Se em algumas ocasiões enfatizei especialmente certas tendências condenáveis da época em que vivemos, seria no entanto um erro considerar isso uma confissão de pessimismo. Se eu fosse um pessimista, duvido que teria escrito qualquer coisa. Isso porque a natureza do pessimismo é empestar e matar. Ele cega o fio mental, fecha a porta à inspiração e abafa a voz da alma. Apontar fatos desagradáveis e indicar tendências que têm o poder de impedir e desencorajar a aspirante não é pessimismo. Se devotamos fidelidade aos artigos de fé, essa fidelidade exige que enxerguemos claramente os falsos valores da vida que os ignoram, distorcem nossa compreensão e derrubam esses artigos em proveito próprio. Além disso, se nos propusemos a nos entregar ao serviço aos outros, não acho sábio parecer ignorante de quanto em nosso modo de vida possa suscitar pessimismo naqueles que têm de enfrentar muitas circunstâncias desfavoráveis que exigem profunda fé e coragem para serem superadas.
Como nossa filosofia é vencer e progredir, a despeito das dificuldades, não precisamos fechar os olhos ao fato de que entre nós existem muitos cuja melhor parte é posta a duros testes, nestes dias em que [ainda que com bastante inconsciência e através de sua etapa individual de evolução] são chamados a equilibrar a balança de seu carma e desobstruir o caminho em que andam. Mas se estamos determinados a não ser pessimistas, tenhamos em mente que não nos tornamos radiantes otimistas pela simples absorção de muita luz decorrente de fitarmos o Sol, e também que distorcemos a verdade sobre nós e sobre a vida, esquecemo-nos da relativa importância da razão e nos debatemos como os que se professam se consideram ‘pessimistas’.
Curiosamente, porém, sinto-me muito incapaz de condenar ou refutar muito do pessimismo atual. Não sou alguém que se ponha a fitar o Sol, embora aprecie a luz e calor. Sou inclinado a ter uma visão sensata do horizonte distante, em que posso ver o que estão fazendo as pessoas e o que lhes está acontecendo. E não tenho dúvidas d que sobre a paisagem paria um pessimismo que só um milagre poderia eliminar. Tal pessimismo rouba a energia e cega a mente, não só de indivíduos reflexivos comuns, mas também de intelectuais bem informados: pois a maioria liga suas esperanças e a maior parte de suas aspirações a coisas e circunstâncias do solo mundano da existência. Sentem-se cada vez mais dirigidos e controlados ‘para o bem do estado’. Estão de tal modo perplexos e preocupados com o crescente número de regras e normas ‘para o bem do estado’, e tão aturdidos com tantos decretos e medidas ‘para o bem do estado’, que não é de admirar que duvidem de que neles haja algum bem ou qualquer coisa que valha a pena esperar.
Acho que concordarão comigo m que não muitos podem desempenhar o ardoroso otimista, pois suas ambições e esperanças, ideais e aspirações são desviadas e reprimidas para que gerações por vir possam concretizá-las e delas colher benefícios. Os homens não têm esse tipo de constituição. Não acham que nasceram para regredir. Têm ‘alguma necessidade’ qualquer que seja, de progredir. E se ‘essa necessidade’ está frustrada e impedida, podem ter certeza de que o declínio do Ocidente não é a negra visão de um pessimista, mas algo que está em marcha.
Para consolo dos que acreditam e trabalham em prol das possibilidades superiores do ser humano, assegura-se que o mundo se expande na direção do que é místico e divino, o que deveria ser motivo de otimismo. Não contestamos isso, mas gostaríamos de ver evidências. Os intelectuais parecem ignorá-lo, como demonstram claramente suas patéticas e infrutíferas controvérsias nos mais importantes periódicos de hoje. Não sabem o que pensar. Discutem e debatem, refutam afirmações dos outros, e demonstram elogiável capacidade na dialética das escolas. A religião não os satisfaz: não os incita à descoberta do Eu e de seus poderes; apenas insiste num futuro nebuloso. A Filosofia, segundo entendem, é um conflito de TEORIAS que não lhes dá um caminhar seguro: exorta-os a ficarem contentes com sua sorte, não lhes fornecendo nenhuma técnica prática para mudá-la. E a ciência os leva a uma terra prometida de novas porém temerárias descobertas materiais: nada revela sobre a ama do homem. Aliás, é por demais inteligente para se preocupar com a alma.
Mas se a ciência, a filosofia e a religião deixam o homem ou espiritualmente apático ou dialeticamente preocupado e aborrecido [com o significado da vida e as possibilidades da evolução interior despercebidos por aqueles que deveriam ser seus transmissores], que se pode esperar em termos de inspiração e cooperação daqueles que sorvem esse alimento espiritualmente negativo e continuam tão especulativos e descrentes quanto aqueles que o distribuem? Some a isso tudo os comentários e palestras radiofônicas de títulos pretensiosos, das autoridades em ciência, filosofia e religião, e pergunte-se se você já vislumbrou uma luz maior, se já lhe mostraram um novo e secreto canal para a alma do universo, ou se continua no mesmo lugar, ainda perplexo e em dúvida, precisando da sabedoria e orientação do homem superior.
HOMENS E PRISÕES
“O homem nasce livre”, diz Rousseau. Interpretando, “ o homem nasce para a liberdade, porém sempre está preso”. Mas Rousseau era um teórico da política, e sua afirmação clássica se refere às cadeias de cativeiro político. É verdade que o homem nasceu para a liberdade, e não é menos verdade que ele ainda está preso. Mas não nos interessamos aqui pelo aspecto político. Conhecemos muito esse aspecto, tanto ou mais que Rousseau. Esse aspecto é abordado com eficiência em outro lugar, e muito ouviremos ainda sobre ele. O que desconcerta o aspirante atual é que o mesmo está preso, bem como seu irmão não-aspirante.
Pelo extenso contato com os estudantes do misticismo, sei que o portal de entrada para a vida mais ampla muitas vezes parece mais ameaçador que a larga estrada que eles estão tentando deixar para trás. Isso tem de ser assim. E não é de surpreender que a neblina ilusória que obscurece o umbral às vezes instile no inquiridor coração dos aspirantes um pessimismo quanto a como são as coisas, ao invés de otimismo quanto a como podem ser. Isso é o que está acontecendo com eles. Esse é o tentador que os faria voltar à estrada bem conhecida, onde tiveram amplo companheirismo que os fortalecia em objetivos e finalidades compatíveis com a estrada.
Mas estando decididamente fechada a porta a isso, e os olhos fixos
No caminho que ascende dos interesses puramente mundanos à verdade mística, deve se seguir um período de testes. E quanto mais abrupta e determinada for essa inversão de interesses, mais intensa será a exigência de a vontade do aspirante se ater firmemente ao novo ritmo que ele estabeleceu para si. As velhas algemas que prenderam o aspirante ao mundo não podem ser rompidas imediatamente, liberando-o para sua nova busca de paz. Longe disso: ele não pode desejar uma vida mais elevada sem que esse desejo seja arduamente testado. E o aspirante é testado em seus pontos mais fracos e em seus pontos mais fortes. Só ele sabe de que nível de sua natureza é provável que venham os ataques, ele deve estar preparado para enfrentá-los onde e quando menos espere.
Duvido que algum aspirante não tenha de alguma forma passado por testes e desafios. Tenho constatado esse teste na vida de todo o sincero aspirante que conheço. E embora eu sinta compaixão, sei que isso é bom para eles. Em alguns casos o teste foi tão ameaçador e inflexível, que eles questionaram a validade de seu ideal mais elevado. Isso não é condenável. A natureza humana é humana, por mais que a Divindade a esclareça. E a despeito do que diga o fanático religioso, a mais ferrenha batalha entre as duas naturezas é constatada na vida dos maiores santos, sábios e místicos dos tempos conhecidos. Mesmo então, os esforços mais intensos do divino no homem não são totalmente percebidos, e só podem ser sentidos compassivamente por poucos.
Como então podemos lamentar se a espada de dois gumes do destino atinge o coração da vida, ferindo-nos em nossa parte mais sensível e não poupando nem o santo nem o pecador? Pois, dum ponto de vista limitado, não há discriminação: ambos ascendem e caem juntos. E acredito que esse fato por si só já provocou tanta angústia na mente das pessoas reflexivas como qualquer outro. Mas certos aspirantes pensam que, ‘porque’empenharam-se em ascender, o passado está milagrosamente liquidado, os obstáculos aplainados, as marcas e obrigações das encarnações anuladas e obliteradas, sem qualquer poder ou influencia dentro deles, e a ascensão à verdade é convertida numa estrada desimpedida e angelical. O aspirante que acredita estar extinto seu passado simplesmente por ignorar suas conseqüências é na verdade um pensador superficial. E sabe muito bem que os erros de hoje são compensados amanhã. E ele ficaria muito surpreso se assim não fosse. Mas não consegue conceber que as vidas passadas condicionam a presente, como a presente determina as seguintes. E isso se aplica tanto aos indivíduos como às nações.
A VIDA INTERIOR
Mas acredito serem comparativamente poucos os estudantes Rosacruzes que caem ou que permanecem por muito tempo nessa atitude negativa. Por via de regra, a pessoa não sente o desejo de estudar antes que ocorra um impulso cármico de dar um passo adiante na evolução. E disso não se depreende absolutamente que o novo estudante seja necessariamente um neófito. É freqüente ele já ter feito muita leitura e estudo, que o preparou para iniciar o caminho da experimentação prática, o que consolidará seu conhecimento prévio e assegurará rápido progresso a uma vida de serviço. Tenho conhecido muitos desses estudantes, e a carta de um deles acabou de me chegar às mãos. Citarei um trecho, dado o seu caráter inspirador: “Não posso deixar de mencionar o impacto que seus livros, recentemente lidos e estudados, tiveram sobre mim. Deixaram minha alma em pedaços. Exerceram um efeito extraordinário em mim; não só abalaram minhas estruturas e tomaram conta de minha mente, mas têm eles um poder de persuasão e encantamento para a alma e raciocínio, que fazem coisas maravilhosas para minha evolução pessoal e da alma....” Faço essa citação com bastante impessoalidade, pois há nela uma profunda lição, que pode ser estimulante e útil para os que estão preparados.
