do ideal”; não se mostra contente com o que tem e anseia por melhor vida; entristece-se com o pensamento da morte e agarra-se a esperança de algum poder que no meio do turbilhão envolvente a faça perpetua. Mas Santayana conclui brutalmente: “Creio que nada existe imortal...Nenhuma duvida que o espírito e a energia do mundo é o que age em nós como o mar é o que se ergue em cada onda; o espírito passa através de nós e a despeito dos nossos gritos, segue seu caminho. A grande coisa que fazemos é perceber-lhe o movimento”.
O mecanismo é provavelmente universal; e embora a “física não possa explicar este minúsculo movimento e pululação da crosta da terra da qual a humanidade é parte”, o melhor método em psicologia está em supor que o mecanismo prevalece ainda nos recessos mais remotos da alma. A psicologia passa de literatura a ciência unicamente quando procura a base material e mecânica de cada fato mental. O próprio e o esplendido trabalho de Spinoza sobre as paixões não passa de “psicologia literária”, uma dialética de dedução, desde que ele não procura para cada impulso ou emoção a sua base fisiológica. Os ‘behavioristas” de hoje encontraram o verdadeiro caminho e por ele seguem intimoratos.
Tão completamente mecânica e material é a vida que a consciência, a qual não passa de processo e condição, não tem ação eficiente; a ação eficiente reside no calor com que impulsos e desejos movem o cérebro e o corpo, não na luz que brilha como pensamento. “O valor do pensamento é ideal, não causal”; isto é, não consiste em instrumento de ação, mas sim em teatro de experiência e recipiente de deleites morais e estéticos.
*Será a mente que controla o corpo e aponta o caminho a hábitos físicos incertos de suas afinidades? Ou não é mais que uma automática maquinaria superior que executa o maravilho trabalho enquanto o cérebro apanha aqui e ali alguns relances da operação, agora com deleite, depois com impotente revolta?...Lalande, ou quem quer que investigue, os céus com o telescópio e não encontre Deus, também não encontrará o espírito humano, se investigar o cérebro com o microscópio...A fé em tal espírito é simplesmente fé em magia...A alma é unicamente uma bela e veloz organização dentro da matéria animal...uma prodigiosa rede de nervos e tecidos que em cada geração cresce de uma semente. [*R.in.C.S].
Devemos aceitar este alegre materialismo? É espantoso que tão sutil pensador e tão etéreo poeta pudesse amarrar aos pés a mó de uma filosofia que depois de séculos de esforço não conseguiu explicar o crescimento de uma flor ou o sorriso e uma criança. Pode ser verdade que a concepção do mundo como um “híbrido bissectil”, meio material e meio mental, seja “uma grosseira conjunção de autômato com fantasma”; e está lógica e lucidamente personificada na concepção de Satayana sobre si próprio como um autômato refletindo automaticamente o seu próprio automatismo. Mas se a consciência não tem eficácia, por que então evoluiu tão lenta e penosamente, e por que sobrevive em um mundo em que o inútil breve sucumbe? A consciência é órgão de julgar, bem como instrumento de deleite; sua função vital está no ensaio de respostas e na coordenação da reação. E por causa disso é que somos homens. Talvez que a flor e sua semente, e a criança e seu sorriso, contenham mais o mistério do universo que qualquer maquina que ainda existiu em terra ou mar; e talvez seja mais sábio interpretar a natureza em termos de vida que procurar compreendê-la em termos de morte.
Mas Santayana também leu Bergson e o abandona.
*Bergson fala muito sobre a vida e sente que lhe penetrou fundo em sua natureza; e no entanto a morte, juntamente com o nascimento é a analise natural do que a vida é. Que propósito criador é esse que precisa esperar pelo sol e pela chuva para pôr-se em movimento? Que vida é essa que pode ser extinta instantaneamente em um individuo com uma bala? Que ‘élan vital’ é esse que uma pequena queda da temperatura bane completamente do universo?