16 de mar. de 2011

Aristóteles_Considerações Finais

Que dizer desta filosofia? Talvez nada entusiástico. É difícil a gente entusiasmar-se com Aristóteles, porque a ele era difícil mostrar-se entusiasta sobre qualquer coisa; e si vis me flere, primum tibi flendum [*”Se quiseres que eu chore, chora primeiro”. Horácio, Ars, Poética, dirigindo-se aos autores e escritores]. Sua divisa foi nihil admirari – não admirar-se ou maravilhar-se de coisa alguma; e em seu caso evitamos violar essa divisa. Não vemos nele o zelo reformador de Platão, o colérico amor a humanidade que fez o grande idealista acusar seus contemporâneos; não encontramos nele a audaz originalidade de seu mestre, a imaginação alcandorada, a capacidade de criar generosas ilusões. Mesmo assim, depois de lermos Platão, nada nos é tão salutar como calma cética de Aristóteles.

Sumariemos nossa displicência. Aborrecemo-nos, de começo, com o seu insistir sobre a lógica. Ele entende ser o silogismo uma descrição do modo de raciocinar do homem, ao passo que essa operação lógica apenas descreve o modo de o homem racionar com o fim de persuadir a outro espírito; ele supõe que o pensamento começa com as premissas e lhes procura em seguida as conclusões, quando a verdade é que o pensamento começa com hipotéticas conclusões, procurando depois suas premissas justificadoras – e procura-se melhor com a observação de particularidades, em condições fiscalizadas e isoladas de experiência. Mas seriamos insensatos se esquecêssemos que o lapso de dois mil anos apenas modificou minúcias na lógica de Aristóteles; que Occam e bacon e Whewell e Mill e cem outros mais descobriram unicamente manchas em seu sol; e que a criação por Aristóteles dessa nova disciplina do pensamento, e a firme determinação de suas linhas essenciais, ainda perduram entre as duradouras realizações do espírito humano.

É a ausência da experimentação e de frutíferas hipóteses que converte a ciência natural de Aristóteles em um amontoado de observações indigestas. Sua especialidade foi coligir e classificar dados; em todos os terrenos aplica suas categorias e organiza catálogos. Mas paralelamente a esta tendência e ao seu talento de observador, há uma propensão platônica pra a metafísica; ela o salteia em todas as ciências e o impele as mais vertiginosas suposições. Este era, em verdade, o grande defeito do espírito grego: a falta de disciplina; não possuía tradições limitadoras e estalizadoras; movia-se livremente em um campo sem limites pretraçados e formulava muito facilmente teorias e conclusões. Por isso a filosofia grega já se remontava a alturas ainda inatingidas, enquanto a ciência grega tropegamente a seguia. Nosso perigo moderno é exatamente o contrário; os dados indutivos chovem sobre nós de todos os lados como lavas do Vesúvio. Asfixiamo-nos com os fatos incoordenados; nosso espírito aturde-se com o surgir e multiplicar-se das ciências especializadas sem que surja uma filosofia unificadora. Somos todos meros fragmentos daquilo que um homem poderia ser.

A ética de Aristóteles é uma ramificação de sua lógica; a vida ideal assemelha-se a um autentico silogismo. Ele dá-nos um manual das conveniências em vês de um estimulo para o aperfeiçoamento. Um critico antigo capitulou-o de “moderado em excesso”. Em extremista poderia chamar sua Ética a mais perfeita coleção de vulgaridades de todas as literaturas; e um anglofobo se consolaria com a ideia de que os ingleses em adolescência são punidos antecipadamente pelas culpas imperialistas da idade adulta, por serem forçados a ler, tanto em Cambridge como em Oxford, palavra por palavra, a Etica Nicomaqueana. Ser-nos-ia agradável misturar algumas verdes Leaves of Grass a estas paginas ressecas, acrescentando a ardente apologia de Whitman, do prazer dos sentidos, a apologia de Aristóteles, de uma felicidade puramente intelectual. Nós nos perguntamos se este ideal aristotélico da imoderada moderação terá alguma coisa que ver com a virtude incolor, a perfeição rígida e as boas maneiras inexpressivas da aristocracia britânica.

Conta-nos Mattew Arnold que em seu tempo os professores de Oxford consideravam a Ética infalível. Durante trezentos anos este livro e a Política formavam o espírito dos estadistas ingleses, talvez para grandes e nobres realizações, mas indubitavelmente para uma lenta e fria eficiência. Qual seria o resultado se os senhores do maior dos impérios se tivessem, ao invés, alimentado com o ardente entusiasmo e a paixão criadora da Republica?