Não me prendo simplesmente ao caráter de agradecimento dessa carta. O que desperta minha atenção é o fato de que ela vem espontânea e urgentemente de coração. É uma incomum declaração da vida interior. Que significa ela precisamente? Significa que a estudante de súbito respondeu a um alto nível vibratório de declaração da verdade da senda que já era dela e que só esperava despertar o reconhecimento. Verdadeiramente, isso foi uma iniciação para qual a vida e as circunstâncias e os estudos a prepararam. Num momento cármico propício, e como por um único impulso dinâmico, uma porta de revelação interior se abriu, e ela ficou face a face com seu verdadeiro EU. Essa é uma das valiosas recompensas de esforços passados, de enfrentar a vida de todos os ângulos, de aceitar a dor e o sofrimento oculto, talvez do passado remoto, mas destinados a produzir seus frutos neste ciclo. Isso mostra que não podemos antedatar o futuro. Por mais árduo e inauspicioso que seja o caminho, e por mais que às vezes tendamos a ceder à deprimente atmosfera do mundo ao nosso redor, esse véu ilusório à nossa frente não deve ser encarado como realidade.
Existem forças que podem impedir nosso progresso e ascensão. Sua natureza é essa. Elas cumprem um papel na evolução. Todo aspirante é por elas testado. Devemos transcender essa experiência e recorrer à vontade para que esta exerça sua supremacia, a despeito de qualquer oposição, seja de solidão, de recuo momentâneo que se projeta a partir da infindável eternidade, seja de personalidades ou circunstâncias que obstroem o caminho que escolhemos percorrer, seja algum desafio atirado à nossa frente por um amigo ou inimigo.
O FOGO DA EVOLUÇÃO
Em ‘Tácito’ há uma frase sombria e significativa que diz: “E aqueles que não tinham inimigos foram destruídos pelos amigos.” É bom termos em mente a verdade dessa afirmação, pois não raro o aspirante é impedido e desencorajado pelas pessoas que com ele convivem. O que é bom para elas deve ser bom para ele também. Essa é a atitude que embasa a oposição e a critica por ter ele repudiado vínculos antigos. Conheço muitos desses casos, e alguns deles são patéticos e cruéis. Aquele que impede seu irmão de alcançar a Luz Maior da Senda é o inimigo do homem, e para isso existe uma compensação cármica. Aquele que em prol da Luz perde um amigo encontrará um amigo maior em seu Mestre. É só uma questão de tempo, e é o tempo que com tanta freqüência nos faz atrasar. Seja forte na tribulação. Nada valioso pode ser perdido que não seja recuperado mais tarde com maior potencia de conquista.
Podemos ter conhecimento e experiência, mas algo mais se faz necessário: o fogo da evolução. Há estudantes que às vezes ficam completamente parados nos estudos e propósitos. Falta-lhes o fogo da alma. Tivessem recorrido à alma rogando-a em nome do Bem Supremo e acreditando em sua presença e onipotência, ela teria descido sobre eles e os levado sobre o precipício da desesperança.
Existem entre nos pessoas que demonstram isso para si mesmas. Conhecem os aspectos da vida a que me refiro e há muito os enfrentaram. Enxergaram por entre as ilusões da vida e nunca mais vão se deixar dominar por elas. Os roufenhos tons do mundo não mais as perturbam, pois elas têm o coração tranqüilo e a mente perspicaz – duas invencíveis fortalezas contra as tendências nocivas e mortificadoras de nosso modo de vida. Jamais entregarão aquilo por que lutaram e venceram – PARA AJUDAR VOCÊ!
Será que você não percebe que se não fossem essas personalidades a quem o carma forçosamente e meritoriamente e arduamente levou à guarda da evolução, não só o pessimismo, mas também o desespero assolaria os pontos vitais da humanidade? Tem você consciência da influencia secreta e marcante daqueles que compõem a vanguarda da evolução? Eles pouco têm a demonstrar disso, a não ser uma existência vivida com determinação. Mas o fogo do coração pode produzir um rastro luminoso que cruza o universo, e os que não são mais sábios estão porém mais preparados para ele: aqueles que podem senti-lo despertam e vivem para algum objetivo. E hoje é de um objetivo, de um objetivo nobre e muito superior aos objetivos comuns, que os aspirantes precisam para encetar com segurança um novo progresso. Não me refiro a súbitos e inoportunos entusiasmos, que são de curta duração e logo cobram a penalidade dos opostos e desaparecem. O objetivo aqui significa um plano de procedimentos sabiamente elaborado, no anseio de atingir um ideal[seja ou não atingido neste ciclo] e a aceitação com sublime indiferença de tudo de bom ou ruim que o carma decrete, sabendo muito bem que tudo o que o objetivo precipite para sua imediata consecução é peculiarmente nosso e encerra a sensação da lei.
O fogo da alma nos confere indômito objetivo, mas não se destina a crianças na senda. Destina-se a alma temperadas que não recuam em seu objetivo. Esse temperamento caracteriza os poucos, e sempre vai caracterizá-los. Nada nesta vida é maior ou mais digno que o nos decidirmos viver segundo os Seres Excelsos e fazer parte deles.
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[Texto de Raymundo Andréa]
30 de mai. de 2010
ENFRENTANDO A VERDADE
28 de mai. de 2010
Lidando com Doenças Mentais
Sabe-se que as doenças mentais são um dos sofrimentos mais comuns que afetam o ser humano. A depressão e a ansiedade são os sintomas mais freqüentes de condições que podem impedir severamente a eficiência e a felicidade das pessoas. Exaltação e impulsividade excessivas, alucinações e ilusões são outros sinais e sintomas de condições menos freqüentes porém comuns que estorvam a concretização do pleno potencial humano. Essas condições são tão comuns, que todos nós conhecemos pelo menos uma pessoa que delas sofre. Muitos de nós temos algum parente ou familiar nessas condições. E alguns de nós talvez estejamos lutando contra algum desses sintomas em nós mesmos. É freqüente que o primeiro passo para o autodomínio seja o de adquirir a capacidade de lidar com a doença mental.
Lidar com a doença mental envolve a compreensão em duas áreas: a natureza da doença mental e o que fazer a esse respeito.
A maioria dos sintomas de doença mental são extensões mais severas ou persistentes de sensações, emoções ou pensamentos naturais. É muito comum que pessoas mentalmente sadias sintam alguma preocupação e dúvida sobre tais sintomas, e temam que possam estar mentalmente enfermas e que um parecer ‘oficial’ possa confirmar sua preocupação. Por outro lado, é também bastante comum que pessoas mentalmente enfermas minimizem e neguem seus sintomas, evitando confronto consciente com a evidência de sua conclusão.
A distinção entre ‘normalidade’ e ‘doença’ é verdadeiramente vaga. A doença mental é definida em termos sociais. Diz-se que a doença mental existe quando sensações, emoções ou pensamentos comuns são tão intensos ou persistentes, que a pessoa é incapaz de operar adequadamente nas atividades comuns da vida. Lidar com as doenças mentais, portanto, é efetivamente uma questão de saber lidar com os sintomas, as crenças e o comportamento de pessoas que, por razões individuais, estão sobrecarregadas de uma intensidade incomum de experiência subjetiva ‘normal’.
Experiência Subjetiva Intensa
A maioria de nós deseja experiência subjetiva intensa...desde que prazerosa. Poucos de nós acharíamos que o prazer intenso é um ‘peso’. Antes, o prazer intenso é um alvo muito almejado da experiência objetiva. Analogamente, evitar o intenso desprazer ou a dor é um atributo universal da personalidade humana. Tanto prazer como dor são essencialmente atributos subjetivos do eu mundano, da individualidade subjetiva. A excessiva dedicação de tempo, energia e consciência à busca de prazer ou a evitar a dor pode se tornar uma grande sobrecarga para os recursos da individualidade objetiva. Quando muito sobrecarregada, a individualidade objetiva deixa de dirigir com eficiência as necessidades da realidade objetiva, e essa é a definição social de doença mental.
Para lidar com a doença mental é preciso primeiro compreender as limitações da individualidade objetiva. A individualidade objetiva geralmente se relaciona exclusivamente com o mundo da experiência emocional e física comum. Sem a consciência de algo maior que o próprio ego, a experiência mundana será assimilada como uma experiência física contínua., forçosa e hostil. As chances de dor parecerão grandes e as de prazer pequenas. Em quase todas as atividades, a pessoa será motivada a procurar o prazer e evitar a dor, ao passo que, com a consciência de um Eu maior, a personalidade-alma, é possível a paz, a beleza e a harmonia, que não dependem de forças controladoras da natureza física. A dor e o prazer não são recusados; são reduzidos,em proporções corretas, a meras condições objetivas.
O autodomínio é o único meio de lutar com a doença mental da própria pessoa e também das outras.
