1]A Vontade de Viver
Quase sem exceção, os filósofos tem colocado a essência do espírito no pensamento e na consciência; o homem fez-se o animal que conhece, o animal rationale. “Este velho erro universal, este enorme próton pseudos [primeira mentira, erro inicial], tem antes de mais nada de ser posto de banda” [*II,409. Schopenhauer esquece (ou foi daí que partiu?) a enfática declaração de Spinoza: ‘O desejo é a verdadeira essência do homem’. – Ética, Fichte também deu relevo a vontade].”Consciência é a mera superfície do nosso espírito, do qual, como da terra, só conhecemos a crosta”. Sob o intelecto consciente está a Vontade consciente ou inconsciente, um persistente ímpeto vital, uma atividade espontânea, uma força de imperioso desejo. O intelecto pode as vezes parecer liderar a vontade, mas somente como um guia lidera o viajante; a vontade “é um alentado cego que leva aos ombros um aleijado que enxerga”. Nós não queremos uma coisa por que tenhamos razões para isso; descobrimos razões para isso porque queremos a coisa; chegamos até a elaborar teologias e filosofias para vestir nossos desejos [*Fonte de Freud]. Daí chamar Schopenhauer ao homem “animal metafísico”: os outros animais desejam sem metafísica. “Nada mais desesperante, quando estamos seguindo com um homem por meio de razões e explicações, e nos esforçando por convencê-lo, do que descobrir afinal que ele não quer compreender e que temos de nos avir com a sua vontade”. Veja-se como é duradoura a lembrança das nossas vitórias e rápido o esquecimento das nossas derrotas; a memória está a serviço da vontade [*Ensaios; ‘Conselhos e Máximas’].”Fazendo contas,cometemos erros a nosso favor com mais freqüência do que contra e isto sem a menos intenção desonesta”. “Por outro lado, a compreensão do mais estúpido dos homens se torna aguda quando o objeto em questão diz de perto com seus desejos; em geral o intelecto se desenvolve com o perigo, como na raposa, ou por necessidade, como no criminoso. Mas sempre aparece subordinado e como instrumento do desejo; quando tenta deslocar a vontade, a confusão sobrevêm. Pessoa nenhuma está mais sujeita a erro do que a que age unicamente pela reflexão”.
Considere-se a luto do homem pelo alimento, pela mulher ou pela prole; pode ser isto obra da reflexão? Nunca: a causa está na semi-consciente vontade de viver e de viver bem. “Os homens só aparentemente são puxados; na realidade são empurrados; julgam-se atraídos pelo que enxergam na frente quando na verdade são propelidos pelo que sentem – por instintos de cuja operação as mais das vezes eles não tem nenhuma consciência. O intelecto é meramente o ministro dos negócios exteriores; “a natureza o criou para o serviço da vontade individual. Por isso só conhece das coisas enquanto elas fornecem motivos para a vontade; e não cura de aprofundá-las, ou compreendê-las na verdadeira essência” [*Fonte de Bérgson].”A vontade é o único elemento permanente e imutável do espírito...é a vontade que, ‘através da continuidade de propósito’, dá unidade a consciência e liga todas as idéias e vontades, acompanhando-os como uma eterna harmonia”.
O caráter reside na vontade, não no intelecto; o caráter também é uma continuidade de propósito e atitude; e isto é vontade. O povo está certo quando prefere ‘coração’ a ‘cabeça’; o povo sabe [porque não raciocinou a respeito] que uma “boa vontade” é algo mais profundo e de mais confiança que uma cabeça clara; e quando o povo diz de um homem que é “fino”, que “sabe” ou é “hábil” implica nessas palavras a sua desconfiança.”Qualidades brilhantes de espírito movem a admiração,mas nunca a afeição; e ‘todas as religiões prometem recompensas para a boa vontade ou o ‘bom coração’, sem se lembrarem de fazer o mesmo para as excelências do intelecto”.
