Nasceu em Derby, em 1820. De ambos os lados, pais não conformistas ou “Dissenters”. A avó paterna fora devotada adepta de John Wesley; seu tio paterno, Thomas, embora sacerdote anglicano, chefiou um movimento wesleyano dentro da Igreja, nunca assistiu a concertos ou peças de teatro e tomou parte ativa nos movimentos políticos. Este impulso para a heresia tornou-se mais forte no pai, culminando no quase obstinado individualismo de Herbert Spencer. Seu pai jamais recorreu ao sobrenatural para a explicação do que quer que fosse e viu-se acoimado por alguém de suas relações como “homem sem religião” de qualquer espécie [embora Spencer considerasse isso exagero]” [*Spencer: Autobiografy]. Era, sim, inclinado à ciência e escrevera uma Inventional Geometry; na política foi um individualista como o filho e “jamais tirava o chapéu para alguém,fosse lá quem fosse”. “Se não podia responder a alguma pergunta que minha mãe lhe fazia, calava-se sem entrar em indagações. Foi assim durante a vida inteira”. Isto nos faz lembrar da resistência de Herbert Spencer em seus últimos anos contra a extensão das funções do estado.
O pai, bem como um tio e avô paterno, foram professores em escolas particulares, mas apesar disso o filho, destinado a ser o maior filosofo inglês do século, permaneceu ineducado até os quarenta anos. Spencer era preguiçoso e seu pai indulgente. Por fim, aos treze anos, foi enviado a Hinton para estudar com o seu tio, homem de reputação severa. O menino, porém, fugiu e regressou a casa paterna em Derby, caminhando 48 milhas no primeiro dia, no segundo e 20 no terceiro, alimentando-se de um pouco de pão e cerveja. Não obstante, tornou-se para Hinton algumas semanas mais tarde e lá permaneceu três anos. Foi o único estagio escolar sistemático de sua vida. Mais tarde não pode dizer o que lá aprendeu; não aprendera nem historia, nem ciências naturais, nem literatura. E diz com perceptível orgulho: “Nem na juventude, nem na mocidade recebi jamais uma só lição de inglês – e que eu tenha vivido até agora sem nenhum conhecimento formal de sintaxe é fato que deve ser conhecido, visto como contrária dogmas universalmente aceitos”. Na idade de quarenta anos procurou ler a Iliada, mas “logo no começo compreendi o árduo da tarefa e senti que pararia uma boa soma para me libertar da leitura do resto”. Collier, um dos seus secretários, conta que Spencer jamais concluía a leitura de um livro de ciência [*Royce:Herbert Spencer]. Ainda nos seus campos favoritos jamais se impunha instrução sistemática. Queimou o dedo e teve varias explosões nas suas experiências químicas; caçava bichinhos em redor da escola e em casa, e aprendeu alguma coisa de estratigrafia e fosseis em seus trabalhos de engenharia civil; no resto foi apanhando sua ciência onde e como pode. Até os trinta anos jamais havia pensado em filosofia. Por essa idade leu Lewes e experimentou passar para Kant; vendo, porém, logo no começo, que Kant considerava o espaço e o tempo como percepções dos sentidos e não coisas objetivas, decidiu que o filosofo alemão era um idiota e jogou o livro para um canto. Conta o seu secretário que Spencer compôs o primeiro livro, Estática Social, “sem nada ler de tica senão um velho e esquecido livro de Jonathan Daymond”. E escreveu a sua Psicologia apenas com algumas leituras de Hume, Mansel e Reid; e sua Biologia, depois de ler unicamente a Filosofia Comparada de Carpenter [não lera a Origem das Espécies]; e sua Sociologia, sem ler Comte ou Tylo; e sua Ética, sem ler Kant, Mill ou qualquer outro moralista afora Sedgwick. Que contraste com a incansável educação de John Stuart Mill!
