O valor que o homem atribui à vida varia segundo a época. Essa variação é determinada tanto pelo próprio indivíduo como pela influência da cultura em que vive. Parece que a vida é o bem mais caro do homem pois, afinal de contas, direta e indiretamente todos os seus interesses e atividades centralizam-se na satisfação e preservação da vida.
Por outro lado, parece que os seres humanos tem voluntariamente sacrificado a vida em favor de certos ideais como o patriotismo, a religião e a compaixão. Nessa última categoria, a compaixão, o EU físico pode ser sacrificado para preservar aspectos superiores do EU. Por exemplo, a pessoa salva a vida de outra por causa daquele sentimento inato para com o valor da vida que transcende seu próprio ser com relação ao outro.
Contudo, será a vida apenas uma propriedade do individuo, ou será ela um atributo coletivo da sociedade. È o indivíduo o único possuidor de sua vida, ou sua vida é um atributo sobre o qual os outros tem direito e controle?
Esses dois pontos de vista com relação à vida tem existido há milhares de anos, desde as culturas primitivas até a nossa sociedade moderna. Em certas épocas, um desses dois pontos de vista era considerado o valor supremo da vida. Através da história, esses pontos de vista têm variado, cedendo às circunstâncias: ou justificando o valor do indivíduo, ou o da sociedade.
Para as mentes primitivas, vida e morte podem ter igual valor. Reconhecem, naturalmente, a diferença entre os dois fenômenos, mas não consideram um dos fenômenos necessariamente superior ao outro. Para a mente primitiva, a morte é mais misteriosa que a vida, porque a morte natural é inexplicável para ela. A transição pode ocorrer sem nenhuma causa perceptível. Se, por exemplo, o indivíduo morre sem estar ferido, a mente primitiva acredita que isso se deve a uma causa sobrenatural. Acredita ela que o morto foi vítima dum ‘feiticeiro’ ou de ‘espíritos malignos’.
MAGIA PRIMITIVA_
Na África, a causa incompreendida duma morte natural pode ser atribuída a um a ato duma tribo hostil ou de vizinhos maldosos. Paralelamente a essas idéias existem noções bem mais esclarecidas sobre a cessação da vida. Assim, os dois extremos podem existir em diferentes culturas [ou em segmentos da mesma cultura] da região.
Entre os aborígines australianos, constatamos a crença de que o indivíduo pode manipular forças naturais para provocar a morte. Eles podem pensar que práticas mágicas ocasionaram a morte dum amigo ou membro da família. A magia, porém, é a crença de que o homem pode aprender a “manipular” forças naturais e forças supostamente sobrenaturais para realizar seus desejos.
Na verdade, muitos ritos primitivos de magia aproximam-se do poder psicológico da sugestão. Podemos dizer também que o estudo e observação criteriosa das chamadas forças sobrenaturais da magia primitiva gradualmente levou à descoberta de “leis naturais” subjacentes.
Em certas sociedades primitivas, o bem-estar do indivíduo é bem menos importante que a sociedade como um todo. Acreditam elas que a sociedade confere todos os benefícios ao indivíduo. Mas simplesmente: tudo o que o indivíduo realize é resultado dum ‘poder’ emanado do grupo ao indivíduo.
Conseqüentemente, o indivíduo é ‘sacrificado’ quando acredita-se que ele minorou a força e função da comunidade. Assim, é comum o sacrifício humano nessas sociedades primitivas.
Os chefes de certas culturas primitivas e isoladas muitas vezes impõem o ‘infanticídio’. Fazem isso para restringir o crescimento populacional que poderia acarretar a escassez de alimentos e a fome. Podem recorrer a esse sacrifício quando o crescimento populacional pareça ameaçar quaisquer necessidades tribais.
RITOS DE SACRIFÍCIO_
Antigas civilizações adotavam muitas práticas de sacrifício da vida em favor da comunidade. Freqüentemente, os indivíduos que seriam sacrificados apresentavam-se como “voluntários”. Estrabão, o antigo historiador, fala de homens muito velhos, reunidos e enfestoados como para um banquete. Após um rito simples, bebiam cicuta, um narcótico venenoso. Compreendiam que tinham alcançado a idade em que não mais podiam servir à pátria e seriam um peso para seus compatriotas. Esse não era um ato de excepcional voluntariedade, mas de lealdade ao dever que deles se esperava.
