14 de dez. de 2011

O Gosto e a Língua

Um mestre zen descansava com seu discípulo. A certa altura, tirou um melão do seu alforje, dividiu-o em dois, e ambos começaram a comê-lo.

No meio da refeição, o discípulo comentou:

- Meu sábio mestre, sei que tudo que o senhor faz tem um sentido. Dividir este melão comigo talvez seja um sinal de que tem algo a me ensinar.

O mestre continuou a comer em silêncio.

- Pelo seu silêncio, entendo a pergunta oculta – insistiu o discípulo.
- E deve ser a seguinte: o gosto eu estou experimentando ao comer esta deliciosa fruta está em que lugar, no melão ou na minha língua?

O mestre não disse nada. O discípulo, entusiasmado, prosseguiu:

- E como tudo na vida tem um sentido, eu penso que estou perto da resposta a esta pergunta: o gosto é um ato de amor e interdependência ente os dois, porque sem o melão não haveria um objeto de prazer, e sem a língua...

- Basta! – disse o mestre.
- Os mais tolos são aqueles que se julgam os mais inteligentes, e buscam uma interpretação para tudo! O melão é gostoso, isto é suficiente, e deixe-me comê-lo em paz!

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Lord Menuhin e os Opostos

Davos, Suíça, Janeiro 1999. Depois de um dia extenuante no World Economic Fórum, recebo um recado no hotel. Lord Menuhin – que também está em Davos para uma série de conferências – deseja conversar comigo. Minha primeira reação é de incredulidade: “Lord Menuhin? O mais importante músico erudito deste século? Talvez ele tenha me confundido com outra pessoa.”

Retorno a ligação e o próprio Menuhin atende ao telefone. Sou convidado a ir a seu concerto; no final, ele estende um livro meu, que lhe tinha sido dado por sua secretária [para minha surpresa, não é o Alquimista], e que tinha provocado sua curiosidade por meu trabalho.

Nos três dias que se seguem – até o final do Fórum – tenho o raro privilégio de conversar, almoçar, conviver com ele. Discutimos um grande projeto para o final de 1999, com o objetivo de pisar no próximo milênio com esperança, mas também com plena consciência dos erros do passado.

Menos de um mês depois vem o concerto em Berlim, o fulminante ataque do coração, e a morte deste jovem de 83 anos, cujo violino Einstein teve o privilégio de ouvir. O primeiro judeu a tocar na Alemanha pós-guerra, porque entendeu que a única saída para o mundo era tentar superar as feridas com alegria e entusiasmo. Lord Menuhin será lembrado não apenas como um dos maiores músicos da humanidade, mas também como alguém profundamente comprometido  com o ser-humano, a justiça social, a dignidade que tanto falta às pessoas que hoje tentam controlar nosso destino.

Num desses almoços em Davos, Lord Menuhin colocou-me frente a frente com um brilhante cientista francês e uma [nem tão brilhante] terapeuta americana. O cientista era convictamente ateu, o que provocou uma discussão apaixonada sobre a existência de Deus -  a qual Menuhin, um homem religioso, assistia com um sorriso. No final, quando os ânimos serenaram, Lord Menuhinn comentou da necessidade de sempre lutar contra as injustiças, mas sempre mantendo o respeito pelas opiniões opostas. E todos nós ouvimos uma deliciosa historia judaica:

  • Quando estava em seu leito de morte, Jacob chamou a mulher Sarah:

- Querida Sarah, quero fazer meu testamento. Vou deixar para meu primogênito Abraão metade da minha herança. Afinal de contas, ele é um homem de fé.

- Não faça isso, Jacob! Abraão não precisa de tanto dinheiro. Já tem seu emprego, sua firma, já tem até mesmo fé em nossa religião. Deixe para Isaac, que está vivendo muitos conflitos pessoais sobre a existência de Deus, e ainda não se ajeitou na vida.

- Está bem, deixarei para Isaac. E Abraão ficará com minhas ações.

- Já disse, meu adorado Jacob, que Abraão não precisa de nada! Eu fico com as ações, e poderei prover qualquer um de nossos filhos se algum dia necessitarem.

- Você tem razão, Sarah. Vamos então às nossas propriedades em Israel. Acho que devo deixar para Deborah.

- Deborah? Você enlouqueceu. Jacob. Ela já tem propriedades em Israel. Você quer que se transforme em uma mulher de negócios e termine arruinado seu casamento? Acho que nossa filha Michele precisa muito mais de ajuda!

