A primeira grande era de independência do espírito, a era do pensamento livre, quando a humanidade pode investigar e questionar o fenômeno do mundo ao seu redor, e até mesmo meditar sobre o universo e os valores fundamentais grais, sem medo de criticismo ou desdém, ocorreu há milênios na Grécia.
Esse período de independência e liberdade de expressão emergiu inicialmente das atividades de um grupo de pessoas espiritualmente orientadas, que ficaram conhecidas como ‘sofistas’. As raízes desse processo de pensamento tiveram seu começo no misticismo egípcio e na mitologia grega. O amor que o grego revela pelo espírito independente, o misticismo, o estudo do universo e da vida, o enriquecimento do conhecimento e a filosofia, passa pelos Mistérios [eleusianos, órficos, cabíricos, pitagóricos] e é ampliado pelas cosmogonias de Pitágoras, Platão e Aristóteles. Esse surpreendente progresso parece ter sido subitamente interrompido e banido da Grécia e da humanidade; e tudo foi soterrado por uma avalanche de decadência, medo, fanatismo religioso e severa restrição do pensamento livre.
O renascimento do pensamento e da mentalidade da Grécia antiga aparece triunfantemente durante a Renascença, ultrapassando Bizâncio e encontrando reflexo na admiração e respeito do Oeste.
O progresso do espírito nessa parte do Mediterrâneo continua até hoje, a despeito das fraquezas da sociedade moderna.
Vivemos num período em que os valores materiais representam as coisas mais importantes para a humanidade. Riqueza, fama e poder são as metas principais. E, no entanto, todos sentimos que se os valores morais e a liberdade de pensamento não existirem, nossa sociedade ficará ameaçada pela corrupção e o homem estará na mais completa solidão.
Num período especialmente dominado pela ansiedade e fragilidade, tenho o grande prazer de apresentar o trabalho espiritual de minha jurisdição, que compreende uma exposição cronológica dos pontos mais importantes do progresso empreendido pelo espírito grego através dos séculos. Procuramos apresentar de forma simples e compreensível os ensinamentos de mitologia, mistério e cosmogonia dos antigos gregos, e revelar o que eles significam para a cultura do mundo de hoje.
ORFEU E OS MISTÉRIOS ÓRFICOS
Entre as mais antigas tradições cosmogônicas da Grécia antiga, encontramos aquelas transmitidas por Hesíodo e Orfeu. Embora bem poucos trabalhos desse último tenham sido preservados, o que sabemos de Orfeu está baseado principalmente em referencias feitas por outros e interpretações de gerações posteriores.
Alguns estudiosos modernos afirmam que Orfeu foi uma figura histórica e que seu mito se baseou em certos acontecimentos reais. Talvez nunca o saibamos. Entretanto, tal como acontece na mitologia grega, onde os mitos se emaranham e muitas vezes apresentam versões conflituadas, o que mais nos atrai é a maneira como o nascimento e a vida do homem eram interpretados. Portanto, apesar da grande ausência de fontes para a história de Orfeu e sua tradição, podemos compreender sua significação a partir da influencia que ele exerceu posteriormente sobre filósofos como Platão.
Para começar, Orfeu, um filho da Trácia, era um músico de talento incomum. As notas que soavam de sua lira tinham o poder de aplacar as feras e até mesmo de enfeitiçar pedras. Na argonave de Odisseu, Orfeu consegue lançar um feitiço sobre as rochas que esmagavam os navios que passavam entre elas, permitindo que a Argo passasse incólume. Esse feito foi imortalizado em pedra, em Delfos, e até hoje preservado, enquanto retratos de Orfeu cantando são encontrados até nas catacumbas cristãs.
E, no entanto, apesar de sua maestria musical e da brandura de seu caráter, o destino de Orfeu foi trágico. De acordo com o mito, ele se casou com Eurídice. Quando ela morreu de uma mordida de serpente, o inconsolável Orfeu implorou a Hades que lhe fosse permitido trazê-la de volta ao mundo superior. Mas a lei de Hades é tão durar que um acordo teve de ser feito para que Eurídice pudesse ver novamente a luz do dia. Orfeu não poderia olhar para trás, para vê-la, enquanto ela caminhava atrás dele, senão ele a perderia para sempre. Eles iniciaram a jornada de retorno ao mundo superior, e Orfeu cumpriu sua promessa durante uma parte do caminho. Mas quando deixou de ouvir os passos dela atrás de si, quis ter certeza de que Eurídice ainda o seguia e acabou olhando para trás. Imediatamente ela desapareceu no Hades, e Orfeu retornou ao mundo superior, outra vez inconsolável.
De acordo com um outro mito, as mênades trácias, seguidoras de Dionísio, nunca lhe perdoaram a fidelidade e a tristeza por Eurídice, e se vingaram esquartejando-o e lançando sua cabeça ao mar. Sua cabeça continuou a cantar, e chegou à ilha d Lesbos, onde um oráculo foi estabelecido em sua honra.
O culto de Orfeu começou provavelmente durante o período arcaico, por volta do século VI a.C., e foi a primeira organização religiosa, de que se tem noticia, com um fundador e ensinamentos escritos, embora quase anda dos textos originais exista hoje. Fontes posteriores, entretanto, permitem-nos reconstruir as linhas gerais do mito de Orfeu na teogonia, ou nascimento dos deuses.
O primeiro a surgir foi Cronos [Tempo], o primeiro fator organizador do universo. Cronos deu nascimento a Éter, Caos e Érebos. Dentro de Éter, Cronos fez um ovo, de onde surgiu Eros, um ser brilhante e alado, com quatro olhos,e hermafrodita. Eros é o inicio, o criador do universo, o Primeiro-Nascituro, posteriormente Dionísio.
Eros organizou os deuses, construiu para eles o lar eterno e tornou-se seu líder. Era auxiliado por sua filha Nix [noite], a quem Eros deu seus poderes. Eros teve com Nix dois filhos, Gea[Terra] e Uranus [céu]. Daí em diante, temos uma repetição da teogonia de Hesíodo, com dois pontos de interesse:
ð Primeiro,o poder passa de Eros para uma potência feminina. Nix, que por sua vez passa-o para seu filho Uranus.
ð E, segundo, a teogonia novamente se repete com o aparecimento de Zeus, que dá origem ao restante dos deuses.
Isso revela um fato característico da tradição órfica – a absorção de mitos e tradições em uma nova forma lógica. Como é possível unir duas teogonias na mesma tradição? Como pode o começo do universo ter seu inicio com Eros e, mais tarde ter outro inicio com Zeus? É simples! Zeus engoliu Eros, e assim manifestou o novo começo do universo. Afinal de contas, tanto quanto diz respeito ao simbolismo mais profundo de luz e céu – e, por extensão, clareza de espírito – Eros e Zeus compartilham certas características comuns. Portanto, ao engolir Eros e tudo o que ele criou, Zeus providencia um novo começo para a terra, o céu e o mar, enquanto Nix continua a prestar seu auxílio a Zeus, ajudando-o a destronar Cronos [Tempo].
É através de Zeus que o culto órfico está ligado ao de Dioniso, sendo dois cultos diferentes, mas que compartilham muitas particularidades. Zeus e Deméter ou, conforme uma outra versão, Zeus e Perséfone, geraram Dioniso. No decorrer do mito, que nos faz lembrar Eros, Zeus decide passar seu poder para Dioniso, que deveria se tornar o último na série dos deuses. Mas Hera, que sempre se enciumara dos casos clandestinos de seu marido, conspirou com os Titãs para impedir a passagem do poder. Assim, os Titãs, usando brinquedos para atrair o pequeno Dioniso, mataram-no e o comeram. Atenas conseguiu, porém, salvar o coração da criança divina, e Zeus o colocou numa estátua do menino, em argila, e esta ganhou vida. Essa transformação de Dioniso valeu-lhe o epíteto de Zagreus.
Mas Zeus, furioso com os Titãs, lançou seus raios sobre eles e os queimou até às cinzas. Dessas, emergiu a raça humana, que é desde então composta de ambos os elementos, demoníacos e divinos. A matéria, representada pelos Titãs, engoliu o espírito, ou Dioniso, e é por isto que os seres humanos são feitos desses dois elementos.
Na cosmogonia órfica, o mito de Zagreus é o ponto focal do culto. Conforme explica Platão, o corpo e a alma são duas entidades separadas. De acordo com os órficos, o corpo é inferior à alma, sendo sua prisão. O corpo é a tumba da alma, supervisionado pelos deuses. O esforço dos homens sobre a face da Terra deve ser o de purificar o corpo do pecado original dos Titãs, de modo a libertar a alma de seus grilhões.
Isso, é claro, exigia todo um sistema de crenças relativas à vida após a morte. E, de fato, de informações encontradas em escritores posteriores, vemos que o orfismo realmente se focalizava na vida após a morte. O conceito de reencarnação fazia sentido relativamente aos esforços da alma para se reunir ao deus[Dionísio], através de esforços contínuos. A vida terrenal seria apenas um período de testes que o homem tem de vivenciar a fim de se purificar. Aqueles que seguiam as doutrinas do orfismo para a purificação de suas almas e eram iniciados nos mistérios de Orfeu encontrar-se-iam na companhia dos deuses. O resto iria chafurdar no lodo do submundo, sem esperança de redenção.
O culto de Orfeu, entretanto, não conseguiu se disseminar no período clássico, porque a vida após a morte não exercia a mesma atratividade que tinha para o homem do período arcaico. Como observou o professor Martin Nilsson, um catedrático pioneiro de religião grega, “Os órficos tinham apropriadamente a crença na punição no submundo.[...]Essa crença atraia as massas e foi importante para a prática órfica. Durante o processo arcaico havia uma tendência, ao contrário das idéias gregas gerais [do período clássico], à indiferença para com esta vida e uma preocupação muito maior com a vida após a morte, durante a qual a alma está livre dos grilhões do corpo.”
Não conhecemos os detalhes dos mistérios órficos. Ao contrário da tradição de Dioniso, o orfismo não apenas não praticava a omofagia [comer carne crua], como também proibia inteiramente o consumo de carnes, e a prática da caça para alimentação ou sacrifícios. O orfismo tinha fortes elementos de ascetismo e compartilhava o mesmo deus com os seguidores de Dioniso. A união com o divino era a união final com Dioniso. Mas essas duas tradições jamais tiveram boas relações, especialmente desde que o ritual básico de omofagia foi transformado pelos órficos no pecado original dos Titãs, pecado do qual o homem tinha de se purificar. Com o passar do tempo, a ênfase do culto e talvez sua má prática levaram-no ao desaparecimento, embora algumas de suas partes continuaram a influenciar gerações posteriores, sendo Platão um brilhante exemplo disso.
A contribuição do orfismo está em ter sido uma das primeiras religiões monoteístas, sua análise dual do homem nos elementos mal-bem, matéria-espírito, e a esperança que proporcionava relativamente à vida após a morte. Como sistema metafísico de valores, teve, tanto quanto sabemos, uma posição de pioneirismo, e sem dúvida colocava o homem numa posição central, ensinando que ele era responsável por sua felicidade. O culto de Dioniso sobreviveu por outras razões e foi mais adequado no estabelecimento de um elo com o desenvolvimento posterior rumo ao monoteísmo, mas o orfismo deu uma outra dimensão à interpretação metafísica do universo. Usando mitos muito antigos e criando novos, o orfismo dava uma explicação plausível para a existência do homem e tentava abordar sua natureza divina por meios práticos. A despeito da falta de informações que temos hoje, podemos afirmar que seus valores tiveram suficiente importância para sobreviverem e serem comentados em tempos tão posteriores.
OS MISTÉRIOS ELEUSIANOS
“Se tivesse absoluta certeza de que poderia dedicar as páginas que se seguem a toda ciência necessária, juro pelas graças desnudas que evitaria isto a qualquer custo!”. É assim que o estudioso francês Jean Richepin abre seu livro sobre mitologia grega. Não é que ele descreia da ciência. Ele foi criado nela, “nutriu-se de seu seio venerável”, conforme confessou, e declara sua gratidão para com ela, afirmando que será grato até o fim d sua vida. Mas, acrescenta ele, a abordagem do “espetacular e eterno jardim da Mitologia através da interpretação científica equivale a um sacrilégio. Nela devemos entrar, e inspirar outros a entrarem, como um sorriso e pisando macio, como se tivéssemos asas nos pés, ritmicamente, como se dançássemos”.
A terra fértil da Grécia gerou uma grande variedade de flores e frutos, e também encheu os potes da história com mitos, lendas e tradições tão vivas e grandiosas que até hoje nos referimos a eles. Em suas montanhas, águas, vales e frescas florestas, os deuses ficaram enlaçados nas imagens criadas pelo homem, viveram entre eles, sofreram, falaram com os homens, enfureceram-se e se apaixonaram exatamente como os humanos. Isto era o que acontecia na superfície. Mas no reino de Hades, em cavernas e veias da terra, fluía a seiva dos mistérios, néctar para uns poucos, os eleitos.
Pitágoras concluiu que “nem tudo pode ser dito a qualquer um”. Enquanto Heráclito, ainda hoje aplicável pelo místico, analisou o fluxo do tempo e exaltou a harmonia das forças opostas. Entre os cultos mais antigos, ressalta-se o de Deméter e sua filha Perséfone, a quem geralmente se refere pelo nome de Kore e é considerada filha de Zeus. Deméter e Kore eram deidades da vegetação, especialmente do trigo. Inicialmnte, seu culto era agrário. Aristóteles referiu-se aos ‘eleusianos’ [mistérios] como sendo uma das mais antigas competições da Grécia, que aconteciam a cada cinco anos. Seu propósito era expressar a gratidão à deusa que ensinou ao povo o cultivo do trigo. Mais tarde, esse culto simples transformou-se em rituais importantes, os Mistérios Eleusianos. Uma das formas mais primitivas era o festival de Tesmoforia, a respeito do qual Heródoto escreveu: “Nos rituais secretos que os gregos chamam “Tesmoforia”, tenho de manter um silêncio ritualístico, exceto, claro, nos pontos em que é permitido falar”. Antes de falarmos nos mistérios da semente, devemos comentar o mito de Deméter e Kore, em torno do qual ele se desenvolveu.
Perséfone, ou Kore, estava se divertindo com seus amigos nos “Campos de Níssia”, um campo fértil, colhendo flores. De repente, ela viu um lindo narciso, cujo aroma flutuava na terra, no céu e ia até as profundezas do oceano. Kore estendeu a mão para colher a maravilhosa flor. Neste instante, a terra se abriu a Hades, o senhor dos reinos inferiores, apareceu em sua carruagem dourada. Hades raptou Kore e a levou com ele para seus domínios. Ninguém conseguia ouvir seus gritos, exceto Hecate e sua própria mãe. Deméter saiu à procura da filha perdida. Ocultando a sua verdadeira identidade sob o disfarce de uma mulher velha e fraca, a deusa caminhou por nove dias, sem comida e sem cuidados. Por fim, chegou em Eleusis e o palácio de Keleus. Ali encontrou refúgio, trabalhando como babá para o filho de Keles e Metaneira, o pequeno Demofon. Ali planejou também sua vingança, e impediu o crescimento de toda e qualquer planta na face da terra, até uma grande fome se instalar em todo o povo. Ela descobriu, com a ajuda do onisciente Hélios [Sol], que tinha sido Hades, com a aprovação de Zeus, o raptor de sua filha, e tinha esperança de que com aquele artifício conseguiria sua filha de volta. Quando sentiu que a hora tinha chegado, assumiu novamente sua identidade divina e o ‘palácio resplandeceu, enquanto um aroma encheu seus salões’. A deusa disse a Zeus que nenhuma flor ou fruto cresceria de novo até sua filha lhe ser devolvida. Zeus, então enviou Hermes ao Hades para negociar o retorno de Kore à superfície da terra. Hermes conseguiu convencer Hades a deixar que Perséfone voltasse à superfície por um período de tempo determinado, de modo que ela pudesse estar com sua mãe à luz do dia. Ele a confiou a Hermes, como também sua carruagem dourada, depois de fazê-la comer bagos de romã, a fim de que ela não o rejeitasse e que sua volta estivesse garantida. Enquanto isto, Deméter fundou um templo em Eleusis e ensinou ao Rei e seu circulo interno seus rituais místicos, os Mistérios Eleusianos, que garantiriam a fertilidade da terra e um destino invejável para os iniciados, após a morte.