Mudando Outra Pessoa
Quando nos deparamos com o comportamento desarmonioso ou a inquietação emocional duma pessoa acometida por doença mental, nosso primeiro impulso é fazer algo para que ela mude. De modo geral, bastam duas tentativas para compreender que o esforço não é muito eficiente. O fundamento disso fica mais evidente quando compreendemos que cada um de nós é uma sutil porém poderosa expressão de um Eu superior e de um Eu inferior. Ao tentarmos mudar outra pessoa, nossa atenção se volta principalmente para o Eu inferior, a personalidade objetiva, que exibe a condição de doença mental.
Nosso segundo impulso é tentar produzir uma mudança na outra pessoa, motivados conforme a perspectiva de nosso Eu superior. Aspiramos curar a doença mental, ou levando o indivíduo a tomar consciência de seu Eu superior, ou buscando invocar pensamentos de cura. Uma vez mais, porém, somos traídos pela atenção no eu inferior, a qual, ao julgarmos que o Eu necessita ser curado, apenas reforça a importância dele.
Em outro nível, lidar com doenças mentais consiste num desafio para o autodomínio. Segundo esse critério, a atenção não se prende a mudar a outra pessoa, mas a conseguir a paz harmonia ante os mais intensos tipos de experiências mundanas. Quando o temor, a raiva, o ódio e o desespero perdem o poder de evocar sua contra-parte e deixam de diminuir a compaixão, a doença mental começa a desaparecer. A atração inata pela paz, beleza e harmonia existentes no ser humano desperta e estimula a automotivação de cura. Cada encontro com a inquietação de outros que estão perdidos na intensidade da experiência mundana constitui uma oportunidade de recordarmos nosso próprio apego a ilusão e coisas insignificantes, de dissolvermos esse ego e readquirirmos o aspecto de consciência que só conhece o amor.
Se não a própria doença mental, suas primas chegadas - a cobiça, a autodestruição, a arrogância, a impaciência, a auto-depreciação, a inatividade, a teimosia – são eternos lembretes de nossa própria tarefa de autodomínio. O poder desses lembretes pode ser especialmente intenso devastador quando destrói os relacionamentos afetivos que temos com os outros. Com freqüência sentimos a maior angustia quando começamos a despertar para o nosso Eu superior, pois é então que percebemos o maior contraste entre o que sabemos ser possível e o que nos mostra nossa experiência atual. Lidar com a doença mental e suas primas egotistas pode parecer a tarefa mais difícil no momento.
Como reação ao desespero ocasionado pelo despertar, é comum querer refugiar-se no Eu superior – dissociar-se do mundo terreno de nosso veículo nele, a individualidade objetiva. A pessoa pode buscar uma devoção espiritual que refute a realidade do mundo objetivo e suas muitas frustrações dolorosas. Entretanto, isso não é autodomínio, e não constitui luta vitoriosa contra a doença mental. Ao contrário, a excessiva devoção ao transcendente pode se tornar uma doença mental por si só. Devemos usar as técnicas de meditação não como fuga, mas com a finalidade de expandir o despertar dentro do mundo objetivo.
Com a plena consciência e a relevante participação na realidade objetiva podemos oportunamente dissolver a fonte de desespero e a doença mental, com verdadeira compreensão.
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[Texto de Richard A. Rawson]
27 de mai. de 2010
Princípios Metafísicos na Psicoterapia
A fé, o discernimento e a responsabilidade, constituem a base da saúde mental e o cerne da harmonia espiritual. A ‘psicoterapia’, como a terapêutica metafísica, visa à transmutação da consciência egoísta numa harmonia holística com forças naturais, mentais e físicas. Os princípios em que assenta a mudança duradoura são entretanto metafísicos, e fundamentais.
A psicoterapia, como ciência médica, consiste no tratamento de estados graves de desarmonia psíquica, muitas vezes incapacitantes. O tratamento de distúrbios mentais por métodos psicológicos tem sido empregado, de uma ou outra forma, através dos tempos. Foi somente no século dezenove que ele ganhou ímpeto científico, fundamentalmente sob a liderança de Sigmund Freud. Seu emprego da hipnose no tratamento da histeria levou ao desenvolvimento da psicanálise. No século atual, grande variedade de outras ‘terapias’ ganhou popularidade, algumas apenas transitoriamente ou em áreas de interesse local.
Embora tenha surgido uma grande diversidade de ponto de vista e método, no tratamento da insanidade mental, alguns princípios são denominadores comuns. Na psicoterapia, esses mesmos princípios de cura metafísica são essenciais ao desenvolvimento de mudanças significativas e duradouro bem-estar.
DEFINIÇÃO DE FÉ
Sabe-se há muito que a ‘fé’ é um dos princípios mais importantes na cura metafísica. Palavra fé vem do latim, ‘fidere’, confiar. È comumente usada no sentido de ‘crença incondicional’. Crença é a aceitação mental de algo, como verdadeiro, talvez com base em raciocínio, preconceito, ou autoridade. No ponto de vista místico, porém, ‘fé é a confiança ou o conhecimento proveniente da experiência’.
Na psicoterapia psicanalítica, a ‘resistência’ é o oposto da fé ou confiança. Consiste na ‘oposição instintiva demonstrada para com qualquer tentativa de expor o inconsciente’.
Desde a infância somos treinados na disciplinação consciente da nossa vida. O comportamento impulsivo e os atos destrutivos são suprimidos no processo de nos tornarmos criaturas sociais. Se não são transmutados, esses impulsos são reprimidos para além da percepção consciente. Assim, pode-s vir a sentir que o ’inconsciente’, como a caixa de Pandora, tem um pernicioso conteúdo. Na insanidade mental, a possibilidade de que seja aberto o inconsciente é sentida como ameaça a toda ordem, a toda segurança reconhecida.
Todos nós já sentimos resistência em algum aspecto de nossos experimentos metafísicos. Em formas mais amenas, é ela sentida como desconfiança, fuga, irritabilidade, e impaciência. Em formas mais intensas, e associada a circunstâncias mais comuns, apresenta-se essa resistência como suspeita, agitação, bloqueios mentais de memória ou de percepção, e inconsistência de ação. Uma versão muito comum da resistência é a ilustrada na resposta, ‘vou tentar’, como reação a uma solicitação, quando o indivíduo age com grande esforço e sem sucesso.
A penetração no inconsciente revela que a resistência está sempre associada a uma crença. Na intensa desarmonia psíquica associada à insanidade mental, a crença diz respeito ao imaginário poder da emoção, do medo.
O medo está relacionado com a ameaça da perda. É suscitado quando nossa integridade física e nossas necessidades básicas, como de alimento, de abrigo, etc., são ameaçadas. No condicionamento social, ameaça de perda é freqüentemente usada para controlar o comportamento. O poder da ameaça de perda torna-se um recurso da personalidade na preservação do corpo e na proteção de relacionamentos sociais importantes. A aplicabilidade do poder do medo reforça a crença no mesmo.
A insanidade emocional, no entanto, a crença ultrapassa as fronteiras da realidade física. Torna-se a base para a manipulação de realidades emocionais, psíquicas, e espirituais. Aqui, a crença no medo opõe-se à confiança proeminente da experiência, ou fé. Compele a personalidade a reverter ao padrões condicionados de comportamento, ao invés de permitir a experiência criadora. O meio, então, passa a ser usado pela personalidade para justificar o comportamento egocêntrico, em nome da sobrevivência ou da constância da personalidade.
A compreensão intelectual, por si só, é ineficaz para produzir modificação terapêutica. A busca intelectual da compreensão racional pode constituir uma resistência ao processo terapêutico. A personalidade, em seu esforço para adquirir segurança através da ordem, procura racionalizar a experiência. Uma experiência insólita, ou criativa, é reduzida a termos coerentes com atitudes estabelecidas. O paciente, ao empregar o raciocínio motivado pelo medo,raramente constrói uma outra crença que se integra à sua resistência.
INSIGHT
Para o místico, o ‘insight’ é a habilidade para perceber e compreender claramente a natureza íntima das coisas, a maneira como a natureza interior [esotérica] e a natureza exterior [exotérica] se harmonizam. Em função dessa harmonização, novo conhecimento é adquirido. O novo conhecimento torna-se parte da base da realidade do indivíduo. Esse ‘insight’ é um recurso essencial da psicoterapia. “Com o perfeito ‘insight’ dá-se o reconhecimento da anormalidade pela qual passou o paciente. O ‘insight’ é um produto do processo de concentração, contemplação e meditação, conhecido como ‘a experiência intuitiva’. O ‘insight’ resulta da síntese subconsciente de idéias, que depois se transfere para a mente consciente, sem volição e com grande clareza.
Na psicoterapia, as crenças são transformadas, no processo intuitivo. A mente racional é temporariamente supressa, num ambiente relaxante. Os sintomas do paciente são usados como foco de concentração. Memórias e emoções reprimidas emergem na contemplação. As emoções primitivas são descobertas e eliminadas ao serem reconhecidas. As crenças que as sustentam se dissipam. Fatos objetivos são encarados numa perspectiva mais profunda. O ser humano conquista mais um grau de liberdade.
A responsabilidade, ao nível psicológico, consiste em poder ser o individuo responsabilizado por seus próprios atos, em contraste com sua sujeição a forças que transcendam sua vontade. Quando crianças, sentimos que nossos pais são ‘responsáveis’ pelo provimento de nossas necessidades básicas. Como adultos, assumimos essa responsabilidade. Quando nos emancipamos da adolescência, a responsabilidade torna-se um símbolo da liberdade adulta.
Para muitas pessoas, a responsabilidade está carregada de atitudes protetoras, de autodefesa. Essas pessoas são dominadas por um sentimento de incapacidade e vulnerabilidade. Comumente, tiveram pouca liberdade de expressão, em sua formação. Em função de fortes necessidades de ordem social, cultivaram atitudes de auto-repressão. Para elas, o fato de poderem ser responsabilizadas por seus atos não significa liberdade de opção, mas, a obrigação de estarem sempre corretas, em sentimento e ação.