Jacob, reunindo suas ultimas energias, levantou-se indignado:

- Minha querida Sarah, você tem sido uma excelente esposa, uma excelente mãe, e sei que quer o melhor para cada um de seus filhos. Mas por favor, respeite meus pontos de vista! Afinal de contas, quem é que está morrendo?  É você ou sou eu?
  
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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Doses de Sincronicidade

Sábado à noite. Vou comprar as revistas da semana, leio uma matéria que me chama especial atenção, e penso: “devia escrever um e-mail para a Anabela Paiva [jornalista que escrevera o artigo]~, cumprimentando-a”. Vou ao computador, procuro seu e-mail, não encontro, e esqueço o assunto.

Uma hora mais tarde, tentando criar espaço na estante para novos livros, reparo uma folha de papel – ali estavam os telefones e o e-mail de Anabela.

Na tarde deste mesmo sábado, penso se devia usar este texto para dividir com o meu leitor alguns trechos do Livro das Coincidências [Amir Borges Mattos, Ed. Dinâmica], coletânea de fatos que desenrolam de maneira sincronizada. Claro que o ocorrido com o e-mail de Anabela dissipou qualquer dúvida, e aqui vão algumas histórias do livro em questão:

ð       O compositor alemão Richard Wagner nasceu em 1813 [a soma destes algarismos totaliza 13]. Compôs 13 óperas, sendo que a primeira delas estreou em um dia 13 -  e uma das mais famosas, Tannhauser, foi terminada no dia 13. Wagner morreu em um dia 13.

ð       Conan Doyle, criador do detetive Sherlock Holmes, hospedou-se numa estalagem em Passo Gemmi [Suíça]. Enquanto ali descansava, decidiu escrever uma pequena história, usando a estalagem como cenário, e descrevendo um encontro entre pessoas que se odeiam. Ao voltar para a Inglaterra, resolveu distrair-se com a leitura de um conto, do francês Guy de Maupassant, intitulado L’Auberge. Qual a surpresa do escritor inglês ao descobrir que Maupassant tinha decidido escrever uma história semelhante, passada na mesma estalagem.

ð       O químico americano Charles Martim descobriu, em 1886, um processo de isolar as impurezas do alumínio. Ao enviar seu trabalho para uma revista cientifica, ficou sabendo que naquela mesma data havia chegado um trabalho do francês Paul Heroult, descrevendo o mesmo método. As coincidências não param por ai: Martin e Heroult morreram um mês depois de completarem 51 anos.

ð       O escritor francês Camille Flammarion terminava um livro em seu escritório quando uma ventania entrou pela janela aberta e levou algumas páginas. No dia seguinte, um empregado da gráfica onde o livro seria impresso – e que ficava a um quilômetro da casa de Flammarion – descobriu-as no pátio interno do galpão. Ficou surpreso ao ler o que estava escrito: aquela parte do livro falava da força do vento.

ð       Em 1792, em uma entrevista, a escritora Taylor Caldwell contou que ela e o marido – já falecido – possuíam um arbusto de lírios que nunca florescia. Ele, certa vez, descobrira que aquele tipo de flor era conhecida como lírio-da-ressurreição. O arbusto floresceu apenas uma vez, em 1970, justamente na hora do enterro do seu marido.

ð       Carl Jung, o psicanalista famoso por seus estudos sobre a ‘sincronicidade’, conta uma delas: ao entrar no metrô para ir à ópera, descobriu que o número do bilhete era o mesmo número da entrada do teatro. Naquela noite, recebeu o telefonema de um amigo que falava de um telefone cujo número era o mesmo dos dois bilhetes.    

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Em Buda e na Virgem Maria

O monge vietinamita Thich Nhat Hanh é um dos mais respeitados mestres do budismo no Ocidente.

Numa viagem ao Sri Lanka, encontrou seis crianças descalças. “Não eram crianças de favela, e sim do campo; olhando-as, vi que formavam parte da natureza ao redor.”

Ele estava sozinho na praia e todos correram em sua direção. Como Thich Nhat Hanh não falava o idioma, limitou-se a abraçá-las e foi retribuído.

Em dado momento, porém, lembrou-se de uma antiga prece budista: “Refugio-me no Buda”. Começou a cantá-la e quatro das crianças fizeram o mesmo, batendo palmas e reconhecendo um texto que, talvez, seus pais lhes tivessem ensinado. Thich Nhat Hanh, então, fez sinas às duas crianças que permaneciam caladas. Elas sorriram, juntaram as palmas das mãos, e disseram em páli: “Refugio-me na Virgem Maria”.