Afinal de contas, Aristóteles não era completamente grego; já tinha posição definida e o espírito formado antes de mudar-se para Atenas; antes nada existira de ateniense em torno dele, nada do febril e estimulante experimentalismo que fizera Atenas palpitar de élan patriótico e por fim a fizera submeter-se a um déspota unificador. Ele obedeceu em demais a ordem delfica de evitar excessos; toma tanto cuidado em evitar os extremos que por fim nada resta. Tanto receia a anarquia que se esquece de temer a escravidão; e teme-se tanto da incerteza das mudanças, que prefere uma imutabilidade muito parecida com a morte. Falta-lhe aquele senso do fluxo, de Heráclito, que justifica o conservantismo, convencendo-nos de que toda a mudança permanente é gradual, e justifica o radicalismo convencido de não ser definitiva imutabilidade alguma.

Ele esquece-se de que o comunismo de Platão somente se referia ao escolastica, aos poucos não-egoistas ou gananciosos e chega por linhas travessas a mesma idéia Platônica, quando diz que embora a propriedade deva ser particular, seu uso deveria tornar-se o mais possível comum. Não vê [e talvez não fosse possível vê-lo naquele tempo]que o monopólio dos meios de produção só seria estimulante e salutar enquanto esses meios fossem tão simples que qualquer homem pudesse adquirir, e que a crescente complexidade e custo desses meios traria uma perigosa centralização da propriedade e do poder e, depois, uma desigualdade artificial e por fim desagregadora.

Mas afinal estas criticas de ponto secundários são nada no que nos resta da mais maravilhosa sistematização do saber jamais concatenada por um só espírito. Nunca outro qualquer pensador contribuiu tanto para dar mais luzes ao mundo. Todos os séculos posteriores se abeberaram em Aristóteles e treparam em seus ombros para divisarem a verdade. A variada e grandiosa cultura de Alexandria encontrou em suas obras a inspiração cientifica. Seu “Organon” desempenhou o papel principal na formação do espírito dos bárbaros medievais, dando-lhe disciplina e coerência ao pensamento. As outras obras, traduzidas pelos cristão nestorianos para o siriaco no quinto século da era cristã, e depois para o árabe e hebreu no século décimo, e em seguida para o latim, mais ou menos em 1225, desviaram a escolástica de seus eloqüentes primórdios em Abelard, para o feitio enciclopédico de Tomaz de Aquino. Os cruzados trouxeram copias mais perfeitas, em grego, dos textos do filosofo; e os estudantes gregos de Constantinopla trouxeram novos tesouros de Aristóteles quando, após 1453, fugiram dos turcos que sitiavam aquela cidade. As obras de Aristóteles chegaram a ser para a filosofia européia o que a Bíblia é para a teologia – um texto infalível, com soluções para todos os problemas. Em 1215 o representante do Papa em Paris proibiu aos professores que ensinassem em seus livros; em 1231 Gregorio IX nomeou uma comissão para expurgá-lo; em 1260 era de rigor adotá-lo em todas as escolas cristãs e as assembléias eclesiásticas impunham penas a quem se desviasse das opiniões de Aristoteles. Chaucer declara feliz o estudante por ter

“A cabeceira do leito
Vinte volumes de encadernação preta ou vermelha
De Aristóteles e sua filosofia;

E num dos primeiros círculos do Inferno diz Dante:

“Lá eu vi o Mestre dos sábios
No meio de sua família de filósofos.
Por todos admirado e venerado;
Lá vi também Platão e Sócrates
Mais perto dele que os demais.

Linhas como essa dão-nos idéia da honra que os séculos prestaram ao estagirita. O reinado de Aristóteles não findou senão quando os novos instrumentos científicos, as observações acumuladas e a paciente experimentação, transformaram a ciência, dando armas irresistíveis a Occam e Ramus, a Roger e a Francis Bacon. Nenhum outro espírito governou por tanto tempo a inteligência humana.