A alegoria do grão de trigo, que é coberto pela terra e morre a fim de renascer mais rico, como haste de trigo, foi facilmente transformada em símbolo de vida e morte para a humanidade, enriquecido por ensinamentos místicos relativos à jornada da alma após a morte. Assim, os mistérios eleusianos deixaram de ser uma simples celebração agrária e se tornaram um confortador apocalipse. Em seu hino a Deméter, Homer chama os iniciados de abençoados, enquanto Pindar diz, “Feliz aquele que testemunhou os que estão embaixo da terra”. Um fragmento de Sófocles é ainda mais descritivo: “Três vezes felizes são aqueles que testemunharam esses rituais antes de chegarem a Hades. Só para eles é que existe vida lá, para todos os outros tudo é escuridão”. Quanto ao que realmente acontecia durante os mistérios ou o que os iniciados ‘viam’ e como participavam nos procedimentos, podemos apenas imaginar. Os iniciados eram obrigados a um silenciamento que encobria diligentement os rituais e os ensinamentos dos mistérios. A única coisa que sabemos e que o grão de milho tinha importante papel nos mistérios como símbolo. O autor cristão Hipólitus, na informação que nos dá sobre os mistérios, faz referência ao “silencioso milho colhido”. Isso nos leva a presumir que o milho era símbolo dos rituais silenciosos ou talvez que devesse ser colhido em silêncio. De acordo com um antigo conceito, o ceifamento das plantas feito em silencio contém uma significação mística, e isto porque para que um ato mágico produza resultados é preciso que seja executado em silêncio.
A purificação ritual começava nos “Mistérios Menores”, que também sabemos que aconteciam “na cidade” ou “nos campos”. Eram realizados em finais de Março, o mês da Anthestria, em templos situados às margens do rios lissos. Eram seguidos pelos “Grandes Mistérios”, durante o mês de Outubro ou mês de Boedormion. Sabemos que a iniciação era fortemente impressiva e que para isto contribuíam o lugar, o local do ritual a hora [realizavam-se à noite]. À medida que o mito do rapto e do retorno de Kore era recriado no escuro, a impressão que o ritual causava nos iniciados era inesquecível e deixava uma marca indelével para o resto d suas vidas. A hospedagem da inconsolável mãe, Deméter, os objetos sagrados brilhando nas criptas, os “mistérios não-revelados” que eram realizados sob luz de archotes pelos hierofantes [sacerdotes iniciadores]e os sons emitidos na invocação à Kore, tudo contribuía para a profunda compreensão do mistério da morte e do milagre da ressurreição.
Há diversos aspectos na interpretação do mito de Deméter e de Kore. Num nível físico, ele expressa e analisa o processo da vegetação e frutificação de acordo com as estações. Perséfone oferece à humanidade os frutos da terra, especialmente o valioso trigo. O núcleo do trigo [Kore ou filha em grego], sua semente, torna-se trigo apenas depois de ser levado para o interior da terra.
Em termos psicológicos, a área subterrânea simboliza o subconsciente [da terminilogia rosacruz] e Hades é sua lei reinante. A descida às profundezas do eu e a busca da verdade que se oculta dentro de nós – o Conhece-te a ti mesmo” – é uma grandiosa conquista. Esse processo nos prepara para o terceiro nível da interpretação do mito, o grande drama do universo, a representação simbólica do destino da divindade e da alma humana que é levada na roda das reencarnações, vida e morte.
A passagem da vida para o reino escuro pode ocorrer inesperadamente, até mesmo no auge da juventude. Kore, ou a alma, delicia-se na luz – ela se diverte, ri e tudo vê como uma eterna brincadeira, que sempre foi e será. Subitamente, a terra se abre e a escuridão aparece e a arrebata. Esse momento não acontece de uma forma ameaçadora; possui a beleza de uma flor, sua fragrância; é atraente. A alma se debruça, move-se involuntariamente na sua direção. O veículo da escuridão é dourado, um ouro processado nas profundezas do abismo por Hefesto, deus do fogo interno. Kore deve abaixar-se até esse fogo interno e provar o fruto de Hades, as sementes de romã, o sangue de lacus.
A semente da romã é um antigo símbolo que data dos mistérios Cabíricos, e de acordo com Pausânias é a “palavra mais proibida”, o próprio lacus. É o ser divino que continuamente se transforma, criando o mundo. É a semente do efêmero com suas milhares de faces e imagens, pelas quais Kore deve passar a fim de retornar ao colo da Mãe Deméter, representando aqui o divino poder de onde a alma se origina.
No entanto, podemos tentar reconstruir a seqüência em que os rituais dos mistérios se desenrolavam. Conforme mencionamos acima, existem descrições exatas, pelo menos no que concerne à parte interna dos mesmos. As referencias de autores antigos e tradições preservadas podem nos auxiliar a construir uma imagem razoavelmente clara.
Os Mistérios Menores, na primavera, eram um período de purificação. Os banhos e os jejuns simbolizavam a purificação moral dos futuros mistes, os que acreditavam que iriam ser iniciados. Em seguida aos banhos, os candidatos à iniciação eram colocados sobre animais especialmente sacrificados para o ritual. Esse ato provavelmente simbolizava o sacrifício e a submissão da natureza animal de cada um. Os ensinamentos eram passados através de encenações alegóricas do drama de Dioniso. O significado apócrifo dos rituais era dado aos iniciantes pelos hierofantes e mistagogos [séqüito de mistai], após o juramento de silêncio. Neste estágio, os futuros iniciados recebiam o título de Miste [iniciado], e eram considerados preparados para participar nos Grandes Mistérios.
As perguntas dirigidas a cada um – se ele havia partilhado o pão e se era puro – bem como as respostas a essas perguntas eram ensinadas pelos hierofantes e provavelmente constituíam a palavrade-de-passe para os Grandes Mistérios. Os Grandes Mistérios começavam no décimo quinto dia do mês de Boedromion, isto é, entre final de agosto para setembro. Sua duração era de nove dias, o mesmo número de dias da peregrinação de Deméter. Esses mistérios incluíam igualmente rituais públicos e secretos. Poucos dias antes de seu início, os espondorofoi, ou portadores-das-libações, proclamavam uma paz sagrada de dois meses e dez dias. Todas as hostilidades cessavam, e todos os julgamentos e execuções de decisões judiciais eram adiados.
O primeiro dia dos mistérios era devotado à transmissão da ‘hiera’ [objetos sagrados]m objetos simbólicos do culto de Deméter, e da estátua de Iacus. A hiera era transportada numa carruagem puxada por touros e acompanhada pelas sacerdotisas dos deuses. Os objetos eram levados em caixas de madeira, envolvidas por faixas vermelhas de tecido de lã. Ninguém, a não ser os hierofantes, sabia que aparência tinham esses objetos. Eles eram mostrados aos mistai por alguns rápidos segundos ao final da grande iniciação, no local ritualístico chamado telesterion. Em Atenas, recebiam grandes honras e eram colocados no “Eleusiano”, o templo abaixo da Acrópole, fundando especialmente para essa finalidade.
O próximo dia, chamado ‘agyrmos’[coleção], era dedicado à anunciação da celebração. Esta podia ser assistida por qualquer um que assim o desejasse, exceto aqueles com ‘mãos impuras’, significando assassinos e ladrões de templos. Também impedidos de participar nos mistérios eram aqueles de “voz ininteligível”: os que não podiam falar com clareza, não pronunciavam as palavras corretamente e, com tonalidade aceitável, as frases necessárias; e ainda todos os que não falavam grego.
O terceiro dia chamava-se ‘alademistai’ [de alade, para o mar], onde se exortava os futuros iniciados a irem em direção ao mar para a grande iniciação. No mar, cada um se banhava, junto com um pequeno leitão que trazia consigo. O leitãozinho era posteriormente sacrificado a Deméter, e seu sangue , conforme a crença, levava embora toda maldade e anormalidade do corpo do iniciado, agindo como um dramático fator purificador. Isso era seguido de jejum e ritos funerários por mais um dia em memória às lágrimas de Deméter.
Seguiam-s sacrifícios e rituais em honra de Dioniso, a quem dedicavam os primeiros frutos da estação. De acordo com Boucheclerque, Dionísio é o elo entre os deuses ctônicos [subterrâneos], possuidores dos segredos naturais, e Apolo, arauto das decisões divinas. Dioniso está presente em ambos os lados, e é responsável por transmitir ao culto de Apolo a energia dos poderes apócrifos, através dos quais as deidades ctônicas afetam o corpo humano. Como símbolo dos poderes ctônicos, e como filho e herdeiro da terra, Dioniso conhecia as fontes secretas da vida e da morte reinava soberano nas inspirações e nos sonhos.
As tradições demonstram que o culto de Dioniso estava intimamente relacionado ao d Deméter e Kore. Em um trabalho de Eurípedes há uma invocação a ele: “A Ti, criador soberano da ordem, ofereço este sacrifício e esta libação, a Ti, Zeus ou Hades, conforme preferires ser chamado. Aceita este sacrifício que é feito sem a presença do fogo, estes frutos que enchem nossos silos. Tu, entre os deuses, portas o cetro de Zeus e, no mundo inferior, compartilhas o trono com Zeus. Ilumina a alma dos homens que anseiam por aprender sobre os desafios de sua vida efêmera, revela-lhes agora de onde vêm eles, qual a raiz do mal e a que deus devem agradar com sacrifícios a fim de se livrarem de seus sofrimentos.”
Na tarde do dia seguinte, as relíquias sagradas, transportadas para Atenas, voltavam a Elêusis numa procissão, acompanhada pelo mistai. Quando a noite caía, prosseguiam a passos mais lentos. Ao longo do caminho havia altares onde paravam para oferecer sacrifícios e libações. O povo comum costumava participar, e tocava-se música. Os futuros iniciados, usando grinalda de mirtos, cantavam hinos a Iacus [“Iacus! Ó Iacus”]. Assim chegavam a Elêusis depois da meia-noite, e as relíquias e a estátua eram escondidas nas criptas.
Aqueles que foram aceitos para os rituais dos Mistérios Menores adentravam o pátio do templo. Na perna esquerda e no braço esquerdo usavam faixas cor de açafrão. Os arautos gritavam: “Fora, fora os profanos!” e empurravam para fora os curiosos e os não-iniciados. Os mistai descansavam e eram preparados através da meditação e de histórias sobre Deméter e suas peregrinações.
Os dois dais que se seguiam eram dedicados a rituais místicos e aos ritos principais. O último dia, chamado ‘plemochoai’, era dedicado a ganhar as boas graças dos demônios ctônicos dos mortos. Durante este dia, dois potes de cerâmica, provavelmente cheios de água pura, eram colocados a leste e oeste, respectivamente. Os arautos os erguiam bem alto e, depois de dizerem certas palavras místicas, ao mesmo tempo em que entornavam a água, assinalavam o fim das celebrações.
Entretanto, o que acontecia no local da iniciação durante os dois dais da iniciação principal? O que acontecia no ‘Katabasion’ [aquele para onde se desce], a caverna cavada na rocha, que figurava tão significativamente nos rituais? Das escassas informações disponíveis, alguns estudiosos, especialmente do misticismo, buscaram reconstruir os rituais secretos.
Aos iniciandos eram dados os símbolos da iniciação: o tirso [bastão enrolado com hera e folhas de parreira, com um cone de pinho no topo] e a kistis [pequena arca feita de ramos trançados de hera ou faia]. Esta era bem fechada e continha algo, provavelmente doces em formato simbólico, feitos de trigo, cevada e outros ingredientes. O tirso, cetro de Dioniso, simbolizava a árvore da vida me o sistema nervoso humano, onde estão os centros psíquicos prestes a serem abertos.
Entravam então na cripta, ou Katabasion, que estava mergulhada em escuridão. O hierofante dizia: “Vede, estais agora no portal subterrâneo de Perséfone. Para compreenderdes vossa presente condição e a vida futura, deveis passar pelo reino da morte. Este é o teste do iniciado – deve ele aprender a não temer a escuridão, a fim de ver a verdadeira luz”.
De todos os lados, ouviam-se estalos, gritos e gemidos. Apavorantes visões surgiam acompanhadas de luzes relampejantes. O drama do universo – nascimento, morte, descida ao Hades – descontinava-se tão subitameente ante os olhos dos iniciandos que estes ficavam incapazes de entender onde estavam exatamente e o que realmente estavam vendo. Apenas as impressões e imagens mais fortes permaneciam em suas mentes, enquanto mãos os agarravam e os conduziam para uma escuridão ainda mais profunda e uma voz dizia: ”Contemplai, ó vós que estais no abismo de Hecate, contemplai as paixões que vós próprios criastes e são agora coisas vivas. A fera que nutriste vos escolheu para sua vitima. Homens ambiciosos e cruéis, corruptos e hipócritas, defendai-vos de vosso próprio filho!” Sons horripilantes, como que de uma centena de ventos, faziam-se ouvir em torno dos terrificados iniciandos. Como disse Plutarco:”...e assim era, ante seu próprio fim, tudo o que é apavorante, horrores e terrores e suores e espanto.”
E quando toda esperança começava a desaparecer, subitamente uma luz brilhava à distância – uma porta ou passagem. A voz do hierofante era ouvida chamando por eles: “Contemplai o portal da salvação.” Então, ele perguntava a cada um, individualmente, se havia “partilhado o pão”. Esta era a palavra-de-passe, a senha. A resposta significava que a pessoa havia sido corretamente iniciada nos Mistérios Menores. O iniciante respondia:”Eu jejuei, bebi do kikeon, comi da kistis, depositada no Kalatos e do Kalatos na Kistis. Pois as visões contempladas eram boas e apropriadas aos deuses.” A bebida chamada kikeon era considerada sagrada porque tinha sido criada pela própria Deméter, com água, trigo e hortelã.
Depois de todos sussurrarem essas palavras as tochas eram acesas e uma voz grave os chamava, dizendo: “Vinde, iniciandos!” Este era o momento mais sagrado da iniciação. Os hirofantes abriam a cripta ou aditon, o “sanctum dos sanctuns”, e todos os presentes contemplavam os símbolos sagrados e uma estátua, que era provavelmente de Deméter ou de Kore. Ninguém jamais revelou o que realmente era visto neste local, ninguém jamais descreveu esse momento singular. Talvez se tratasse de uma alegoria da tríade Deméter, Hades e Kore. Plutarco comentou: “Disso decorria uma luz maravilhosa a um lugar purificado, e vozes e danças e solenes sons sagrados e espíritos santificados.”E enquanto as luzes eram acesas uma voz profunda era novamente ouvida, dizendo: “ A morte é a ressurreição”.
Depois dessas experiências vinha a hora do ensinamento. O portador do archote guiava os iniciados até o templo amplamente iluminado, onde o Alto Sacerdote os esperava. Deixemos Porfírio descrever a cena com suas próprias palavras: “Coroados com folhas de mirto, entramos no templo, onde simbolicamente somos espargidos com água purificada. Depois de sermos conduzidos ao hirofante, ele lê para nós em um livro de pedra coisas que não devemos comunicar a ninguém, sob pena de morte. Podemos falar tão-somente de poucas coisa, das quais qualquer um haveria de rir se as ouvisse fora do templo. Aqui, no entanto, não se sente tal inclinação ao se ouvir as palavras dos antigos e observar os símbolos desvelados. Mais ainda, ninguém jamais riria quando a própria Deméter reafirma, com sua própria voz e sinais, tudo o que foi visto e ouvido por seu venerável sacerdote. Quando, enfim, a luz de um sereno milagre enche o templo, e vemos os purificados Campos Elísios e ouvimos o coro dos abençoadas, então o hierofante, não apenas superficialmente e com interpretações filosóficas, mas real e verdadeiramente, torna-se o criador e revelador de todas as coisas. Hélios [o sol] é seu portador do archote, a lua sua servidora no altar, e Hermes seu mensageiro secreto. Então, as últimas palavras são pronunciadas: “Kogx om pax”. O ritual está encerrado e somos agora ‘epoptai’[iniciados] para sempre.”
Não sabemos se essa terceira parte da iniciação seguia-se imediatamente à segunda ou era independente, algo como que um terceiro nível, a chamada epopteia. A descrição de Porfírio é bastante expressiva, mas a frase ‘Kogx om pax’ já levou a muitas discussões sobre sua interpretação. Por esta razão, devemos deixá-la à parte e concluirmos com as palavras de Aristeides, que parece ter passado pelo último nível de iniciação: “Pensei,” disse ele, “que estava tocando Deus, senti Sua aproximação, meu espírito elevou-se sutilmente de seus pesos. Nenhum mortal pode descrever e compreender esse sentimento se não for um iniciado [mistes]. Essa nova vida não segue as mesmas leis da vida menor. Nascimento e morte não mais a afetam. É possível a alguém falar constantemente sobre o Eterno, mas aquele que fala sem ter primeiro descido ao Hades nada sabe.”
Felizes, pois, o que conhecem os mistérios dos deuses e vivem sua vida de acordo com eles.
OS MISTÉRIOS CABÍRICOS
Caro leitor, venha conosco até um lugar um tempo sagrados, perdidos na névoa do passado. Vamos para a Grécia, berço da ciência, da filosofia e das artes, a fim de alcançarmos o útero que deu nascimento aos Mistérios.
No nordeste da Grécia, atravessando as praias da Trácia helênica e bem perto da “Cidade de Alexandre”, Alexandrópolis, ergue-se a ilha de Samotrácia, a ilha dos “Grandes Deuses”.