Plutarco, relata um costume pelo qual os pais levavam o recém-nascido aos anciões nomeados, para que o examinassem. Se constatassem que a criança era enferma ou defeituosa, era ela atirada ao precipício. Faziam isso porque a vítima era considerada inadequada para o estado. Outro costume das antigas tribos gregas era conhecido como “sacrifício por exposição”. Os anciões e os defeituosos eram levados a uma montanha, sendo ali deixados ‘expostos’ aos elementos e animais.
Em outros casos, a vida humana é considerada como simples componente essencial ou parte duma unidade necessária que não deve ser preservada quando não mais pode fazer contribuições à sociedade e o seu valor ficou depreciado. Esse raciocínio primitivo entende que um elo especialmente fraco não tem permissão de destruir toda a corrente.
Para a mente moderna, esses atos parecem cruéis, completamente isentos de compaixão e idealismo moral. Mas que temos a dizer sobre as ‘guerras’ de todos os tempos? Milhares de vidas humanas, servindo obrigatoriamente ao exército dum rei ou ditador, foram sacrificadas em favor da ânsia de conquista e poder. Muitas dessas guerras foram deflagradas sob o pretexto de patriotismo.
Pensávamos que a ‘religião’, preocupada fundamentalmente em salvar o homem da corrupção da vida mundana, atribuísse maior valor ao fenômeno da vida. Entretanto, a história das práticas religiosas demonstra o contrário.
Certas seitas hindus ocasionalmente cometiam suicídio religioso. O indivíduo, sendo motivado por interpretação de algum livro sagrado, oferecia sua vida para alcançar uma benção espiritual por ele concebida. Ele fazia um voto à deidade, e passava então a jejuar até à morte, ingeria veneno, afogava-se, imolava-se ou atirava-se a um precipício. Nessas circunstâncias o ideal que ele nutria e o impulso emocional transcendiam o seu impulso de sobrevivência.
Os ‘jainistas’, proeminente e próspera seita religiosa da Índia, condenam essas práticas, considerando-as ‘mortes insensatas’. Por outro lado, em seus livros sagrados, estabeleceram o que chamam de “morte sábia”. Se um jainista contraiu uma doença mortal, e não pode por isso ‘escapar’ à morte, pode recorrer à morte pela fome. Segundo as práticas religiosas, um monge jainista pode submeter-se a anos de ascetismo através de auto-mortificação e autonegação. Se o monge não puder agüentar o ascetismo é melhor cometer suicídio que violar as regras de não se alimentar dos jejuns prolongados. Tão fundamentais são as regras de suicídio religioso, que estão contidas em três livros canônicos.
PONTOS DE VISTA RELIGIOSOS MODERNOS_
De que modo a sociedade ocidental moderna encara a questão de conceder-se o direito de escolher-se deliberadamente a morte, ou a eutanásia, como é chamada? Esse é um tema muitíssimo ‘controverso’. Existem dois pontos de vista básicos e opostos. O primeiro, é o conceito moral, ‘religioso’. Esse conceito declara que o homem não tem a plena posse de sua vida; simplesmente: não pode ele dispor de sua vida como queira. A vida é considerada um dom divino, espiritual, que o homem recebe sob certas ‘obrigações’. Essas obrigações são definidas diferentemente pelos vários credos. Em certo sentido, acredita-se que o homem precise redimir-se dum pecado original através dum processo de ‘salvação’. Por conseguinte, tirar a vida, em quaisquer circunstâncias, é revogar o sagrado dever de buscar a salvação. Houve mesmo um filósofo grego que disse que o homem não tem o direito de destruir sua vida, pois ela não é sua, mas dos deuses.
Existe ainda um fundamento racional em certas religiões, quando dizem que os sofrimentos, por mais severos que sejam, contribuem para a purgação da alma, purificando-a dos pecados que cometeu em sua existência mortal.
Em geral, a religião ‘não’ equipara vida e alma. Para ela a alma transcenderia o fenômeno da vida. Mas a vida seria uma acessório necessário à alma: em outras palavras, a vida atuaria como um veículo ou canal. Por isso, nesse sentido, a vida adquire um caráter sagrado à parte do instinto de sobrevivência.
DEVE A VIDA CONTINUAR?_
O outro ponto de vista, o ‘pragmático’, considera a dor e o sofrimento como anormalidades. O pragmatista acredita que o objetivo primordial do ser humano normal é evitar a dor ou a desarmonia das funções corporais. Afirma que uma pessoa que sinta dores aguda é incapaz de cumprir suas funções mentais e físicas normais. A vida, para ele ou ela, é uma miséria. Por séculos os sistemas e ciências terapêuticos tiveram como ideal não apenas a preservação da vida, mas a eliminação de sofrimentos para que a vida não fosse um suplício.