Para o paciente que sofre emocionalmente de dor, medo e culpa, incapacitantes, a libertação é altamente desejada, mas fortemente temida. O exercício da opção é dominado por atitudes protetoras e fortes expectativas. Esse paciente vive preocupado com o fracasso, e o exercício da opção para desencadear mudanças causa-lhe tenebrosas sensações. Sente ele a responsabilidade como obrigação carregada de culpa e vergonha. Em grau extremo, a opção responsável é uma maldição.
O livre arbítrio é essencial à cura metafísica. É preciso que o paciente, em algum nível de consciência, faça a opção de ser curado, para que a energia curadora possa ser mobilizada. Neste sentido, toda cura é, em ultima análise, ‘cura de si mesmo’. Na insanidade mental, a opção de aceitar a cura é o ponto crítico da recuperação da saúde. O paciente precisa superar a aversão à responsabilidade e optar por enfrentar o medo, em suas múltiplas formas. Uma vez que ele tenha feito esta opção, terá despertado seu potencial para estar bem, sadio.
A psicoterapia prática usualmente emprega vários recursos de simples apoio, para o alivio de emoções e pensamentos intensamente negativos. Eles permitem a relaxação de tensões e produzem oportunidade para a opção de cura. O apoio de amigos ou parentes bem-intencionados muitas vezes cria oportunidade para o paciente fugir à responsabilidade. Seu fardo é transferido para aqueles que o auxiliam. Estes podem desenvolver sintomas semelhantes aos do paciente, assim como um terapeuta metafísico, tendo perdido sua neutralidade, pode adquirir sintomas físicos do paciente. O psicoterapeuta profissional é treinado para proporcionar apoio sem envolvimento pessoal que o venha desqualificar.
A psicoterapeuta, ou psiquiatra, atribui a sociedade uma imagem de autoridade. Em virtude de nossa dependência, na infância, todos passamos a buscar o apoio da autoridade, nas áreas em que nos faltam experiência e autoconfiança. Em conseqüência dessa dependência, usamos crenças baseadas na autoridade, para obter um sentimento de segurança e controle.
A autoridade atribuída ao psiquiatra tem objetivo análogo, quanto a proporcionar apoio temporário às pessoas, no auge de sua dor. Quando a dor diminui, deve o paciente desvencilhar-se de sua dependência da autoridade arbitrária do psiquiatra. No cultivo de seu próprio livre arbítrio, deve ele chegar ao ponto de reconhecer autoridade em sua própria experiência. Dentro de sua capacidade, pode o psiquiatra continuar a ajudar o paciente a descobrir campos de responsabilidade ainda mais amplos. Cada passo nesta senda, no entanto, evolui da dependência, através do reconhecimento da crença e de sua transformação, para a responsabilidade; ou, como dizem: as crenças são transmutadas no conhecimento que produz o domínio da vida.
Para o místico, a autoridade suprema é o Absoluto. Como neófitos, disto dependemos como base para as nossas crenças e orientação quanto ao rumo a seguir com confiança. À medida que nos adiantamos na Senda, defrontamo-nos com nossas dependências, nossas próprias questões de fé. Transformamos essas dependências pela iniciação, o estudo e a meditação, até que a crença é substituída pela fé e a iluminação. Assim alcançamos o ponto de reconhecer a Grande Fraternidade que transcende todo medo, dela compartilhar e para ela contribuir.
A cura metafísica ampara o individuo em seu progresso para a harmonia nas relações humanas, e restaura o reconhecimento entre o Cósmico e a alma humana. Analogamente, o objetivo da psicoterapia é de levar o paciente a um sentimento de harmonia ou bem-estar consigo mesmo, com sua família, e com seu ambiente físico e social. Nesse estado de harmonia, o paciente torna-se apto a reagir apropriada e espontaneamente aos eventos de sua experiência. Para o místico, porém, estar em harmonia não é apenas estar apto a reagir apropriada e espontaneamente à experiência; é também a vivência de sua imediata identidade com a Mente Cósmica. O sermos a fonte da nossa própria experiência constitui a suprema responsabilidade.
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O filósofo deve ser um homem disposto a escutar toda sugestão, mas determinado a julgar por si mesmo. Não se deve deixar levar por aparências, nem ter hipóteses prediletas; não deve pertencer a escola alguma e, quanto a doutrinas, não deve ter mestre... A verdade deve ser o seu objetivo primordial. [Michael Faraday]
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[Texto de Richard A. Rawson]
25 de mai. de 2010
Criando uma Filosofia Pessoal
_Seja Autêntico para Consigo Mesmo é uma verdade filosófica indiscutível. Mas essas palavras, em primeira leitura e reflexão, abrem um pouco as portas da sabedoria. Algumas notas musicais aparentemente simples abrem a ‘Quinta Sinfonia’ de Beethoven. Mas essas notas apenas abrem uma criação complexa e magistral. O buscador da sabedoria deve criar uma filosofia de vida de modo tão cuidadoso como um compositor cria uma sinfonia.
Cada obra-prima passa por uma primeira etapa, que não tem muito valor se o tema não for expandido por meio de um cuidadoso processo de reflexão. Um estudante que comece a fazer perguntas oportunas e a buscar respostas quando nenhuma se apresenta começa a criar uma filosofia pessoal.
No poema ‘Invictus’, Ernest Henley escreveu: “Sou o senhor de minha sina; sou o capitão da minha alma’. Tendo buscado respostas desde minha infância, posso agora dizer que alterei o meu destino: encontrei minha alma interior. Precisamos criar uma filosofia pessoal de vida, pois é assim que começamos pouco a pouco a perceber que devemos mudar em nosso próprio ser.
Devemos ter consciência do que é e do que não é possível. Não podemos mudar o caráter de ninguém, nem devemos tentar fazer isso. Toda pessoa muda quando percebe a necessidade de mudar. Quando um modo de vida já não serve mais, deve-s, ainda que com relutância, tentar um novo. A pessoa começa a pensar com mais autonomia quando os caprichos da sociedade não mais lhe trazem prazer. Todos chegarão a isso em algum momento, em alguma encarnação.
Não mais encontrando conforto em caminhos percorridos, o buscador precisa encontrar o que seja mais significativo para a consciência. Buscando interiormente, encontra a natureza superior do ser. Por esse despertar, acende-se uma centelha, que é nutrida por um incessante desejo de saber.
Iniciar o estudo de verdades esotéricas é um importante passo para o buscador. Devemos, portanto, ter suficiente confiança na busca individual para que esta se sustente em seus próprios méritos, a despeito de quaisquer oposições. Quando algo é benéfico para nós, é assim, quer outros o reconheçam ou não.
A nobre senda do auto-aprimoramento às vezes é solitária. Devemos reunir toda a coragem que possamos para enfrentar novos desafios. Mas há ocasiões em que somos reconfortados pelo amor daqueles que nos antecederam nessa senda. Sentimos a imparcial consciência de grandes personalidades que também tiveram de buscar interiormente o reino da Luz.
O ALVORECER DA VERDADE
Começamos a perceber que o conhecimento interior não pode ser medido em termos intelectuais; precisa ser ‘vivenciado’. Precisamos conhecer a simples verdade que suavemente desponta na consciência: o silente conhecimento interior, que diz ‘Sou Quem Sou’. Em gratidão, maravilhamo-nos pelo tanto que já caminhamos. Buscamos força interior para caminharmos ainda mais. Os horizontes se expandem; novos objetivos se revelam; enxergamos além daquilo que esperávamos no inicio.
Alguém que procure um caminho fácil, apegando-se aos outros para evoluir, estará seriamente perdido. O caminho individual percorre atalhos para os quais os outros não estão preparados. Se alguém seguir outro nessa floresta desconhecida, as conseqüências podem ser desastrosas. Podemos ganhar inspiração pela motivação de outra pessoa. Podemos conhecer o melhor meio de lidar com aspectos da vida pelo que outros escreveram. Mas cada um de nós em última instância deve encontrar seu próprio caminho.
Cedo ou tarde cada pessoa deve se defrontar com o espelho da alma interior. Para mantermos uma relação saudável com a imagem nesse espelho, precisamos elaborar uma filosofia pessoal de vida. Em nós há processos mentais criativos que devemos usar para transcendermos aquilo que aprendemos no mundo exterior.
ð Quanto precisamos de paz mental?
ð Quanto acalentamos a satisfação de sabermos que estamos fazendo o melhor que podemos?
ð A que grau de ansiedade desejamos enxergar com a clara visão do serviço impessoal a situação geral do Mundo?
ð Quando respondermos a essas perguntas com autenticidade, saberemos com que esforço estamos dispostos a criar nossa filosofia pessoal de vida. E a obra nunca termina, pois ao evoluirmos, nossa filosofia de vida também evolui.
Aqueles que tentam manter algo que os reconfortava há muito tempo podem estacionar. Não devemos levar à maturidade os contos de fada da infância, exceto como lembranças agradáveis. E qualquer pessoa que tentar empreender três ou quatro caminhos filosóficos diferentes ao mesmo tempo não conseguirá os resultados almejados. Seguir muitas escolas de pensamento é como fazer ziguezagues em várias rodovias quando em viagem. O destino fica mais distante que o necessário.
Muitas religiões,filosofias e culturas podem conviver harmoniosamente numa sociedade. Podem ser estudadas, observando-se as diferenças e as convergências. Mas se desejamos ser ‘donos de nós mesmos’, devemos escolher um caminho que incite ao uso de nossa intuição, imaginação e a processos mentais. Se somos uma pessoa intuitiva e reflexiva, devemos escolher um caminho de estudo que nos permita criar uma filosofia pessoal.