Onde, então, encontrou Spencer os milhares de fatos de que lançou mão para documentar milhares de asserções? Spencer “picked them up” - caçava-os na maior parte pela observação direta em vez de em livros. “Sua curiosidade estava sempre alerta e vivia ele chamando a atenção dos companheiros para algum fenômeno notável até então só observado pelos seus olhos”. No Athenaeum Club sugava Husley e outros amigos de todos os conhecimentos especializados que possuíam; e percorria as publicações recebidas pelo clube, como antes o fizera com as que passavam pelas mãos de seu pai, com destino a Philosophical Society, de Derby – “Corria o olhar de lince sobre tudo quanto era fato aproveitável para o seu moinho”. Havendo determinado o que queria fazer, e tendo encontrado a idéia central, Evolução, que seria o pivô de toda a sua obra, seu cérebro agia com imã para qualquer fato que lhe aproveitasse – e com espantosa capacidade ordenadora classificava automaticamente o material a medida que ia entrando. Não admira que os proletários e homens de negócios os ouvissem com encanto; era Spencer um cérebro do mesmo tipo – estranho a cultura livresca, inocente de “cultura”, mas fortemente dotado da capacidade de conhecimento positivo do homem que aprende no trabalho e na vida.
Porque Spencer trabalhava par viver, havendo a sua profissão intensificado a tendência pratica do seu pensamento. Era “supervisor” de estradas de ferro e pontes – engenheiro, em suma. Lidou com muitas invenções; todas falharam, mas na Autobiografia olha-as com amor de pai com filhos inválidos; as paginas dessas memórias estão cheias de patentes de depósitos de sal, cântaros, extintores de vela, cadeiras de aleijados, e que tais. Como é freqüentemente na mocidade, também adotou novos regimes de alimentação, havendo sido vegetariano em certa época; mas abandonou o regime ao ver um vegetariano atacado de anemia e ao perceber que próprio andava a perder em vigor. “Vi-me forçado a refazer o que havia escrito na minha fase vegetariana por estar a sentir-me mais fraco”. Nesse período Spencer estava sempre pronto para promover experiências; pensou em emigrar para Nova Zelândia, esquecido de que os países novos não são próprios para a filosofia. Fez uma lista de razões pró e contra a mudança, dando a cada razão um numero. A soma de pontos foi de 110 pró Inglaterra e 301 pró Nova Zelândia - e ficou na Inglaterra.
Seu caráter tinha todos os defeitos de suas virtudes. Sacrificou ao resoluto realismo e ao senso pratico, perdendo a poesia e a arte da vida. O único vislumbre poético em seus vinte volumes foi devido a um impressor que o fez falar da “diária versificação das predições cientificas”. Sua grande tenacidade muitas vezes degenerou em obstinação; era capaz de varrer o mundo inteiro em coleta de provas para suas hipóteses, mas não conseguia colocar-se no ponto de vista dos outros; tinha o egotismo que gera o não-conformista e não sabia conduzir sua grandeza sem orgulho. Como pioneiro sofria as limitações de todos os pioneiros; estreiteza dogmática, aliada a corajosa candura e intensa originalidade; resistia severamente a lisonja, rejeitava honras oficiais e durante quarenta anos prosseguiu o seu penoso trabalho em modesta reclusão e má saúde. Filho e neto de professores, compunha seus livros de palmatória na mão e sempre em tom didático. “I am never puzzled”. Seu solitário viver de solteiro negou-lhe a tepidez humana, embora ele fosse indignamente humano. Teve um contato amoroso com “o grande inglês” George Eliot, mas essa mulher possuía muito intelecto para agradar a Spencer. A seu estilo faltaram humor e nuanças da sutileza. Quando perdia uma partida de bilhar, acusava o companheiro de devotar muito tempo aquele exercício com a intenção de se tornar perito. Na Autobiografia fez a critica dos seus primeiros livros, mostrando como deviam ser escritos.
Aparentemente a magnitude de sua tarefa o compeliu a olhar para a vida com mais seriedade do que a vida merece. “Fui a fête de St. Cloud, domingo”, esteve de Paris, “e muito me diverti com a juvenilidade dos adultos. Os franceses nunca cessam totalmente de ser rapazes; vi homens grisalhos correndo em carroceis como os das nossas feiras”. Preocupava-se tanto em descrever a vida que não teve tempo de vivê-la. Depois de uma visita a catarata do Niagara, lançou em seu diário: “Era o que eu esperava”. Descrevia os incidentes mais comuns com magnífica pedantaria – como quando nos fala da única vez que jurou [*Tindall disse dele que seria um muito melhor companheiro se praguejasse de vez em quando]. Não sofreu crises, não foi afetado pelo romantismo [se é que suas memórias dizem tudo]; teve algumas intimidades mas sobre elas fala quase que matematicamente; na amizade não mostrou paixão. Um amigo disse-lhe não poder ditar quando a estenografia era moça e Spencer confessou que a ele isso lhe era indiferente. Seu secretario conta: “Os lábios finos diziam de uma total ausência de sensualidade e os olhos claros traiam a falta de emoção profunda” [*Royce]. Daí a monótona igualdade do seu estilo; Spencer nunca se exalta, nem usa pontos de admiração; em um século romântico, permanece um modelo de dignidade e reserva.