Do ponto de vista ‘pragmático’, será que um indivíduo que sofra duma doença incurável e sinta dores extremas deva ser mantido vivo apenas em função duma existência infrutífera e atormentada? Será justificável essa ação quando essas condições de sofrimento são cientificamente constatadas e o doente ‘deseja a transição’ também?
A “sociedade adiantada” dedica-se à preservação da vida, mas os defensores do ponto de vista pragmático podem perguntar: Deverá a vida continuar a despeito do que custe ao indivíduo? Podem ainda perguntar: Terá uma vida assim qualquer valor para o indivíduo, quando não há alternativa para a sujeição ao sofrimento que cresce?
Ao recusar-se a permitir [mesmo contra as opiniões profissionais e os desejos do paciente] a morte indolor como alternativa para um sofrimento extremo e infindável, não estará também a sociedade moderna adotando um ponto de vista semelhante ao da sociedade primitiva? Em outras palavras, observamos que na sociedade primitiva o indivíduo tinha pouca importância em contraste com os costumes e crenças da sociedade. Será que o indivíduo de hoje deve ser sacrificado em nome da ‘preservação da vida’?
O pragmatismo pode perguntar ao moralista religioso: Você acredita realmente que uma entidade divina, um deus, imporia penalidades a alguém que buscasse morrer devido às condições acima, situação em que a vida seria um verdadeiro inferno?
Existem, naturalmente, problemas legais quanto à responsabilidade de concluir se o paciente é verdadeiramente incurável e se o sofrimento poderia continuar por um período prolongado antes de a morte ocorrer. Obviamente, essa é uma questão dificílima a ser considerada.
Cedo ou tarde a sociedade arbitrará essa questão de um modo inteligente. “A morte por misericórdia”, ou “eutanásia”, pode ser contrária à doutrina defendida por certas pessoas, mas, por outro lado, poderia ser apoiada por aqueles que defendem o outro ponto de vista humanitário.
Não oferecemos aqui nenhum parecer final, mas achamos que qualquer revisão do tema deverá estar isento de qualquer parcialidade ou opinião preconcebida – se isso for possível. Por isso, devemos dar atenção ao tema da “eutanásia”. Devemos compreender, porém, que a ‘dor’ não é meramente uma questão religiosa ou moral a ser considerada, mas um estado muito ‘individual’ e ‘intimo’ para aquele que a está sentido. [Texto de Ralph M. Lewis].
Por outro lado, parece que os seres humanos tem voluntariamente sacrificado a vida em favor de certos ideais como o patriotismo, a religião e a compaixão. Nessa última categoria, a compaixão, o EU físico pode ser sacrificado para preservar aspectos superiores do EU. Por exemplo, a pessoa salva a vida de outra por causa daquele sentimento inato para com o valor da vida que transcende seu próprio ser com relação ao outro.
Contudo, será a vida apenas uma propriedade do individuo, ou será ela um atributo coletivo da sociedade. È o indivíduo o único possuidor de sua vida, ou sua vida é um atributo sobre o qual os outros tem direito e controle?
Esses dois pontos de vista com relação à vida tem existido há milhares de anos, desde as culturas primitivas até a nossa sociedade moderna. Em certas épocas, um desses dois pontos de vista era considerado o valor supremo da vida. Através da história, esses pontos de vista têm variado, cedendo às circunstâncias: ou justificando o valor do indivíduo, ou o da sociedade.
Para as mentes primitivas, vida e morte podem ter igual valor. Reconhecem, naturalmente, a diferença entre os dois fenômenos, mas não consideram um dos fenômenos necessariamente superior ao outro. Para a mente primitiva, a morte é mais misteriosa que a vida, porque a morte natural é inexplicável para ela. A transição pode ocorrer sem nenhuma causa perceptível. Se, por exemplo, o indivíduo morre sem estar ferido, a mente primitiva acredita que isso se deve a uma causa sobrenatural. Acredita ela que o morto foi vítima dum ‘feiticeiro’ ou de ‘espíritos malignos’.
MAGIA PRIMITIVA_
Na África, a causa incompreendida duma morte natural pode ser atribuída a um a ato duma tribo hostil ou de vizinhos maldosos. Paralelamente a essas idéias existem noções bem mais esclarecidas sobre a cessação da vida. Assim, os dois extremos podem existir em diferentes culturas [ou em segmentos da mesma cultura] da região.