Na antiguidade, a Samotrácia era famosa por ser o local dos Mistérios Cabíricos, que eram considerados os mais antigos e mais importantes do mundo ancestral, maiores até que os de Elêusis.
A palavra cabírico, cabireu, aproxima-se muito da palavra semítica kabir, que significa grande, e da árabe kebir, que tem o mesmo significado. Assemelha-se também ao sânscrito cawiras, que significa forte, poderoso.
Parece haver um elo muito forte entre os Mistérios Cabíricos e a visão religiosa das raças arianas, especialmente as de origem trácia e palasga. O povo trá-cio-pelasgo levou para a Samotrácia as primeiras sementes do culto ariano original, o da adoração ao fogo, para o qual o fogo era um elemento vital e a causa da existência do universo.
Os persas, ramo principal dos arianos, mantiveram esta antiga religião por milhares de anos. Na Índia, encontramo-la na palavra pramantha, que significa aquele que consegue fogo por meio de fricção. Esta definição é também uma chave para se relacionar a palavra pramantha com Prometeus.
De acordo com o mito, Zeus, o deus ariano Dyaus [Deus], ou relâmpago, tirou o fogo da humanidade. Mas Prometeus roubou o fogo de Hefesto, o criador, e pai do Cabireu [Kabeiroi].Então, usou o fogo para ensinar à humanidade a arquitetura, a astronomia, a escrita, os números, a medicina, os processos divinatórios, o artesanato, o forjamento de metais. O resultado desses ensinamentos deu à humanidade poder para controlar a até incontrolável natureza. O homem usou o fogo para forjar sua cultura e criar as condições de sua vida, tal como o universo fora criado pelo fogo.
O nome do Cabireu, portanto, é de origem grega e é um derivado da palavra kaio, queimar. Assim, cabireus eram demônios e deuses flamejantes que arremessaram das profundezas do mar, onde nasceram, a chama de seu pai Hefesto.
Alguns fatos históricos mostram que ou os Mistérios Cabíricos foram trazidos da Trácia pelos pelasgos ou foram estabelecidos pelos nativos da Samotrácia. Entretanto, o único fato seguro e provado é que os Mistérios Cabíricos eram realizados na Samotrácia e que, mais tarde, foram levados para Atenas e Beócia, sendo portanto Mistérios Gregos de origem trácia.
Os nomes secretos dos deuses adorados nos Mistérios Cabíricos eram Axi’eros [Deméter], Axio’kersa [Perséfone], Axio’kersos [Plutão] e Ka’dmilos [Hermes]. Todos estes eram deuses ctônicos, vivendo embaixo da terra. Deméter era a Mãe Terra que recebia os mortos. Plutão e Perséfone simbolizavam Hades, para onde iam os mortos. E Hermes, o condutor das almas, guiava-as até o Hades.
Uma característica que distingue os Mistérios Cabíricos dos demais Mistérios da antiguidade é que eles eram abertos a pessoas de todas as nacionalidades, idades, posições sociais e de ambos os sexos. Vale a pena mencionar isto porque naquele tempo as mulheres eram consideradas como seres inferiores, enquanto os escravos eram tido como pouco diferentes dos animais. Portanto, essa igualdade de sexos e classes sociais revela a amplitude mental e a universalidade das idéias pregadas pelos Mistérios Cabíricos.
As celebrações aconteciam uma vez por ano, provavelmente à noite, em uma data não fixa, mas geralmente entre maio e setembro, e com duração de nove noites. Inicialmente os celebrantes extinguiam todos os fogos que estivessem acesos na ilha. Depois, enviavam um barco sagrado à ilha de Delos para trazer novo fogo do altar sagrado que lá havia. Se o barco voltasse em menos de nove dias, eles o obrigavam a derivar nas proximidades de Samotrácia até que o período de nove dias se completasse.
Antes da iniciação, requeria-se que cada pessoa se confessasse, ou que purificasse a alma através da confissão. Um confessor especial era apontado, denominado Koes. Era seu dever avalias as qualidades morais dos futuros neófitos e decidir se o candidato devia ser aceito ou rejeitado. O koes era responsável também pela purificação ou expurgação dos assassinos que se arrependiam dos seus atos.
Durante o ritual, o iniciando sentava-se num trono, fato que deu nome à iniciação – entronização. Colocava-se uma grinalda de folhas de oliveira sobre sua cabeça e enrolava-se uma faixa vermelha em sua cintura. A seguir, os oficiantes dançavam ao seu redor. A faixa era para proteger o neófito de qualquer perigo, pois, de acordo com a tradição, Odisseus [Ulisses] foi o primeiro a usá-la para se proteger. Diz-se também que quando Agamenon apareceu ante uma turba de revoltosos usando essa faixa, conseguiu acalmá-los.
Conforme as informações que temos sobre os Mistérios, um grande número de oficiantes religiosos estava envolvido. Incluía também um grupo de sacerdotes responsáveis pela iniciação, que eram denominados anaktolestai – celebrantes do rei. Os Mistérios incluíam ainda um oráculo dos deuses cabíricos.
Além do aspecto religioso e funcional, o culto cabírico possuía também uma base filosófica e um aspecto de aperfeiçoamento social. O principal propósito e meta dos Mistérios, além do ensinamento da origem da humanidade, era incrementar a fibra moral do homem. De acordo com Diodorus Siculus, os neófitos tornavam-se ‘mais piedosos, justos, e melhores em todos os aspectos’, pois assumiam responsabilidades sociais e morais especificas.
Há diversas personalidades famosas da antiguidade que foram iniciadas nos Mistérios Cabíricos, como Heródoto, Lisandro, Filipe e Olímpias, e vários oficiais romanos em épocas posteriores. O culto cabírico influenciou também grande parte da filosofia pitagórica.
Mas retornemos ao presente, caro leitor. Na Samotrácia de hoje podemos contemplar o local arqueológico do Templo dos Grandes Deuses. Escavações revelaram todo o santuário do Cabireu, que inclui as ruínas do templo – edificações erguidas por Arsino, Ptolomeu e pela dinastia macedônica – o teatro dos altares, enquanto no museu adjunto podemos admirar a replicar da Vitória Alada da Samotrácia, Nike – o original encontra-se no Louvre, em Paris – e numerosas moedas, cerâmicas e jóias.
A FILOSOFIA DA GRÉCIA ANTIGA
A filosofia grega antiga constitui o primeiro registro escrito do pensamento do ser humano desde seu surgimento na Terra. Os antigos filósofos gregos foram as primeiras pessoas a registrar metodicamente suas idéias, que se baseavam em seus próprios estudos dos fenômenos observados e experimentados desde o começo da humanidade. O efeito da filosofia foi tão tremendo sobre os antigos gregos que impediu que sua religião se tornasse excessivamente dogmática, um fenômeno raro para pessoas que viviam há 2.500 anos.
Essa filosofia, baseada no estudo da Verdade una e única pelo processo de eliminação, foi desenvolvida na Grécia antiga por eminentes pensadores, muitos dos quais estudaram nas escolas de misticismo do antigo Egito. Os escritos resultantes, feitos há cerca de 2.500 anos, formam hoje, como naquele tempo, as bases da moderna pesquisa cientifica, em sua busca para interpretar fenômenos específicos e formular leis que possam definir a relação entre os eventos cósmicos [macrocosmo e microcosmos].
Diversos estudiosos concordam que a antiga filosofia grega nasceu no século VI a.C com o aparecimento de Tales de Mileto. Sua filosofia tinha evidentes nuances místicas e seus ensinamentos podem ser assim resumidos: “Conhece-te a ti mesmo, a fim de conheceres o universo e os deuses.”
Tales foi o primeiro filosofo grego a abrir caminho rumo ao estudo dos fenômenos da terra e do céu, e demonstrava forte interesse pela física, geometria e astronomia. Usando o conhecimento combinado de todas essas disciplinas, ele estudou o movimento das estrelas, os eclipses solares, as fases lunares e os fenômenos associados às marés.
Sem qualquer outro recurso além de sua própria meditação profunda, Tales legou às gerações posteriores pensamentos que podem ser resumidos na máxima: ”A coisa de maior extensão no mundo é o universo, a mais rápida é o pensamento, a mais sábia é o tempo e a mais cara é realizar a vontade de Deus”.
Outros filósofos gregos importantes surgiram depois de Tales, como Pitágoras, Heráclito, Demócrito, Empédocles, Sócrates, Platão, Aristóteles, e muitos outros que legaram à humanidade seus pensamentos escritos, os quais muito auxiliaram a elevar a raça humana às altas esferas do pensamento e do intelecto.
PITÁGORAS
Nasceu na Ilha de Samos, aproximadamente em 582 a.C. No inicio da juventude, estudou filosofia sob os cuidados de um discípulo de Tales, o filósofo Ferecídio. Ainda bem jovem, foi para o Egito, onde ele e vários outros filósofos foram iniciados nos antigos Mistérios egípcios. Viajou também para a Babilônia e Caldéia, onde deu as últimas pinceladas em seus estudos sobre o mistério do universo. Partiu então para Creta a fim de receber os ensinamentos do filósofo Epimênides, e finalmente retornou a Samos. Entretanto, as condições políticas de sua ilha o impediram de ensinar livremente sobre suas experiências. Ele condenou publicamente a tirania em Samos e foi subseqüentemente exilado em Crotona, no sul da Itália, onde naquela época a presença e a linguagem grega eram muito fortes.
Foi lá que ele fundou sua própria escola de filosofia, sobre cujo portal lia-se: ”Deus extraiu a Terra do nada, assim como extraiu o Um do nada para criar a multiplicidade”. Isto expressava de forma sumária a visão de Pitágoras sobre a criação do universo, a qual é compartilhada hoje pelos místicos.
Na escola de Pitágoras a filosofia era ensinada em várias etapas. A instrução começava pelo silencio absoluto e atendimento a palestras, e terminava em estágios mais avançados, com discussões em grupo sobre matemática, física e astronomia. A geometria tinha uma posição-chave em seus ensinamentos, pois ele acreditava que “Deus está perpetuamente medindo a terra” [de geo, gaia = terra, e metro = medir]. Ele combinava matemática com musica, e considerava a harmonia matemática como a pedra fundamental de toda a criação, existência e operação do universo.
Freqüentemente expressava sua discordância das idéias dos filósofos gregos anteriores, com o intuito de desviar o interesse pela natureza da matéria que deu origem ao universo, para as relações entre os fatores de influencia do nascimento do universo e a inteligência por trás dele. Pitágoras acreditava na reencarnação, porque achava que ela conduzia a humanidade para esferas mais elevadas da espiritualidade e um desenvolvimento superior contínuo. Ele acreditava que a psique humana é perfeita, conforme seu próprio livre-arbítrio e suas ações.
Após sua morte [cerca de 500 a.C] Pitágoras assumiu proporções lendárias aos olhos das gerações que se seguiram. Foi considerado um semideus, enquanto matemáticos dessas gerações posteriores foram tidos como reencarnações de Pitágoras. Suas escolas de misticismo continuaram operando em cidades ao sul da Itália e na Sicília, e suas visões filosóficas foram expostas por muitos séculos pelos filósofos neo-pitagóricos.
SÓCRATES – PLATÃO
Sócrates nasceu em 496 a.C, em Atenas. Era um autodidata e passou toda sua vida ensinando ética e leis. Nunca saiu da província da Ática nem escreveu suas idéias, mas sua filosofia foi passada adiante em sua totalidade através dos diálogos de seu discípulo, Platão.
Sócrates é freqüentemente denominado “Filósofo prático”, porque trouxe os ensinamentos filosóficos aos níveis da vida cotidiana. Sua morte, obedecendo à injusta condenação à morte por cicuta, decretada pelo estado, coroou sua eterna lealdade à éticas e às leis. Seus últimos momentos e as instruções finais aos seus discípulos foram registrados por Platão em sua inspiradora obra “Faedo”.
Embora Sócrates pudesse ter deixado Atenas e escapado à decisão da corte, preferiu permanecer fiel aos seus ensinamentos de ética e respeito às leis do estado.
Seu mais importante discípulo foi Platão, nascido em 429ª.C. Platão, nascido na classe aristocrática, estudou entre outras coisas matemática, musica e escultura, e tornou-se discípulo de Sócrates aos 19 anos de idade. Viajou ao Egito, sul da Itália e Sicília, importantes centros de misticismo e filosofia. Após a morte de seu mestre 3m 339 a.C., Platão foi viver em Megara, perto de Atenas, onde trabalhou junto a Euclides, o grande matemático e filósofo. Em 387 a.C., retornou a Atenas, onde permaneceu até sua morte em 347 a.C. Foi ali que ele escreveu seus famosos diálogos e ensinou naquela que ficou amplamente conhecida como a Academia de Platão, local digno de ser visitado em Atenas nos dias de hoje. Ele escreveu profusamente, e além de sua obra “Faedo” produziu também o “Simposium” e “Politeia” [As Leis]. A filosofia platônica foi mantida viva até os primórdios do período pré-cristão pelos filósofos neo-platônicos [Plotino, 204.aC.].
A filosofia de Platão é basicamente esotérica e mística. Ele foi o primeiro filosofo grego a expressar claramente a idéia de que em todas as suas manifestações Deus e a natureza operam juntos rumo ao Bem, e que somente Deus é Bom e eterno. Por outro lado, o mal é apenas uma interpretação humana do trabalho da natureza que, em suas partes individuais, parece tudo menos produtivo.
Num ponto de sua obra “Faedo”, Platão menciona o seguinte:”Claro que, conforme penso, a psique opera espiritualmente quando nem a audição nem a visão nem a dor nem o prazer a incomodam, mas quando está tanto quanto possível entregue a si mesma, indiferente ao corpo e tanto quanto possível sem contato com ele. Então a psique pode aprender o que verdadeiramente existe [a verdade]. Portanto, também no estudo das idéias a psique do filosofo desconsidera o corpo, desassocia-se dele e fica só.”
Este excerto propõe um guia singular, na história da filosofia, mostrando como o filosofo pode alcançar a Verdade. Ele também apresenta direcionamentos explícitos sobre como o místico deve meditar de modo a alcançar a Verdade.
ARISTÓTELES
Nasceu em 384 a.C.,em Estageira, Trácia. Aos 17 anos de idade foi para Atenas, a fim de estudar na Academia de Platão. Seus interesses abrangiam uma larga gama de assuntos, que incluía lógica, teoria de sistemas, dialética, física, matemática, metafísica e retórica. Após a morte de seu mestre Platão, Aristóteles ensinou em muitas cidades gregas e tornou-se instrutor de Alexandre o Grande.
Em suas obras, Aristóteles procurou combinar todos os aspectos do ensinamento filosófico de seu tempo. Acredita-se que ele foi o primeiro a classificar o conhecimento humano, por causa do sistema que ele usou para organizar o conhecimento, em lógica, física, retórica, etc. Aristóteles morreu em 322 a.C.
CONCLUSÃO
Podemos encerrar esta breve estadia na filosofia grega antiga com uma pequena nota sobre a cultura grega antiga em geral.
Os antigos gregos cultivaram cada aspecto da cultura a um grau extraordinário: a Arte, em especial a escultura e seus imortais exemplares que se encontram em diversos museus do mundo [por Fídias, Praxíteles e outros]; a História [Tucídedes, Henófones, entre outros]; a Retórica [Demóstenes, Lísias]; a Poesia[Homero, Píndar]; e o Teatro [Ésquilo, Sófocles, Eurípedes].
Todas essas obras imortais existem ainda hoje para o uso da humanidade, sob a forma de uma linguagem com regras exatas da sintaxe e gramática, que é estudada em nossos tempos.
A TEORIA PITAGÓRICA DO MUNDO
Os predecessores de Pitágoras acreditavam que a Terra era o centro do universo e que o resto do céu - com suas estrelas fixas, planetas, o Sol e a Lua – girava em torno da Terra.
Pitágoras, entretanto, cuja visão se estendia para além dos limites da Terra, compreendeu o conceito geral subjacente à formação do universo. Este é o aspecto ímpar de sua teoria: ela não contradiz os fatos científicos e permaneceu imutável até hoje. É extraordinário que Pitágoras pudesse saber essas coisas tão bem, dada a falta dos recursos técnicos que só mais tarde estariam disponíveis para entendermos o universo. Só isto serve para nos convencer de que Pitágoras fez uso tanto da observação natural e conhecimento esotérico como de fontes que sabiam a verdade sobre o universo. Por esta razão, devemos dar mais atenção àqueles seus ensinamentos que se referem a temas relativos ao conhecimento do que está além dos nossos cinco sentidos.
O homem deve aprender quem ele é, qual sua função e propósito no universo, e qual o destino de sua alma após a morte.
