16 de nov. de 2009

TULPAS _ QUANDO OS PENSAMENTOS VIRAM MATÉRIA


É possível um pensamento ser tão fortemente vitalizado a ponto de se tornar visível e até palpável? Budistas tibetanos, místicos e mágicos acreditam que sim. Tanto que muitos deles se dedicam à arte mágica de criar TULPAS – formas-pensamento extremamente poderosas, produzidas por um ato deliberado da vontade.

Certa vez, a ocultista Dion Fortune viveu uma experiência inusitada. Há algum tempo, ela andava alimentando ressentimentos contra alguém que a havia magoado. Deitada na cama, estava pensando no terrível monstro-lobo da mitologia escandinava, Fenrir, quando subitamente viu um grande lobo cinza materializar-se à sua frente e sentiu seu corpo pressionar o dela.

Por tudo que lera a respeito do assunto, ela sabia que precisava dominar a fera imediatamente. Então, enfiou o cotovelo entre as peludas costelas da criatura, jogando-a para fora da cama. O animal desapareceu através da parede.

A história não estava, contudo, terminada. Logo depois, outro membro da família disse ter visto os olhos de um lobo no canto de seu quarto. Dion percebeu que devia destruir a criatura. Invocando-a, viu um fino fio costurar-se diante dela e começou a imaginar que estava tirando a vida da besta puxando aquele fio. O lobo transformou-se gradualmente numa massa cinzenta sem forma até deixar de existir.

Este relato, encontrado no livro “Psychic SelfDefence” [Autodefesa Psíquica], de autoria da própria Dion Fortune, não é o único na literatura mística do Ocidente. Em meados da década de 20, Alexandra David-Neel, uma francesa que 30 anos antes lançara a fama como cantora de ópera, tinha história semelhantes para contar. Já consagrada como soprano, Alexandra viajou para muitos lugares estranhos, onde vivenciou experiências mais bizarras ainda. Entre elas, o encontro com um mágico que lançava encantamentos atingindo seus inimigos com bolos de ‘arroz’ voadores e o aprendizado das técnicas do ‘tumo’ – uma arte oculta que capacita seus adeptos a sentarem-se nus sobre as neves do Himalaia. A mais extraordinária de todas,contudo, foi a que envolveu a criação, através de exercícios mentais e psíquicos, de uma TULPA – forma espectral nascida unicamente da imaginação e tão fortemente vitalizada pela vontade que chega a se tornar visível para outras pessoas. Em poucas palavras, a TULPA é um exemplo extremamente poderoso do que os ocultistas denominam FORMA-PENSAMENTO.

Para entender a natureza da TULPA, é preciso considerar o pensamento-como fazem os budistas tibetanos e a maioria do ocultistas ocidentais – mais do que uma função intelectual. Todo pensamento, acreditam eles, afeta a ‘MENTE MATERIAL’ que permeia o mundo físico, da mesma forma que uma pedra atirada num lago produz ondulações na superfície da água.

Normalmente, as ondulações geradas pelo pensamento tem vida curta, desaparecendo com a mesma rapidez com que foram criadas e deixando impressão efêmera. Se,entretanto, o pensamento é muito intenso, produto de uma paixão ou de um temor profundo, ou de longa duração, objeto de preocupação constante ou meditação, sua ondulação constrói uma forma-pensamento mais vívida e duradoura.

As TULPAS e outras formas-pensamento não são consideradas ‘reais’ pelos budistas tibetanos. Mas, de acordo com eles, tampouco o mundo da matéria que nos rodeia e nos parece bastante sólido é ‘real’. Ambos são ilusórios. Um budista clássico do século 5 disse:
=> ”Todos os fenômenos originam-se na mente e não tem realmente uma forma externa;portanto, como não existem formas externas, é um erro pensar que existe qualquer coisa externamente. Todos os fenômenos provêm simplesmente de falsas noções da mente. Se a mente se libera dessas falsas idéias, todos os fenômenos desaparecem”.

