“Spinoza nunca procurou fundar seita – e não a fundou” [*Pollock,79].Por longos anos depois de sua morte teve o nome aborrido; o próprio Hume referia-se as “hediondas hipóteses de Spinoza”; “falava-se de Spinoza”, diz Lessing, “como de um cachorro morto”.
Foi Lessing quem lhe restaurou a reputação. O grande critico surpreendeu a Jacobi em sua famosa conversação de 1784, declarando que a maturidade o fizera spinozista porque “não há outra filosofia além da de Spinoza”. Seu amor por Spinoza fortaleceu a sua amizade por Moses Mendelssohn, e na peça Nathan tomou por molde de seus herói o filosofo holandês. Anos depois, na Einige Gespräche über Spinoza System, Herder chamou a atenção dos teólogos liberais para a Ética; Schleiermacher, o chefe desta escola, escreveu sobre o “sagrado e excomungado Spinoza”, enquanto Novalis, poeta católico, lhe chamava de “homem bêbado de Deus”.
Nesse intervalo Jacobi atraiu a atenção de Goethe para Spinoza; o grande poeta converteu-se com a leitura da Ética; e foi precisamente nesse livro que encontrou a filosofia com a qual sonhava; daí por diante vemo-la transparecer na sua poesia e na sua prosa. Foi onde encontrou a lição dass wir entsagen sollen – ou que devemos aceitar as limitações que a natureza nos impõe; e foi em parte respirando o ar calmo de Spinoza que se ergueu do feroz romantismo do Götz e do Werther ao equilíbrio clássico do resto da sua vida.
Foi também combinando Spinoza com a epistemologia de Kant que Fichte, Schelling e Hegel compuseram os seus variados panteísmos; o Icht de Fichte nasceu do conatus sese presservandi – esforço para a auto-preservação. Igualmente com a “vontade de viver”, de Schopenhauer; a “vontade de poder”, de Nietzsche; e o élan vital, de Bérgson. Hegel objetava que o sistema de Spinoza era muito rígido e sem vida; esquecia-se desse elemento dinâmico que tanto deu de si, só tendo em vista a majestática concepção de Deus como lei, da qual se apropriou para a sua razão absoluta. Mas foi bastante honesto quando disse que “para ser filosofo é preciso ser spinozista”.
Na Inglaterra a influencia de Spinoza começou a surgir com o movimento revolucionário; Coleridge e Wordsworth, jovens rebeldes, falavam de “Spy-nosa” [que o espião posto pelo governo para lhes seguir os passos tomava como referencia ao seu nariz.“Spy-espião;nose,nariz] com o mesmo ardor dos intelectuais russos nos dias alcionicos do Y Narod. Coleridge abarrotava seus convites de mesa com Spinoza; e Wordsworth deixa transparecer pensamentos do filosofo nestes versos celebres:
*Something
Whose dwelling is the light of setting suns,
And the roud ocean, and the living air,
And The blue sky, and in the mind of man; -
A motion and a spirit, which impels
All thinking things, all objects off all throught,
And rolls though all things.
Shelley citou o Tratado sobre a Religião e o Estado nas originais notas a Queen Mab, e começou uma tradução com prefacio prometido por Byron. Um fragmento desse manuscrito esteve nas mãos de C.S.Middleton que o tomou como original de Shelley e o classificou de “especulação de menino de escola...muito crua para ser publicada na integra”. Na idade madura George Eliot traduziu a Etica, embora nunca publicasse o trabalho; e é também de suspeitar que o conceito do Incognoscível de Spencer lhe veio da sua intimidade com o novelista amigo de Spinoza. “Não existe hoje homem preeminente”, diz Belfort Bax, “que não declare estar em Spinoza toda a ciência moderna”.
Talvez que tantos cérebros fossem impressionados por Spinoza porque o seu pensamento se presta a muitas interpretações, e dá mais de si a cada nova leitura. Todos os pensamentos profundos mostram facetas diversas conforme a diversidade dos espíritos. De Spinoza é possível repetir-se o que diz o Eclesiastes da sabedoria: “O primeiro homem não a teve inteira, e não a terá o derradeiro. Porque seus pensamentos são mais que o mar e seus conselhos mais profundos que as maiores profundidades”.
No segundo centenário da morte de Spinoza foi, por publica subscrição, erigido em Haia um monumento em sua memória. Surgiram contribuições de todas as partes do mundo e nunca teve um monumento mais largo pedestal de amor. Ao tirarem-lhe o véu, em 1882, Ernesto Renan concluiu o seu discurso com palavras muito próprias para fecho deste ensaio. ”Maldição sobre o passante que insultar esta suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas – pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu bloco de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: “Foi quem teve a mais profunda visão de Deus”.
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M.L