Formule perguntas ao seu EU Interior. O ser exterior deve ficar silente enquanto fala a voz da alma. Ouça o forte chamado da alma. É seu contato com a sabedoria das eras. Na alma de seu ser, você encontrará a verdade sobre a qual se sustentar. Deixe que o reino interior o conduza à criação de uma filosofia pessoal de vida.
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[Texto de M.Eve. Morgan]
24 de mai. de 2010
A Busca do Santo Graal
Uma combinação de lenda, romance e misticismo envolve o Santo Graal. O uso mais familiar da expressão ‘Santo Graal’ aplica-se à lendária taça usada por Cristo na Última Ceia. Entretanto, parece haver maiores suportes literários para a interpretação segundo a qual o Graal seria um vaso que José de Arimatéia coletou sangue das feridas do Mestre Jesus. Nas lendas, algumas vezes o Graal aparece como uma escudela; na verdade há muitas variações em seu significado. Nas fontes mais autenticas, essa palavra está relacionada com a palavra latina ‘crater’, ou ‘taça’.
Foi durante o período de 50 anos de 1170-1220 d.C., que o grande corpo do romance sobre o Graal veio à existência. Entretanto, foi só muito recentemente,em 1861, que textos sobre o Graal começaram a aparecer. A maioria desses textos eram transcrições dos séculos XIII e XIV de um manuscrito feito por Chrétien de Troys. A maioria das histórias sobre o Graal baseava-se em mitos antigos. Isso teve como resultado o aparecimento de quatro heróis diferentes nos relatos: Percival, Gawain, Bors e Galahad – que provavelmente foi uma criação mais recente. Acredita-se que Galahad foi criado por Walter Map, possivelmente como um tributo ao filho de Henrique II.
Conta-se que o Graal foi levado para a Inglaterra por Josef, o filho de José, ou por Brons, cunhado de José. A lenda afirma que o Graal passou de mão em mão, de uma geração à outra, e acreditava-se que possuía muitas propriedades místicas. Um relato conta que ele foi usado para alimentar uma multidão de famintos que não estavam em pecado, por meio da multiplicação de uns poucos pães, alimentando 500 pessoas. Os que não eram puros e que olharam para o Graal perderam a voz.
As referências a Percival um dos heróis associados com a história do Graal, relatam que ele vivia distante da corte real e, portanto, nada sabia a respeito da cavalaria. Um dia, encontrou-se com vários cavaleiros e, à primeira vista, ‘vendo o esplendor de suas armas duras, tomou-os por anjos’. Subseqüentemente, continua a lenda, Percival, Gawain, Bors e Galahad partiram numa busca pelo Graal. Embora se relate que um grupo de cavaleiros da corte do Rei Arthur tenha partido nessa jornada, a Galahad é que foi dada a liderança na busca. Cota-se que eles contemplaram o Graal nas terras do Extremo Oriente. A alma de Galahad foi elevada ao céu por uma grande multidão de anjos. Percival morreu num erimitério e Bors retornou à Inglaterra.
_ O Graal como Iniciador
Como disse, há muitas interpretações do romance do Graal, o qual acredita-se que seja principalmente uma alegoria expondo certos preceitos morais. Há também a TEORIA DA INICIAÇÃO. Segundo esta, ele é similar a certos testes e interrogatórios pelos quais os iniciados das antigas escolas de mistério. Durante as Cruzadas, os cavaleiros e outros ocidentais entraram em contato pela primeira vez com certos mistérios das antigas escolas iniciáticas do Oriente. Nas antigas iniciações aos mistérios faziam-se perguntas aos candidatos. Se dessem as respostas corretas, eram então considerados dignos de aprovação e aceitação. Se falhassem em responder corretamente ou tivessem segundas intenções, dizia-se então que ficavam sujeitos a determinados efeitos supernaturais ou cármicos. As perguntas e os testes a que os buscadores do Graal foram submetidos, na opinião de alguns estudiosos, tem uma forte semelhança com os antigos ritos iniciáticos, especialmente aqueles que continham segredos parecendo envolver certo conhecimento sagrado.
Há ainda uma outra hipótese com relação ao simbolismo do Graal. Trata-se da idéia de que o Graal representa a busca pelo ‘segredo da vida’. Esta seria igualmente reminescente dos antigos segredos buscados pelos alquimistas, tanto físico como transcendentais, que queriam conhecer os segredos supremos relativos ao propósito subjacente à vida e ao mistério da morte.
O aspecto moral da busca do Santo Graal relaciona-se com “os princípios sacramentais aceitos por toda cristandade e reverenciados como o meio através do qual as almas buscadoras da vida de fato encontram a vida. Conseqüentemente, o Graal tornou-se o emblema da pureza moral, da fé triunfante, do heroísmo soldadesco ou da caridade graciosa.”
Uma alegoria da natureza do Graal é, naturalmente, compatível com os princípios místicos. Basicamente, o Graal fala de uma pessoa pura buscando o poder e a sabedoria que sua natureza sagrada pode revelar e conceder a ela. Os que não possuíam essas virtudes morais estavam fadados à frustração e a falhar em sua busca. Assim sendo, é fácil substituir o Graal pelo Mestre Interior. Esse termo significa Iluminação pessoal, despertar espiritual, o alcançar a Consciência Cósmica ou Unidade mística com o Absoluto. Qualquer uma dessas expressões pode ser misticamente elegível como substituta para o termo Graal. A busca, então, é o puro de coração, a pessoa moralmente correta que procura adquirir o conhecimento maior do eu e sua relação cósmica.
A aventura vivida por Galahad em sua busca pelo Graal pode igualmente ser interpretada como sendo o conflito humano com sua própria natureza inferior, tentando transcendê-la. Se quiséssemos dramatizar, ou melhor, criar uma alegoria ilustrando a busca individual de cada pessoa pelas qualidades espirituais de seu próprios ser, e um canal dentro de nosso próprio ser que conduzisse à consciência cósmica, como também os obstáculos que nos defrontaríamos nessa busca, então certamente o Santo Graal seria um exemplo excelente.
_O Graal como Objeto
O Mito do Graal, que trata da busca de um cavaleiro por um objeto misterioso, provou ser um dos mitos mais estáveis de todos os tempos. Sua força como sobrevivente adormecido no inconsciente humano e sua emergência intermitente no consciente, em vários pontos da história, podem ser atribuídos a dois grupos de fatores.
Primeiro: há a atração humana pela busca os desafios da jornada, o próprio objeto e sua relativa inacessibilidade.
Segundo: como na natureza, há a aparente natureza cíclica dos eventos na sociedade humana, na qual elementos do mito do Graal emergem no consciente da sociedade assaltadas por crises intensas [freqüente e excessiva violência, opressão, injustiça, guerras e lutas civis, e nos dias atuais, catástrofe ambiental iminente], que representam os ‘baixos’ do ciclo do ‘progresso’ humano.
O velho mito do Graal é uma resposta, uma contrabalança para o lado ‘negro’ dos eventos históricos. É uma tentativa de salvar algo que foi perdido ou que se acredita perdido no espírito humano, um novo impulso na alma humana para levar a consciência humana a um outro ‘alto’ no ciclo, um triunfo dos ideais sobre a realidade cruel, uma vitória do eu sobre o ego ou a libertação da centelha divina, na humanidade, da subserviência ao desejo. O mito toma conta quando é sentida a necessidade de estimular a consciência da humanidade a se tornar ativa para criar ou restaurar um paraíso na terra, de modo a conter a pressuposta inevitabilidade do aumento do sofrimento causado por ignorância e erro.
Buscar um objeto misterioso, um talismã ou elixir, torna-se importante nesse desvio da consciência. É o reconhecimento humano da nossa incapacidade de lutar e vencer sem ajuda, e nossa disposição em assumir um compromisso que garanta essa ajuda. O objeto então torna-se a meta visada pelo individuo, isto é, ele guia e motiva a jornada por causa de seu valor. Esse valor pode residir no egocêntrico desejo de poder, mas depois revela ser algo não-egoísta, nobre e inspirador para outros; ou então, é percebido como sendo exatamente aquilo que é, do início ao fim da busca – um objeto físico ou um símbolo que fornece o propósito para moldar o destino do buscador e indiretamente o destino da humanidade.
Independente das origens dos componentes primordiais do mito do Graal [sejam celtas, do Oriente Médio, Asiáticas ou da cristandade medieval], sua forma, tal como a conhecemos, foi moldada nos séculos XII e início do XIII, começando coma história de Percival, ou a ‘Lenda do Graal’, de Cherétian de Troyes. Esta foi seguida por diversos outros contos centrados em torno da lenda da busca do Graal. No poema e Chrétien, o Graal, que parecia ser uma escudela ou uma taça, foi levado até o salão das refeições, em uma procissão solene, durante a visita de Percival ao castelo supranatural do Graal. Aqui, o Graal é descrito como sendo mais brilhante do que toas as velas do salão juntas, consistindo de puro ouro refinado e cravejado de pedras preciosas.
_QUALIDADES MÁGICAS
Em vários outros romances, o Graal apresenta outras qualidades mágicas: ele ‘flutuou’ pela sala, ficou parecido com um cálice de pedra, cegou temporariamente seus espectadores ou os emudeceu, tomou a forma de diversas imagens que apareceram em série ante seus espectadores, proveu um inesgotável ‘menu à la carte’ para todos os convidados presentes no refeitório ou estendeu a duração de vidas individuais, curou feridas e restaurou a fertilidade a terras inférteis.