Se as crenças a respeito das formas-pensamento sustentadas pelos monges budistas, místicos e mágicos ‘são verdadeiras’, muitos acontecimentos fantasmagóricos, aparições e lugares envoltos em forte ‘atmosfera psíquica’ podem ser facilmente explicados. Parece plausível, por exemplo, que as formas-pensamento criadas pelos violentos e passionais processos mentais de um assassino, suplementados pelas emoções de terror de sua vítima, possam permanecer na cena do crime por meses, anos ou mesmo séculos. Essa permanência poderia produzir intensa depressão e ansiedade naqueles que visitassem o lugar assombrado. E, se as formas-pensamento forem suficientemente poderosas, aparições, como a reencenação do crime, poderão ser testemunhadas por pessoas dotadas de sensitividade psíquica.

Discípulos do ocultismo afirmam que, algumas vezes, os ‘espíritos’ que assombram determinado lugar são, na realidade, formas-pensamento deliberadamente criadas por algum feiticeiro para servir a seus propósitos.

A existência de formas-pensamento fortes o bastante para reencenar o passado poderia também explicar os relatos, disseminados em todos o mundo, de visitantes de velhos campos de batalhas que assistiram a embates militares ocorridos muito tempo atrás.

A TULPA não é mais que uma forma-pensamento extremamente poderosa, não diferente em sua natureza essencial de muitas outras aparições. O que a distingue de uma forma-pensamento qualquer é o fato de adquirir vida não por acidente – como efeito colateral de um processo mental – mas, por um ato deliberado de vontade.

Embora a palavra TULPA seja de origem tibetana, há místicos e iniciados em quase todas as partes do planeta que asseguram ser capazes de construí-la, primeiramente contraindo e coagulando parte da mente material do universo e depois transferindo para ela algo de sua própria vitalidade.

Na região de Bengala, pátria por excelência do ocultismo indiano, essa técnica, denominada KRIYA SHAKTI [PODER CRIATIVO], é estudada e praticada pelos adeptos do tantrismo – um sistema mágico-religioso que incorpora aspectos espirituais da sexualidade e reúne tanto hindus quanto budistas entre seus devotos. Iniciados nos chamados cultos tântricos de ‘esquerda’, nos quais homens e mulheres entregam-se a rituais sexuais com finalidades místicas e mágicas, seriam especialmente habilitados em KRIYA SHAKTI. Isto porque a intensa excitação física e cerebral produzida durante o orgasmo engedraria formas-pensamento excepcionalmente vigorosas.

Muitas das técnicas místicas tibetanas originaram-se em Bengala, mais particularmente no tantrismo bengali. Há uma semelhança muito grande entre os exercícios físicos, mentais e espirituais praticados pelos iogues tântricos de Bengala e as disciplinas secretas do budismo no Tibete. Parece também que os tibetanos extraíram suas ‘TEORIAS’ sobre as ‘TULPAS’, bem como seus métodos de criar essas estranhas entidades, dos praticantes bengalis do KRIYAM SHAKTI.

Os novatos começam seu treinamento na arte mágica de criar TULPAS adotando um dos deuses do panteão tibetano como “deidade tutelar” – uma espécie de santo padroeiro. Mas, ao mesmo tempo em que encaram os deuses respeitosamente, os iniciados tibetanos não lhes devotam grande admiração. Isso porque, de acordo com a crença budista, apenas de terem fabulosos poderes sobrenaturais, os deuses não passam de escravos da ilusão, tão presos à roda do nascimento, morte e renascimento como o mas humilde dos camponeses.

O discípulo retira-se para uma ermida ou ouro lugar recluso e medita sobre sua deidade tutelar, conhecida como YIDAM, por muitas horas. Aqui, ele combina a contemplação dos atributos espirituais tradicionalmente associados ao YIDAM com exercício de visualização, destinados a construir no olho da mente uma imagem da deidade como retratada em pinturas e esculturas. E, para assegurar que cada instante de sua vigília seja dedicado à concentração no Yidam, continuamente entoa frases místicas relacionadas à deidade.