Seu cérebro era excepcionalmente lógico; jogava com os a prioris e os a posterioris com a precisão de um enxadrista. Tornou-se o mais claro expositor de doutrinas que a história conhece; sobre os mais complexos problemas escreveu em termos tão lúcidos que por uma geração o mundo inteiro passou a interessar-se pela filosofia. “È de notar, diz ele, que possuo uma notável faculdade expositiva – e estabeleço meus dados, raciocínios e conclusões com clareza e coerência invulgares”. Spencer gostava das largas generalizações e fazias as suas obras ainda mais interessantes pelas hipóteses do que pelas provas. Huxley nota que a sua idéia da tragédia era a de “uma teoria trucidada por um fato”; e como existissem muitas teorias em sua cabeça, diariamente tinha Spencer de avir-se com tragédias. Impressionado com o andar vacilante de Buckle, disse Huxley a Spencer: “Ah, ele tem a cabeça muito cheia”. Ao que o filosofo acrescentou: “Buckle encheu-a de mais fatos do que pode ela organizar”. Com Spencer dava-se o contrário; organizava mais do que enceleirava. Era todo síntese e coordenação, e depreciava Carlyle por não ser assim. A paixão da ordem tornou-se afinal escravizadora – Spencer passou a não resistir a uma generalização brilhante. Mas o mundo estava a clamar por um cérebro assim; um cérebro que pudesse transformar a congerie dos fatos em uma ordem humana de clareza cegante – e o serviço que ele prestou a sua geração sobrepuja de longe todas as suas falhas. Se aqui o pintamos com franqueza é porque amamos melhor um grande homem quando lhe conhecemos todos os fracos – e dele desconfiamos quando nos é apresentado como o suprassumo da perfeição.
“Até esta data”, escreveu Spencer aos quarenta anos, “minha vida pode ser considerada como miscelanica. Raramente a carreira de um filosofo mostrou tanta vacilação. “Por esse tempo [vinte e três anos] minha atenção se voltou para o fabrico de relógios”. Mas gradualmente encontrou o seu terreno e nele laborou com a tenacidade do homem do campo. Em 1842 escreveu para o Non-conformist [note-se o veiculo escolhido] algumas cartas sobre “A Verdadeira Esfera do Governo”, que encerravam os germes da sua filosofia do laizess faire dos últimos tempos. Seis anos mais tarde abandonou a engenharia para editar The Economist. Aos trinta, quando atacou os ensaios sobre a moral de Daymond e seu pai o desafiou a fazer uma obra assim, escreveu a Social Statics, que teve pequena venda mas penetrou nas revistas.Em 1852 seu ensaio “A Teoria da População” [um dos muitos exemplos da influencia de Malthus no pensamento do século dezenove]sugeriu que a luta pela vida conduz a sobrevivência dos mais aptos – e cunhou para sempre essa frase histórica. No mesmo ano seu ensaio sobre o desenvolvimento das hipóteses bateu a surrada objeção de que a origem de novas espécies por modificações progressivas das velhas era fenômeno jamais visto – mostrando que esse argumento contrabatia fortemente, isso sim, o conceito da “criação especial” de novas espécies por Deus; e demonstrou que o desenvolvimento de novas espécies não era mais maravilhoso ou incrível que o desenvolvimento do homem ou da planta a partir do óvulo ou da semente. Em 1855 seu segundo livro, Princípios de Psicologia, empreendeu traçar a evolução do espírito. Depois, em 1857, veio o ensaio sobre o progresso, suas leis e causas, onde retomou a idéia de Von Baer, do crescimento de todas as formas vivas pela passagem de começos homogêneos para desenvolvimentos heterogêneos, erigindo-a como um principio geral de historia e de progresso. Spencer estava, em suma, abeberado do espírito de sua época e pois apto para tornar-se o filosofo da evolução universal.