O som da prece era o mesmo. Naquela praia, naquela tarde, Thich Nhat Hanh diz que encontrou uma harmonia e serenidade que raramente experimentara.  
     
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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

O que Importa de Verdade

Jean passeava com seu avô por uma praça de Paris. Em determinada altura, viu um sapateiro sendo destratado por um cliente, cujo calçado apresentava um defeito. O sapateiro escutou calmamente a reclamação, pediu desculpas e prometeu refazer o erro.

Pararam para tomar café num bistrô. Na mesa ao lado, o garçom pediu a um homem que movesse um pouco a cadeira para abrir espaço. O homem irrompeu numa torrente de reclamações e negou-se.

- Nunca esqueça o que viu – disse o avô para Jean. – O sapateiro aceitou uma reclamação, enquanto este homem ao nosso lado não quis mover-se. Os homens úteis, que fazem algo útil, não se incomodam de serem tratados como inúteis. Mas os inúteis sempre se julgam importantes e escondem toda a sua incompetência atrás da autoridade.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Dê o Melhor que Você Tem

Há algum tempo, minha mulher ajudou um turista suíço em Ipanema, que se dizia vitima de pivetes. Num sotaque carregado, falando péssimo português, afirmou estar sem passaporte, dinheiro, lugar para dormir.

Minha mulher pagou-lhe um almoço, deu-lhe a quantia necessária para que pudesse passar uma noite no hotel enquanto contatava sua embaixada, e foi embora. Dias depois, um jornal carioca noticiava que o tal “turista suíço” era, na verdade, mais um criativo malandro carioca, fingindo sotaque inexistente, abusando da boa-fé das pessoas que amam o Rio e querem compensar a imagem negativa que – justa ou injustamente  - tornou-se o nosso cartão-postal.

Ao ler a noticia, minha mulher fez apenas um comentário: “não é isso que irá me impedir de ajudar ninguém.”

Seu comentário me fez lembrar a historia do sábio que, certa tarde, chegou à cidade de Akbar. As pessoas não deram muita importância à sua presença, e seus ensinamentos não conseguiram interessar a ninguém. Depois de algum tempo, ele tornou-se motivo de riso  e ironia dos habitantes da cidade.

Um dia, enquanto passeava pela rua principal da Akbar, um grupo de homens e mulheres começou a insultá-lo. Em vez de fingir que ignorava o que acontecia, o sábio foi até eles e abençoou-os.

Um dos homens comentou:

- Será que, além de tudo, estamos diante de um homem surdo? Gritamos coisas horríveis e o senhor nos responde com belas palavras!

- Cada um de nós só pode oferecer o que tem – foi a resposta do sábio.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Provérbios do Saber Judaico

Alguns provérbios da sabedoria judaica, organizados por Arnaldo Niskier:

ð       Dentes: se não podes morder, é melhor não mostrar os dentes.

ð       Aprender: aprendi muito com os meus mestres, mais com os meus companheiros, e mais ainda com os meus alunos.

ð       Águia: uma águia não caça moscas.

ð       Benção: as bênçãos são bênçãos para que abençoa, e as maldições são maldições para quem amaldiçoa.

ð       Conteúdo: não olhes a jarra, mas o que ela contém. Há jarras novas que contêm vinho velho e delicioso, e há jarras velhas que nem sequer contêm vinho novo.

ð       Elogia: quando você vive bastante, é acusado de coisas que nunca fez, e elogiado por virtudes que nunca teve.

ð       Geração: bem aventurada a geração em que o grande aprende com o pequeno.

ð       Honra: não é o lugar que honra o homem, mas o homem que honra o lugar.

ð       Calúnia: a língua que calunia mata três pessoas ao mesmo tempo: a que profere a calunia, a que escuta, e a pessoa sobre a qual se fala.  
  
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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

O Valor do Tempo

ð       Para você entender o valor de um ano: pergunte a um estudante que não passou nos exames finais.

ð       Para você entender o valor de um mês: pergunte a uma mãe que teve um filho prematuro.

ð       Para você entender o valor de uma semana: pergunte ao editor de uma revista semanal.

ð       Para você entender o valor de uma hora: pergunte aos apaixonados que estão esperando o momento do encontro.