_Últimos tempos, e a morte de Aristóteles
Enquanto isso, a vida tornara-se terrivelmente complicada para o nosso filosofo. Por um lado, desaviera-se com Alexandre por protestar contra a execução de Calistenes [sobrinha de Aristóteles] que se recusara a adorar o déspota como a um deus; Alexandre respondera ao protesto dando-lhe a entender que, para sua onipotência, era também possível mandar matar os filósofos. Ao mesmo tempo, Aristóteles ocupava-se em defender Alexandre entre os atenienses. Ele preferia a unidade grega ao regime de cidades independentes e achava que a cultura e a ciência vicejavam melhor quando desapareciam as pequenas soberanias e discórdias; e via em Alexandre o que Goethe iria ver em Napoleão -  a filosófica unidade de um mundo caótico e intoleravelmente vario. Famintos de liberdade, os atenienses rosnavam contra Aristóteles e tornaram-se ainda mais irados quando Alexandre lhe mandou erigir uma estatua no coração daquela cidade hostil.

Nesse torvelinho temos de Aristóteles uma impressão polarmente contraria da que nos deixou em sua Ética: não de um homem frio e se sobre-humana calma, mas de um lutador, a prosseguir, rodeado de inimigos, em sua obra titânica. Os continuadores de Platão na Academia, a escola oratória de Isocrates e as enraivecidas turbas dominadas pela acre eloqüência de Demóstenes, urdiam intrigas e clamavam pelo exílio ou a morte.

E então, subitamente, Alexandre morreu [323 a.C]. Atenas delirou de jubilo patriótico; derribou o partido macedônio e proclamou a independencia. Antipater, sucessor de Alexandre e amigo intimo de Aristóteles, marchou contra a cidade revoltada. A maioria dos elementos do partido macedônio fugiu. Eurimedon, um sumo sacerdote, acusou Aristóteles de ter ensinado que nada valiam as preces e os sacrifícios -  e o filosofo se viu na iminência de ser julgado por assembléias e multidões incomparavelmente mais hostis do que as que condenaram Sócrates. Muito avisadamente abandonou a cidade, declarando que não daria aos atenienses ensejo para segundo atentando contra a filosofia. Não foi ato covarde; os que era acusados em Atenas podiam optar pelo exílio. [*Grote, 20]. Chegado a Calcis, Aristóteles caiu gravemente enfermo; Diógenes Laércio refere que o velho filosofo, grandemente desgostoso por se voltarem assim as coisas contra ele, suicidou-se bebendo cicuta. [*Zeller, I, 37, nota]. Fosse o que fosse, sua enfermidade se mostrou fatal; e poucos meses depois de partir de Atenas Aristóteles morreu isolado de todos. [322 a.C].

No mesmo ano, em com a mesma idade de sessenta e dois, Demóstenes, o maior inimigo de Alexandre, bebeu veneno. No espaço de doze meses a Grécia perdera o seu maior soberano, o seu maior orador e o seu maior filosofo. A gloria helênica já empalidecia com o despontar do sol romano, mas a grandeza de Roma era mais a pompa do poder do que a luz do pensamento. Aquela grandeza, depois, também decaiu e aquela luz quase se extinguiu. Durante mil anos as trevas envolveram a face da Europa. O mundo ficou a aguardar a ressurreição da filosofia.
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GR.       

   

Aristoteles_A Política

1]Comunismo e Conservantismo
De uma ética assim aristocrática deriva naturalmente [ou era o contrário que devia derivar?] uma filosofia política rigorosamente  aristocrática. Não se poderia esperar que o preceptor de Alexandre e marido de uma princesa mostrasse exagerada afeição pelo comum do povo, ou mesmo pela burguesia comerciante; nossa filosofia depende do nosso tesouro. Além disso Aristóteles era sinceramente em virtude da confusão desastrosa proveniente da democracia de Atenas; como verdadeiro estudioso ele anseia pela ordem, segurança e paz; aqueles tempos em seu pensar, não eram próprios para extravagâncias políticas. O radicalismo é um luxo da estabilidade; só podemos atrever-nos a mudar as coisas quando as temos firmes nas mãos. E, em regra, diz Aristóteles, “o costume de mudar facilmente as leis é um mal; quando as vantagens da mudança forem poucas, melhor é que se tolerem filosoficamente alguns defeitos, quer nas leis, quer nos governantes. O cidadão ganhará menos com a mudança do que perderá adquirindo o habito da insubordinação [*Política, II,8].O poder da lei de impor a sua observância e, portanto, de manter a estabilidade política, repousa em grande parte no costume; e “passar facilmente do regime de leis velhas para o de novas é o meio de enfraquecer a intima essência de quaisquer leis” [*Id, V,8]. “Não desprezemos a experiência de um longo passado; não há duvida de que, no curso de tantos anos, estas coisas, se fossem boas, não teria ficado desconhecidas.[*Id.II,5]