Entre os aborígines australianos, constatamos a crença de que o indivíduo pode manipular forças naturais para provocar a morte. Eles podem pensar que práticas mágicas ocasionaram a morte dum amigo ou membro da família. A magia, porém, é a crença de que o homem pode aprender a “manipular” forças naturais e forças supostamente sobrenaturais para realizar seus desejos.
Na verdade, muitos ritos primitivos de magia aproximam-se do poder psicológico da sugestão. Podemos dizer também que o estudo e observação criteriosa das chamadas forças sobrenaturais da magia primitiva gradualmente levou à descoberta de “leis naturais” subjacentes.
Em certas sociedades primitivas, o bem-estar do indivíduo é bem menos importante que a sociedade como um todo. Acreditam elas que a sociedade confere todos os benefícios ao indivíduo. Mas simplesmente: tudo o que o indivíduo realize é resultado dum ‘poder’ emanado do grupo ao indivíduo.
Conseqüentemente, o indivíduo é ‘sacrificado’ quando acredita-se que ele minorou a força e função da comunidade. Assim, é comum o sacrifício humano nessas sociedades primitivas.
Os chefes de certas culturas primitivas e isoladas muitas vezes impõem o ‘infanticídio’. Fazem isso para restringir o crescimento populacional que poderia acarretar a escassez de alimentos e a fome. Podem recorrer a esse sacrifício quando o crescimento populacional pareça ameaçar quaisquer necessidades tribais.
RITOS DE SACRIFÍCIO_
Antigas civilizações adotavam muitas práticas de sacrifício da vida em favor da comunidade. Freqüentemente, os indivíduos que seriam sacrificados apresentavam-se como “voluntários”. Estrabão, o antigo historiador, fala de homens muito velhos, reunidos e enfestoados como para um banquete. Após um rito simples, bebiam cicuta, um narcótico venenoso. Compreendiam que tinham alcançado a idade em que não mais podiam servir à pátria e seriam um peso para seus compatriotas. Esse não era um ato de excepcional voluntariedade, mas de lealdade ao dever que deles se esperava.
Plutarco, relata um costume pelo qual os pais levavam o recém-nascido aos anciões nomeados, para que o examinassem. Se constatassem que a criança era enferma ou defeituosa, era ela atirada ao precipício. Faziam isso porque a vítima era considerada inadequada para o estado. Outro costume das antigas tribos gregas era conhecido como “sacrifício por exposição”. Os anciões e os defeituosos eram levados a uma montanha, sendo ali deixados ‘expostos’ aos elementos e animais.
Em outros casos, a vida humana é considerada como simples componente essencial ou parte duma unidade necessária que não deve ser preservada quando não mais pode fazer contribuições à sociedade e o seu valor ficou depreciado. Esse raciocínio primitivo entende que um elo especialmente fraco não tem permissão de destruir toda a corrente.
Para a mente moderna, esses atos parecem cruéis, completamente isentos de compaixão e idealismo moral. Mas que temos a dizer sobre as ‘guerras’ de todos os tempos? Milhares de vidas humanas, servindo obrigatoriamente ao exército dum rei ou ditador, foram sacrificadas em favor da ânsia de conquista e poder. Muitas dessas guerras foram deflagradas sob o pretexto de patriotismo.
Pensávamos que a ‘religião’, preocupada fundamentalmente em salvar o homem da corrupção da vida mundana, atribuísse maior valor ao fenômeno da vida. Entretanto, a história das práticas religiosas demonstra o contrário.
Certas seitas hindus ocasionalmente cometiam suicídio religioso. O indivíduo, sendo motivado por interpretação de algum livro sagrado, oferecia sua vida para alcançar uma benção espiritual por ele concebida. Ele fazia um voto à deidade, e passava então a jejuar até à morte, ingeria veneno, afogava-se, imolava-se ou atirava-se a um precipício. Nessas circunstâncias o ideal que ele nutria e o impulso emocional transcendiam o seu impulso de sobrevivência.
Os ‘jainistas’, proeminente e próspera seita religiosa da Índia, condenam essas práticas, considerando-as ‘mortes insensatas’. Por outro lado, em seus livros sagrados, estabeleceram o que chamam de “morte sábia”. Se um jainista contraiu uma doença mortal, e não pode por isso ‘escapar’ à morte, pode recorrer à morte pela fome. Segundo as práticas religiosas, um monge jainista pode submeter-se a anos de ascetismo através de auto-mortificação e autonegação. Se o monge não puder agüentar o ascetismo é melhor cometer suicídio que violar as regras de não se alimentar dos jejuns prolongados. Tão fundamentais são as regras de suicídio religioso, que estão contidas em três livros canônicos.