ð       Para você entender o valor de um minuto: pergunte a uma pessoa que perdeu o trem, o ônibus ou o avião.

ð       Para você entender o valor de um segundo: pergunte a alguém que sobreviveu a um acidente.

ð       Para você entender o valor de um milésimo de segundo: pergunte a um ganhador de uma medalha de prata nas Olimpíadas.

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[Encontrando na Internet]

A História das Duas Rãs

Existem momentos em que a paciência – por mais difícil que seja exercê-la – é a única maneira de suportar determinado problemas. A famosa história a seguir ilustra bem isso:

Duas rãs caíram dentro de uma jarra de leite. Uma era grande e forte, mas impaciente. E, confiando na sua forma física, lutou a noite inteira, debatendo-se para escapar.

A outra rã era pequena e frágil. Como sabia que não teria energia para lutar contra seu destino, resolveu entregar-se. Com suas patas, fez apenas os movimentos necessários para manter-se na superfície, sabendo que cedo ou tarde iria morrer.

“Quando não se pode fazer nada, nada se deve fazer”, pensava ela.

E assim as duas passaram a noite -  uma na tentativa desesperada de salvar-se, a outra aceitando com tranqüilidade o seu destino.

Exausta com o esforço, a rã maior não agüentou mais e morreu afogada. A outra rã conseguiu boiar a noite inteira e quando, na manhã seguinte, resolveu entregar-se à morte, reparou que os movimentos de sua companheira haviam transformado o leite em manteiga.

Tudo o que teve de fazer foi pular fora da jarra.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

A Experiência e o Gesto

Encontro Colin Wilson, hoje um autor inglês consagrado, no Festival de Melbourne, Austrália. Conhecendo o tema de meu novo livro, ele me conta um texto que escreveu, relatando sua tentativa de suicídio aos 16 anos:

“Entrei no laboratório de química da escola e peguei o vidro de veneno. Coloquei num copo diante de mim, olhei bastante, reparei na cor e imaginei o possível gosto que teria. Então aproximei o ácido de meu rosto e senti seu cheiro; neste momento, minha mente deu um salto até o futuro -  e eu podia senti-lo queimando a minha garganta, abrindo um buraco no meu estomago.

Fiquei alguns momentos segurando o copo em minhas mãos, saboreando a possibilidade da morte, até pensar comigo mesmo: se sou valente para me matar de forma tão dolorosa, também sou valente para continuar vivendo.”

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Myiamoto e a Sombra

Myiamoto Musashi, o célebre samurai que escreveu O Livro dos Cinco Anéis, fala da estratégia para se compreender o espírito e as qualidades do inimigo.

Segundo ele, quando não conseguimos saber o que nosso adversário pretende, devemos fingir um ataque. Todas as pessoas do mundo estão sempre preparadas para se defender, porque vivem no medo e na paranóia de que os outros não gostam delas.

Desta maneira, também nosso adversário, por mais brilhante que seja, é inseguro e reage com violência exagerada à provocação. Ao fazer isso, mostra todas as armas que tem, e ficamos sabendo onde está forte e quais são os seus pontos fracos.

Musashi chama essa técnica de “movimentar a sombra”. Na verdade, o guerreiro da luz não entra no combate, mas provoca um pouco, e a sobra de sua provocação confunde o adversário.

Então, sabendo exatamente que tipo de confronto deve esperar, o guerreira da luz ataca ou recua.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Eu também Mereço

O famoso pianista Arthur Rubinstein [1887-1892] atrasou-se para um almoço num importante restaurante de Nova York. Seus amigos começaram a ficar preocupados, mas Rubistein finalmente apareceu, ao lado de uma loura espetacular, com um terço de sua idade.

Conhecido por seu pão-durismo, nessa tarde ele pediu os pratos mais caros, os vinhos mais raros e sofisticados. No final, pagou a conta com um sorriso nos lábios.

- Sei que vocês devem estar estranhando – disse Rubinstein. – Mas hoje fui ao advogado fazer meu testamento. Dei uma boa quantia para minha filha, para meus parentes e fiz generosas doações para obras de caridade. De repente, me dei conta de que eu não estava incluído no meu testamento – era tudo dos outros!

“A partir daí, resolvi me tratar com mais generosidade”.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Reconstruindo o Mundo

O pai estava tentando ler o jornal, mas o filho pequeno não parava de perturbá-lo. Já cansado com aquilo, arrancou uma folha – que mostrava o mapa do mundo -, cortou-a em vários pedaços e entregou-a ao filho.

