7 de set. de 2010

Sobrevive a Personalidade a Morte?

ð Será a imortalidade da personalidade humana uma incerta esperança, objeto de fé cega?
ð Quais serão os fundamentos desta milenar crença do homem, que ainda persiste tão intensamente numa época de ciência e tecnologia?
ð Como deve ser formulado o conceito de imortalidade da alma?

Immanuel Kant define-a assim: “Imortalidade da alma significa a existência infinitamente prolongada de um mesmo ser racional”. Isto pode ser interpretado como percepção do eu, após a morte, do mesmo modo racional como o percebemos em nossa existência mortal. Além disso, o conceito implica que o homem terá seus atos de existência na terra ligados, numa unidade racional consciente, à existência permanente numa vida futura.

A perspectiva dinamista da realidade afirma que, para verdadeiramente se conhecer alguma coisa, ‘deve-se saber o que ela faz’. Não meramente conhecer a existência da coisa, mas também concebê-la com um objetivo. Por conseguinte, deste ponto de vista, a imortalidade significaria não apenas um estado de infindabilidade, mas também um futuro desenvolvimento. 


Em suma, se a vida aqui constitui a satisfação de necessidades, e o desenvolvimento, então a imortalidade não seria meramente uma existência em tempo infinito, mas também um futuro desenvolvimento da personalidade. Não há explicação universal consistente sobre a natureza da imortalidade, da parte de seus adeptos. Certo conceito metafísico afirma que ‘a única imortalidade verdadeira é a participação do nosso momento terreno na infinitude do tempo’. OU seja, devemos compreender nossa relação com a eternidade, com o Cósmico. 


Se nos sentirmos ligados a esse ‘UM’ – a essa infinitude - na condição de mortais, então estaremos compartilhando da sua natureza imortal, porque em tal estado o ‘EU’ se torna imortal. Sem tal compreensão, afirma-se, não somos imortais. Segundo este ponto de vista, a imortalidade do homem começa aqui na terra.

Outra perspectiva sugere que a fé inerente na imortalidade se origina no senso limitado do tempo terreno. Simplesmente, a compreensão da brevidade da existência mortal sugere uma futura sobrevivência da personalidade integral. A personalidade é considerada imutável, invariável. Deve, portanto, sobreviver. Desde que a personalidade deixa seu invólucro mortal no momento da morte, acredita-se que não se destrua, mas que persista numa existência futura.

MÔNADAS
O filosofo Leibnitz [1646-1716] afirmou que “a realidade consiste de unidades substanciais a que chamamos ‘mônadas’.” O mundo e todos os fenômenos se constituem de mônadas. Estas compõem uma hierarquia, ou seja, uma escala de manifestações. Existe uma serie continua de mônadas, das inferiores às superiores, chamadas ‘almas’ ‘espiritos’. Diz-se que todas as mônadas, em essência, são idênticas, porém diferentes quanto ao grau de desenvolvimento. As mônadas anímicas obedecem às suas próprias leis,e as corpóreas, também. Combinam-se entre si por uma ‘harmonia cósmica pré-estabelecida’, que se verifica entre todas as mônadas. Portanto, de acordo com Leibnitz, nossa alma como mônada independente é capaz de desenvolvimento infinito, para o qual a morte não é mais do que uma ‘transição’.

Há também o conceito de que a alma jamais poderia haver sido criada, em razão de existir desde o passado infinito e, portanto, deve persistir até o futuro infinito. Esta idéia implica em que somos uma partícula infinita, durante nossa existência temporal, e que o que chamamos ‘vida após a morte’ nada mais é do que uma continuação deste estado infinito, imortal. Na morte apenas ocorre a transição de uma existência física antecedente, para outra existência não-fisica. Este conceito, por exemplo, admite que a transição se assemelha à passagem de uma câmara para outra, em cujo processo muda-se a própria roupagem após cruzar o umbral. Todavia, trata-se da mesma pessoa, em ambas as situações, pois não há alteração na essência real – a alma – seja nesta vida ou após a morte.

A ciência ortodoxa rejeitou estes conceitos e estas crenças sobre a imortalidade da personalidade por não apresentarem evidencia plausível. Tal rejeição partiu de certos cientistas que declararam ‘não haver evidencia da possibilidade de que a personalidade humana sobreviva à morte do organismo’. Porém, pode-se argumentar também que não há, filosoficamente, evidencia conclusiva de qualquer coisa que o homem perceba realmente exista na forma como a percebe. Não conhecemos diretamente os objetos de nossa percepção. Tudo o que temos é o aspecto fenomenológico da realidade, isto é, as sensações que experimentamos a partir das vibrações internas que percebemos.

ð Que é o mundo numênico, ou das coisas em si mesmas?

Os órgãos dos sentidos que não captam a verdadeira natureza da realidade. Conseqüentemente, o argumento de que ‘não há evidência’ para comprovar a vida após a morte não é muito convincente.

ANIMISMO
Afirma-se freqüentemente que todo tipo de crença na sobrevivência da personalidade humana após a morte ‘é inaceitável por haver-se originado entre os homens primitivos, em conseqüência de interpretação errônea de sonhos e fenômenos orgânicos semelhantes.’ A mais primitiva religião, o ‘animismo’, indubitavelmente contribuiu para o conceito de dualidade e para as idéias respeitantes ao EU e uma vida póstuma. Os fenômenos do sono, dos sonhos e da respiração revelam o aspecto ‘psiquico do ser humano’. À noite, esse ‘algo interior’ saía a vagar, enquanto o corpo físico permanecia adormecido. Esta era a explicação atribuída aos sonhos pelas mentes primitivas. Também a respiração era, primitivamente, associada à vida, e a um atributo interior, intangível e etéreo. Entre os antigos gregos, esse atributo foi denominado ‘espírito, ou pneuma’.