As visões de Pitágoras sobre o universo foram confirmadas na era moderna, e dia virá em que todos nós seremos capazes de explicar essas questões, de uma vez por todas, ao longo das mesmas linhas de suas visões. Os ensinamentos detalhados de Pitágoras nos são hoje desconhecidos. Há, entretanto, alguns traços vagos e mesmo distorcidos de suas teorias entre os trabalhos remanescentes dos pitagóricos e filósofos posteriores. Tentaremos aqui reconstruir, tanto quanto possível, o sistema pitagórico de pensamento. Isto é o mais essencial nesta presente era de anarquia espiritual e decadência, pois os ensinamentos pitagóricos elevam o espírito humano e expandem seus valores. Não é por acaso que na época de Cícero ninguém em Roma era considerado verdadeiramente culto se não dominasse os ensinamentos de Pitágoras.
Estobeu colocou as seguintes palavras nos lábios do pitagórico Filolaus: “O universo é imperecível e eterno, pois nada existe para além dele, e é regido por uma causa muito poderosa; ele contém também o principio do movimento. Uma parte do universo é imutável e uma outra mutável. A parte imutável existe entre o céu e a Lua, enquanto a parte mutável está entre a Lua e a Terra. Por esta razão a parte externa do universo é sempre-movente, ao passo que a parte inferior à Lua está sempre mudando, sujeita ao nascimento e à degeneração”. Igualmente, em Timeus [‘Sobre a alma, o universo e a natureza’, e nos diálogos de Platão, do mesmo título] vemos que o universo permanece “imperecível, indestrutível e abençoado, e que, em suma, é o mais belo de todos os nascidos, porque foi criado pela mais poderosa causa, de acordo com a idéia e a substancia mental, isto é, a substancia da unidade, o Uno. Ele também é perfeito em relação aos sentidos... e a causa eterna da criação, que só podemos ver com nossa mente; e também todo o restante da criação, tudo o que se encontra dentro do universo, mesmo as coisas que estão nos céus, podemos reconhecer com nossos sentidos”.
Numa linha similar, Oquelos o Leucaniano, filósofo pitagórico do século VI a.C., acrescenta em suas obras remanescentes que o universo é redondo em forma e igual em todas as dimensões, e por esta razão os corpos celestes movem-se em círculos. O tempo é eterno, bem como o movimento do universo, pois nunca houve um começo e jamais haverá um fim. O mesmo ponto de vista foi promulgado por Heráclitos e Empédocles [pois o movimento não é imposto a partir de algum lugar além dele, mas é ele próprio um elemento da substancia que forma o universo. A harmonia existe na natureza porque tudo se manifesta de acordo com a razão ou necessidade].
De acordo com Pitágoras e seus seguidores, o núcleo da psique [ou alma] consiste da mesma substancia, dando-lhe movimento e vida próprios, que são, por seu turno, transmitidos ao corpo, dentro do qual a psique encarna. Em outras palavras, a alma desempenha um papel tanto num nível puramente emocional como num nível físico. Esta é uma idéia também sustentada por Platão, em “Fedo”, como prova da imortalidade da alma. De acordo com ele, a alma tem movimento próprio e é auto-motivada, portanto imortal. Cícero também apóia esta visão com relação à imortalidade da alma [em sua obra “Somnium Scipionis”].
Conforme Pitágoras, o universo foi criado por duas substancias – a unidade [ou Uno] e o duplo indefinido. A unidade é aquilo que vemos hoje como o estrato mais elevado do céu, enquanto a dupla substancia dividia-se em psíquica e átomos materiais, e foi chamada por Timeu e pelos neoplatônicos de ‘substancia divisível’. É dessas duas substancias principais que o universo e as almas consistem. Pitágoras e seus seguidores acreditavam que a unidade fosse uma substancia contínua, sem peso e elástica, como pensam os físicos de hoje, mas sim que ela contém os protótipos de todas as imagens que a natureza tem manifestado ao longo dos tempos, e de tudo que será manifesto no futuro eterno. A mesma visão sobre os princípios formadores do universo foi compartilhada pelos seguidores de Orfeu. Eles chamavam a unidade de ‘Fanis’ [aquilo que é aparente, que veio à luz] e o duplo de ‘Nix’ [noite]. Platão e outros filósofos também compartilhavam dessa mesma visão. Uma vez que a alma contém ambas as substancias da criação, ela é capaz de entrar em contato com o universo externo, receber imagens que ela transforma em idéias e visões gerais, pensar e compreender.
Essas idéias parecem infundadas para os não-iniciados modernos, mas creio que em breve elas também serão provadas cientificamente, do mesmo modo que outras idéias de Pitágoras também o foram. Pitágoras acreditava que a Terra era redonda e que girava ao redor de seu eixo, e que os corpos celestes eram em número de dez. Hoje sabemos, com a descoberta de Urano, Netuno e Plutão, que os planetas [astros errantes], são de fato dez, incluindo o Sol e a Terra. Como foi possível que os homens daquele tempo pudessem saber de coisas só recentemente descobertas? Nossos pensamentos têm de procurar em outros planos as respostas a respeito das fontes de Pitágoras.
Pitágoras disse também que a Lua tinha qualidades especulares, no sentido de que ela não possuía luz própria mas, sim, que refletia a luz do Sol.
A COSMOGONIA SEGUNDO PLATÃO E ARISTÓTELES
A Teoria Cosmogônica de Platão, o nascimento do Universo, é parte integrante de sua filosofia.
Platão acreditava que as idéias são os únicos seres reais e verdadeiros. Ele as considerava como substancias mentais, auto-existentes e indivisíveis, que se encontram num plano mental muito acima do céu e abrangem o mundo dos conceitos, um mundo que serve como arquétipo para nosso mundo sensórias. Platão denominava essas idéias ‘padrões eternos em conformidade com o sempre fluente e mutável percebido pelos sentidos [os objetos]’. [Faedra 78a, Teiatetos 100b]. As idéias têm sua própria vida, percepção e inteligência. Cada idéia é um protótipo ‘único’, ‘unitário’, correspondendo às diversas coisas percebidas. Em outras palavras, uma única idéia pode ser o modelo para muitas coisas percebidas, que são semelhantes em natureza e nome. A relação qualitativa entre as idéias pode ser que todas juntas formam uma pirâmide, em cujo topo Platão colocava a idéia de ‘aghathon’ [pobremente traduzida como ‘bem, virtude’]. O conceito de ‘agathon’ é o de fonte e causa substancial real das coisas. Ela se torna a fonte e a causa da vida e do crescimento em todas as coisas percebidas e as torna visíveis, distintas e familiares. O mais elevado conceito de ‘agathon’ é o da divina substancia e divina mente suprema.
Além desses entes primordiais Verdadeiramente Existentes [ontos, onta], as idéias, Platão via também uma segunda classe de entes – as coisas visíveis ou perceptíveis, que se tornam, são alteradas e deterioradas. Esses entes sã imitações, reflexos e imagens do Verdadeiramente Existente. A substância que gera essa segunda classe de entes está no ‘on’ [aquilo que existe, o Sr]. Parece que a despeito dos grandes debates acerca do significado do não-ser [o oposto do ‘on’], tanto no mundo antigo quanto no atual, aquilo a que Platão provavelmente se referia era à matéria e substancia informes dos fenômenos no mundo dos sentidos, que existiam num estado de caos antes que as idéias lhes dessem forma.
Baseado nesses dois níveis da existência e sua natureza, o universo foi criado pela vontade e energia do elevado, eterno e sábio Ser – o conceito de ‘agathon’. Esse Ser infundiu a matéria informe com um poder vivificante e inteligente, a psique [alma], que a conduz a um propósito e a uma imagem visível única do eterno e invisível Deus. Para Platão, a onipermeante alma era uma combinação dos dois entes, material e espiritual. Ele a colocou no centro da esfera do Todo, afetando a periferia e regulando o movimento harmonioso do universo. A alma do universo infunde-se na matéria e lhe dá vitalidade e estrutura.
ARISTÓTELES E A ESCOLA PERIPATÉTICA
Aristóteles [384-322 a.C] aceitava dois princípios fundamentais na criação do mundo: matéria e forma. A matéria informe, incondicionada, vaga e a base física infinita de todos os detalhes dos entes, enquanto a forma é a substância incorpórea, imaginária e espiritual, a substância primeira do movimento, da formação e da estrutura dos entes e das ações de tudo o que existe e de tudo que está em formação.
Aristóteles fazia distinção entre a forma primeira, a que é a primeira matéria [física],a matéria comum, e a matéria suprema. A matéria comum era, segundo ele, responsável pela criação de todas as formas existentes. A matéria suprema dá a cada coisa uma presença compreensível aos sentidos, sem qualquer característica particular discernível, ao passo que enquanto essa matéria adquire uma forma especifica torna-se ‘essa coisa especifica’ ou uma substancia individual especifica. A essa substancia Aristóteles chamou de ‘prima substancia’. A substancia segunda é a desse tipo especifico, como ele a chamou, o predicado, a substancia imaterial imaginária das coisas que estão nas coisas apreendidas pelos sentidos e abrange as qualidades gerais, fundamentais e ‘permanentemente especificas’. Se essa segunda qualidade especificamente estivesse faltando, haveria tão somente uma presença informe. Sem ela seríamos incapazes de distinguir ou reconhecer as coisas. A forma não está separada da matéria, e uma não pode existir sem a outra. A matéria é uma substancia capaz de ser moldada e formada, enquanto a forma é o poder modelador e formativo inerente à matéria.
De acordo com Aristóteles, a matéria por sua natureza conduz à forma e à perfeição, enquanto sua ausência e privação é a causa de tudo o que é criado imperfeito, sem propósito e mau. Assim, a relação entre matéria e forma é do tipo do ‘possível de ser’, em relação àquilo que realmente ‘é’. Por essa razão, toda transformação e mutação observadas no mundo são o resultado do desenvolvimento e da passagem de um ‘ente possível’ para um ‘ente real’. Essa mudança é levada a efeito pelo ente ‘real’ como resultado do movimento. O movimento ocorre porque o ‘movível é afetado pelo movente’. Porque as qualidades daquilo que move a si mesmo e daquilo que move um outro corresponde à matéria e à forma, que por sua vez são eternas, incriadas e indestrutíveis, o movimento não tem começo nem fim.
Aristóteles distinguia três tipos de movimentos:
A_ movimento ‘conforme qualidade ou pathos’, isto é, mudança;
B_ movimento ‘conforme quantidade ou tamanho’, isto é, aumento e declínio;
C_ movimento ‘conforme onde ou localização’, que se refere à deterioração. De acordo com as relações entre matéria e forma, parece que o movimento tem um propósito.”Deus e a natureza não criam em vão, mas daquilo que é possível ´criam’ o melhor”, dizia ele. Apesar disso, existem na natureza distinções qualitativas entre os entes, pois encontramos também os que são incompletos, defeituosos e bizarros. A causa reside na diferença de mistura de matéria e forma e a diferença qualitativa da matéria, que resulta numa reação contra o principio que move e molda. Essa explicação da imperfeição dos entes nos leva à conclusão de que Aristóteles acreditava que os corpos são feitos de matéria. Ele aceitava cinco ‘matérias’: terra, água, ar, fogo e éter [o ar mais puro, superior]. Considerava o éter como a mais elevada de todas as matérias, devido à sua grande diferença em qualidade e valor. Por exemplo, no éter o movimento é circular, perfeito, enquanto que no fogo e no ar o movimento é ascendente e menos perfeito; na água e na terra ele é descendente e o menos perfeito de todos.
Aristóteles acreditava que essas matérias ou elementos são as substancias que estão na base de todo o universo existente, desde sua forma até a estrutura de suas partes ou camadas. O éter é a primeira e mais distante esfera celeste, a esfera das estrelas fixas, que s movem em círculos. A esfera celeste é um lugar de perfeição. Esta circunda a esfera concêntrica dos planetas, que inclui os cinco planetas conhecidos na antiguidade e também o Sol e a Lua. A esfera mais próxima do centro é ‘daqui para lá’, ou sejam a esfera que circunda a Terra. Esta é imóvel. É o lugar de todo nascimento e declínio, mudança e imperfeição, por causa dos elementos de que é composta e do fato de estar muito distante daquela ‘que move [outros]’.
TEMPLOS NA GRÉCIA ANTIGA
Traçando um caminho histórico perdido nas névoas do tempo, eu, cidadão e habitante desta terra abençoada – esta terra que é tão mal compreendida, que, sendo tão generosa em suas contribuições, formou a civilização ocidental, e que no entanto é continuamente tratada injustamente – fico maravilhado ante a riqueza de seus artefatos e ruínas, que os séculos sepultaram respeitosamente nesta terra sagrada a fim de preservá-los, ou os deixaram na superfície gravemente danificados a fim de lembrar a todos que aqui, nesta terra Ancestral, floresceu uma grande civilização, que elevou o homem às alturas que o convinham e deu nascimento a deuses, semideuses e heróis, não apenas como símbolos, mas como seres respirantes a ativos, lidando com a natureza e a vida.
A semelhança dos deuses com os humanos não foi mero acaso. O homem da escuridão tinha de compreender os deuses, vê-los como algo mais próximo deles, confiar neles de modo a possibilitar que eles, por seu turno, o conduzissem para a luz. “Da escuridão para a luz para a divindade”, esta é a síntese do grande e árduo progresso da humanidade.
Mas para levar a cabo essa enorme tarefa, os deuses tinham de ser hospedados. Era necessário que eles descessem das alturas do Monte Olimpo, seu lar, para seus encantadores palácios aqui embaixo, no nível da humanidade, a fim de se tornarem deuses domésticos e serem adorados em belos templos, enquanto seus ensinamentos secretos eram abrigados em centros de iniciação e santuários íntimos, aos quais apenas almas avançadas tinham acesso para ouvir e ver os mistérios e os ritos de mistério que eram desvendados ante seus olhos espantados. Assim, impulsionados pela fé e auxiliados pelo estado, por fundos de ricos donatários e até de tesouros de guerra, eles construíram templos, centros de iniciação e cura, altares que, por toda a Grécia e mesmo para além dela, nas colônias, eram testemunhas da qualidade espiritual que prevalecia naqueles abençoados tempos. Centros de sabedoria, centros que formavam semideuses e heróis, enquanto o espírito humano voava rumo a esferas maiores. O Partenon, Delfos, Olímpia, Herai, Anfiraeion muitos outros, milhares, como jóias preciosas eram radiantes e emitiam sua luz a todos os cantos da terra, cheios de preconceitos, superstições e ignorância. De dentro dessas estruturas ressoou, pela primeira vez, a voz do silencio que ilumina a mente.
Havia escolas para treinar a consciência dos humanos, seres brilhantes que difundiam o conhecimento e tornavam conhecido o mundo espiritual. É por isso que a antiga Grécia foi o archote espiritual que iluminou a escuridão e formou uma civilização que não se baseava em armas, mas principalmente na sabedoria radiante de seus sábios.
A primazia e a glória espiritual da Grécia são o resultado daquelas instituições chamadas Mistérios. Lãs tinham uma visão lúcida sobre o começo e o propósito da vida, buscavam a deificação e a liberação da alma terrena, e forjavam um imortal vigor intelectual e espiritual que então conferiam, a quem merecesse, nas cerimônias templárias. O destino selava os templos com o selo da eternidade, pois divina era a voz que ordenava a construção de templos e altares para uma correta adoração.
Os maiores homens, as mentes mais brilhantes da Grécia antiga, e as mais livres, estavam entre aqueles que haviam sido iniciados. Sólon, Temístocles, Aristides, Péricles, Menandro, Ésquilo, Euripides, Sófocles, Platão, Plutarco e inúmeros outros são a fundação intelectual sobre a qual a atmosfera religiosa e política foi formada e a terra chamada Grécia cresceu para as alturas da civilização.
Goethe escreveu: “Estude Shakespeare, estude Moliere, mas acima de tudo estude os gregos e sempre estude os gregos”. Homem sábio, que até o fim de seus dias na terra buscou ‘mais luz’, Goethe não esqueceu o que devia aos que abriram o caminho para sua própria sabedoria. Quão verdadeiramente atemporais são algumas vozes! Assim, vemos a riqueza espiritual que se oculta na tradição grega, na mitologia grega e em seu simbolismo. É necessário defendê-los protegê-los de toda e qualquer distorção e maldosa interpretação, prestando atenção especial às antigas fontes gregas e não aos falsificadores da Verdade histórica. Os que não se satisfizeram ou não conseguiram se satisfazer naquelas fontes de linguagem e sabedoria dos deuses deveriam ponderar e verificar seu progresso e missão, a fim de se certificarem e perceberem que a Grécia foi a maior provedora de luz no planeta. Milhares de fontes, centenas de textos espalhados por todo o Mediterrâneo, Ásia Menor e Ásia testemunham a contribuição incondicional do Espírito da Grécia Antiga para a formação do mundo desde então. Perguntam-nos se o volume d gratidão hoje expresso é adequado ao tamanho da divida para com aqueles que mergulharam nas profundezas de sua consciência para extrair a luz e transmiti-la, a fim de que todo buscador possa nela acender seu archote.
