“Não se pode conhecer realmente uma coisa sem tê-la experimentado”, este é um antigo adágio. Entretanto, há uma falha neste ditado. Muito do nosso conhecimento atual não é resultado da experiência direta. Somos obrigados a aceitar como conhecimento uma considerável quantidade de coisas, relativas a nós mesmos, apenas pela autoridade implícita de outras pessoas. A maior parte deriva-se de fontes como professores, sacerdotes, jornalistas, políticos e pessoas conhecidas. A aceitação das idéias que nos são transmitidas é crença.
Em um mundo complexo, não nos é possível descobrir, por nossos próprios meios, tudo o que devemos saber. Tampouco podemos por à prova tudo o que nos é dito, de modo a comprovar sua validade. A crença, portanto, torna-se um substituto para o conhecimento intimo que se adquire como resultado de nossa própria observação e reflexão. Ao longo de nossas lidas cotidianas, adquirimos conhecimento pessoal até certo ponto. Não podemos deixar de observar que acontecem à nossa volta. Esse conhecimento perceptual é pelo menos factual, tanto quanto possamos confiar naquilo que vemos e ouvimos.
Para muitas pessoas hoje, esse conhecimento perceptual impõe-se sobre elas, sendo forçosamente trazido à sua atenção pelas circunstâncias. Ao se realizar uma ação especifica, uma série de coisas imprevistas, como causas e efeitos, podem ocorrer, as quais não se pode deixar de observar. Usando uma frase jurídica, tudo pode ser totalmente circunstancial e, portanto, uma cuidadosa investigação subseqüente pode provar ser algo diferente do que parecia.
A crença só deveria ser admitida quando a fonte da informação tivesse sido amplamente estabelecida como confiável. Um exemplo de crença justificável são os conselhos do medido. Pode-se verificar pela licença sob a qual ele trabalha que o médico recebeu treinamento técnico em algum campo de terapia. Isto significa que sua opinião e conclusões baseiam-se em um conhecimento de experiência pessoal. Não se pode querer que qualquer um seja uma autoridade na multidão de assuntos técnicos de que depende a vida moderna. Uma tal crença então é uma atitude mental razoável em nossos relacionamentos.
Muito daquilo que lemos hoje em publicações populares e mesmo em noticias jornalísticas é totalmente baseado em uma opinião. Uma opinião é uma conclusão não necessariamente fundamentada em fatos, embora possa ser uma crença honesta. Uma opinião pode ser plausível, pode soar de modo racional e parecer lógica em sua apresentação das idéias. Mas plausibilidade não significa necessariamente que os conteúdos sejam verdadeiros. O desconhecimento de um certo conhecimento pode fazer com que uma afirmação pareça convincente.
Na Idade Média parecia plausível que se uma pessoa caminhasse para muito longe numa única direção, acabaria atingindo os limites da Terra. Essa conclusão fundamentava-se na premissa de que a Terra era achatada. Como exemplo mais recente, pessoas que desconhecem as causas de certos fenômenos celestes naturais por elas percebidos aceitam como afirmações plausíveis que esses fenômenos são provocados por seres extretarrestres no espaço.
No que diz respeito a conhecimento abstrato e temas especulativos que não envolvem fatos reais, deveríamos confiar um pouco na crença. Ninguém é verdadeiramente uma autoridade em questões de opinião pessoal e resultantes de mera interpretação individual. Ninguém pode se afirmar como autoridade em algo que não pode ser demonstrado e que consiste apenas em uma convicção pessoal. A verdade deve ter a confirmação da experiência. Não podemos sustentar que alho é verdadeiro se não podemos, igualmente, submetê-lo à prova de nossas experiências sensoriais. Podemos raciocinar até certo ponto que a questão é bastante auto-evidente para nós. Nós, em questão é bastante auto-evidente para nós. Nós, em nós mesmos, podemos não ter qualquer dúvida sobre ela.
Entretanto, expor um conceito a uma análise objetiva pode subseqüentemente provar que ele é falso. Assim, somos obrigados a aceitar as descobertas principais das nossas experiências sensoriais, em contraste com a razão apenas. Se nos recusamos a aceitar o que os sentidos comunicam, a realidade de certas condições podem nos destruir. Não podemos, por exemplo, fechar os olhos e imaginar que uma rua está livre de carros passando, e caminhar para o meio dela sem correr o risco de um desastre.
Portanto, a apresentação racional de um conceito por uma pessoa, sem a comprovação da experiência objetiva, é quando muito uma verdade relativa. Ela é relativa ao raciocínio particular do individuo que a expõe. Em assuntos abstratos, sua contemplação e interpretação pessoal, que para ele representam uma convicção auto-evidente, são equivalentes às de qualquer outro individuo.
Consideremos a noção abstrata de Deus. Este é um conceito sem uma realidade objetiva. Em outras palavras, não existe uma coisa material que seja uma contraparte da idéia de Deus e que tenha aceitação universal por todos os seres humanos. Conseqüentemente, a concepção de Deus alcançada por um individuo possui uma relativa verdade, igual à alcançada por qualquer outro individuo sobre a mesma questão.
Desacreditar nossa opinião sobre assuntos abstratos, simplesmente por ser nossa opinião, e aceitar a de uma outra pessoa, que se diz uma autoridade, é um desnecessário sacrifício da nossa liberdade intelectual. Encontramos essa crença e fé cega muito comumente à mostra hoje em dia. Porque alguém muito popular escreve ou fala de modo convincente sobre um assunto, que não pode ser empiricamente demonstrado, não deve garantir uma crença implícita nas afirmações feitas. Há uma crescente necessidade de um ceticismo saudável.
Um cético não é alguém com uma mente fechada para as postulações e exposições dos outros. Pensar assim é cometer uma injustiça para como verdadeiro cético. O verdadeiro cético é alguém que chegou a uma convicção pessoal sobre um assunto ou questão. Para ele a questão está até certo ponto satisfeita. Ele não é persuadido a substituir sua própria concepção pela de um outro, a menos que os fatos possam refutá-los ou, no caso de ser algo relativo a um assunto abstrato, que surja um argumento mais lógico que o seu.
O verdadeiro cético é um individualista intelectual, alguém que pensa por si mesmo. Ele não é facilmente influenciado pela opinião das massas, pelo fato de um certo numero de pessoas acreditar nisto ou naquilo, ou por uma publicação popular ter feito esta ou aquela declaração. Para esse cético, verdade é realidade. Ela tem de ser aplicável a certas circunstancias e ter preponderância do respaldo das experiências. Se algo tem em si os elementos da verdade, então é merecedor de aceitação, quer tenha ou não a concordância das massas.
O cético, contrariamente à conceituação popular, não é alguém inclinado à descrença. Ele é tão prontamente um buscador do conhecimento quanto o não-cético, sendo que a diferença é que o cético tem certos critérios pelos quais aquilo que é oferecido como conhecimento é avaliado. Esses critérios são a demanda por uma demonstração razoável de tudo o que é declarado, a menos que se trate de conclusões abstratas ‘prima facie’. Em verdade, o cético diz: “Eu quero acreditar. Eu quero saber. Mas não vou aceitar credulamente tudo o que me dizem, nem vou aceitar sem questionar uma opinião sem provas.” Talvez o cético demore um pouco mais para aumentar seu reservatório de conhecimento. Entretanto, ele é menos suscetível de ficar decepcionado ou desiludido.
Como um homem pode ser livre se não pensar por si mesmo? Afinal, só aqueles que ‘pensam fazem uma escolha verdadeira’. Os demais estão sujeitos à influencia da sugestão, seja ela sutil ou direta.
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[Texto de R.M.L]
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