Com “estas coisas’, naturalmente, Aristóteles significa sobretudo a republica comunista de Platão. Aristóteles combate o realismo de Platão sobre os universais e o idealismo de Platão sobre o governo. Acha muitos pontos obscuros no quadro pintado pelo Mestre. Não lhe agrada o contacto permanente da vida em barracas ao qual Platão condenou seus reis-filosofos; como conservador que é, Aristóteles preza mais as qualidades individuais, a vida intima e a liberdade, do que a eficiência e o poder sociais. Não se lhe dá de chamar a todos os contemporâneos irmãos e irmãs, nem aos mais velhos, pais em mães; se todos são irmãos, nenhum o será; e quanto é melhor ser primo verdadeiro de alguém, do que filho a moda de Platão! [*Id,II,3]. Num estado em que as mulheres e os filhos fossem comuns, “o amor não passaria de água chilra...Das duas coisas que principalmente inspiram interesse e afeição [que alguma coisa seja nossa e que algum ser desperte em nós verdadeiro amor] nenhum pode existir em um estado” como o de Platão. [*Id,II,4].

Talvez houvesse existido, num vago passado, alguma sociedade comunista, quando o único estado era a família, e o pastoreio ou a agricultura rudimentar os únicos modos de vida. Mas “em um estado mais dividido da sociedade”, no qual a divisão do trabalho em funções de desigual importância estimula e aumenta a natural desigualdade dos homens, o comunismo malogra-se porque não proporciona incentivo conveniente para o exercício das habilidades superiores. O estimulo do lucro é necessário ao trabalho árduo; e o estimulo da propriedade é necessário para o fomento da industria, da agricultura e para o cuidado com as coisas. Quando cada um é dono de tudo, ninguém tem cuidado com coisa alguma. “Aquilo  que é comum ao maior numero atrai menos as atenções. Todos pensam muito no interesse próprio e pouco no interesse publico” [*Política,II,3].E, “é sempre difícil viver em comum, ter coisas em comum, e mais difícil ainda manter propriedade em comum. Bom exemplo sobre este ponto são as pessoas que viajam juntas [para nada se dizer sobre a difícil comunhão do casamento, pois geralmente se desavêm no caminho e questionam por ninharias que transtornam tudo”. [*Política,II,5].

“Os homens ouvem com prazer coisas sobre Utopias e são facilmente induzidos a crer que existe algum modo miraculoso de todos se tornarem mutuamente amigos, sobretudo após a enumeração dos males existentes...que dizem ser causados pela propriedade particular. Estes males, porém, derivam de outra fonte – a perversidade da natureza humana”. [*Id.Note-se que os conservadores são pessimistas e os radicais otimistas sobre a natureza humana que não é provavelmente tão boa nem tão má como lhes apraz crer e pode não ser tanto natureza e sim efeito da primeira educação e do meio].”A ciência política não faz homens e sim toma-os como a natureza os fez”.[*Id., I,10].

E a natureza do homem normal fica mais próxima dos animais do que de Deus. Em sua grande maioria os homens são estúpidos e mandriões; em qualquer organização política essas criaturas ficarão sempre em baixo; e auxilia-las com subsídios públicos é querer “encher d’água barris furados”. Essas criaturas devem ser governadas na política e dirigidas na industria – com seu consentimento, se possível; sem ele, se necessário. “Desde o instante em que nascem, uns são destinados a sujeição e outros ao mando” [*Id., I, 5]. “Pois quem tem o espírito previdente é pela natureza destinado a ser amo e senhor, e quem pode apenas trabalhar com o corpo é por sua natureza um escravo”. [*Id, I, 5.Talvez seja excessivamente brutal traduzir-se outros como ‘escravo’; esta palavra era simplesmente um franco reconhecimento de um fato brutal que em nossos dias é enfeitado com frases sobre a dignidade do trabalho e a fraternidade humana. Nós facilmente sobrepujamos os antigos no fazer frases.