PONTOS DE VISTA RELIGIOSOS MODERNOS_
De que modo a sociedade ocidental moderna encara a questão de conceder-se o direito de escolher-se deliberadamente a morte, ou a eutanásia, como é chamada? Esse é um tema muitíssimo ‘controverso’. Existem dois pontos de vista básicos e opostos. O primeiro, é o conceito moral, ‘religioso’. Esse conceito declara que o homem não tem a plena posse de sua vida; simplesmente: não pode ele dispor de sua vida como queira. A vida é considerada um dom divino, espiritual, que o homem recebe sob certas ‘obrigações’. Essas obrigações são definidas diferentemente pelos vários credos. Em certo sentido, acredita-se que o homem precise redimir-se dum pecado original através dum processo de ‘salvação’. Por conseguinte, tirar a vida, em quaisquer circunstâncias, é revogar o sagrado dever de buscar a salvação. Houve mesmo um filósofo grego que disse que o homem não tem o direito de destruir sua vida, pois ela não é sua, mas dos deuses.
Existe ainda um fundamento racional em certas religiões, quando dizem que os sofrimentos, por mais severos que sejam, contribuem para a purgação da alma, purificando-a dos pecados que cometeu em sua existência mortal.
Em geral, a religião ‘não’ equipara vida e alma. Para ela a alma transcenderia o fenômeno da vida. Mas a vida seria uma acessório necessário à alma: em outras palavras, a vida atuaria como um veículo ou canal. Por isso, nesse sentido, a vida adquire um caráter sagrado à parte do instinto de sobrevivência.
DEVE A VIDA CONTINUAR?_
O outro ponto de vista, o ‘pragmático’, considera a dor e o sofrimento como anormalidades. O pragmatista acredita que o objetivo primordial do ser humano normal é evitar a dor ou a desarmonia das funções corporais. Afirma que uma pessoa que sinta dores aguda é incapaz de cumprir suas funções mentais e físicas normais. A vida, para ele ou ela, é uma miséria. Por séculos os sistemas e ciências terapêuticos tiveram como ideal não apenas a preservação da vida, mas a eliminação de sofrimentos para que a vida não fosse um suplício.
Do ponto de vista ‘pragmático’, será que um indivíduo que sofra duma doença incurável e sinta dores extremas deva ser mantido vivo apenas em função duma existência infrutífera e atormentada? Será justificável essa ação quando essas condições de sofrimento são cientificamente constatadas e o doente ‘deseja a transição’ também?
A “sociedade adiantada” dedica-se à preservação da vida, mas os defensores do ponto de vista pragmático podem perguntar: Deverá a vida continuar a despeito do que custe ao indivíduo? Podem ainda perguntar: Terá uma vida assim qualquer valor para o indivíduo, quando não há alternativa para a sujeição ao sofrimento que cresce?
Ao recusar-se a permitir [mesmo contra as opiniões profissionais e os desejos do paciente] a morte indolor como alternativa para um sofrimento extremo e infindável, não estará também a sociedade moderna adotando um ponto de vista semelhante ao da sociedade primitiva? Em outras palavras, observamos que na sociedade primitiva o indivíduo tinha pouca importância em contraste com os costumes e crenças da sociedade. Será que o indivíduo de hoje deve ser sacrificado em nome da ‘preservação da vida’?
O pragmatismo pode perguntar ao moralista religioso: Você acredita realmente que uma entidade divina, um deus, imporia penalidades a alguém que buscasse morrer devido às condições acima, situação em que a vida seria um verdadeiro inferno?
Existem, naturalmente, problemas legais quanto à responsabilidade de concluir se o paciente é verdadeiramente incurável e se o sofrimento poderia continuar por um período prolongado antes de a morte ocorrer. Obviamente, essa é uma questão dificílima a ser considerada.
Cedo ou tarde a sociedade arbitrará essa questão de um modo inteligente. “A morte por misericórdia”, ou “eutanásia”, pode ser contrária à doutrina defendida por certas pessoas, mas, por outro lado, poderia ser apoiada por aqueles que defendem o outro ponto de vista humanitário.
Não oferecemos aqui nenhum parecer final, mas achamos que qualquer revisão do tema deverá estar isento de qualquer parcialidade ou opinião preconcebida – se isso for possível. Por isso, devemos dar atenção ao tema da “eutanásia”. Devemos compreender, porém, que a ‘dor’ não é meramente uma questão religiosa ou moral a ser considerada, mas um estado muito ‘individual’ e ‘intimo’ para aquele que a está sentido. [Texto de Ralph M. Lewis].