O iniciado também constróis o KYILKHORS – literalmente, círculos, mas,na verdade, diagramas simbólicos que podem ter qualquer formato -, considerado sagrado para seu patrono. Algumas vezes, desenhará esses diagramas com tintas coloridas no papel ou na madeira. Outras vezes gravará as figuras em cobre ou prata. Ou ainda traçará seu contorno no chão com pós coloridos.

A preparação dos KYILKHORS deve ser feita com o máximo cuidado, pois o mais leve desvio do padrão tradicional associado a um determinado YIDAM pode ser extremamente perigoso, colocando o imprevidente discípulo em risco de obsessão, loucura, morte ou de estagiar milhares de anos em um dos infernos da cosmologia tibetana.

É interessante comparar essa crença com a idéia amplamente disseminada por ocultistas ocidentais de que, se um mago, ao convocar um espírito para que se torne visível, desenham de maneira incorreta seu círculo mágico de proteção, será feito em pedaços.

Se o discípulo persiste nos exercícios prescritos, vê seu YIDAM, primeiro nebulosamente e em seguida com persistência e completa – e por vezes terrificante – nitidez.

Mas esse é apenas o estágio inicial do processo. A meditação, a visualização da deidade, a repetição das frases de contemplação dos diagramas místicos deve ser ininterrupta até que a TULPA, na forma do YIDAM, realmente se materialize. Nesse momento, o devoto pode sentir os pés da TULPA ao por a cabeça sobre eles, ver seus olhos seguindo-o enquanto se move ou até conversar com ela.

Por fim, a TULPA pode ser preparada para deixar as vizinhanças dos KYILKHORS e acompanhar o devoto em suas jornadas.

ALEXANDRA DAVID-NEEL conta como “viu” um desses fantasmas, curiosamente, antes mesmo que ele se fizesse visível para seu criador. Na ocasião, interessada na arte budista, ela recebeu a visita de um pintor tibetano, especializado em retratar deidades enfurecidas. Quando o artista se aproximou, ela ficou pasma ao perceber, atrás dele, um daqueles raivosos e desagradáveis seres. Chegando-se mais perto do fantasma, ela estendeu um dos braços em sua direção e sentiu como se estivesse tocando um objeto macio, cuja substância cedeu sob seu contato.

O pintor contou-lhe, então, que havia algumas semanas estava envolvido em ritos mágicos, invocando o deus cuja forma ela vira. Acrescentou ainda que havia gasto a manhã toda pintando seu retrato.

Intrigada com a experiência, Alexandra decidiu criar sua própria TULPA. Para evitar a influencia das inúmeras pinturas e imagens tibetanas que havia conhecido em suas viagens, decidiu criar então um deus, mas um gordo e bem-humorado monge que poderia visualizar com clareza. Retirou-se para uma ermida e por alguns meses devotou cada minuto desperto a exercícios de concentração e visualização. Logo, o monge começou a aparecer em breves relances, que ela captava pelo canto dos olhos. Em seguida, tornou-se mais sólido e vívido. Finalmente, quando ela deixou a ermida para iniciar uma jornada, o monge, agora claramente visível, engajou-se na caravana, praticando ações que ela não comandava nem esperava conscientemente que ele praticasse. Por exemplo, ele andava e parava para olhar ao seu redor como um viajante costuma fazer. Em determinadas ocasiões, ela chegou a sentir o manto dele roçar em sua pele, e, certa vez, teve a impressão de que uma mão tocava o seu ombro.

A TULPA de Alexandra David-Neel passou, então, a tomar atitudes inesperadas e indesejáveis. Assumiu uma expressão maligna e tornou-se “problemático e impertinente”. Um dia, um pastor que havia dado a ela um pouco de manteiga de presente viu a TULPA em sua tenda, e pensou que fosse um monge de verdade. A criatura estava definitivamente fora do controle de sua criadora, transformando-se no que ela classificou de “pesadelo diário”. Resolveu, por isso, livrar-se dela. Foram seis meses de esforço concentrado e meditação.

Se esta e muitas outras histórias similares contadas no Tibete são verídicas, a construção de TULPAS não é assunto para ser tratado com leviandade. É, pelo contrário, um fascinante exemplo dos notáveis poderes da mente humana.

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[Por Anna Clara Alves]

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