- Pronto, ai tem algo para você fazer. Eu acabo de lhe dar um mapa do mundo, e quero ver se você consegue montá-lo exatamente como é.

Voltou a ler seu jornal, sabendo que aquilo ia manter o menino ocupado pelo resto do dia.  Quinze minutos depois, porém, o garoto voltou com o mapa.

- Sua mãe andou lhe ensinando geografia? – perguntou o pai, aturdido.

- Nem sei o que é isso – respondeu o menino. Acontece que, do outro lado da folha, estava o retrato de um homem. E, uma vez que eu consegui reconstruir o homem, eu também reconstruí o mundo.    

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

A Linha e a Agulha

Uma pequena história adaptada de um conto de Machado de Assis:

A agulha passa por vários estágios de sofrimento até aprender sua função: o forno abrasador da metalúrgica, o frio intenso da água em que é temperada, o peso esmagador da prensa que a faz atingir sua forma ideal.

A partir daí, precisa estar sempre dura, brilhante, e afiada. Depois de todo esse aprendizado, ela encontra sua razão de viver: a linha.

E faz o possível para ajudá-la: enfrenta os tecidos mais resistentes, abre os buracos nos locais certos. Mas, quando termina seu trabalho, a misteriosa mão da costureira torna a colocá-la em uma caixa escura; depois de tanto esforço, sua recompensa é a solidão. Com a linha, entretanto, a história é diferente:a partir deste momento, passa a ir a todos bailes e festas.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Confúcio e o Governo

Zizhang procurou Confúcio por toda a China. O país vivia um momento de grande convulsão social, e ele temia derramamento de sangue.

Encontrou o mestre junto de uma figueira, meditando.

- Mestre, precisamos urgentemente de sua presença no governo – disse Zizhang.
- Estamos à beira do caos.

Confúcio continuou meditando.

- Mestre, ensinaste que não podemos nos omitir -  continuou Zizhang. – Disseste que somos responsáveis pelo mundo.

- Estou rezando pelo país – respondeu Confúcio.
- Depois irei ajudar um homem na esquina. Fazendo o que está ao nosso alcance, beneficiamos a todos. Tentando apenas ter idéias para salvar o mundo, não ajudamos nem a nós mesmos. Existem mil maneiras de se fazer política; não é preciso ser parte do governo.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

A Escolha do Espinhal

Certa vez, um homem interrogou o rabino Joshua Bem karechah:

- Por que Deus escolheu um espinhal para falar com Moisés?

O rabino respondeu:

- Se Ele tivesse escolhido uma oliveira ou uma amoreira, você teria feito a mesma pergunta. Mas não posso deixá-lo sem uma resposta: por isso digo que Deus escolheu um misero e pequeno espinhal para ensinar que não há nenhum lugar na terra onde Ele não esteja presente.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Coisas deste Mundo

Uma vez, Rab Huna repreendeu seu filho, Rabbah:

- Por que não vais à conferencia de Rav Chisda? Dizem que ele fala muito bem.

- Por que devo ir? – contestou o filho.
- Todas as vezes em que o fiz, Rav Chisda falou apenas das coisas deste mundo: das funções do corpo, dos órgãos, da digestão, e de outras coisas ligadas simplesmente ao físico.

E o pai disse:

- Rav Chisda fala das coisas criadas por Deus e você diz que ele fala de coisas deste mundo? Vai e escute-o!

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

O Problema e a Culpa

Um dos monges de Sceta disse ao abade Mateus:

- Minha língua vive me causando problemas. Quando estou no meio dos fieis, não consigo me controlar, e termino condenando suas ações erradas.

O velho abade respondeu ao irmão aflito:

- Se você acha que não é capaz de controlar-se, largue o ensino e torne ao deserto. Mas não se iluda: escolher a solidão para fugir de um problema é sempre uma prova de fraqueza.
- O que devo fazer?

-Admita alguns erros para evitar a perniciosa sensação de superioridade. E acerte em tudo que puder acertar.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

O Peixe que Salvou uma Vida

Nasrudim passa diante de uma gruta, vê um iogue meditando e pergunta o que ele busca.

- Contemplo os animais, e aprendi deles lições que podem transformar um homem.

- Pois um peixe já salvou minha vida – responde Nasrudin. Se você me ensinar tudo o que sabe, eu lhe conto como foi.

O iogue espanta-se – só um santo pode ser salvo por um peixe. E ensina tudo o que sabe.