O próprio corpo é um produto da vontade. O sangue, impelido por essa vontade que vagamente chamamos de vida, constrói seus próprios caminhos com abrir estradas no corpo do embrião; e essas entradas aprofundam-se e fecham-se e tornam-se artérias e veias. A vontade de conhecer constrói o cérebro do mesmo modo que a vontade de agarrar constrói as mãos e a vontade de comer constrói o sistema digestivo [*II,486. É esta a idéia de Lamarcj sobre o crescimento e a evolução; desejos e funções compelindo estruturas e produzindo órgãos].Na realidade estes pares – estas formas de vontade e estas formas de carne – são apenas dois lados de um processo ou de uma realidade. A relação torna-se mais clara na emoção, onde o sentimento e as mudanças corporais internas formam uma unidade complexa.
- O ato de vontade e o movimento do corpo não são duas coisas diferentes e objetivamente conhecidas que o laço da causalidade une; não se relacionam como a causa e efeito; são uma e a mesma fluindo por sendas diversas...A ação do corpo não passa de um ato e vontade objetivado. Isto é verdade em todos os movimentos do corpo; o corpo inteiro nada mais é do que vontade objetivada. As partes do corpo, conseqüentemente, correspondem aos principais desejos por meio dos quais a vontade se manifesta; são a expressão visível desses desejos. Dentes, garganta e intestinos objetivam a fome; os órgãos reprodutores objetivam o desejo sexual...O sistema nervoso constitui as antenas da vontade, espalhadas dentro e fora...Como o corpo humano em geral corresponde a vontade humana em geral, assim a estrutura corporal do individuo corresponde a vontade individualmente modificada – o caráter da pessoa.
O intelecto cansa, a vontade nunca; o intelecto necessita de sono, a vontade trabalha mesmo durante o sono. A fadiga, como a dor, tem sua sede no cérebro; os músculos não ligados ao cérebro jamais se fatigam [como o coração] [*II,424. Mas não haverá algo como a saciedade ou exaustão do desejo? Na fadiga profunda ou na doença a própria vontade de viver desvanece].No sono o cérebro se alimenta; a vontade não requer alimentos. Daí ser grande a necessidade do sono nos trabalhadores cerebrais. [Este fato “não nos deve induzir a dormir demais, porque então o cérebro perde em intensidade e o mais sono resulta apenas em perda de tempo”]. No sono a vida do homem mergulha-se na zona vegetativa, e então “a vontade de acordo com a sua natureza essencial, ou original, não perturbada externamente por nenhuma diminuição de sua força através da atividade do cérebro e do esforço de conhecer que é a mais pesada de todas as funções orgânicas...por isso o poder total da vontade no sono dirige-se para a conservação e melhoramento do organismo. Todas as crises favoráveis a cura dão-se durante o ‘sono’, Burdach estava certo quando afirmou ser o sono o estado natural. O embrião dorme quase continuamente, e a criança nova muito mais do que vigília. A vida é “uma luta contra o sono: no começo ganhamos terreno; no fim esse terreno é reconquistado. O sono é um pedaço de morte que vem renovar a parte da vida que o dia exauriu”. É o nosso eterno inimigo; ainda quando estamos despertos nos empolga parcialmente. E, afinal de contas, que se pode esperar de cabeças, por melhores que sejam que todas as noites se tornam o cenário dos mais absurdos sonhos e ao acordar tem que retomar a meditação no ponto em que o sono a interrompeu na véspera?
A vontade, pois, é a essência do homem. E não o será da vida em todas as suas formas inclusive a ‘inanimada’ matéria? Não será a Vontade a longamente procurada e já desesperada “coisa em si” – a realidade intima, a essência ultima das coisas?
Experimentemos interpretar o mundo externo em termos de vontade. Onde outros disseram que a vontade é uma forma de força, digamos que a força é uma forma de vontade. Para a pergunta de Hume – Que é causalidade? – responderemos: Vontade. Como a vontade é a causa universal em nós mesmos, assim o é nas coisas; e a não ser que entendamos causa como vontade, a causalidade permanecerá apenas uma formula mágica e mística, na realidade sem sentido. Sem este segredo somo arrastados para meras qualidades como “força”, ou “gravidade”, ou “afinidade”; não sabemos o que são essas forças, mas pelo menos um pouco mais claramente sabemos o que é vontade; seja-nos permitido dizer então que repulsão, atração, combinação, decomposição, cristalização, magnetismo, eletricidade e gravidade são Vontade. Goethe expressou esta idéia no titulo de um dos seus romances, quando a irresistível atração de dois amorosos chamou de die Wahlverwandschaften – afinidade eletivas. A força que impele os amantes e a que arrasta no espaço o planeta, é a mesma.