-
[Texto de Nikolaos Papadakis_ 1994]
Esse período de independência e liberdade de expressão emergiu inicialmente das atividades de um grupo de pessoas espiritualmente orientadas, que ficaram conhecidas como ‘sofistas’. As raízes desse processo de pensamento tiveram seu começo no misticismo egípcio e na mitologia grega. O amor que o grego revela pelo espírito independente, o misticismo, o estudo do universo e da vida, o enriquecimento do conhecimento e a filosofia, passa pelos Mistérios [eleusianos, órficos, cabíricos, pitagóricos] e é ampliado pelas cosmogonias de Pitágoras, Platão e Aristóteles. Esse surpreendente progresso parece ter sido subitamente interrompido e banido da Grécia e da humanidade; e tudo foi soterrado por uma avalanche de decadência, medo, fanatismo religioso e severa restrição do pensamento livre.
O renascimento do pensamento e da mentalidade da Grécia antiga aparece triunfantemente durante a Renascença, ultrapassando Bizâncio e encontrando reflexo na admiração e respeito do Oeste.
O progresso do espírito nessa parte do Mediterrâneo continua até hoje, a despeito das fraquezas da sociedade moderna.
Vivemos num período em que os valores materiais representam as coisas mais importantes para a humanidade. Riqueza, fama e poder são as metas principais. E, no entanto, todos sentimos que se os valores morais e a liberdade de pensamento não existirem, nossa sociedade ficará ameaçada pela corrupção e o homem estará na mais completa solidão.
Num período especialmente dominado pela ansiedade e fragilidade, tenho o grande prazer de apresentar o trabalho espiritual de minha jurisdição, que compreende uma exposição cronológica dos pontos mais importantes do progresso empreendido pelo espírito grego através dos séculos. Procuramos apresentar de forma simples e compreensível os ensinamentos de mitologia, mistério e cosmogonia dos antigos gregos, e revelar o que eles significam para a cultura do mundo de hoje.
ORFEU E OS MISTÉRIOS ÓRFICOS
Entre as mais antigas tradições cosmogônicas da Grécia antiga, encontramos aquelas transmitidas por Hesíodo e Orfeu. Embora bem poucos trabalhos desse último tenham sido preservados, o que sabemos de Orfeu está baseado principalmente em referencias feitas por outros e interpretações de gerações posteriores.
Alguns estudiosos modernos afirmam que Orfeu foi uma figura histórica e que seu mito se baseou em certos acontecimentos reais. Talvez nunca o saibamos. Entretanto, tal como acontece na mitologia grega, onde os mitos se emaranham e muitas vezes apresentam versões conflituadas, o que mais nos atrai é a maneira como o nascimento e a vida do homem eram interpretados. Portanto, apesar da grande ausência de fontes para a história de Orfeu e sua tradição, podemos compreender sua significação a partir da influencia que ele exerceu posteriormente sobre filósofos como Platão.
Para começar, Orfeu, um filho da Trácia, era um músico de talento incomum. As notas que soavam de sua lira tinham o poder de aplacar as feras e até mesmo de enfeitiçar pedras. Na argonave de Odisseu, Orfeu consegue lançar um feitiço sobre as rochas que esmagavam os navios que passavam entre elas, permitindo que a Argo passasse incólume. Esse feito foi imortalizado em pedra, em Delfos, e até hoje preservado, enquanto retratos de Orfeu cantando são encontrados até nas catacumbas cristãs.
E, no entanto, apesar de sua maestria musical e da brandura de seu caráter, o destino de Orfeu foi trágico. De acordo com o mito, ele se casou com Eurídice. Quando ela morreu de uma mordida de serpente, o inconsolável Orfeu implorou a Hades que lhe fosse permitido trazê-la de volta ao mundo superior. Mas a lei de Hades é tão durar que um acordo teve de ser feito para que Eurídice pudesse ver novamente a luz do dia. Orfeu não poderia olhar para trás, para vê-la, enquanto ela caminhava atrás dele, senão ele a perderia para sempre. Eles iniciaram a jornada de retorno ao mundo superior, e Orfeu cumpriu sua promessa durante uma parte do caminho. Mas quando deixou de ouvir os passos dela atrás de si, quis ter certeza de que Eurídice ainda o seguia e acabou olhando para trás. Imediatamente ela desapareceu no Hades, e Orfeu retornou ao mundo superior, outra vez inconsolável.
De acordo com um outro mito, as mênades trácias, seguidoras de Dionísio, nunca lhe perdoaram a fidelidade e a tristeza por Eurídice, e se vingaram esquartejando-o e lançando sua cabeça ao mar. Sua cabeça continuou a cantar, e chegou à ilha d Lesbos, onde um oráculo foi estabelecido em sua honra.
O culto de Orfeu começou provavelmente durante o período arcaico, por volta do século VI a.C., e foi a primeira organização religiosa, de que se tem noticia, com um fundador e ensinamentos escritos, embora quase anda dos textos originais exista hoje. Fontes posteriores, entretanto, permitem-nos reconstruir as linhas gerais do mito de Orfeu na teogonia, ou nascimento dos deuses.
O primeiro a surgir foi Cronos [Tempo], o primeiro fator organizador do universo. Cronos deu nascimento a Éter, Caos e Érebos. Dentro de Éter, Cronos fez um ovo, de onde surgiu Eros, um ser brilhante e alado, com quatro olhos,e hermafrodita. Eros é o inicio, o criador do universo, o Primeiro-Nascituro, posteriormente Dionísio.
Eros organizou os deuses, construiu para eles o lar eterno e tornou-se seu líder. Era auxiliado por sua filha Nix [noite], a quem Eros deu seus poderes. Eros teve com Nix dois filhos, Gea[Terra] e Uranus [céu]. Daí em diante, temos uma repetição da teogonia de Hesíodo, com dois pontos de interesse:
ð Primeiro,o poder passa de Eros para uma potência feminina. Nix, que por sua vez passa-o para seu filho Uranus.
ð E, segundo, a teogonia novamente se repete com o aparecimento de Zeus, que dá origem ao restante dos deuses.
Isso revela um fato característico da tradição órfica – a absorção de mitos e tradições em uma nova forma lógica. Como é possível unir duas teogonias na mesma tradição? Como pode o começo do universo ter seu inicio com Eros e, mais tarde ter outro inicio com Zeus? É simples! Zeus engoliu Eros, e assim manifestou o novo começo do universo. Afinal de contas, tanto quanto diz respeito ao simbolismo mais profundo de luz e céu – e, por extensão, clareza de espírito – Eros e Zeus compartilham certas características comuns. Portanto, ao engolir Eros e tudo o que ele criou, Zeus providencia um novo começo para a terra, o céu e o mar, enquanto Nix continua a prestar seu auxílio a Zeus, ajudando-o a destronar Cronos [Tempo].
É através de Zeus que o culto órfico está ligado ao de Dioniso, sendo dois cultos diferentes, mas que compartilham muitas particularidades. Zeus e Deméter ou, conforme uma outra versão, Zeus e Perséfone, geraram Dioniso. No decorrer do mito, que nos faz lembrar Eros, Zeus decide passar seu poder para Dioniso, que deveria se tornar o último na série dos deuses. Mas Hera, que sempre se enciumara dos casos clandestinos de seu marido, conspirou com os Titãs para impedir a passagem do poder. Assim, os Titãs, usando brinquedos para atrair o pequeno Dioniso, mataram-no e o comeram. Atenas conseguiu, porém, salvar o coração da criança divina, e Zeus o colocou numa estátua do menino, em argila, e esta ganhou vida. Essa transformação de Dioniso valeu-lhe o epíteto de Zagreus.
Mas Zeus, furioso com os Titãs, lançou seus raios sobre eles e os queimou até às cinzas. Dessas, emergiu a raça humana, que é desde então composta de ambos os elementos, demoníacos e divinos. A matéria, representada pelos Titãs, engoliu o espírito, ou Dioniso, e é por isto que os seres humanos são feitos desses dois elementos.
Na cosmogonia órfica, o mito de Zagreus é o ponto focal do culto. Conforme explica Platão, o corpo e a alma são duas entidades separadas. De acordo com os órficos, o corpo é inferior à alma, sendo sua prisão. O corpo é a tumba da alma, supervisionado pelos deuses. O esforço dos homens sobre a face da Terra deve ser o de purificar o corpo do pecado original dos Titãs, de modo a libertar a alma de seus grilhões.
Isso, é claro, exigia todo um sistema de crenças relativas à vida após a morte. E, de fato, de informações encontradas em escritores posteriores, vemos que o orfismo realmente se focalizava na vida após a morte. O conceito de reencarnação fazia sentido relativamente aos esforços da alma para se reunir ao deus[Dionísio], através de esforços contínuos. A vida terrenal seria apenas um período de testes que o homem tem de vivenciar a fim de se purificar. Aqueles que seguiam as doutrinas do orfismo para a purificação de suas almas e eram iniciados nos mistérios de Orfeu encontrar-se-iam na companhia dos deuses. O resto iria chafurdar no lodo do submundo, sem esperança de redenção.
O culto de Orfeu, entretanto, não conseguiu se disseminar no período clássico, porque a vida após a morte não exercia a mesma atratividade que tinha para o homem do período arcaico. Como observou o professor Martin Nilsson, um catedrático pioneiro de religião grega, “Os órficos tinham apropriadamente a crença na punição no submundo.[...]Essa crença atraia as massas e foi importante para a prática órfica. Durante o processo arcaico havia uma tendência, ao contrário das idéias gregas gerais [do período clássico], à indiferença para com esta vida e uma preocupação muito maior com a vida após a morte, durante a qual a alma está livre dos grilhões do corpo.”
Não conhecemos os detalhes dos mistérios órficos. Ao contrário da tradição de Dioniso, o orfismo não apenas não praticava a omofagia [comer carne crua], como também proibia inteiramente o consumo de carnes, e a prática da caça para alimentação ou sacrifícios. O orfismo tinha fortes elementos de ascetismo e compartilhava o mesmo deus com os seguidores de Dioniso. A união com o divino era a união final com Dioniso. Mas essas duas tradições jamais tiveram boas relações, especialmente desde que o ritual básico de omofagia foi transformado pelos órficos no pecado original dos Titãs, pecado do qual o homem tinha de se purificar. Com o passar do tempo, a ênfase do culto e talvez sua má prática levaram-no ao desaparecimento, embora algumas de suas partes continuaram a influenciar gerações posteriores, sendo Platão um brilhante exemplo disso.
A contribuição do orfismo está em ter sido uma das primeiras religiões monoteístas, sua análise dual do homem nos elementos mal-bem, matéria-espírito, e a esperança que proporcionava relativamente à vida após a morte. Como sistema metafísico de valores, teve, tanto quanto sabemos, uma posição de pioneirismo, e sem dúvida colocava o homem numa posição central, ensinando que ele era responsável por sua felicidade. O culto de Dioniso sobreviveu por outras razões e foi mais adequado no estabelecimento de um elo com o desenvolvimento posterior rumo ao monoteísmo, mas o orfismo deu uma outra dimensão à interpretação metafísica do universo. Usando mitos muito antigos e criando novos, o orfismo dava uma explicação plausível para a existência do homem e tentava abordar sua natureza divina por meios práticos. A despeito da falta de informações que temos hoje, podemos afirmar que seus valores tiveram suficiente importância para sobreviverem e serem comentados em tempos tão posteriores.
OS MISTÉRIOS ELEUSIANOS
“Se tivesse absoluta certeza de que poderia dedicar as páginas que se seguem a toda ciência necessária, juro pelas graças desnudas que evitaria isto a qualquer custo!”. É assim que o estudioso francês Jean Richepin abre seu livro sobre mitologia grega. Não é que ele descreia da ciência. Ele foi criado nela, “nutriu-se de seu seio venerável”, conforme confessou, e declara sua gratidão para com ela, afirmando que será grato até o fim d sua vida. Mas, acrescenta ele, a abordagem do “espetacular e eterno jardim da Mitologia através da interpretação científica equivale a um sacrilégio. Nela devemos entrar, e inspirar outros a entrarem, como um sorriso e pisando macio, como se tivéssemos asas nos pés, ritmicamente, como se dançássemos”.
A terra fértil da Grécia gerou uma grande variedade de flores e frutos, e também encheu os potes da história com mitos, lendas e tradições tão vivas e grandiosas que até hoje nos referimos a eles. Em suas montanhas, águas, vales e frescas florestas, os deuses ficaram enlaçados nas imagens criadas pelo homem, viveram entre eles, sofreram, falaram com os homens, enfureceram-se e se apaixonaram exatamente como os humanos. Isto era o que acontecia na superfície. Mas no reino de Hades, em cavernas e veias da terra, fluía a seiva dos mistérios, néctar para uns poucos, os eleitos.
Pitágoras concluiu que “nem tudo pode ser dito a qualquer um”. Enquanto Heráclito, ainda hoje aplicável pelo místico, analisou o fluxo do tempo e exaltou a harmonia das forças opostas. Entre os cultos mais antigos, ressalta-se o de Deméter e sua filha Perséfone, a quem geralmente se refere pelo nome de Kore e é considerada filha de Zeus. Deméter e Kore eram deidades da vegetação, especialmente do trigo. Inicialmnte, seu culto era agrário. Aristóteles referiu-se aos ‘eleusianos’ [mistérios] como sendo uma das mais antigas competições da Grécia, que aconteciam a cada cinco anos. Seu propósito era expressar a gratidão à deusa que ensinou ao povo o cultivo do trigo. Mais tarde, esse culto simples transformou-se em rituais importantes, os Mistérios Eleusianos. Uma das formas mais primitivas era o festival de Tesmoforia, a respeito do qual Heródoto escreveu: “Nos rituais secretos que os gregos chamam “Tesmoforia”, tenho de manter um silêncio ritualístico, exceto, claro, nos pontos em que é permitido falar”. Antes de falarmos nos mistérios da semente, devemos comentar o mito de Deméter e Kore, em torno do qual ele se desenvolveu.
Perséfone, ou Kore, estava se divertindo com seus amigos nos “Campos de Níssia”, um campo fértil, colhendo flores. De repente, ela viu um lindo narciso, cujo aroma flutuava na terra, no céu e ia até as profundezas do oceano. Kore estendeu a mão para colher a maravilhosa flor. Neste instante, a terra se abriu a Hades, o senhor dos reinos inferiores, apareceu em sua carruagem dourada. Hades raptou Kore e a levou com ele para seus domínios. Ninguém conseguia ouvir seus gritos, exceto Hecate e sua própria mãe. Deméter saiu à procura da filha perdida. Ocultando a sua verdadeira identidade sob o disfarce de uma mulher velha e fraca, a deusa caminhou por nove dias, sem comida e sem cuidados. Por fim, chegou em Eleusis e o palácio de Keleus. Ali encontrou refúgio, trabalhando como babá para o filho de Keles e Metaneira, o pequeno Demofon. Ali planejou também sua vingança, e impediu o crescimento de toda e qualquer planta na face da terra, até uma grande fome se instalar em todo o povo. Ela descobriu, com a ajuda do onisciente Hélios [Sol], que tinha sido Hades, com a aprovação de Zeus, o raptor de sua filha, e tinha esperança de que com aquele artifício conseguiria sua filha de volta. Quando sentiu que a hora tinha chegado, assumiu novamente sua identidade divina e o ‘palácio resplandeceu, enquanto um aroma encheu seus salões’. A deusa disse a Zeus que nenhuma flor ou fruto cresceria de novo até sua filha lhe ser devolvida. Zeus, então enviou Hermes ao Hades para negociar o retorno de Kore à superfície da terra. Hermes conseguiu convencer Hades a deixar que Perséfone voltasse à superfície por um período de tempo determinado, de modo que ela pudesse estar com sua mãe à luz do dia. Ele a confiou a Hermes, como também sua carruagem dourada, depois de fazê-la comer bagos de romã, a fim de que ela não o rejeitasse e que sua volta estivesse garantida. Enquanto isto, Deméter fundou um templo em Eleusis e ensinou ao Rei e seu circulo interno seus rituais místicos, os Mistérios Eleusianos, que garantiriam a fertilidade da terra e um destino invejável para os iniciados, após a morte.