Pouco depois de ter sido escrito o poema de Chrétien, no qual não há qualquer sugestão de que o Graal seja de proveniência cristã, o tema do Graal foi logo cristianizado [mas não oficialmente sancionado pela Igreja] por dois outros escritores do Graal, Robrt de Boron e Heinrich von dem Thürlin. O primeiro, em seu poema ‘José de Arimatéia’, chamou o Graal de ‘Cálice da Última Ceia’, que também foi usado para colher o sangue de Cristo em sua crucificação. O segundo, em ‘A Coroa’, descreveu seu Graal como uma urna contendo pão, que era acompanhada de um tecido manchado de sangue. A alusão era óbvia – intencionava a sugestão à Eucaristia. Muitos são os que vêem o Graal em seu conteúdo como parte – ou como simbolicamente explicando o significado – da Eucaristia. Nesta visão, a comunhão recebida toda semana estabelece contato entre o buscador do Graal [isto é, o celebrante] e o Graal e seu conteúdo [isto é o partilhamento ativo do corpo e do sangue do Redentor]. Esta é a visão mais popular.
A cristinização do Graal foi apoiada por um outro relato que liga o Graal ao Cristo, mas não através do Sagrado Sacramento. O romance, chamado ‘O Grande Santo Graal’, afirma que o Graal era um ‘livro’ escrito pelo próprio Cristo depois da Ressurreição; e ainda, uma outra referencia na introdução de ‘O Graal de Lancelot’ menciona que uma visão apareceu ante um eremita do século VIII, na qual Cristo apareceu para ele e disse: “Aqui começa o livro do Santo Graal, aqui começa o terror, aqui as maravilhas”. Isto faria do Graal um registro ou um depositário da sabedoria iniciática, comunicado à humanidade por um grande mestre na tradição sacerdotal, representado por figuras como ‘Melquisedeque, Hermes Trismegistus ou Merlin’, quer tenha o livro escrito ou comunicado oralmente.
_TRADIÇÃO INICIÁTICA
Uma descrição bastante incomum do Graal apareceu no romance do escritor anônimo de ‘Perlevaus ou a Nobre História do Graal’. Aqui o Graal era um mudador-de-forma. Isto, junto com os subtons templários do romance e outras referências, sugere uma forte ligação com a tradição iniciática das antigas escolas de mistério. Ao invés da identidade do Graal ser um único objeto fixo, ele assume uma série de formas diferentes ante o temeroso espectador, que vê imagens de um rei coroado e crucificado, uma criança, um homem com coroa de chifres e com feridas no corpo, uma outra manifestaçao indescritível e, finalmente, um cálice. As transformações desse ‘filme’ eram acompanhadas de perfumes agradáveis e uma luz extraordinária. O escritor de ‘Perlesvaus’ parecia estar sugerindo uma iniciação a algum culto de mistério, seja cristão ou de alguma outra escola de sabedoria. As imagens, e outras referencias na história, parecem conter mensagens secretas de natureza mística com significados mais profundos, compreendidas apenas por certos leitores ou ouvintes que olham além do simples entretenimento dado pela narrativa.
Entretanto, foi o Graal, compreendido como uma taça sagrada seu sagrado conteúdo, as histórias de sua origem, suas extensas jornadas, o imenso trabalho de seus protetores para ocultá-lo de seus inimigos, e seu poder transformador sobre aqueles que o vêem ou tocam que deu ao cálice seu forte conteúdo evocativo do mito de hoje.
_A TAÇA DE GLASTONBURY
Ao longo dos séculos parece ter se erguido um orgulho regional ou nacional localizando o Graal [seja ele um cálice ou outro objeto] em certas partes da Europa. A História de Glastonbury, associada a José de Arimatéia, é refletida por histórias similares na França e na Espanha.
Na Inglaterra, o cálice foi popularizado no século XIX por Alfred Lrd Tennyson, o poeta, e na Alemanha pelo compositor ‘Richard Wagner’. De fato, não muito tempo depois de Tennyson ter escrito seu ‘idílios’ do Rei, tornou-se sabido que uma taça, um cálice físico feito de madeira de oliveira, estava em posse da família Powell, que zelava por ela há séculos em Nanteos, perto de Aberystwyth, em Wales. Ela viera para suas mãos logo depois de Henrique VIII ter cortado relações com Roma e, implementado sua política de dissolução dos monastérios, saqueado a Abadia de Glastonbury. Por causa de Borons e sua lenda sobre José de Arimatéia, e suas outras conexões arturianas, acreditou-se que Glastonbury fosse o local de descanso do cálice sagrado.
Pouco antes dos comandados de Henrique invadirem o monastério, a historia conta que sete dos guardiões [monges] do cálice fugiram para seu monastério-irmão em Strata Florida, não muito longe de Aberystwyth. Mais tarde, esse monastério caiu vítima da dissolução, mas antes da invasão os sete monges [e seu precioso objeto] receberam asilo da nobre família de Nanteos, que não ficava muito longe da Abadia. Richard Wagner, vinte e sete anos antes de compor sua ópera ‘Percival’, visitou a família ‘Powel’ em Nanteos [1855], e relatou ter visto a taça de oliveira. A família Powel mudou-se para a Inglaterra e desde então não se ouviu mais falar da taça.
Há outras histórias a respeito do que teria acontecido com a taça de Glastonbury. Uma delas relata que na época da dissolução dos monastérios, a taça estava em meio ao tesouro que foi repartido entre dois grupos de monges que fugiram para Wales. Um grupo se dirigiu para a Strata Florida. O outro seguiu pela costaa sul de Wales e se abrigou num monastério m Caldy Island, levando com ele a taça, onde ainda hoje permanece, escondida para sempre!
Uma terceira versão da história da taça de Glastonbury nos é reconhecida por Hank Harrison, em seu livro ‘O caldeirão e o Graal’. De acordo com esta fonte, os guardiões do Poço do Cálic em Glastonbury tinham colocado sobre a mesa do sótão, na Casa do Poço do Cálice, seu genuíno Graal, juntamente com guarnições de mesa, para o retorno dos doze discípulos de Jesus. O espaço aqui nos impede de enumerar os vários outros locais secretos do Graal que existem nas Ilhas Britânicas.
_FRANÇA E ESPANHA
No continente, a história de José de Arimatéia e Glastonbury é refletida pela história da visita de Madalena [Maria Madalena] a Marselha, no sul da França, na Espanha há uma lenda da taça do Graal associada a São Lourenço e à região de Huesca.
Já no século IV, a lenda descreve Madalena deixando a Terra Santa, levando com ela algo chamado de Graal. A História conta que esse Graal foi escondido numa caverna no sul da França, cuidada pelos cátaros, um movimento religioso centrado nos Pirineus. No inicio do século XIII, os cátaros foram declarados heregs e a Cruzada Albigense lançou-se contra eles. Pouco antes da última fortaleza dos cátaros, o forte de Monsteségur, cair nas mãos dos Cruzados e dos sobreviventes queimados na fogueira, cerca de quatro ou cinco deles escaparam, levando com eles um tesouro desconhecido que se acredita incluir a taça, e que o esconderam numa caverna nos Pirineus Franceses. De lá, foi provavelmente levado para o monastério de Montserrat, perto de Barcelona.
A História espanhola leva a taça para as mãos de São Lourenço, um legado papal, que a levou de Roma para um ponto no distrito de Huesca, no nordeste da Espanha. Ela foi escondida numa caverna, na área em que foi construído o monastério de San Juan de la Peña. O medo da iminente ocupação árabe levou os guardiões da taça a removê-la para os Pirineus Franceses, para Monstségur ou Montreal-de-Sos, ou para ambos em seqüência, trazendo-a depois de volta para o monastério de San Juan de la Peña. Finalmente, foi transferida para a catedral em Valência. É provável que as duas histórias se refiram ao mesmo “Graal” associado a Madalena.
O debate ainda continua para saber se o Graal é um objeto físico, um talismã terrenal, mágico e digno de ser reverenciado como tal, ou um símbolo de algo no espírito humano que desencadeia mudanças aperfeiçoadas nos indivíduos e nas sociedades. Para o coração do peregrinador, seu significado simbólico é talvez melhor compreendido se manifestado numa forma concreta, um livro de sabedoria, uma taça mágica, uma pedra preciosa ou uma relíquia associada a grande instrutor religioso.
Há os que, em face da natureza especulativa sobre a existência real do objeto Graal, preferem expressar o mistério do Graal em algo menos tangível, mas espiritualmente real e em termos mais significativos. Para alguns, diz John Mattews, o Graal ‘não tem existência alguma, mas serve antes como uma idéia luminosa que assume forma à vontade, conforme a necessidade do indivíduo...’. E para outros, “ele é parte de um processo comportamental de transformação, um sonho alquímico da alma em sua busca de evolução humana ou unicidade com Deus”. A idéia parece ter entrado na consciência de ser, vinda de várias partes do mundo, simultaneamente ou em diferentes períodos da evolução humana, e se expressado nos vários mitos das sociedades individuais.
Geoffrey Ashe dá uma dimensão adicional ao Graal como uma idéia poderosa, vendo-o também como uma relação especial entre o Absoluto e o Homem. Ele expressa isso de forma muito apaixonada em seu livro ‘Avalon do Rei Arthur’:
“Ele [o Graal] era um sinal visível... da amizade de Deus pela Humanidade... [mas] a amizade pode ser tragicamente exigente e disruptiva...Um cavaleiro que busca corre o risco de arruinar sua vida. Mas o Graal compensa isso com preciosa certeza. Deus está lá. A mão de Deus se estende através da crueldade e da indiferença do mundo... qualquer que seja o sacrifício, e esse sacrifício vale a pena...”