Quando em 1858 revia seus ensaios para a publicação definitiva, viu-se impressionado pela unidade e seqüência das idéias que havia expresso; e como um raio de sol, que entra pela janela, veio-lhe o pensamento de que a teoria da evolução podia ser possível explicar por meio dela não só a vida das espécies e gêneros como os planetas e estratos, e a historia política e social, e a moral e a estética. Spencer teve a visão de uma série de obras onde mostrasse a evolução da matéria e do espírito, da nebulosa ao homem, do selvagem a Shakespeare. Mas quase perdeu o animo quando se lembrou que já estava próximo dos quarenta anos. Como poderia um homem dessa idade, e quase invalido, percorrer todas as esferas do conhecimento antes de morrer? Três anos antes havia tido uma seria depressão nervosa e durante dezoito meses errava desesperançado de um ponto para outro. A consciência das suas possibilidades agravava ainda mais o seu mal-estar. Tinha a certeza de nunca restabelecer completamente a saúde e de cada vez não suportava mais de uma hora de trabalho mental. Nunca houve um homem menos adequado à tarefa que escolheu nem que a ela se entregasse tão tarde.
Spencer era pobre. Nunca dera muita atenção ao ganhar dinheiro. “Não pretendo ganhar dinheiro: acho que não vale a pena” [*J.A.Thonson; Herbert Spencer].Resignou a direção do The Economist ao receber o legado de 2.400 dólares de um tio; mas sua vadiagem consumiu o legado. Ocorreu-lhe então que poderia arranjar subscritores para as obras planeadas. Preparou o esquema que submeteu a Huxley, Lewes e outros amigos, os quais lhe arranjaram um imponente começo de lista ótimo para ornamentar os prospectos – Kings-Ley, Lyell, Hooker, Tyndall, Buckle, Froude, Bain, Herschel e outros. Publicado em 1860, esse prospecto rendeu 440 subscrições na Europa e 200 na América; o total produzia a modesta soma de 1.500 dólares por ano. Spencer deu-se por satisfeito e atirou-se ao trabalho.
Mas depois da publicação dos “Primeiros Princípios”, em 1862, muitos subscritores cancelaram seu nomes; a primeira parte da obra, que tentava reconciliar a ciência e a religião, ofendeu os dois lados. A tarefa de anjo da paz é espinhosa. Os Primeiros Princípios e a Origem das Espécies tornaram-se o centro da grande Batalha dos Livros, na qual Huxley serviu de generalíssimo das forças do darwinismo e do agnosticismo. Por uns tempos os evolucionistas foram conservados em severo repudio pelas pessoas respeitáveis; eram denunciados como monstros da imoralidade, sendo de bom tom insultá-los em publico. Os subscritores de Spencer falhavam de varias maneiras, obrigando-o a prosseguir como podia, pagando do seu bolso os deficits das edições. Por fim a coragem e os fundos exauriram-se, e ele endereçou uma nota aos subscritores declarando que a obra não podia ir avante.
Ocorreu então o imprevisto. O Mario rival de Spencer, o homem que encabeçava a filosofia inglesa antes do aparecimento dos Primeiros Princípios e se via agora obumbrado pelo filosofo da evolução, escreveu-lhe a 4 de fevereiro de 1866 o seguinte:
*caro Senhor:
Chegando cá a semana passada encontrei o fascículo de dezembro da sua Biologia, e é inútil frisar o quanto lamentei os dizeres da nota inclusa...Proponho-me garantir os interesses do editor contra qualquer perda, para que a obra prossiga...Peço que não considere esta proposta um favor pessoal, embora, se o fosse, eu ainda me atreveria a esperar que me fosse permitido fazê-la. Não se trata disto, porém, e sim de uma simples proposta de cooperação para um importante propósito de bem geral que vem consumindo o seu trabalho e a sua saúde.
Sou, meu caro senhor, com alta estima
J.S.Mill.
Spencer recusou cortesmente; Mill, porém, correu amigos e os fez subscreverem 250 exemplares cada um. Spencer de novo objetou e não foi demovido. Nisto chega da América uma carta do Prof. Youmans, dizendo que os admiradores transatlânticos de Spencer haviam adquirido em nome do filosofo sete mil dólares de títulos públicos cujos interesses lhe caberiam. Spencer, então, cedeu; o espírito da doação renovou a sua inspiração e o fez retomar o trabalho – e durante quarenta anos deu-se-lhe totalmente, até ver publicados todos os volumes da Filosofia Sintética. Este triunfo do espírito sobre a doença, e mais mil obstáculo, é um dos raios do sol do livro da humanidade.
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