O escravo está para o amo como o corpo está para o espírito; e assim como o corpo deve submeter-se ao espírito, melhor é para os homens inferiores que fiquem sob o domínio de um senhor. [*Política,I,5]. “O escravo é um utensílio dotado de vida e um utensílio é um escravo sem vida”. E em seguida nosso cruel filosofo, com um vislumbre das possibilidades postas em nossas mãos pela Revolução Industrial, escreve, pensativo e esperançoso por um instante: “Se cada instrumento fizesse o seu trabalho, obedecendo ou prevendo a vontade de outrem...se a lançadeira tecesse ou o plectro ferisse a lira sem que a mão os guiasse os chefes não precisariam de auxiliares, nem os escravos de senhores”.[*Id., I, 4].

Esta filosofia é um exemplo típico do desdém helênico pelo trabalho manual. O trabalho em Atenas não se tornara tão complexo como hoje, tempo em que a inteligência necessitada para muitas artes manuais é as vezes muito maior do que a requerida para os atos da classe media inferior; e ainda um professor universitário pode encarar certos maquinismos automáticos como verdadeiros deuses; o trabalho manual era então meramente manual e Aristoteles olhava-o de cima para baixo, das altitudes da filosofia, como próprio a homens sem espírito, unicamente adequado para servos e adequando os homens para a escravidão.

O trabalho manual, a seu ver, embota e prejudica o espírito, não deixando lazer nem energia para reflexões políticas; como razoável corolário, figura-se a Aristóteles que só as pessoas que dispõem de lazeres deveriam influir nos atos governamentais [*Política, III,3,VIII,8].”A melhor forma de governo não admite maquinas como cidadãos...Em Tebas era lei que nenhum homem poderia exercer funções publicas se já não se tivesse retirado, há dez anos, da atividade comercial” [*Id., III,5]. Até os mercadores e os capitalistas são arrolados por Aristóteles entre os escravos. “O Comércio é anti-natural...é um modo pelo qual uns homens auferem lucros de outros homens. A mais detestada espécie de negócios é...a usura, que faz o dinheiro dar lucro por si mesmo e não por sua função natural. Pois o dinheiro foi destinado a servir para comprar e vender e não a produzir juros. Esta usura [tokos], que significa o dinheiro a gerar dinheiro...é de todos os modos de obter ganhos o mais antinatural” [*Id.,I,10. Esta opinião influiu na proibição dos juros, na Idade Média]. O dinheiro não deve reproduzir-se só por si. Em conseqüência, discutir teoricamente finanças não é indigno da filosofia; mas dar-se a atividade financeira ou ao ganho do dinheiro é indigno de um homem livre” [*Política,I,II. Aristóteles acrescenta que os filósofos teriam bom êxito nesse terreno, se quisessem descer ao mesmo; e orgulhosamente citou Tales que, prevendo boas colheitas, comprou-as antecipadamente de todos os seareiros de sua cidade e, depois, no tempo de colher, revendeu pelo preço que quis o que comprara; a este ponto Aristóteles observa que o segredo universal das grandes fortunas é a consecução de um monopólio].   

2]Casamento e Educação
“A mulher é para o homem o que o servo é para o amo, o trabalhador manual para o trabalhador mental, o bárbaro para o grego. A mulher é um homem inacabado, que se quedou imóvel em um grau inferior da escala do desenvolvimento. [*De Gen.Animatium,II,3;Hist. Animatium, VIII, 1; Política, I,5.Confronte-se com Weninger; e com a frase de Meredith:”A mulher será a ultima coisa que o homem civilizará (A Provação de Ricardo Feverel,pág.1).Parece contudo que é o homem que foi (ou será) a ultima coisa civilizada pela mulher; pois a família e uma vida econômica consolidada são os grandes fatores da civilização; e ambas essas coisas são obra da mulher].O macho em um grau inferior da escala do desenvolvimento [*Política,I,13]O macho é por sua natureza superior e, a fêmea, inferior; um manda e a outra é mandada; e este principio se estende necessariamente a todo o gênero humano”. A mulher tem a vontade fraca; e é por isso incapaz de independência de caráter ou atitude; sua melhor condição é a calma vida do lar; e ao passo que o homem a manda no que se refere as relações externas, ela pode, em questões domesticas, assumir também a direção. Não se deve procurar igualar as mulheres aos homens, como na republica de Platão; ao contrário, deverá acentuar-se a divergência, pois nada atrai mais do que o que é diferente. “A coragem de um homem e a de uma mulher não são a mesma coisa, como Sócrates supunha; a coragem do homem mostra-se no mandar, e da mulher, no obedecer...Conforme diz o poeta, o silêncio é a glória da mulher”.