O mesmo na vida das plantas. Quanto mais descemos na escala das formas de vida, tanto menos vemos o papel do intelecto – mas não o da vontade.
Aquilo que em nós prossegue seus fins por meio do conhecimento, mas nas formas inferiores da vida luta cegamente e sempre de modo invariável, cai em ambos os casos sob a mesma designação – Vontade...A inconsciência é a condição natural de todas as coisas e por isso a base da qual, em todas as espécies de seres, a consciência ressurge para sua mais alta florescência; por conseguinte ainda aí a inconsciência contínua a predominar. De acordo com isto, a maior parte das existências não tem consciência e age de acordo com as leis da sua natureza, isto é, de sua vontade. As plantas possuem uma analogia de consciência muito fraca; as mais baixas espécies de animais, apenas um luar de consciência. Mas ainda depois de ascender através de toda a série animal até ao homem e sua razão, a inconsciência das plantas, da qual tudo partiu, permanece como fundamento e pode ser percebida na necessidade do sono.
Aristóteles tinha razão: há uma força interna que molda todas as formas, nas plantas e nos planetas, nos seres inferiores e no homem: “O instinto dos animais nos dá a melhor ilustração do que subsiste de teleologia na natureza. Porque é uma ação similar a que é guiada pela concepção de um fim, e é inteiramente sem fim”. A maravilhosa habilidade mecânica dos animais mostra-nos como a vontade precede o intelecto. Um elefante que viajara por toda a Europa e atravessara centenas de pontes, recusou-se a atravessar uma ponte fraca, embora visse que muitos cavalos e homens por ela haviam passado. Um cãozinho novo tem medo de pular de cima de uma mesa; prevê o efeito da queda [porque nele ainda não há nenhuma experiência da queda], não por meio do raciocínio, mas do instinto. Orangotangos aquecem-se em todos os fogos que encontram, mas não alimentam as fogueiras; obviamente tal ação é instintiva e exprime, em vez do intelecto, a vontade.
A vontade, sem duvida, é uma vontade de viver e de viver no ‘maximum’. Como a vida é cara a todos os seres! “Por milhares de anos o galvanismo dormiu no cobre e no zinco, e o cobre e o zinco viveram calmamente ao lado da prata, mas esta se consome em chama logo que os três elementos são reunidos sob certas condições. Ainda no mundo orgânico vemos uma semente seca preservar a adormecida força da vida por três mil anos; e logo que condições favoráveis acorrem, desenvolver-se em planta”. Sapos vivos encontrados nos calcareos levam a conclusão de que ainda a vida animal pode ser suspensa por milhares de anos. A vontade é a vontade de viver; e seu eternos inimigo, a morte. Mas não poderá essa vontade derrotar a morte?
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2]A Vontade de Reproduzir
Pode, pela estratégia e pelo martírio da reprodução. Cada organismo normal sacrifica-se na maturidade a tarefa da reprodução, desde o aranho que a fêmea fecundada devora ou a vespa que se devota a acumular mel para a prole, até o homem que se mata no esforço de alimentar, vestir e educar os filhos. A reprodução é o propósito ultimo de cada organismo e seu instinto mais enérgico; porque só por meio desse instinto consegue vencer a morte. E para assegurar essa conquista a vontade de reprodução coloca-se inteiramente fora do controle do intelecto; até os filósofos ocasionalmente tem filhos.
*A vontade mostra-se aqui independente do conhecimento e age as cegas, como na natureza inconsciente...Com efeito, os órgãos reprodutores são os focos da vontade e formam o pólo oposto do cérebro, que é a sede do conhecimento...Constituem o principio sustentador da vida, assegurando-lhe a continuidade – e por isso os gregos adoravam o phallus e os hindus, o lingam. Hesíodo e Parmênides disseram com muito acerto ser Eros o principio criador do qual todas as coisas decorrem. A união dos sexos...é realmente o invisível ponto central de toda ação ou conduta, e transparece de tudo, apesar dos véus sobre ele atirados. É a causa da guerra e o fim da paz; a base do que é sério e a mira do que é gracejo; a inexaurível fonte do engenho, a chave de todas as alusões e de todas as insinuações misteriosas [*Fonte da teoria de Fredu sobre o ‘engenhó e a inconsciência’]; vemo-la, a cada momento, como a verdadeira senhora do mundo e na plenitude da sua força sentar-se em seu trono ancestral, de onde olha para baixo com desdém e sorri dos esforços feitos para manieta-la, escondê-la ou reduzi-la a um papel secundário. [*I, 246, 525; III, 314. Schopenhauer, como todos que sofreram do sexo, exagera seu papel].