A vida surge com a primeira respiração e parte com a ultima. Respiração e ar são a mesma coisa. O ar é invisível e, por conseguinte, para a mente primitiva, onipresente e eterno. Parecia razoável, para a mentalidade primitiva, considerar o alento como espírito, atributo imortal da natureza humana dual.

Contudo, não é correto dizer que este raciocínio primitivo e errôneo seja o único fundamento para crenças na imortalidade, nem é correto dizer que nada mais existe além dos estados físico e mental do homem. Há outros fenômenos que o homem descobriu em si mesmo, que não pode explicar inteiramente apenas como interação entre corpo, cérebro e sistema nervoso. Tais fenômenos também contribuem para a crença no que chamamos ‘alma’. Todavia, o fenômeno aceito como ‘alma’ não pode ser completamente dissociado daquele que denominamos EU.

A ciência ortodoxa defende a noção de que o aspecto mecanistico da vida constitui o fundamento da existência. Esta suposição dividi-se em duas classes:

ð Primeiro: os elementos da matéria são variáveis, porem indestrutíveis. Este, portanto, constitui o principio da ‘indestrutibilidade da matéria’.
ð Segundo: há um fenômeno chamado ‘conservação da energia’. Este conceito indica haver no universo uma quantidade constante de energia, que não pode ser aumentada nem diminuída.

Estes dois princípios procuram explicar a imortalidade como existência material, mecanistica, apenas. Contudo, a TEORIA não admite a consciência no sentido imortal. A consciência é considerada simplesmente uma conseqüência de efeitos gerados pelo organismo físico.

A consciência pode ser concebida como uma ‘função’ oriunda da ‘força vital’ que anima a matéria. Não há indícios de que a consciência seja uma substancia distinta real. Uma vez que ela se manifesta como ‘efeito da interação entre outros fenômenos, supõe-se que sua causa perdure apenas até a morte.’

ð Significará isto que a consciência também desapareça?

Pode-se argumentar que a consciência é semelhante ao som que provém de um instrumento musical. Quando o instrumento não está sendo tocado, a musica – sua função – e o instrumentista deixam de existir.

  ð Por outro lado, tendo sido uma vez executada e ouvida, estaria a musica perdida, se permanecesse como registro na consciência dos que a ouviram?
ð Deverá algo necessariamente conservar a mesma forma para ser imortal?

O misticismo e a metafísica apresentam inúmeras objeções contra os conceitos científicos contrários à questão da imortalidade. A ‘mente humana’, afirmam’, ‘é auto-consciente’, em contraste com a lei mecânica. A mente pode mudar seus ideais – alterar completamente seus objetivos. A consciência humana não é limitada, isto é, não se encontra sujeita a canais determinados para seu funcionamento. Se todos os fenômenos fossem mecânicos, argumentam os defensores da imortalidade, então tudo seria ‘repetitivo’. A História passada haveria de ser idêntica à presente. A Teoria Mecanistica’ se baseia na regularidade da lei. Sob esta perspectiva, então, o passado repetir-se-ia sem variação. Por outro lado, a mente pode rejeitar sua linha de ação anterior, e voltar-se a outros rumos de pensamento. Isto é apresentando como prova de que a ‘imortalidade, a sobrevivência da personalidade, não se limita a lei mecânica.’

ð Por que persistem os seres humanos na crença da sobrevivência da personalidade humana?

Deve haver algum valor pragmático que eles desejam associar a uma vida futura – uma razão, ou um motivo. Em geral, são os seguintes: que a afeição pessoal possa continuar – as coisas que amamos; que a virtude pessoal possa desenvolver-se, que o senso de retidão e dos valores morais possa crescer; e que nossas faculdades possam ser compreendidas e exercidas em suas mais elevadas potencialidades.

Esta vida é evidentemente incompleta e apenas preparatória. Por ser ‘causativo’ e ‘auto-consciente’, o homem concebe uma deidade ou um ser infinito – um deus – igualmente causativo. Isto, naturalmente, significa que o homem relacionando seus atributos humanos à divindade concebida como mente sobrenatural. Por conseguinte, acredita-se que essa mente sobrenatural tenha, da mesma forma, um ‘propósito’ em relação ao homem, pois o homem não corresponde, em sua própria avaliação, ao que suas tradições religiosas apresentam como ideal humano. Pensa ele, portanto, que deve haver um tempo, um lugar, em que a plenitude da vida possa ser atingida. As falhas, as funções temporais são todas interpretadas como adaptações e testes, em preparação para a vida divina, definitiva, perfeita, após a morte.

Também é difícil para o homem conceber que a personalidade humana seja evanescente. A personalidade é dinâmica. É o aspecto dominante do Eu. Todas as outras pessoas parecem depender do que ‘nós somos’, isto é, da constituição do nosso próprio ser. Por isto, pergunta-se com freqüência: ‘pode uma coisa como personalidade não ser substancial – pode não ser uma coisa em si mesma, que não se desgaste, como ocorre às coisas materiais? A personalidade resiste às vicissitudes, provas e tribulações da existência mortal.


Por que não iria, então, sobreviver à morte?
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Não que uma coisa possa ser, mas o que o homem possa entender a seu respeito, isto, para ele, é a verdade.
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[Texto de Validivar]