A alegoria do grão de trigo, que é coberto pela terra e morre a fim de renascer mais rico, como haste de trigo, foi facilmente transformada em símbolo de vida e morte para a humanidade, enriquecido por ensinamentos místicos relativos à jornada da alma após a morte. Assim, os mistérios eleusianos deixaram de ser uma simples celebração agrária e se tornaram um confortador apocalipse. Em seu hino a Deméter, Homer chama os iniciados de abençoados, enquanto Pindar diz, “Feliz aquele que testemunhou os que estão embaixo da terra”. Um fragmento de Sófocles é ainda mais descritivo: “Três vezes felizes são aqueles que testemunharam esses rituais antes de chegarem a Hades. Só para eles é que existe vida lá, para todos os outros tudo é escuridão”. Quanto ao que realmente acontecia durante os mistérios ou o que os iniciados ‘viam’ e como participavam nos procedimentos, podemos apenas imaginar. Os iniciados eram obrigados a um silenciamento que encobria diligentement os rituais e os ensinamentos dos mistérios. A única coisa que sabemos e que o grão de milho tinha importante papel nos mistérios como símbolo. O autor cristão Hipólitus, na informação que nos dá sobre os mistérios, faz referência ao “silencioso milho colhido”. Isso nos leva a presumir que o milho era símbolo dos rituais silenciosos ou talvez que devesse ser colhido em silêncio. De acordo com um antigo conceito, o ceifamento das plantas feito em silencio contém uma significação mística, e isto porque para que um ato mágico produza resultados é preciso que seja executado em silêncio.
A purificação ritual começava nos “Mistérios Menores”, que também sabemos que aconteciam “na cidade” ou “nos campos”. Eram realizados em finais de Março, o mês da Anthestria, em templos situados às margens do rios lissos. Eram seguidos pelos “Grandes Mistérios”, durante o mês de Outubro ou mês de Boedormion. Sabemos que a iniciação era fortemente impressiva e que para isto contribuíam o lugar, o local do ritual a hora [realizavam-se à noite]. À medida que o mito do rapto e do retorno de Kore era recriado no escuro, a impressão que o ritual causava nos iniciados era inesquecível e deixava uma marca indelével para o resto d suas vidas. A hospedagem da inconsolável mãe, Deméter, os objetos sagrados brilhando nas criptas, os “mistérios não-revelados” que eram realizados sob luz de archotes pelos hierofantes [sacerdotes iniciadores]e os sons emitidos na invocação à Kore, tudo contribuía para a profunda compreensão do mistério da morte e do milagre da ressurreição.
Há diversos aspectos na interpretação do mito de Deméter e de Kore. Num nível físico, ele expressa e analisa o processo da vegetação e frutificação de acordo com as estações. Perséfone oferece à humanidade os frutos da terra, especialmente o valioso trigo. O núcleo do trigo [Kore ou filha em grego], sua semente, torna-se trigo apenas depois de ser levado para o interior da terra.
Em termos psicológicos, a área subterrânea simboliza o subconsciente [da terminilogia rosacruz] e Hades é sua lei reinante. A descida às profundezas do eu e a busca da verdade que se oculta dentro de nós – o Conhece-te a ti mesmo” – é uma grandiosa conquista. Esse processo nos prepara para o terceiro nível da interpretação do mito, o grande drama do universo, a representação simbólica do destino da divindade e da alma humana que é levada na roda das reencarnações, vida e morte.
A passagem da vida para o reino escuro pode ocorrer inesperadamente, até mesmo no auge da juventude. Kore, ou a alma, delicia-se na luz – ela se diverte, ri e tudo vê como uma eterna brincadeira, que sempre foi e será. Subitamente, a terra se abre e a escuridão aparece e a arrebata. Esse momento não acontece de uma forma ameaçadora; possui a beleza de uma flor, sua fragrância; é atraente. A alma se debruça, move-se involuntariamente na sua direção. O veículo da escuridão é dourado, um ouro processado nas profundezas do abismo por Hefesto, deus do fogo interno. Kore deve abaixar-se até esse fogo interno e provar o fruto de Hades, as sementes de romã, o sangue de lacus.
A semente da romã é um antigo símbolo que data dos mistérios Cabíricos, e de acordo com Pausânias é a “palavra mais proibida”, o próprio lacus. É o ser divino que continuamente se transforma, criando o mundo. É a semente do efêmero com suas milhares de faces e imagens, pelas quais Kore deve passar a fim de retornar ao colo da Mãe Deméter, representando aqui o divino poder de onde a alma se origina.
No entanto, podemos tentar reconstruir a seqüência em que os rituais dos mistérios se desenrolavam. Conforme mencionamos acima, existem descrições exatas, pelo menos no que concerne à parte interna dos mesmos. As referencias de autores antigos e tradições preservadas podem nos auxiliar a construir uma imagem razoavelmente clara.
Os Mistérios Menores, na primavera, eram um período de purificação. Os banhos e os jejuns simbolizavam a purificação moral dos futuros mistes, os que acreditavam que iriam ser iniciados. Em seguida aos banhos, os candidatos à iniciação eram colocados sobre animais especialmente sacrificados para o ritual. Esse ato provavelmente simbolizava o sacrifício e a submissão da natureza animal de cada um. Os ensinamentos eram passados através de encenações alegóricas do drama de Dioniso. O significado apócrifo dos rituais era dado aos iniciantes pelos hierofantes e mistagogos [séqüito de mistai], após o juramento de silêncio. Neste estágio, os futuros iniciados recebiam o título de Miste [iniciado], e eram considerados preparados para participar nos Grandes Mistérios.
As perguntas dirigidas a cada um – se ele havia partilhado o pão e se era puro – bem como as respostas a essas perguntas eram ensinadas pelos hierofantes e provavelmente constituíam a palavrade-de-passe para os Grandes Mistérios. Os Grandes Mistérios começavam no décimo quinto dia do mês de Boedromion, isto é, entre final de agosto para setembro. Sua duração era de nove dias, o mesmo número de dias da peregrinação de Deméter. Esses mistérios incluíam igualmente rituais públicos e secretos. Poucos dias antes de seu início, os espondorofoi, ou portadores-das-libações, proclamavam uma paz sagrada de dois meses e dez dias. Todas as hostilidades cessavam, e todos os julgamentos e execuções de decisões judiciais eram adiados.
O primeiro dia dos mistérios era devotado à transmissão da ‘hiera’ [objetos sagrados]m objetos simbólicos do culto de Deméter, e da estátua de Iacus. A hiera era transportada numa carruagem puxada por touros e acompanhada pelas sacerdotisas dos deuses. Os objetos eram levados em caixas de madeira, envolvidas por faixas vermelhas de tecido de lã. Ninguém, a não ser os hierofantes, sabia que aparência tinham esses objetos. Eles eram mostrados aos mistai por alguns rápidos segundos ao final da grande iniciação, no local ritualístico chamado telesterion. Em Atenas, recebiam grandes honras e eram colocados no “Eleusiano”, o templo abaixo da Acrópole, fundando especialmente para essa finalidade.
O próximo dia, chamado ‘agyrmos’[coleção], era dedicado à anunciação da celebração. Esta podia ser assistida por qualquer um que assim o desejasse, exceto aqueles com ‘mãos impuras’, significando assassinos e ladrões de templos. Também impedidos de participar nos mistérios eram aqueles de “voz ininteligível”: os que não podiam falar com clareza, não pronunciavam as palavras corretamente e, com tonalidade aceitável, as frases necessárias; e ainda todos os que não falavam grego.
O terceiro dia chamava-se ‘alademistai’ [de alade, para o mar], onde se exortava os futuros iniciados a irem em direção ao mar para a grande iniciação. No mar, cada um se banhava, junto com um pequeno leitão que trazia consigo. O leitãozinho era posteriormente sacrificado a Deméter, e seu sangue , conforme a crença, levava embora toda maldade e anormalidade do corpo do iniciado, agindo como um dramático fator purificador. Isso era seguido de jejum e ritos funerários por mais um dia em memória às lágrimas de Deméter.
Seguiam-s sacrifícios e rituais em honra de Dioniso, a quem dedicavam os primeiros frutos da estação. De acordo com Boucheclerque, Dionísio é o elo entre os deuses ctônicos [subterrâneos], possuidores dos segredos naturais, e Apolo, arauto das decisões divinas. Dioniso está presente em ambos os lados, e é responsável por transmitir ao culto de Apolo a energia dos poderes apócrifos, através dos quais as deidades ctônicas afetam o corpo humano. Como símbolo dos poderes ctônicos, e como filho e herdeiro da terra, Dioniso conhecia as fontes secretas da vida e da morte reinava soberano nas inspirações e nos sonhos.
As tradições demonstram que o culto de Dioniso estava intimamente relacionado ao d Deméter e Kore. Em um trabalho de Eurípedes há uma invocação a ele: “A Ti, criador soberano da ordem, ofereço este sacrifício e esta libação, a Ti, Zeus ou Hades, conforme preferires ser chamado. Aceita este sacrifício que é feito sem a presença do fogo, estes frutos que enchem nossos silos. Tu, entre os deuses, portas o cetro de Zeus e, no mundo inferior, compartilhas o trono com Zeus. Ilumina a alma dos homens que anseiam por aprender sobre os desafios de sua vida efêmera, revela-lhes agora de onde vêm eles, qual a raiz do mal e a que deus devem agradar com sacrifícios a fim de se livrarem de seus sofrimentos.”
Na tarde do dia seguinte, as relíquias sagradas, transportadas para Atenas, voltavam a Elêusis numa procissão, acompanhada pelo mistai. Quando a noite caía, prosseguiam a passos mais lentos. Ao longo do caminho havia altares onde paravam para oferecer sacrifícios e libações. O povo comum costumava participar, e tocava-se música. Os futuros iniciados, usando grinalda de mirtos, cantavam hinos a Iacus [“Iacus! Ó Iacus”]. Assim chegavam a Elêusis depois da meia-noite, e as relíquias e a estátua eram escondidas nas criptas.
Aqueles que foram aceitos para os rituais dos Mistérios Menores adentravam o pátio do templo. Na perna esquerda e no braço esquerdo usavam faixas cor de açafrão. Os arautos gritavam: “Fora, fora os profanos!” e empurravam para fora os curiosos e os não-iniciados. Os mistai descansavam e eram preparados através da meditação e de histórias sobre Deméter e suas peregrinações.
Os dois dais que se seguiam eram dedicados a rituais místicos e aos ritos principais. O último dia, chamado ‘plemochoai’, era dedicado a ganhar as boas graças dos demônios ctônicos dos mortos. Durante este dia, dois potes de cerâmica, provavelmente cheios de água pura, eram colocados a leste e oeste, respectivamente. Os arautos os erguiam bem alto e, depois de dizerem certas palavras místicas, ao mesmo tempo em que entornavam a água, assinalavam o fim das celebrações.
Entretanto, o que acontecia no local da iniciação durante os dois dais da iniciação principal? O que acontecia no ‘Katabasion’ [aquele para onde se desce], a caverna cavada na rocha, que figurava tão significativamente nos rituais? Das escassas informações disponíveis, alguns estudiosos, especialmente do misticismo, buscaram reconstruir os rituais secretos.
Aos iniciandos eram dados os símbolos da iniciação: o tirso [bastão enrolado com hera e folhas de parreira, com um cone de pinho no topo] e a kistis [pequena arca feita de ramos trançados de hera ou faia]. Esta era bem fechada e continha algo, provavelmente doces em formato simbólico, feitos de trigo, cevada e outros ingredientes. O tirso, cetro de Dioniso, simbolizava a árvore da vida me o sistema nervoso humano, onde estão os centros psíquicos prestes a serem abertos.
Entravam então na cripta, ou Katabasion, que estava mergulhada em escuridão. O hierofante dizia: “Vede, estais agora no portal subterrâneo de Perséfone. Para compreenderdes vossa presente condição e a vida futura, deveis passar pelo reino da morte. Este é o teste do iniciado – deve ele aprender a não temer a escuridão, a fim de ver a verdadeira luz”.
De todos os lados, ouviam-se estalos, gritos e gemidos. Apavorantes visões surgiam acompanhadas de luzes relampejantes. O drama do universo – nascimento, morte, descida ao Hades – descontinava-se tão subitameente ante os olhos dos iniciandos que estes ficavam incapazes de entender onde estavam exatamente e o que realmente estavam vendo. Apenas as impressões e imagens mais fortes permaneciam em suas mentes, enquanto mãos os agarravam e os conduziam para uma escuridão ainda mais profunda e uma voz dizia: ”Contemplai, ó vós que estais no abismo de Hecate, contemplai as paixões que vós próprios criastes e são agora coisas vivas. A fera que nutriste vos escolheu para sua vitima. Homens ambiciosos e cruéis, corruptos e hipócritas, defendai-vos de vosso próprio filho!” Sons horripilantes, como que de uma centena de ventos, faziam-se ouvir em torno dos terrificados iniciandos. Como disse Plutarco:”...e assim era, ante seu próprio fim, tudo o que é apavorante, horrores e terrores e suores e espanto.”
E quando toda esperança começava a desaparecer, subitamente uma luz brilhava à distância – uma porta ou passagem. A voz do hierofante era ouvida chamando por eles: “Contemplai o portal da salvação.” Então, ele perguntava a cada um, individualmente, se havia “partilhado o pão”. Esta era a palavra-de-passe, a senha. A resposta significava que a pessoa havia sido corretamente iniciada nos Mistérios Menores. O iniciante respondia:”Eu jejuei, bebi do kikeon, comi da kistis, depositada no Kalatos e do Kalatos na Kistis. Pois as visões contempladas eram boas e apropriadas aos deuses.” A bebida chamada kikeon era considerada sagrada porque tinha sido criada pela própria Deméter, com água, trigo e hortelã.
Depois de todos sussurrarem essas palavras as tochas eram acesas e uma voz grave os chamava, dizendo: “Vinde, iniciandos!” Este era o momento mais sagrado da iniciação. Os hirofantes abriam a cripta ou aditon, o “sanctum dos sanctuns”, e todos os presentes contemplavam os símbolos sagrados e uma estátua, que era provavelmente de Deméter ou de Kore. Ninguém jamais revelou o que realmente era visto neste local, ninguém jamais descreveu esse momento singular. Talvez se tratasse de uma alegoria da tríade Deméter, Hades e Kore. Plutarco comentou: “Disso decorria uma luz maravilhosa a um lugar purificado, e vozes e danças e solenes sons sagrados e espíritos santificados.”E enquanto as luzes eram acesas uma voz profunda era novamente ouvida, dizendo: “ A morte é a ressurreição”.
Depois dessas experiências vinha a hora do ensinamento. O portador do archote guiava os iniciados até o templo amplamente iluminado, onde o Alto Sacerdote os esperava. Deixemos Porfírio descrever a cena com suas próprias palavras: “Coroados com folhas de mirto, entramos no templo, onde simbolicamente somos espargidos com água purificada. Depois de sermos conduzidos ao hirofante, ele lê para nós em um livro de pedra coisas que não devemos comunicar a ninguém, sob pena de morte. Podemos falar tão-somente de poucas coisa, das quais qualquer um haveria de rir se as ouvisse fora do templo. Aqui, no entanto, não se sente tal inclinação ao se ouvir as palavras dos antigos e observar os símbolos desvelados. Mais ainda, ninguém jamais riria quando a própria Deméter reafirma, com sua própria voz e sinais, tudo o que foi visto e ouvido por seu venerável sacerdote. Quando, enfim, a luz de um sereno milagre enche o templo, e vemos os purificados Campos Elísios e ouvimos o coro dos abençoadas, então o hierofante, não apenas superficialmente e com interpretações filosóficas, mas real e verdadeiramente, torna-se o criador e revelador de todas as coisas. Hélios [o sol] é seu portador do archote, a lua sua servidora no altar, e Hermes seu mensageiro secreto. Então, as últimas palavras são pronunciadas: “Kogx om pax”. O ritual está encerrado e somos agora ‘epoptai’[iniciados] para sempre.”
Não sabemos se essa terceira parte da iniciação seguia-se imediatamente à segunda ou era independente, algo como que um terceiro nível, a chamada epopteia. A descrição de Porfírio é bastante expressiva, mas a frase ‘Kogx om pax’ já levou a muitas discussões sobre sua interpretação. Por esta razão, devemos deixá-la à parte e concluirmos com as palavras de Aristeides, que parece ter passado pelo último nível de iniciação: “Pensei,” disse ele, “que estava tocando Deus, senti Sua aproximação, meu espírito elevou-se sutilmente de seus pesos. Nenhum mortal pode descrever e compreender esse sentimento se não for um iniciado [mistes]. Essa nova vida não segue as mesmas leis da vida menor. Nascimento e morte não mais a afetam. É possível a alguém falar constantemente sobre o Eterno, mas aquele que fala sem ter primeiro descido ao Hades nada sabe.”
Felizes, pois, o que conhecem os mistérios dos deuses e vivem sua vida de acordo com eles.
OS MISTÉRIOS CABÍRICOS
Caro leitor, venha conosco até um lugar um tempo sagrados, perdidos na névoa do passado. Vamos para a Grécia, berço da ciência, da filosofia e das artes, a fim de alcançarmos o útero que deu nascimento aos Mistérios.
No nordeste da Grécia, atravessando as praias da Trácia helênica e bem perto da “Cidade de Alexandre”, Alexandrópolis, ergue-se a ilha de Samotrácia, a ilha dos “Grandes Deuses”.