_
[Texto de:R.M.Lewis e Earle de Motte]
22 de mai. de 2010
A Sabedoria dos Sábios
Será que podemos dizer que a alguns homens escolhidos foi concedida a SABEDORIA das eras – que ‘alguns’ homens possuem conhecimentos que não são comuns e compreensíveis a todos? Essa afirmação não pode ser feita sem alguma alteração. A pergunta lógica seria: ‘escolhidos por quem e por quê’?
Conhecimento compreensível! A compreensão pressupõe uma base de entendimento e uma completa percepção consciente. Mas a ‘base de entendimento’ depende da ‘relatividade’, e esta da apresentação de fatos...
Afirma-se que ‘conhecimento’ é o “estado de ser ou de ter se tornado consciente do fato ou verdade”. A posse do fato e da verdade, que essencialmente são uma coisa só, constitui conhecimento. A educação é a ‘transmissão ou aquisição de conhecimento’ - consistindo em fato e verdade...
“O conhecimento”, diz o místico, “é a soma dos fatos e verdades colhidos da experiência, educação ou compreensão, sem preconceito com relação ao canal pelo qual o influxo de conhecimento possa advir, a fonte da educação, sua natureza, ou a objetividade da compreensão”.
Para o místico todo fenômeno requer observação cuidadosa para que seja classificado e relacionado corretamente com outras causas ou com a grande causa primordial. Não mais o místico pode ser considerado ‘aquele que sustenta a possibilidade duma relação inequívoca, direta e consciente com Deus através duma espécie de êxtase’, a menos que esse êxtase inclua todo método sadio de raciocínio...
O místico não sente qualquer estranheza em sua comunhão com Deus através de todos os fenômenos. Para lê, o contato com Deus não apenas é possível, mas é uma constante realidade, através do estudo da mais diminuta forma de vida celular.
Para ele a ‘compreensão’ é fundamental - ele compreende o que outros não compreendem, entende o que os outros não podem entender. Se a base do entendimento é a ‘relatividade’, o Místico tem perfeito entendimento sobre porque descobriu a verdadeira relação de todas as coisas e todas as leis...
Essencialmente, portanto, o Místico e aquele cuja compreensão está baseada num entendimento divino de coisas fundamentais; e aquilo que ele analisa deve revelar fatos verdadeiros... que se associam com os fundamentos bem estabelecidos em sua consciência.
Meras abstrações não encontram lugar no verdadeiro conhecimento... Toda lei deve ser ‘demonstrável’ e deve enquadrar-se no esquema perfeito das coisas, segundo revelação de seu conhecimento e compreensão singulares.
Será que não poderemos, portanto, dizer que a poucos homens advém a sabedoria que não é comum a todos? E não será a lei da escolha tão lógica e justa quanto todas as outras leis da natureza?
A LEI DA ESCOLHA
O primeiro mandamento do decálogo da Lei da Escolha é:
1] “Desejarás a sabedoria com um coração isento de dúvidas!”
A dúvida é a lança envenenada do Maligno, com a qual ele nos espeta em nossas inquirições e pesquisas, mas também nos tortura tanto que acabamos nada mais desejando além da libertação do veneno da ‘ansiedade específica’. A dúvida nos conduz por um caminho longo e escuro, rumo à porta atrás da qual esperamos encontrar a luz, e rejubila-se com o fato de que nos mantém nas trevas e nos impede de perceber os muitos portais que não havíamos notado.
O segundo mandamento é:
2]”Não serás crédulo!"
A credulidade é definida como débil ou ignorante consideração quanto à natureza ou força da evidencia sobre a qual uma crença está fundamentada ... em geral, uma disposição, proveniente da ignorância ou debilidade de acreditar-se prontamente – especialmente em coisas impossíveis ou absurdas”.
Em que é que a dúvida e a credulidade diferem essencialmente? Ao duvidarmos, não estamos considerando a evidencia apresentada? Não demonstramos disposição para crer? Não substituímos certa crença, em geral nossa credulidade preciosa, pela de outra pessoa?
O místico nem duvida nem é crédulo. Exige e ‘busca’ a prova. Ele não acredita em nada – ou sabe ou não sabe.
O terceiro mandamento é:
3]”Buscarás com uma mente aberta!”
Isso parece muito simples. Mas ousamos dizer que a média dos homens de negócios não abrem o jornal pela manhã sem estarem dispostos a encontrar ali o que confirmará suas idéias preconcebidas ou que fortalecerá suas dúvidas e credulidade.
Uma mente aberta? A oscilação no número de membros duma congregação deve-se à determinação que o buscador da verdade bíblica faz no sentido de que essas revelações coincidam com suas noções preconcebidas ou que venham ao encontro das crenças mutáveis de sua mente vacilante...
A verdade deve primeiro estabelecer sua capacidade de lembrar o caráter das coisas no interior da mente do buscador, ou o buscador não penetrará na câmara para aprender!
O quarto mandamento é:
4]“Buscarás com humildade e sinceridade!”
Para o humilde todas as coisas são possíveis. Isso não é uma abstração para o Místico – que a ‘sabe verdadeira’...
Humildade não é submissão no sentido da submissão que impede a existência do caráter e magnetismo pessoais. A humildade dirige o caráter e o magnetismo pessoal a canais eficientes, proporcionando expressão mais livre à personalidade interior enquanto o manto exterior é calmamente abandonado.
A pessoa deve aprender que a alma é apenas uma parte do infinito, residindo temporariamente num corpo mortal, e que a compreensão e a harmonização perfeitas dependem da percepção da humildade da alma e da relação com Deus, isenta de qualquer espécie de poder temporal.
A sinceridade parece uma qualificação óbvia, mas, como a da mente aberta, raramente existe no grau necessário a que se cumpra o mandamento. O Lord Lytton, disse: “O entusiasmo é o espírito alentador da sinceridade.” Se a sinceridade da pessoa não se manifestar em entusiasmo [e numa disposição de fazer sacrifícios em favor da busca], a busca da Sabedoria, que só se manifesta ao humilde e sincero, é infrutífera.
O quinto mandamento do decálogo é:
5]“Aproxima-te com reverência daquilo que é Sagrado!”
No sentido de que o que é Sagrado é santificado, podemos concordar com a afirmação do Místico: “Eu santifico aquilo que está livre de equívocos morais, físicos e espirituais. Aquilo que é de caráter nobre, puro e inviolável, e que se prova um eficiente meio para a felicidade anímica e bem-aventurança espiritual, é verdadeiramente santificado.”...
O Místico sempre tem consciência do ‘fato’ de que em Deus e através de Deus são todas as coisas. Na operação de toda a lei em todos os fenômenos naturais, o Místico vê a mente de Deus e reconhece a ‘divindade’. Para ele, tudo é ‘sagrado’, por sua própria natureza e por existir simplesmente.
Aproximar-se com reverencia do ‘umbral’ do conhecimento místico é como aproximar-se da presença de Deus com santidade no coração e na mente.
O sexto mandamento é:
6]“Não por direito, mas por privilégio desfrutarás o conhecimento!”
É tão simples acreditar que o conhecimento devesse ser propriedade comum de todos os homens, por ‘direito’. É verdade que Deus nos concedeu olhos para ver, ouvidos para ouvir e um cérebro para compreendermos e recordarmos. Mas esses dons são privilégios, e tudo o que é retido na consciência, como resultado do funcionamento das faculdades sensoriais, é um privilegio e não um direito. Assim diz o Místico.
A aceitação de um dom não acarreta maior obrigação de reconhecimento e reciprocidade que o uso dum privilégio nos obriga a sentir o inegoísmo do nosso benfeitor. Por isso, lógica e racionalmente, o Místico concorda com o outro mandamento do decálogo...
O Sétimo mandamento é:
7] Com um coração abnegado beberás do vinho e compartilharás do pão na festa dos Sábios Místicos!”
O vinho que enche o corpo com o espírito da vida e o pão que fortalece os tecidos do ser mortal: esse o místico partilha com um coração altruísta.
Será inegoísmo buscar-se o conhecimento pelo qual se possa vangloriar do poder assim alcançado, ou usar esse conhecimento exclusivamente para o progresso pessoal, ou negar aos outros qualquer serviço que possa ser prestado pelos benefícios colhidos desse conhecimento? Isso constitui aquele ‘egoísmo’ que deve ser purgado do coração e da mente para que a Iluminação divina possa manifestar-se na compreensão das maiores verdades.
O Oitavo mandamento é:
8]”Amarás teu semelhante pelo amor que Deus te deu!”
Pode parecer meramente filosófica a afirmação d que todo Amor é de Deus. Se qualificarmos o termo Amor, interpretando-o como o principio de atração compassiva ou prazerosa dos seres sencientes e racionais [que é puro, nobre e bom], poderemos seguramente concordar que o Amor é Deus é Deus em manifestação a nós aqui na Terra.
Visto que Deus inspirou Amor m nós, devemos amar nossos semelhantes. O Místico sabe que aparentemente é impossível amar o seu semelhante como ele mesmo. Mas como provam todos os atos e pensamentos do verdadeiro Místico, acha ele possível amar seu semelhante com a inspiração que lhe permite ser amável e tolerante, justo e obsequioso, cordial e prestativo, atitudes que todo homem espera que Deus manifeste a ele, por causa do Amor que habita em Deus.
...Não é preciso estabelecer-se outra fraternidade universal que não a da expressão do Amor de Deus que, potencialmente, está no coração de todos os seres humanos. Quando o alvorecer da Consciência Mística chega ao neófito, junto chega a compreensão de que toda a humanidade está unida divinamente por um laço Infinito.