Aristóteles parece suspeitar que esta subordinação ideal da mulher ao homem é rara, e que com freqüência o certo está mais com a língua do que com o braço. Como para dar ao homem uma indispensável superioridade, aconselha-o a protelar o casamento até aproximar-se a idade dos trinta e sete anos, consorciando-se então com uma jovem de vinte. Uma jovem aproximadamente desta idade é em geral equiparável a um homem de trina anos, mas pode talvez ser governada por um guerreiro maduro de trinta e sete. O que atrai Aristóteles nesta matemática matrimonial é a consideração de que essas duas pessoas de idades desiguais perderão as paixões e a capacidade reprodutora proximamente ao mesmo tempo.

“Se o homem ainda estiver apto a procriar quando a mulher já fez ponto, ou vice-versa, surgirão questões e discórdias. Uma vez que o limite do tempo da procriação para o homem são os setenta anos e, para a mulher, os cinqüenta, o começo da vida em comum deve conformar-se com essa diferença. A união do macho e da fêmea muito novos é má para a criação de filhos; em todos os animais os descendentes de casais jovens são pequenos e mal desenvolvidos -  e geralmente fêmeas”.

A saúde é mais importante que o amor. Além disso, “habitua a temperança o não se casa mui cedo, pois as mulheres que se casam cedo propendem aos desregramentos;e aos homens também prejudica o desenvolvimento do corpo o casarem-se na época do crescimento” [*Política,VII,16. Transparece daqui que Aristóteles apenas se lembrou da temperança das mulheres; não parece tê-lo preocupado o efeito moral, do casamento protelado, sobre os homens].Não se deve deixar este ponto a mercê do capricho juvenil; cumpre ser devidamente regulado: o estado determinaria o mínimo e o máximo de idade para cada sexo, as melhores estações para a concepção  e o coeficiente do acréscimo de população. Se o coeficiente natural do acréscimo for muito alto, a pratica cruel do infanticídio pode ser substituída pela do aborto; e o ‘aborto seria provocado antes que começasse o sentir e a vida’. [*Id., VII,16].
Há um numero ideal de habitantes para cada estado, variável segundo as condições e recursos. “Se os habitantes são muito poucos, o estado não pode, como o cumpriria, bastar as suas necessidades; sendo excessivos...tem-se um povo em vez de um estado, e quase incapaz de reger-se por um governo constitucional”, ou de assumir a unidade étnica e política. [*Id.,VIII,4]. Em matéria de população, é indesejável tudo o que exceder de 10.000 almas.

A educação também deve ficar nas mãos do estado. “O que mais contribui para a permanência das constituições é a adaptação da educação a forma de governo...O cidadão deve ser amoldado a forma de governo sob a qual vive”. [*Id.,V,(;Viii,1]. Com a fiscalização das escolas pelo estado poderíamos canalizar para a agricultura homens da industria e do comercio; e, mesmo conservando a propriedade privada, conseguiríamos educar os homens de forma que franqueassem suas propriedades para determinado uso comum. “Entre os homens bons que respeitam o uso da propriedade, persistirá o adágio de que “os amigos devem ter tudo em comum” [*Política,VI, 4;II,5].Mas, deverão, sobretudo os homens, no período do desenvolvimento, aprender a obediência as leis, pois do contrário seria impossível o estado.”Foi muito sabiamente dito que quem não aprendeu a obedecer não sabe mandar. O bom cidadão teria aptidão para as duas coisas”. E unicamente uma organização de ensino publico pode realizar a unidade social em meio a heterogeneidade étnica; o estado é uma pluralidade que deve ser transformada em unidade e comunidade por meio da educação.[*Id., III,4;II,5].

É necessário também ensinar aos jovens a grande vantagem que é o estado, a inapreciável segurança proveniente da organização social e da liberdade que promana da lei. “O homem, quando aperfeiçoado, é o melhor dos animais; mas, isolado, é o pior de todos; pois a injustiça é mais perigosa quando armada, e o homem equipa-se aos nascer com a arma da inteligência e com qualidades de caráter que pode usar para os fins mais reprováveis. Por conseguinte, se ele não tiver virtude, será o mais daninho e feroz dos animais.

E só o freio social pode dar-lhe virtude.