A “metafísica do amor” gira em torno desta subordinação do pai a mãe, dos pais ao filho, do individuo a espécie. A lei da atração sexual faz que na escolha do companheiro predomine, embora inconscientemente, a adaptabilidade para procriar.
*Cada qual procura o companheiro que neutralize seus defeitos para que esses defeitos não se transmitam por herança...um homem fisicamente fraco procurará mulher forte...Um vê no outro, como belezas, as perfeições que lhe faltam, e vê até as imperfeições opostas as suas ... As qualidades físicas de dois indivíduos de sexo oposto podem ser tais que, para o propósito de restaurar no quanto possível o tipo da espécie, um se faça o exato complemento do outro – por isso é desejado com exclusivismo.
...A profunda consciência com que consideramos e ponderamos cada parte do corpo...o escrúpulo com que atentamos numa mulher que começa a nos agradar... o individuo aqui age, sem saber, por instigação de algo mais alto...A atração pelo sexo oposto diminui com o afastamento do período mais próprio para a concepção ... mocidade sem beleza ainda atrai; beleza sem mocidade, não...Em todos os casos de amor a coisa visada é a produção de um individuo de uma definida natureza – daí o fato que o essencial no amor não é reciprocidade de amor, mas sim a posse.
Não obstante, as uniões mais infelizes são os casamentos por amor – precisamente porque seu objetivo é a perpetuação da espécie e não o prazer dos indivíduos. “Quem se casa por amor viverá em lágrimas”, diz um provérbio espanhol. Metade da literatura sobre o casamento está falseada porque considera amor como companheiragem [mating] e o amor não passa de um arranjo para a preservação da raça. A natureza não mais se preocupa com a felicidade dos pais depois que a reprodução está realizada. Casamentos de conveniência, arranjados pela família, são em regra mais felizes que os de amor. Não obstante, a mulher que contra a vontade dos pais se casa por amor merece admiração; porque “preferiu o que era de mais importância e agiu com o espírito da natureza [mais exatamente, da espécie], enquanto os pais a aconselhavam no espírito do egoísmo individual”. O amor é a melhor eugenia.
Desde que o amor é uma decepção usada pela natureza, o casamento é atrito do amor – e desilusionante. Unicamente os filósofos poderiam ser felizes no casamento – mas os filósofos não se casam.
*Porque a paixão dependia de uma ilusão que representava o que só tinha valor para a espécie como também sendo valioso para o individuo, a decepção ocorre logo que o fim visado pela espécie é atingido. O individuo descobre que foi vitima da espécie. Se Petrarca houvesse satisfeito sua paixão, não nos teria deixado seus sonetos.
A subordinação do individuo a espécie como instrumento da sua continuidade reaparece na aparente dependência da vitalidade individual as condições da célula reprodutiva.