Na antiguidade, a Samotrácia era famosa por ser o local dos Mistérios Cabíricos, que eram considerados os mais antigos e mais importantes do mundo ancestral, maiores até que os de Elêusis.
A palavra cabírico, cabireu, aproxima-se muito da palavra semítica kabir, que significa grande, e da árabe kebir, que tem o mesmo significado. Assemelha-se também ao sânscrito cawiras, que significa forte, poderoso.
Parece haver um elo muito forte entre os Mistérios Cabíricos e a visão religiosa das raças arianas, especialmente as de origem trácia e palasga. O povo trá-cio-pelasgo levou para a Samotrácia as primeiras sementes do culto ariano original, o da adoração ao fogo, para o qual o fogo era um elemento vital e a causa da existência do universo.
Os persas, ramo principal dos arianos, mantiveram esta antiga religião por milhares de anos. Na Índia, encontramo-la na palavra pramantha, que significa aquele que consegue fogo por meio de fricção. Esta definição é também uma chave para se relacionar a palavra pramantha com Prometeus.
De acordo com o mito, Zeus, o deus ariano Dyaus [Deus], ou relâmpago, tirou o fogo da humanidade. Mas Prometeus roubou o fogo de Hefesto, o criador, e pai do Cabireu [Kabeiroi].Então, usou o fogo para ensinar à humanidade a arquitetura, a astronomia, a escrita, os números, a medicina, os processos divinatórios, o artesanato, o forjamento de metais. O resultado desses ensinamentos deu à humanidade poder para controlar a até incontrolável natureza. O homem usou o fogo para forjar sua cultura e criar as condições de sua vida, tal como o universo fora criado pelo fogo.
O nome do Cabireu, portanto, é de origem grega e é um derivado da palavra kaio, queimar. Assim, cabireus eram demônios e deuses flamejantes que arremessaram das profundezas do mar, onde nasceram, a chama de seu pai Hefesto.
Alguns fatos históricos mostram que ou os Mistérios Cabíricos foram trazidos da Trácia pelos pelasgos ou foram estabelecidos pelos nativos da Samotrácia. Entretanto, o único fato seguro e provado é que os Mistérios Cabíricos eram realizados na Samotrácia e que, mais tarde, foram levados para Atenas e Beócia, sendo portanto Mistérios Gregos de origem trácia.
Os nomes secretos dos deuses adorados nos Mistérios Cabíricos eram Axi’eros [Deméter], Axio’kersa [Perséfone], Axio’kersos [Plutão] e Ka’dmilos [Hermes]. Todos estes eram deuses ctônicos, vivendo embaixo da terra. Deméter era a Mãe Terra que recebia os mortos. Plutão e Perséfone simbolizavam Hades, para onde iam os mortos. E Hermes, o condutor das almas, guiava-as até o Hades.
Uma característica que distingue os Mistérios Cabíricos dos demais Mistérios da antiguidade é que eles eram abertos a pessoas de todas as nacionalidades, idades, posições sociais e de ambos os sexos. Vale a pena mencionar isto porque naquele tempo as mulheres eram consideradas como seres inferiores, enquanto os escravos eram tido como pouco diferentes dos animais. Portanto, essa igualdade de sexos e classes sociais revela a amplitude mental e a universalidade das idéias pregadas pelos Mistérios Cabíricos.
As celebrações aconteciam uma vez por ano, provavelmente à noite, em uma data não fixa, mas geralmente entre maio e setembro, e com duração de nove noites. Inicialmente os celebrantes extinguiam todos os fogos que estivessem acesos na ilha. Depois, enviavam um barco sagrado à ilha de Delos para trazer novo fogo do altar sagrado que lá havia. Se o barco voltasse em menos de nove dias, eles o obrigavam a derivar nas proximidades de Samotrácia até que o período de nove dias se completasse.
Antes da iniciação, requeria-se que cada pessoa se confessasse, ou que purificasse a alma através da confissão. Um confessor especial era apontado, denominado Koes. Era seu dever avalias as qualidades morais dos futuros neófitos e decidir se o candidato devia ser aceito ou rejeitado. O koes era responsável também pela purificação ou expurgação dos assassinos que se arrependiam dos seus atos.
Durante o ritual, o iniciando sentava-se num trono, fato que deu nome à iniciação – entronização. Colocava-se uma grinalda de folhas de oliveira sobre sua cabeça e enrolava-se uma faixa vermelha em sua cintura. A seguir, os oficiantes dançavam ao seu redor. A faixa era para proteger o neófito de qualquer perigo, pois, de acordo com a tradição, Odisseus [Ulisses] foi o primeiro a usá-la para se proteger. Diz-se também que quando Agamenon apareceu ante uma turba de revoltosos usando essa faixa, conseguiu acalmá-los.
Conforme as informações que temos sobre os Mistérios, um grande número de oficiantes religiosos estava envolvido. Incluía também um grupo de sacerdotes responsáveis pela iniciação, que eram denominados anaktolestai – celebrantes do rei. Os Mistérios incluíam ainda um oráculo dos deuses cabíricos.
Além do aspecto religioso e funcional, o culto cabírico possuía também uma base filosófica e um aspecto de aperfeiçoamento social. O principal propósito e meta dos Mistérios, além do ensinamento da origem da humanidade, era incrementar a fibra moral do homem. De acordo com Diodorus Siculus, os neófitos tornavam-se ‘mais piedosos, justos, e melhores em todos os aspectos’, pois assumiam responsabilidades sociais e morais especificas.
Há diversas personalidades famosas da antiguidade que foram iniciadas nos Mistérios Cabíricos, como Heródoto, Lisandro, Filipe e Olímpias, e vários oficiais romanos em épocas posteriores. O culto cabírico influenciou também grande parte da filosofia pitagórica.
Mas retornemos ao presente, caro leitor. Na Samotrácia de hoje podemos contemplar o local arqueológico do Templo dos Grandes Deuses. Escavações revelaram todo o santuário do Cabireu, que inclui as ruínas do templo – edificações erguidas por Arsino, Ptolomeu e pela dinastia macedônica – o teatro dos altares, enquanto no museu adjunto podemos admirar a replicar da Vitória Alada da Samotrácia, Nike – o original encontra-se no Louvre, em Paris – e numerosas moedas, cerâmicas e jóias.
A FILOSOFIA DA GRÉCIA ANTIGA
A filosofia grega antiga constitui o primeiro registro escrito do pensamento do ser humano desde seu surgimento na Terra. Os antigos filósofos gregos foram as primeiras pessoas a registrar metodicamente suas idéias, que se baseavam em seus próprios estudos dos fenômenos observados e experimentados desde o começo da humanidade. O efeito da filosofia foi tão tremendo sobre os antigos gregos que impediu que sua religião se tornasse excessivamente dogmática, um fenômeno raro para pessoas que viviam há 2.500 anos.
Essa filosofia, baseada no estudo da Verdade una e única pelo processo de eliminação, foi desenvolvida na Grécia antiga por eminentes pensadores, muitos dos quais estudaram nas escolas de misticismo do antigo Egito. Os escritos resultantes, feitos há cerca de 2.500 anos, formam hoje, como naquele tempo, as bases da moderna pesquisa cientifica, em sua busca para interpretar fenômenos específicos e formular leis que possam definir a relação entre os eventos cósmicos [macrocosmo e microcosmos].
Diversos estudiosos concordam que a antiga filosofia grega nasceu no século VI a.C com o aparecimento de Tales de Mileto. Sua filosofia tinha evidentes nuances místicas e seus ensinamentos podem ser assim resumidos: “Conhece-te a ti mesmo, a fim de conheceres o universo e os deuses.”
Tales foi o primeiro filosofo grego a abrir caminho rumo ao estudo dos fenômenos da terra e do céu, e demonstrava forte interesse pela física, geometria e astronomia. Usando o conhecimento combinado de todas essas disciplinas, ele estudou o movimento das estrelas, os eclipses solares, as fases lunares e os fenômenos associados às marés.
Sem qualquer outro recurso além de sua própria meditação profunda, Tales legou às gerações posteriores pensamentos que podem ser resumidos na máxima: ”A coisa de maior extensão no mundo é o universo, a mais rápida é o pensamento, a mais sábia é o tempo e a mais cara é realizar a vontade de Deus”.
Outros filósofos gregos importantes surgiram depois de Tales, como Pitágoras, Heráclito, Demócrito, Empédocles, Sócrates, Platão, Aristóteles, e muitos outros que legaram à humanidade seus pensamentos escritos, os quais muito auxiliaram a elevar a raça humana às altas esferas do pensamento e do intelecto.
PITÁGORAS
Nasceu na Ilha de Samos, aproximadamente em 582 a.C. No inicio da juventude, estudou filosofia sob os cuidados de um discípulo de Tales, o filósofo Ferecídio. Ainda bem jovem, foi para o Egito, onde ele e vários outros filósofos foram iniciados nos antigos Mistérios egípcios. Viajou também para a Babilônia e Caldéia, onde deu as últimas pinceladas em seus estudos sobre o mistério do universo. Partiu então para Creta a fim de receber os ensinamentos do filósofo Epimênides, e finalmente retornou a Samos. Entretanto, as condições políticas de sua ilha o impediram de ensinar livremente sobre suas experiências. Ele condenou publicamente a tirania em Samos e foi subseqüentemente exilado em Crotona, no sul da Itália, onde naquela época a presença e a linguagem grega eram muito fortes.
Foi lá que ele fundou sua própria escola de filosofia, sobre cujo portal lia-se: ”Deus extraiu a Terra do nada, assim como extraiu o Um do nada para criar a multiplicidade”. Isto expressava de forma sumária a visão de Pitágoras sobre a criação do universo, a qual é compartilhada hoje pelos místicos.
Na escola de Pitágoras a filosofia era ensinada em várias etapas. A instrução começava pelo silencio absoluto e atendimento a palestras, e terminava em estágios mais avançados, com discussões em grupo sobre matemática, física e astronomia. A geometria tinha uma posição-chave em seus ensinamentos, pois ele acreditava que “Deus está perpetuamente medindo a terra” [de geo, gaia = terra, e metro = medir]. Ele combinava matemática com musica, e considerava a harmonia matemática como a pedra fundamental de toda a criação, existência e operação do universo.
Freqüentemente expressava sua discordância das idéias dos filósofos gregos anteriores, com o intuito de desviar o interesse pela natureza da matéria que deu origem ao universo, para as relações entre os fatores de influencia do nascimento do universo e a inteligência por trás dele. Pitágoras acreditava na reencarnação, porque achava que ela conduzia a humanidade para esferas mais elevadas da espiritualidade e um desenvolvimento superior contínuo. Ele acreditava que a psique humana é perfeita, conforme seu próprio livre-arbítrio e suas ações.
Após sua morte [cerca de 500 a.C] Pitágoras assumiu proporções lendárias aos olhos das gerações que se seguiram. Foi considerado um semideus, enquanto matemáticos dessas gerações posteriores foram tidos como reencarnações de Pitágoras. Suas escolas de misticismo continuaram operando em cidades ao sul da Itália e na Sicília, e suas visões filosóficas foram expostas por muitos séculos pelos filósofos neo-pitagóricos.
SÓCRATES – PLATÃO
Sócrates nasceu em 496 a.C, em Atenas. Era um autodidata e passou toda sua vida ensinando ética e leis. Nunca saiu da província da Ática nem escreveu suas idéias, mas sua filosofia foi passada adiante em sua totalidade através dos diálogos de seu discípulo, Platão.
Sócrates é freqüentemente denominado “Filósofo prático”, porque trouxe os ensinamentos filosóficos aos níveis da vida cotidiana. Sua morte, obedecendo à injusta condenação à morte por cicuta, decretada pelo estado, coroou sua eterna lealdade à éticas e às leis. Seus últimos momentos e as instruções finais aos seus discípulos foram registrados por Platão em sua inspiradora obra “Faedo”.
Embora Sócrates pudesse ter deixado Atenas e escapado à decisão da corte, preferiu permanecer fiel aos seus ensinamentos de ética e respeito às leis do estado.
Seu mais importante discípulo foi Platão, nascido em 429ª.C. Platão, nascido na classe aristocrática, estudou entre outras coisas matemática, musica e escultura, e tornou-se discípulo de Sócrates aos 19 anos de idade. Viajou ao Egito, sul da Itália e Sicília, importantes centros de misticismo e filosofia. Após a morte de seu mestre 3m 339 a.C., Platão foi viver em Megara, perto de Atenas, onde trabalhou junto a Euclides, o grande matemático e filósofo. Em 387 a.C., retornou a Atenas, onde permaneceu até sua morte em 347 a.C. Foi ali que ele escreveu seus famosos diálogos e ensinou naquela que ficou amplamente conhecida como a Academia de Platão, local digno de ser visitado em Atenas nos dias de hoje. Ele escreveu profusamente, e além de sua obra “Faedo” produziu também o “Simposium” e “Politeia” [As Leis]. A filosofia platônica foi mantida viva até os primórdios do período pré-cristão pelos filósofos neo-platônicos [Plotino, 204.aC.].
A filosofia de Platão é basicamente esotérica e mística. Ele foi o primeiro filosofo grego a expressar claramente a idéia de que em todas as suas manifestações Deus e a natureza operam juntos rumo ao Bem, e que somente Deus é Bom e eterno. Por outro lado, o mal é apenas uma interpretação humana do trabalho da natureza que, em suas partes individuais, parece tudo menos produtivo.
Num ponto de sua obra “Faedo”, Platão menciona o seguinte:”Claro que, conforme penso, a psique opera espiritualmente quando nem a audição nem a visão nem a dor nem o prazer a incomodam, mas quando está tanto quanto possível entregue a si mesma, indiferente ao corpo e tanto quanto possível sem contato com ele. Então a psique pode aprender o que verdadeiramente existe [a verdade]. Portanto, também no estudo das idéias a psique do filosofo desconsidera o corpo, desassocia-se dele e fica só.”
Este excerto propõe um guia singular, na história da filosofia, mostrando como o filosofo pode alcançar a Verdade. Ele também apresenta direcionamentos explícitos sobre como o místico deve meditar de modo a alcançar a Verdade.
ARISTÓTELES
Nasceu em 384 a.C.,em Estageira, Trácia. Aos 17 anos de idade foi para Atenas, a fim de estudar na Academia de Platão. Seus interesses abrangiam uma larga gama de assuntos, que incluía lógica, teoria de sistemas, dialética, física, matemática, metafísica e retórica. Após a morte de seu mestre Platão, Aristóteles ensinou em muitas cidades gregas e tornou-se instrutor de Alexandre o Grande.
Em suas obras, Aristóteles procurou combinar todos os aspectos do ensinamento filosófico de seu tempo. Acredita-se que ele foi o primeiro a classificar o conhecimento humano, por causa do sistema que ele usou para organizar o conhecimento, em lógica, física, retórica, etc. Aristóteles morreu em 322 a.C.
CONCLUSÃO
Podemos encerrar esta breve estadia na filosofia grega antiga com uma pequena nota sobre a cultura grega antiga em geral.
Os antigos gregos cultivaram cada aspecto da cultura a um grau extraordinário: a Arte, em especial a escultura e seus imortais exemplares que se encontram em diversos museus do mundo [por Fídias, Praxíteles e outros]; a História [Tucídedes, Henófones, entre outros]; a Retórica [Demóstenes, Lísias]; a Poesia[Homero, Píndar]; e o Teatro [Ésquilo, Sófocles, Eurípedes].
Todas essas obras imortais existem ainda hoje para o uso da humanidade, sob a forma de uma linguagem com regras exatas da sintaxe e gramática, que é estudada em nossos tempos.
A TEORIA PITAGÓRICA DO MUNDO
Os predecessores de Pitágoras acreditavam que a Terra era o centro do universo e que o resto do céu - com suas estrelas fixas, planetas, o Sol e a Lua – girava em torno da Terra.
Pitágoras, entretanto, cuja visão se estendia para além dos limites da Terra, compreendeu o conceito geral subjacente à formação do universo. Este é o aspecto ímpar de sua teoria: ela não contradiz os fatos científicos e permaneceu imutável até hoje. É extraordinário que Pitágoras pudesse saber essas coisas tão bem, dada a falta dos recursos técnicos que só mais tarde estariam disponíveis para entendermos o universo. Só isto serve para nos convencer de que Pitágoras fez uso tanto da observação natural e conhecimento esotérico como de fontes que sabiam a verdade sobre o universo. Por esta razão, devemos dar mais atenção àqueles seus ensinamentos que se referem a temas relativos ao conhecimento do que está além dos nossos cinco sentidos.
O homem deve aprender quem ele é, qual sua função e propósito no universo, e qual o destino de sua alma após a morte.