Com a palavra o homem desenvolveu a sociabilidade; pela sociabilidade, a inteligência; pela inteligência, a ordem; e com a ordem a civilização. Em um estado com ordem o individuo vê franqueados para si mil oportunidades e meios de desenvolvimento que a vida solitária jamais lhe proporcionaria: “Para viver só deve ser um animal ou um deus” [*”ou”, acrescenta Nietzsche, suja política é haurida quase toda em Aristóteles, “deve-se ser as duas coisas, isto é, um filosofo”].

Por isso as revoluções são quase sempre condenáveis; podem produzir algum bem, mas a custa de muitos males, dos quais o principal é a perturbação e, quiçá, a dissolução daquela ordem e estrutura sociais de que depende o bom governo. As conseqüências diretas das inovações revolucionárias podem ser calculáveis e salutares, mas as indiretas são geralmente incalculáveis e não raro desastrosas. “Os que levam em conta unicamente poucos pontos, acham fácil formular um juízo”, e um homem pode de pronto tomar uma resolução se, para fazê-lo, tomar em conta poucas circunstancias. “Os moços são enganados facilmente, pois são fáceis de conceber esperanças”.

A supressão de hábitos estabelecidos de longa data acarreta a queda dos governos inovadores, porque os velhos hábitos persistem no povo; os caracteres não se mudam de pronto, com as leis. Para uma constituição tornar-se permanente, todos os elementos da sociedade devem desejar-lhe a manutenção. Por isso um governante que quisesse evitar revolução, deveria evitar o extremo de pobreza e riqueza – “condição que o mais das vezes é o resultado das guerras”; fomentaria [como os ingleses] a colonização como válvula de escape para a população perigosamente densa, e incentivaria a religião. Um dirigente autocrata “deve mostrar-se fervoroso na adoração dos deuses, pois, se os homens sabem que o governante é religioso e presta culto as divindades, tornam-se menos receosos de sofrer de sua parte injustiças e mostram-se menos dispostos a conspirar, acreditando que os deuses se mostrarão, na luta, partidários do governante devoto”. [*Política, IV, 5; II,9;V,7;II,11].

3]Democracia e Aristocracia
Com essas salvaguardas da religião, da educação e da organização da vida familiar, quase todas as formas tradicionais de governo equivalem-se. Todas contem em si coisas boas e más. Teoricamente a melhor forma de governo seria a centralização de todo o poder político no homem melhor. Homero tem razão: “É má a soberania de muitos, basta que um seja o soberano e o senhor”. Para tais homens a lei seria mais um instrumento do que uma limitação: “para homem de notável aptidão não há lei – são eles próprios a lei. Seria ridículo tentar impor-lhes leis, porquanto replicariam como os leões na fabula de Antístenes, quando as lebres começaram a discursar reclamando igualdade para todos: “onde estão vossas garras?” [*Id., III, 13. Aristóteles tinha provavelmente no espírito Alexandre ou Filipe quando escreveu esta passagem, exatamente como Nietzsche parece ter sido influenciado pelas brilhantes carreiras de Bismarck e de Napoleão para chegar a conclusões análogas].

Mas na pratica a monarquia é geralmente a pior forma de governo, pois grande poderio e grandes virtudes dificilmente se aliam. Por isso o melhor governo praticável é o aristocrático, o domínio dos mais esclarecidos e capazes. Governar é coisa muito complicada para ter suas dificuldades resolvidas pelo maior numero; em coisas de menor monta quem resolve é o saber e a competência. “Assim como o medico deve ser julgado pelo medico, também os homens devem ser julgados por seus pares...E por que este mesmo principio não se aplicar as eleições? Uma eleição perfeita só pode ser realizada pelos competentes: um geômetra, por exemplo, decidirá bem as coisas referentes a geometria; ou um piloto as de navegação [*Política, III, 11. Confronte-se com a argumentação moderna para as ‘representações de classe’]...Por isso, a eleição de magistrados, nem a tomada de contas dos mesmos, não pode ser atribuição das maiorias”.  

A dificuldade de uma aristocracia hereditária é não ter base econômica permanente; o eterno aparecimento dos ‘nowveaus riches’ faz que os cargos públicos mais cedo ou mais tarde sejam postos em leilão. “É certamente grande mal...comparem-se os mais altos cargos. As leis que permitem este abuso dão supremacia as riquezas em detrimento da competência – e no estado lavrará a ganância. Pois quando os primeiros da nação consideram honrosa alguma coisa, os demais cidadãos seguem-lhes o exemplo” [pelo instinto da imitação’ da psicologia social moderna]; “e onde a competência não ocupa o primeiro plano, não existe verdadeira aristocracia”. [*Id.,II, 11].

