19 de jul. de 2011

George Santayana_Consideração Final

Há em todas as paginas de Santayana a melancolia do homem separado de tudo quanto lhe foi amor e costume – um homem desarraigado, um espanhol aristocrata solto na classe media americana. Uma tristeza irrompe-lhe a espaços: “Que a vida é digna de ser vivida”, diz ele, “constitui a mais necessária das proposições e a mais impossível das conclusões”. No primeiro volume da “The Life of Reason” fala da significação da vida e da historia humana como o tema da filosofia; em seu ultimo volume mostra-se duvidoso de que a vida tenha alguma significação. Inconscientemente descreveu a sua própria tragédia: Há tragédia na perfeição, porque o universo em que a perfeição se ergue é em si mesmo imperfeito...Como Shelley, Santayana nunca se sentiu em casa neste mesquinho planeta; seu agudo senso estético parece ter-lhe trazido mais sofrimento com a vista das coisas feias do que deleite com a vista das coisas belas. Torna-se com freqüência amargo e sarcástico; jamais consegue o riso sadio e de coração do paganismo, nem o genial perdão de Renan e Anatole France. Permanece no alto, afastado e superior – e, por isso, só. “Qual parte da sabedoria?” pergunta; e responde: “Sonhar com um dos olhos abertos; exultar com fugidias belezas e lastimar fugidios sofrimentos – sem jamais esquecer o fugidio de ambos”.

Este constante memento mori talvez seja um dobrar sinos à alegria; para viver, uma criatura tem que pensar mais na vida do que na morte; deve agarrar o atual e o mediato tanto quanto a esperança distante e perfeita. “A meta do pensamento especulativo nada mais é senão viver o mais que possa no eterno, e  absorve e ser absorvido na verdade”. Mas isto é tomar a filosofia mais a sério do que ela o merece; e uma filosofia que arranca um homem da vida é tão má como qualquer superstição celestial, em que os olhos em êxtase diante de visões da outra vida nada vêem da carne e do vinho desta. “A sabedoria vem pela desilusão”, diz Santayana; mas isto é apenas o começo da sabedoria, como a duvida é o começo da filosofia, não é o fim ou a realização dela. O fim é a felicidade para a qual a filosofia é apenas um meio; se a tomarmos como um fim, acabaremos como o místico hindu que passa a vida de olhos pregados no umbigo.

Talvez a concepção de Santayana, do universo como mero mecanismo material, tenha algo que ver com esta sombria introversão em si próprio; havendo suprimido a vida do mundo, procura-a no imo do seu ser. Ele protesta que não é assim; e embora seu protesto nos deixe céticos, desarma-nos com a sua beleza.

*Uma teoria não é algo vazia de emoção. Se a musica pode encher-se de paixão meramente dando forma a um só sentido, quanto mais beleza e terror não podem vir de uma visão que ponha ordem e método em tudo que conhecemos!...Se tendes o habito de crer em providencias especiais, ou de esperar a continuação da aventura da vida em outro mundo, o materialismo ofenderá mais desagradavelmente as vossas esperanças e pensareis durante um ano ou dois que nada mais vos resta na vida; mas um materialista perfeito, nascido para ele e não apenas nele semi-imerso por algum inesperado batismo, esse será como o soberbo Demócrito, o filosofo que sorria. Seu deleite em um mecanismo que pode apresentar tão maravilhosos aspectos e provocar tantas paixões excitantes será o mesmo do de quem visita um museu e vê milhares de borboletas classificadas, e flamingos e caranguejos, mamutes e gorilas. Houve sem duvida alguma dores naquela inumerável vida; mas passaram – e, entrementes, que belo era o espetáculo! Que infinitamente interessante a exibição universal e que tolas e inevitáveis aquelas pequenas paixões absolutas!   

Mas talvez as borboletas, se pudessem falar, nos haveriam de fazer ver que um museu [do mesmo modo que um filosofo materialista] é apenas um mostruário de coisas mortas; que a realidade do mundo foge aquelas trágicas preservações e se fixa nas dores da paixão sobre a sempre mutável e intermina caudal da vida.

Santayana, conta um amigo observador, “tinha uma natural preferência pela solidão...Lembro-me do seu vulto debruçado na amurada de um transatlântico ancorado em Southampton, a observar os passageiros que se precipitavam para o portaló  na ânsia da saída; observa-se com alheamento e só quando a escada ficou vazia é que se moveu para sair”. Quem há de ser aquele, senão Santayana? Murmurou uma voz ao meu lado; e todos sentimos a satisfação de encontrar um caráter verdadeiro para consigo mesmo.

Também podemos dizer isto da sua filosofia e julgá-la qual corajosa e veraz auto-expressão; nela uma alma sutil e madura, embora sombria, imprimiu-se com calma em prosa esculturalmente clássica. E apesar de que não apreciemos seus tons menores, sua surdina de pesar por um mundo desaparecido, vemos nele a expressão completa desta era de transição, na qual os homens não podem ser completamente sábios e livres porque vêm de abandonar suas velhas idéias e ainda não encontraram as novas que os levarão mais para perto do perfeito.

         

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