“Não está aqui”, diz o prefácio, “mais um sistema de filosofia. Se o leitor sentir vontade de sorrir, sorrirei com ele...Estou meramente tentando exprimir os princípios para os quais o leitor apela quando sorri”. Santayana é bastante modesto [coisa estranha em filosofia] para crer que outros sistemas, que não o seu, sejam admissíveis. “Não peço a ninguém para pensar comigo, se as preferências vão para outros. Que cada qual abra como possa as janelas da alma, para que diante dela a variedade das perspectivas se espalhe com mais brilho” [*Scepticism and Animal Faith].
Neste ultimo volume introdutório se propõe esclarecer, antes de mais nada, a teia de aranha epistemológica que vem embaraçando o crescimento da filosofia moderna. Antes de delinear a Vida da Razão quer discutir, com toda a parafernália técnica tão cara aos epistemologistas tradicionais, a origem, a validade e os limites da razão humana. Sabe que o grande perigo é a aceitação sem critica de proposições tradicionais: “O criticismo surpreende a alma nos braços da convenção”, diz ele inconvencionalmente. Quer duvidar de tudo: o mundo vem para nós gotejante das qualidades dos sentidos através doas quais se coou, e o passado nos vem através de uma memória traiçoeiramente colorida, com o desejo. Uma coisa apenas para certa a Santayana e é que a experiência do momento – essa cor, essa forma, esse gosto, esse cheiro, essa qualidade, são o mundo ‘real’ e que sua percepção constitui a ‘descoberta da essência”.
O Idealismo é correto, mas não de grande conseqüência: bem verdade que só conhecemos o mundo através de nossas idéias; mas desde que por milhares de anos o mundo se vem comportando substancialmente como se nossas sensações combinadas fossem verdadeiras, podemos aceitar esta sanção pragmática sem nos incomodar com o futuro. “Fé animal” pode ser fé em um mito, mas o mito é um bom mito desde que vida vale mais que qualquer silogismo. A falácia de Hume jaz em supor que a descoberta da origem das idéias lhes destrói a validade. “Uma criança natural significa para ele uma criança ilegítima; sua filosofia não havia alcançado a sabedoria daquela francesa que perguntou se todas as crianças não eram naturais”. Este esforço de ser cepticamente estrito no duvidar da validade da experiência foi levado pelos alemães a ponto mórbido, como no louco que lava continuamente as mãos para limpá-las de manchas que nelas não existem. Mas ainda estes filósofos “que procuram pelos fundamentos do universo em seus próprios ‘espíritos’ não vivem como se realmente cressem que as coisas cessam de existir quando não percebidas.
* Não somos convidados a abolir a nossa concepção do mundo natural, nem igualmente, em nossa vida diária, somos convidados a deixar de crer nele; devemos ser idealistas unicamente a noroeste, ou transcendentalmente; quando o vento está de sul devemos permanecer realistas...Eu me envergonharia de favorecer opiniões nas quais, fora da discussão, não creio. Parece-me desonesto e covarde militar sobre outro pavilhão além do que nos abriga. Por isso nenhum escritor moderno é aos meus olhos completamente filosofo, exceto Spinoza...Eu francamente tomei pela mão a natureza, aceitando como regra para todas as minhas especulações a fé animal do meu dia a dia.
E assim Santayana escapa a epistemologia – e nós respiramos mais facilmente ao passarmos com ele para a magnífica reconstrução de Platão e Aristóteles a que chama “A Vida da Razão”. Esta introdução epistemológica foi aparentemente um batismo necessário a nova filosofia. É uma concessão transicional porque a filosofia ainda veste as saias epistemológicas, como os chefes laboristas que se apresentam de blusa na corte do rei. Algum dia, quando a idade média estiver realmente passada, a filosofia descerá das nuvens e se identificará com o terra-a-terra dos homens.
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