A democracia é ordinariamente o resultado de uma revolução contra a plutocracia. “O amor ao ganho das classes dirigentes tende a reduzir-lhe o numero dos seus componentes [a “eliminação da classe media”, de Marx]e, portanto, a reforçar as massas populares, que por fim se precipitam contra seus senhores e estabelecem democracias”. Este “governo do pobre” tem algumas vantagens. “os do povo, embora individualmente possam ser piores juizes do que os dotados de conhecimentos especiais, são coletivamente tão bons quanto eles. Ademais, existem artistas cujas obras são melhor julgadas – não por eles somente, mas pelos que não exercitam a arte; exemplo: o morador ou dono de uma casa será melhor juiz sobre a mesma, do que seu construtor;...e o convidado opinará melhor que o cozinheiro sobre o banquete” [*Id., III, 15,8,11]. E “essa maioria é menos corruptível do que a minoria; assemelha-se a uma grande quantidade de água, que se corrompe menos facilmente do que pouca. Um individuo é sujeito a deixar-se dominar pela cólera ou por outra paixão, e então seu juízo necessariamente se turvará; é difícil, porém, conceber que grande numero de pessoas sejam arrastadas ao mesmo tempo por alguma paixão e cometam desatinos”. [*Id., III, 15. Tarde, Lê Bon e outros psicólogos sociais sustentam precisamente o contrário; e embora eles exagerem os defeitos das multidões, poderiam encontrar melhor confirmação, do que em Aristóteles, na Assembléia Ateniense [430-333 a.C].

A democracia, apesar disso, é em tudo inferior a aristocracia. [*Política,II,9]. Pois se baseia numa falsa presunção de igualdade; esta “se origina da noção de que, se todos forem iguais sob certos pontos de vista ... também o serão em todos os outros; pelo fato de serem os homens igualmente livres perante a lei, eles reivindicam absoluta igualdade em tudo”. A conseqüência é que o critério da aptidão será sacrificado ao critério do maior numero; e esse maior numero é levado por embustes. Como o povo é tão facilmente iludido e tão versátil em opiniões, o sufrágio só deveria competir aos inteligentes. O de que precisamos é uma combinação de aristocracia com democracia.

O governo constitucional oferece esta feliz associação. Não é o melhor dos governos concebíveis – a aristocracia da educação seria esse governo – mas é a melhor organização possível para um estado. “Devemos perguntar-nos qual a melhor constituição para a maioria dos estados e a melhor vida para a maioria dos homens; não se deverá pretender um nível de excelência superior ao do comum das pessoas, nem uma educação excepcionalmente favorecida pela natureza ou pelas circunstancias, nem ainda um estado ideal que não passaria de aspiração; mas tenhamos em mente uma existência de que a maioria das pessoas possam participar e uma forma de governo que os estados possam geralmente conseguir”. “Cumpre começar admitindo-se o principio de que os elementos nacionais que desejam a continuação do governo sejam  mais fortes que os que não a querem” [*Política, IV, 11, 10]., e de que a força não consiste unicamente no numero de pessoas, nem somente na maioria de bens, nem apenas na aptidão política ou militar, e sim na combinação dessas coisas, de modo a atender-se a liberdade, a riqueza, a cultura e nobreza de nascimento, ao mesmo tempo que a superioridade numérica”.

Ora, onde encontraremos tal maioria econômica para amparar nosso governo constitucional? Talvez na classe media: teremos aqui de novo a áurea mediania; o governo constitucional é um meio termo entre a democracia e a aristocracia. Nosso estado será suficientemente democrático se todas as funções publicas forem franqueadas a todos, e suficientemente aristocrático se o acesso for vedado aos que não fizerem todo o percurso e não chegarem plenamente preparados para exercê-las. Sob qualquer ângulo que encaremos nosso eterno problema político, chegaremos repisadamente a mesma conclusão, de que a comunidade determinará os fins a serem demandados, mas só os componentes poderão escolher e aplicar os meios; de que  se devem escolher os dirigentes com um critério democraticamente amplo, reservando-se, porém, rigorosamente os cargos aos mais aptos.