*O impulso sexual deve ser visto como a vida interior da arvore na qual a vida do individuo cresce [a espécie]; assim a folha nutrida por uma planta ajuda a nutrição dessa planta; ai esta porque aquele impulso é tão forte e procede como ímpeto das profundas da natureza. Castrar um individuo significa cortá-lo da árvore da espécie e pô-lo a fenecer; ocorre logo a degradação de suas forças mentais e físicas. Que o serviço da espécie, isto é, a fecundação, é seguida de momentânea exaustão e enfraquecimento de todas as forças, e em alguns insetos pela morte [Celsus disse que ‘seminis emissio est partis animae jactura’]; que no caso do homem a extinção do poder gerador indica proximidade da morte; que o abuso desse poder encurta a vida, enquanto a temperança no seu uso aumenta todas as forças, especialmente a muscular [e isso era levado em conta no treino dos atletas gregos]; que a mesma restrição prolonga a vida do inseto de uma primavera a outra; tudo isto acentua o fato de que a vida do individuo decorre ou é tomada da vida da espécie...A procriação é seu ponto mais alto; depois de atingi-lo, a vida do individuo rápida ou lentamente deperece, enquanto uma nova vida entra em cena para perpetuar a espécie e repetir os mesmos fenômenos...Assim, a alternação de morte e reprodução constitui o pulsar da espécie...A morte é para a espécie o que o sono é para o individuo...eis a grande doutrina da imortalidade...Porque o mundo inteiro, com todos os seus fenômenos, é a objetividade da vontade indivisível, e a Idéia que se relaciona a todas as outras idéias, como a harmonia se relaciona a uma voz singular...Em Eckermann – ‘Conversações com Goethe’ – encontramos isto:’Nosso espírito é um ser de natureza indestrutível; sua atividade continua pela eternidade. Como o sol, que aos nossos olhos parece pôr-se a tarde, mas que brilha sempre de um modo ininterrupto’. Goethe tomou de mim o simile – não eu dele.
Unicamente no espaço e no tempo sentimo-nos como seres separados; espaço e tempo constituem os ‘princípios de individuação’ que separam a vida em organismos distintos, aparecendo em diferentes lugares e períodos; espaço e tempo não são o Véu de Maia – a ilusão que se esconde a unidade das coisas. Na realidade só existe a espécie, só a vida, só vontade. “Para compreender com clareza que o individuo é apenas o fenômeno e não a ‘coisa-em-si’, ver na ‘constante mudança da matéria a permanência fixa da forma’: isto constitui a essência da filosofia. ‘O motor da história deve ser: ‘Eadem, set aliter’ [As mesmas coisas sob diferentes maneiras]. Mais as coisas mudam, mais permanecem as mesmas.
*Aquele para o qual os homens e todas as coisas aparecem como meros fantasmas ou ilusões, não tem capacidade para a filosofia...A verdadeira filosofia da história está em perceber que em toda a infindável agitação e variegada complexidade dos acontecimentos é sempre a mesma coisa imutável que permanece diante de nós, prosseguindo os mesmos fins. O historiador filosofo tem que reconhecer o caráter idêntico de todos os acontecimentos...e a despeito de toda a variedade das circunstancias, ver sempre e em toda parte a mesma humanidade...Ler Herodotto é, do ponto de vista filosófico, ter estudado bastante historia...Por toda a parte e sempre. O símbolo da natureza é o circulo – esquema ou tipo da eterna recorrência. [*III,227,267; Wallace,97.Cf. Nietzsche: ‘eterna recorrência’].
Há o pendor para crer que toda a historia constitui uma imperfeita preparação para a era magnífica da qual somos o sal e o vértice; mas esta noção do progresso não passa de vaidade e loucura. “Os homens sensatos em todos os tempos tem sempre dito as mesmas coisas, e os néscios, a imensa maioria, também tem agido do mesmo modo e feito o oposto; e assim continuará a ser. Como diz Voltaire, deixaremos o mundo tão tolo e perverso como o encontramos” [*Introdução da Sabedoria da Vida].
A luz de tudo isto captamos um trágico senso da inexorável realidade do determinismo. “Diz Spinoza [Epistola 62], que se a pedra em trajetória no ar tivesse consciência, havia de julgar-se a diretora do seu movimento. E a pedra teria razão. O impulso é para a pedra o que o motivo é para mim; o que na pedra aparece como coesão, gravitação, rigidez é em sua natureza o mesmo que na minha admito como vontade”. Mas nem na pedra, nem no filosofo a vontade é ‘livre’. Vontade como um todo é livre, porque não há outra vontade que a limite; mas cada parte da Vontade Universal – cada espécie, cada organismo, cada órgão – é irrevogavelmente determinada pelo todo.
*Uma criatura crê-se ‘a priori’ perfeitamente livre nas suas ações individuais e julga que a cada momento pode iniciar nova forma de vida, o que equivaleria a tornar-se outra pessoa. Mas ‘a posteriori’, através da experiência, acaba verificando que não é livre, e sim sujeita a necessidade; que a despeito de todas as resoluções e reflexões sua conduta não muda, e que desde o começo até o fim tem de trazer consigo o caráter que condena e de acordo com ele representar seu papel.
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