Quando termina, diz a Nasrudin:

- Agora que te ensinei tudo, ficaria orgulhoso em saber como um peixe salvou sua vida.

- É simples – responde Nasrudim. – Eu estava quase morrendo de fome quando o pesquei. E, graças a ele, pude sobreviver três dias.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

A Mãe Girafa Faz o Filho Sofrer

O parto da girafa é feito com ela em pé, de modo que a primeira coisa que acontece com o recém-nascido é uma queda de aproximadamente dois metros.

Ainda tonto, o animal tenta firmar-se nas quatro patas, mas a mãe tem um comportamento estranho: ela dá um leve chute, e a girafinha cai de novo ao solo. Tenta levantar-se, e é de novo derrubada.
O processo se repete várias vezes, até que o recém-nascido, exausto, já não consegue mais ficar em pé. Neste momento, a mãe novamente o instiga com a pata, forçando a levantar-se. E já não o derruba mais.

A explicação é simples: para sobreviver aos animais predadores, a primeira lição que a girafa deve aprender é levantar-se rápido. A aparente crueldade da mãe encontra total apoio em um provérbio árabe: “às vezes, para ensinar algo bom, é preciso ser um pouco rude.”

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

Convencendo os Outros

Um profeta chegou certa vez a uma cidade para converter seus habitantes.

A principio, as pessoas ficaram entusiasmadas com o que ouviam. Mas, pouco a pouco, a rotina da vida espiritual era tão difícil que homens e mulheres se afastaram, até que não ficou uma só alma para ouvi-lo.

Um viajante, ao ver o profeta pregando sozinho, perguntou:

- Por que continuas exaltando as virtudes e condenando os vícios? Não vês que ninguém aqui te escuta?

- No começo, eu esperava transformar as pessoas. Se ainda hoje continuo pregando, é apenas para impedir que as pessoas me transformem.  

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

No Campo de Concentração

O psiquiatra alemão Viktor Frank descreve sua experiência num campo de concentração nazista:

“...no meio do castigo humilhante, um preso disse:’Ah, se nossas mulheres nos vissem assim!’.

O comentário me fez lembrar o rosto de minha esposa e, no mesmo instante, me jogou para fora daquele inferno. A vontade de viver retornou, me  dizendo que a salvação do homem é por e pelo amor. Ali estava eu, no meio do suplicio, e ainda assim capaz de entender Deus, porque podia contemplar mentalmente a face de minha amada.

O guarda mandou que todos parassem, mas não obedeci -  porque não estava  no inferno naquele momento. Embora não tivesse como descobrir se minha mulher estava viva ou morta, isso não mudava nada. Contemplar mentalmente sua imagem me devolvia a dignidade e a força. Mesmo quando retiram tudo de um homem, ele ainda tem a bem-aventurança de lembrar-se do rosto de quem ama – e isto o salva.”

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho

O Controle Absoluto

Cada ser humano sabe a melhor maneira de estar em paz com a vida. Alguns precisam de um mínimo de segurança, outros se entregam ao risco sem medo. Não existem formulas para viver o próprio sonho. Cada um, ao escutar o seu próprio coração, saberá a melhor maneira de agir.

O escritor americano S. Anderson sempre foi indisciplinado e só conseguia escrever movido por sua própria rebeldia. Seus primeiros editores, preocupados com a situação de miséria em que Anderson vivia, resolveram enviar um cheque semanal como adiantamento de sua próxima novela.

Depois de um mês, receberam a visita do escritor, que devolveu todos os cheques.

- Faz tempo que não consigo escrever uma linha – disse Anderson.
- Para mim, é impossível trabalhar com a segurança financeira me olhando do outro lado da mesa.

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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho.

Breve História da Medicina

ð       500 D.C – Venha até aqui e coma esta raiz.

ð       1000 D.C – Esta raiz é coisa de ateu. Faça esta oração ao Deus que está no céu.

ð       1792 D.C – O Deus não está no céu. Quem reina é a razão. Venha até aqui e beba esta poção.

ð       1917 D.C – esta poção é para enganar o oprimido. Sugiro que você tome este comprimido.

ð       1960 D.C – Este comprimido é antigo e exótico. Chegou o momento de tomar antibiótico.

ð       1999 D.C – Antibiótico te deixa fraco e infeliz. Eis um novo tratamento: coma esta raiz.


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Contos do Alquimista_ Paulo Coelho.