As visões de Pitágoras sobre o universo foram confirmadas na era moderna, e dia virá em que todos nós seremos capazes de explicar essas questões, de uma vez por todas, ao longo das mesmas linhas de suas visões. Os ensinamentos detalhados de Pitágoras nos são hoje desconhecidos. Há, entretanto, alguns traços vagos e mesmo distorcidos de suas teorias entre os trabalhos remanescentes dos pitagóricos e filósofos posteriores. Tentaremos aqui reconstruir, tanto quanto possível, o sistema pitagórico de pensamento. Isto é o mais essencial nesta presente era de anarquia espiritual e decadência, pois os ensinamentos pitagóricos elevam o espírito humano e expandem seus valores. Não é por acaso que na época de Cícero ninguém em Roma era considerado verdadeiramente culto se não dominasse os ensinamentos de Pitágoras.
Estobeu colocou as seguintes palavras nos lábios do pitagórico Filolaus: “O universo é imperecível e eterno, pois nada existe para além dele, e é regido por uma causa muito poderosa; ele contém também o principio do movimento. Uma parte do universo é imutável e uma outra mutável. A parte imutável existe entre o céu e a Lua, enquanto a parte mutável está entre a Lua e a Terra. Por esta razão a parte externa do universo é sempre-movente, ao passo que a parte inferior à Lua está sempre mudando, sujeita ao nascimento e à degeneração”. Igualmente, em Timeus [‘Sobre a alma, o universo e a natureza’, e nos diálogos de Platão, do mesmo título] vemos que o universo permanece “imperecível, indestrutível e abençoado, e que, em suma, é o mais belo de todos os nascidos, porque foi criado pela mais poderosa causa, de acordo com a idéia e a substancia mental, isto é, a substancia da unidade, o Uno. Ele também é perfeito em relação aos sentidos... e a causa eterna da criação, que só podemos ver com nossa mente; e também todo o restante da criação, tudo o que se encontra dentro do universo, mesmo as coisas que estão nos céus, podemos reconhecer com nossos sentidos”.
Numa linha similar, Oquelos o Leucaniano, filósofo pitagórico do século VI a.C., acrescenta em suas obras remanescentes que o universo é redondo em forma e igual em todas as dimensões, e por esta razão os corpos celestes movem-se em círculos. O tempo é eterno, bem como o movimento do universo, pois nunca houve um começo e jamais haverá um fim. O mesmo ponto de vista foi promulgado por Heráclitos e Empédocles [pois o movimento não é imposto a partir de algum lugar além dele, mas é ele próprio um elemento da substancia que forma o universo. A harmonia existe na natureza porque tudo se manifesta de acordo com a razão ou necessidade].
De acordo com Pitágoras e seus seguidores, o núcleo da psique [ou alma] consiste da mesma substancia, dando-lhe movimento e vida próprios, que são, por seu turno, transmitidos ao corpo, dentro do qual a psique encarna. Em outras palavras, a alma desempenha um papel tanto num nível puramente emocional como num nível físico. Esta é uma idéia também sustentada por Platão, em “Fedo”, como prova da imortalidade da alma. De acordo com ele, a alma tem movimento próprio e é auto-motivada, portanto imortal. Cícero também apóia esta visão com relação à imortalidade da alma [em sua obra “Somnium Scipionis”].
Conforme Pitágoras, o universo foi criado por duas substancias – a unidade [ou Uno] e o duplo indefinido. A unidade é aquilo que vemos hoje como o estrato mais elevado do céu, enquanto a dupla substancia dividia-se em psíquica e átomos materiais, e foi chamada por Timeu e pelos neoplatônicos de ‘substancia divisível’. É dessas duas substancias principais que o universo e as almas consistem. Pitágoras e seus seguidores acreditavam que a unidade fosse uma substancia contínua, sem peso e elástica, como pensam os físicos de hoje, mas sim que ela contém os protótipos de todas as imagens que a natureza tem manifestado ao longo dos tempos, e de tudo que será manifesto no futuro eterno. A mesma visão sobre os princípios formadores do universo foi compartilhada pelos seguidores de Orfeu. Eles chamavam a unidade de ‘Fanis’ [aquilo que é aparente, que veio à luz] e o duplo de ‘Nix’ [noite]. Platão e outros filósofos também compartilhavam dessa mesma visão. Uma vez que a alma contém ambas as substancias da criação, ela é capaz de entrar em contato com o universo externo, receber imagens que ela transforma em idéias e visões gerais, pensar e compreender.
Essas idéias parecem infundadas para os não-iniciados modernos, mas creio que em breve elas também serão provadas cientificamente, do mesmo modo que outras idéias de Pitágoras também o foram. Pitágoras acreditava que a Terra era redonda e que girava ao redor de seu eixo, e que os corpos celestes eram em número de dez. Hoje sabemos, com a descoberta de Urano, Netuno e Plutão, que os planetas [astros errantes], são de fato dez, incluindo o Sol e a Terra. Como foi possível que os homens daquele tempo pudessem saber de coisas só recentemente descobertas? Nossos pensamentos têm de procurar em outros planos as respostas a respeito das fontes de Pitágoras.
Pitágoras disse também que a Lua tinha qualidades especulares, no sentido de que ela não possuía luz própria mas, sim, que refletia a luz do Sol.
A COSMOGONIA SEGUNDO PLATÃO E ARISTÓTELES
A Teoria Cosmogônica de Platão, o nascimento do Universo, é parte integrante de sua filosofia.
Platão acreditava que as idéias são os únicos seres reais e verdadeiros. Ele as considerava como substancias mentais, auto-existentes e indivisíveis, que se encontram num plano mental muito acima do céu e abrangem o mundo dos conceitos, um mundo que serve como arquétipo para nosso mundo sensórias. Platão denominava essas idéias ‘padrões eternos em conformidade com o sempre fluente e mutável percebido pelos sentidos [os objetos]’. [Faedra 78a, Teiatetos 100b]. As idéias têm sua própria vida, percepção e inteligência. Cada idéia é um protótipo ‘único’, ‘unitário’, correspondendo às diversas coisas percebidas. Em outras palavras, uma única idéia pode ser o modelo para muitas coisas percebidas, que são semelhantes em natureza e nome. A relação qualitativa entre as idéias pode ser que todas juntas formam uma pirâmide, em cujo topo Platão colocava a idéia de ‘aghathon’ [pobremente traduzida como ‘bem, virtude’]. O conceito de ‘agathon’ é o de fonte e causa substancial real das coisas. Ela se torna a fonte e a causa da vida e do crescimento em todas as coisas percebidas e as torna visíveis, distintas e familiares. O mais elevado conceito de ‘agathon’ é o da divina substancia e divina mente suprema.
Além desses entes primordiais Verdadeiramente Existentes [ontos, onta], as idéias, Platão via também uma segunda classe de entes – as coisas visíveis ou perceptíveis, que se tornam, são alteradas e deterioradas. Esses entes sã imitações, reflexos e imagens do Verdadeiramente Existente. A substância que gera essa segunda classe de entes está no ‘on’ [aquilo que existe, o Sr]. Parece que a despeito dos grandes debates acerca do significado do não-ser [o oposto do ‘on’], tanto no mundo antigo quanto no atual, aquilo a que Platão provavelmente se referia era à matéria e substancia informes dos fenômenos no mundo dos sentidos, que existiam num estado de caos antes que as idéias lhes dessem forma.
Baseado nesses dois níveis da existência e sua natureza, o universo foi criado pela vontade e energia do elevado, eterno e sábio Ser – o conceito de ‘agathon’. Esse Ser infundiu a matéria informe com um poder vivificante e inteligente, a psique [alma], que a conduz a um propósito e a uma imagem visível única do eterno e invisível Deus. Para Platão, a onipermeante alma era uma combinação dos dois entes, material e espiritual. Ele a colocou no centro da esfera do Todo, afetando a periferia e regulando o movimento harmonioso do universo. A alma do universo infunde-se na matéria e lhe dá vitalidade e estrutura.
ARISTÓTELES E A ESCOLA PERIPATÉTICA
Aristóteles [384-322 a.C] aceitava dois princípios fundamentais na criação do mundo: matéria e forma. A matéria informe, incondicionada, vaga e a base física infinita de todos os detalhes dos entes, enquanto a forma é a substância incorpórea, imaginária e espiritual, a substância primeira do movimento, da formação e da estrutura dos entes e das ações de tudo o que existe e de tudo que está em formação.
Aristóteles fazia distinção entre a forma primeira, a que é a primeira matéria [física],a matéria comum, e a matéria suprema. A matéria comum era, segundo ele, responsável pela criação de todas as formas existentes. A matéria suprema dá a cada coisa uma presença compreensível aos sentidos, sem qualquer característica particular discernível, ao passo que enquanto essa matéria adquire uma forma especifica torna-se ‘essa coisa especifica’ ou uma substancia individual especifica. A essa substancia Aristóteles chamou de ‘prima substancia’. A substancia segunda é a desse tipo especifico, como ele a chamou, o predicado, a substancia imaterial imaginária das coisas que estão nas coisas apreendidas pelos sentidos e abrange as qualidades gerais, fundamentais e ‘permanentemente especificas’. Se essa segunda qualidade especificamente estivesse faltando, haveria tão somente uma presença informe. Sem ela seríamos incapazes de distinguir ou reconhecer as coisas. A forma não está separada da matéria, e uma não pode existir sem a outra. A matéria é uma substancia capaz de ser moldada e formada, enquanto a forma é o poder modelador e formativo inerente à matéria.
De acordo com Aristóteles, a matéria por sua natureza conduz à forma e à perfeição, enquanto sua ausência e privação é a causa de tudo o que é criado imperfeito, sem propósito e mau. Assim, a relação entre matéria e forma é do tipo do ‘possível de ser’, em relação àquilo que realmente ‘é’. Por essa razão, toda transformação e mutação observadas no mundo são o resultado do desenvolvimento e da passagem de um ‘ente possível’ para um ‘ente real’. Essa mudança é levada a efeito pelo ente ‘real’ como resultado do movimento. O movimento ocorre porque o ‘movível é afetado pelo movente’. Porque as qualidades daquilo que move a si mesmo e daquilo que move um outro corresponde à matéria e à forma, que por sua vez são eternas, incriadas e indestrutíveis, o movimento não tem começo nem fim.
Aristóteles distinguia três tipos de movimentos:
A_ movimento ‘conforme qualidade ou pathos’, isto é, mudança;
B_ movimento ‘conforme quantidade ou tamanho’, isto é, aumento e declínio;
C_ movimento ‘conforme onde ou localização’, que se refere à deterioração. De acordo com as relações entre matéria e forma, parece que o movimento tem um propósito.”Deus e a natureza não criam em vão, mas daquilo que é possível ´criam’ o melhor”, dizia ele. Apesar disso, existem na natureza distinções qualitativas entre os entes, pois encontramos também os que são incompletos, defeituosos e bizarros. A causa reside na diferença de mistura de matéria e forma e a diferença qualitativa da matéria, que resulta numa reação contra o principio que move e molda. Essa explicação da imperfeição dos entes nos leva à conclusão de que Aristóteles acreditava que os corpos são feitos de matéria. Ele aceitava cinco ‘matérias’: terra, água, ar, fogo e éter [o ar mais puro, superior]. Considerava o éter como a mais elevada de todas as matérias, devido à sua grande diferença em qualidade e valor. Por exemplo, no éter o movimento é circular, perfeito, enquanto que no fogo e no ar o movimento é ascendente e menos perfeito; na água e na terra ele é descendente e o menos perfeito de todos.
Aristóteles acreditava que essas matérias ou elementos são as substancias que estão na base de todo o universo existente, desde sua forma até a estrutura de suas partes ou camadas. O éter é a primeira e mais distante esfera celeste, a esfera das estrelas fixas, que s movem em círculos. A esfera celeste é um lugar de perfeição. Esta circunda a esfera concêntrica dos planetas, que inclui os cinco planetas conhecidos na antiguidade e também o Sol e a Lua. A esfera mais próxima do centro é ‘daqui para lá’, ou sejam a esfera que circunda a Terra. Esta é imóvel. É o lugar de todo nascimento e declínio, mudança e imperfeição, por causa dos elementos de que é composta e do fato de estar muito distante daquela ‘que move [outros]’.
TEMPLOS NA GRÉCIA ANTIGA
Traçando um caminho histórico perdido nas névoas do tempo, eu, cidadão e habitante desta terra abençoada – esta terra que é tão mal compreendida, que, sendo tão generosa em suas contribuições, formou a civilização ocidental, e que no entanto é continuamente tratada injustamente – fico maravilhado ante a riqueza de seus artefatos e ruínas, que os séculos sepultaram respeitosamente nesta terra sagrada a fim de preservá-los, ou os deixaram na superfície gravemente danificados a fim de lembrar a todos que aqui, nesta terra Ancestral, floresceu uma grande civilização, que elevou o homem às alturas que o convinham e deu nascimento a deuses, semideuses e heróis, não apenas como símbolos, mas como seres respirantes a ativos, lidando com a natureza e a vida.
A semelhança dos deuses com os humanos não foi mero acaso. O homem da escuridão tinha de compreender os deuses, vê-los como algo mais próximo deles, confiar neles de modo a possibilitar que eles, por seu turno, o conduzissem para a luz. “Da escuridão para a luz para a divindade”, esta é a síntese do grande e árduo progresso da humanidade.
Mas para levar a cabo essa enorme tarefa, os deuses tinham de ser hospedados. Era necessário que eles descessem das alturas do Monte Olimpo, seu lar, para seus encantadores palácios aqui embaixo, no nível da humanidade, a fim de se tornarem deuses domésticos e serem adorados em belos templos, enquanto seus ensinamentos secretos eram abrigados em centros de iniciação e santuários íntimos, aos quais apenas almas avançadas tinham acesso para ouvir e ver os mistérios e os ritos de mistério que eram desvendados ante seus olhos espantados. Assim, impulsionados pela fé e auxiliados pelo estado, por fundos de ricos donatários e até de tesouros de guerra, eles construíram templos, centros de iniciação e cura, altares que, por toda a Grécia e mesmo para além dela, nas colônias, eram testemunhas da qualidade espiritual que prevalecia naqueles abençoados tempos. Centros de sabedoria, centros que formavam semideuses e heróis, enquanto o espírito humano voava rumo a esferas maiores. O Partenon, Delfos, Olímpia, Herai, Anfiraeion muitos outros, milhares, como jóias preciosas eram radiantes e emitiam sua luz a todos os cantos da terra, cheios de preconceitos, superstições e ignorância. De dentro dessas estruturas ressoou, pela primeira vez, a voz do silencio que ilumina a mente.
Havia escolas para treinar a consciência dos humanos, seres brilhantes que difundiam o conhecimento e tornavam conhecido o mundo espiritual. É por isso que a antiga Grécia foi o archote espiritual que iluminou a escuridão e formou uma civilização que não se baseava em armas, mas principalmente na sabedoria radiante de seus sábios.
A primazia e a glória espiritual da Grécia são o resultado daquelas instituições chamadas Mistérios. Lãs tinham uma visão lúcida sobre o começo e o propósito da vida, buscavam a deificação e a liberação da alma terrena, e forjavam um imortal vigor intelectual e espiritual que então conferiam, a quem merecesse, nas cerimônias templárias. O destino selava os templos com o selo da eternidade, pois divina era a voz que ordenava a construção de templos e altares para uma correta adoração.
Os maiores homens, as mentes mais brilhantes da Grécia antiga, e as mais livres, estavam entre aqueles que haviam sido iniciados. Sólon, Temístocles, Aristides, Péricles, Menandro, Ésquilo, Euripides, Sófocles, Platão, Plutarco e inúmeros outros são a fundação intelectual sobre a qual a atmosfera religiosa e política foi formada e a terra chamada Grécia cresceu para as alturas da civilização.
Goethe escreveu: “Estude Shakespeare, estude Moliere, mas acima de tudo estude os gregos e sempre estude os gregos”. Homem sábio, que até o fim de seus dias na terra buscou ‘mais luz’, Goethe não esqueceu o que devia aos que abriram o caminho para sua própria sabedoria. Quão verdadeiramente atemporais são algumas vozes! Assim, vemos a riqueza espiritual que se oculta na tradição grega, na mitologia grega e em seu simbolismo. É necessário defendê-los protegê-los de toda e qualquer distorção e maldosa interpretação, prestando atenção especial às antigas fontes gregas e não aos falsificadores da Verdade histórica. Os que não se satisfizeram ou não conseguiram se satisfazer naquelas fontes de linguagem e sabedoria dos deuses deveriam ponderar e verificar seu progresso e missão, a fim de se certificarem e perceberem que a Grécia foi a maior provedora de luz no planeta. Milhares de fontes, centenas de textos espalhados por todo o Mediterrâneo, Ásia Menor e Ásia testemunham a contribuição incondicional do Espírito da Grécia Antiga para a formação do mundo desde então. Perguntam-nos se o volume d gratidão hoje expresso é adequado ao tamanho da divida para com aqueles que mergulharam nas profundezas de sua consciência para extrair a luz e transmiti-la, a fim de que todo buscador possa nela acender seu archote.
-
[Texto de Nikolaos Papadakis_ 1994]