Voltaire corajosamente empreendeu assimilar a nova língua. Desagradava-lhe saber que plague, peste, tem uma sílaba e, ágüe, febre palustre, duas; desejou que a praga devorasse uma metade dessa figura e a febre a outra. Mas logo pode traduzir bem o inglês e, dentro de um ano, conhecia o melhor da literatura inglesa daqueles tempos. Foi apresentado aos homens de letras por Lord Bolingbroke, e jantava ora com um, ora com outro – até com o esquivo e sarcástico Dean Swift. Não tinha pretensões a nobre, nem exigia nobreza dos outros. Quando Congreve falou de suas próprias peças como de ninharias, declarando preferir ser considerado fidalgo ocioso a ser tido como autor teatral, Voltaire retrucou-lhe ferino: “Se tivésseis a desgraça de ser apenas fidalgo como os outros, nunca eu viria à vossa casa”.
Surpreendia-o a liberdade com que Bolingbroke, Pope, Addison e Swift escreviam o que lhes agradava; ali estava um povo com opiniões próprias, que refizera sua religião, enforcara seu rei, importara outro e construíra um parlamento mais forte que qualquer soberano europeu. Ali não existiam Bastilhas, nem lettres de cachet, com as quais funcionários titulados ou ociosos cortesãos pudessem meter no cárcere, sem motivo e sem julgamento, seus inimigos sem títulos. Havia ali trinta religiões e nenhum padre. Ali existia a mais destemerosa das seitas, a dos Quakers, cujos adeptos espantavam toda a cristandade procedendo como cristãos. Até o fim da vida, Voltaire não cessou de admirá-los; no Dictionnaire Philosophique faz um deles dizer: “Nosso Deus, que nos mandou amar nossos inimigos e sofrer o mal sem nos queixarmos, não deseja certamente que atravessemos o oceano para ir cortar o pescoço de irmãos, só porque assassinos de fardas vermelhas e chapéus de três palmos de alto alistam cidadãos batendo ruidosamente com dois pauzinhos em uma pele de burro esticada”.
Era também uma Inglaterra que vibrava de máscula atividade intelectual. Ainda pairava no ar o nome de Bacon e em todas as províncias do saber triunfava o método indutivo de aproximações. Hobbes [1588-1679] transformara o espírito cético da Renascença e o espírito positivo de Bacon em um materialismo tão completo e tão manifesto, que lhe teria proporcionado, na França, a honra do martírio por uma quimera. Locke [1632-1794] escrevera uma obra prima de analise psicológica [o Ensaio Sobre o Entendimento Humano, 1689] sem quaisquer preconceitos sobrenaturais. Collins, Tyndal e outros deistas reafirmavam sua fé em Deus, pondo ao mesmo tempo em duvida todos os outros pontos de fé da igreja estabelecida. Newton acabava de morrer. Voltaire assistiu-lhe aos funerais e com freqüência memorava a impressão que lhe causaram as honras nacionais prestadas aquele modesto inglês. “Não há muito tempo” escreve ele “numa distinta roda se discutia a comezinha e fútil questão de qual fosse o maior homem – César, Alexandre, Tamerlão ou Cromwell. Alguém respondeu que indubitavelmente era Isaac Newton. E com razão: pois é aos que nos senhoreiam o espírito pela força bruta, que devemos a nossa reverencia” [*Cartas Inglesas, XIII, em MORLEY, 52]. Voltaire tornou-se um paciente e dedicado estudioso das obras de Newton e foi por ultimo o principal propagador das idéias newtonianas na França.
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