O Nono mandamento é:
9]” Preparar-te-ás para a missão de tua existência!”
Nascemos para cumprir uma missão na vida!... Não é preciso acreditarmos que cada personalidade-alma foi colocada num corpo físico para cumprir certa missão predeterminada... Viemos a esta vida ignorantes e sem poderes ou capacidade, exceto os que Deus nos conferiu. Com esses dons adquirimos, por privilégio, outros conhecimentos e capacidades. Esses dons nos obrigam a usá-los para a finalidade que Deus tinha em mente ao concedê-los a nós – e isto se torna nossa missão na vida: ‘fazer aquilo que beneficiará os outros e trará Luz do conhecimento e a paz da compreensão àqueles que não as possuem.
Devemos nos preparar para essa missão - aprender a enxergar bem, pois quanto melhor for nossa visão e acurada a nossa interpretação, melhor será a nossa compreensão...
Devemos ampliar o nosso armazém de memória para que disponhamos da faculdade de recordar aquilo que servirá a nós ou aos outros quando preciso. Devemos conhecer as leis da natureza para que disponhamos das potentes possibilidades que sempre estão ao nosso alcance e esperam a nossa aplicação. Devemos nos preparar para que, quando surgir a oportunidade ou a ordem de cumprirmos a ‘missão’, estejamos prontos em conhecimento e experiência para realizar aquilo que nossa preparação nos inspire a fazer como nossa ‘missão.
O Décimo mandamento é:
10]”Agirás segundo a Trindade – Consagração, Cooperação e Organização!”
Este último mandamento revela o objetivo deste artigo. Visa ele oferecer-lhe a oportunidade de seguir os mandamentos do decálogo e, pela preparação que só advêm a poucos, cumprir sua missão na vida. Pela consagração de ideais, cooperação com outros inspirados analogamente, devemos auxiliar de modo organizado a difundir a Grande Luz nos vales obscurecidos do nosso planeta.
Considere isto um convite a obedecer o terceiro e quarto mandamentos deste artigo. E tendo assimilado esta mensagem, você a transmitirá, de acordo com o sétimo mandamento, àqueles que compartilhem da oportunidade que chegou a você. Desse modo esta mensagem chegará a muitas pessoas, não ficando restrita ao coração de somente um. Considere-se escolhido para distribuir esta mensagem entre os seus conhecidos que estejam interessados, que por sua vez a transmitirão a outros. Em silencia, e sem nome ou personalidade, a chegará alguém que está buscando, e assim se cumprirá a missão dum simples artigo.
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[Texto de Spencer Lewis]
21 de mai. de 2010
Ciência x Religião _ O Hiato cada vez maior
As variedades dos interesses humanos, hoje em dia, são consideráveis. No entanto, para as chamadas nações adiantadas, o interesse principal parece ser um crescente ‘materialismo’. Este pode ser definido em termos de posses e prazer sensual. Em outras palavras, o objetivo da vida parece ser o ‘prazer e a aquisição de coisas’ que contribuam primordialmente para a satisfação dos ‘desejos físicos’.
Tais desejos físicos são naturais para um organismo autoconsciente. Constituem aquilo que pode proporcionar e assegurar sua vida com um mínimo de irritabilidade. Esses desejos, porém, embora biologicamente necessários, se não são disciplinados intensificam a agressividade na medida em que inibem os sentimentos e emoções mais elevados. Simplesmente, nossos desejos acabam se tornando o ideal da vida a ser obtido sem consideração para com os interesses alheios.
O instinto de autopreservação é compulsivo em suas exigências para manter o EU Físico. Mas essas compulsões podem acabar resultando na destruição do indivíduo, especialmente se ele é um membro da sociedade. O Eu maior do homem, no sentido ‘físico,é a sociedade’.Não mais podemos existir como pequenos grupos de indivíduos ou como tribos, ou mesmo como uma sociedade maior ‘isolada’. Nossa sobrevivência depende de sermos membros integrantes e cooperativos da sociedade. Podemos ser competitivos, mas não ao ponto de prejudicarmos outros membros do conjunto social de que nós mesmos participamos. Não podemos restringir outras pessoas ao ponto de que elas não tenham a mesma oportunidade de se valer das vantagens da vida coletiva.
Figuradamente falando, se há um tal declínio de moral e ética que a vantagem pessoal se torna o direito supremo, então os homens estão impiedosamente entrincheirados uns contra os outros.
Não basta que se tenha somente compreensão intelectual desta necessidade. É preciso que haja também uma ‘compaixão emocional maior’, um mais firme senso de retidão. Sempre que esse tipo de emoção está adormecido ou é inibido, o homem se torna impiedoso [querer, para esse individuo, é ter direito].
Hoje em dia, sentimos que um crescente ‘materialismo’ parece estar tomando conta do mundo. Mesmo nações subdesenvolvidas e em depressão econômica parecem avaliar o sucesso e a felicidade exclusivamente em termos de riqueza e cupidez – [isto é, o amor às posses é o sonho de muitos]. É compreensível que uma pessoa subnutrida anseie e trabalhe pelas necessidades de sobrevivência.
Mas o sonho de muitos indivíduos, assim como de nações ricas, é um estado ‘máximo de luxo’.
DA CIÊNCIA
Grande parte das mentes da sociedade se vê entre dois fortes pólos opostos. Um desses pólos é a exagerada ênfase posta na ‘ciência’. Para as massas, a ciência parece uma espécie de ‘gênio’ moderno; isto é, uma espécie de ser que, figuradamente, agitando a varinha mágica de sua tecnologia, pode criar uma vida maravilhosa de abundância e conforto material para toda a humanidade. Isto, naturalmente, é mais evidente no extraordinário desenvolvimento das ciências físicas e sua ‘aplicação’ para transporte, comunicação e comodidade. É claro que esta interpretação é grosseiramente injusta para com a ciência.
Existem dois aspectos gerais da ‘ciência’. Um é a ‘pesquisa pura’, a busca de ‘conhecimento’ para compreender as leis da natureza. Trata-se de transformar o desconhecido em conhecido, e com isto erradicar a superstição e sua perigosa influencia sobre a mente humana. Esta é uma das maiores contribuições à ‘verdadeira liberdade’ do homem.
O outro pólo ou sentido da ciência é sua ‘aplicação’, seu valor utilitário. ‘Conhecimento é poder’. As leis naturais que são reveladas pela ciência tornam-se ferramentas para ‘uso’ do homem. Essas ferramentas podem ser e são aplicadas pelo homem, tanto em prol da sociedade como contra ela. Em outras palavras, elas podem ser empregadas de maneira a beneficiarem não somente aqueles que as estejam usando, mas outras pessoas também. Inversamente, podem ser usadas em beneficio de alguns e em detrimento de outros.
A dificuldade está na ‘motivação moral’ da ciência aplicada. Se a avareza, a cobiça, predominam, então um materialismo empedernido se espalha pela sociedade. As descobertas, as revelações da ciência, são então pervertidas. A resultante produtividade da ciência é por conseguinte entendida como vantagem material exclusiva do individuo. E essa vantagem é encarada como diminuição de trabalho, mais lazer e recursos financeiros suficientes para satisfazerem qualquer prazer desejado.
Grande ênfase é posta em modernos recursos para diminuição de trabalho, nesta explosão da era cibernética. Promete-se que os homens terão mais tempo livre de trabalho para suas variadas maneiras de viver. Em que irão eles investir esse tempo? Significará isso que eles estarão procurando novos meios de intensificar a satisfação de seus sentidos mais grosseiros?
DA RELIGIÃO
Numa consideração superficial do assunto, dir-se-ia que a influencia mediadora deveria ser a ‘religião’. Presume-se que isso, por inspiração, despertaria os sentimentos e emoções mais nobres, que se acredita constituir a cultura avançada da sociedade.
Mas a religião tornou-se extremamente ‘polarizada’. Ela tem sentido fortemente que está em perigo devido a Ciência; simplesmente, que a ciência está se apresentando como a futura ‘salvação’ da humanidade há de proporcionar alívio de muitas pressões que o homem sofre hoje em dia. Além disso, a religião muitas vezes interpreta o desenvolvimento e progresso da ciência como uma tentadora utopia aqui na Terra. Por contraste, então, a atual ortodoxia teológica pareceria apenas uma ‘vaga promessa’ de uma sublime vida póstuma.
PROBLEMAS ATUAIS POR RESOLVER
Para combater o que considera uma influencia destrutiva da ciência, a religião insiste na aceitação literal das escrituras. Este ‘fundamentalismo’ se recusa a reconhecer que a Bíblia é principalmente uma composição de ‘fatos’ históricos, uma antologia e uma matriz de simbolismo. Ela encerra valores morais, porém muitos de seus relatos são lendários e grande parte do seu conteúdo foi reescrita por ‘concílios de teólogos’. Não é portanto racional, nesta época de cultura moderna, impor crença absoluta na Bíblia tal como existe, como se ela fosse o ‘fiat’ final de Deus.
O resultado do fundamentalismo religioso, portanto, é uma transferência da geração jovem de cultura mais moderna para o campo da ciência. O simples fato de que certos grupos fundamentalistas tentam repudiar aquilo que a ciência pode apresentar como evidências comprovadas indica sua intolerância. Esta atitude contribui para diminuir o apoio geral à atual ortodoxia religiosa ‘extremada’.
Tais condições causam um hiato, um vácuo, entre os dois pólos: de um lado o progresso da ciência, com sua busca de conhecimento e a aplicação do mesmo; e, de outro lado, a inflexibilidade da ortodoxia religiosa radical. Os indivíduos que desejam satisfazer suas impressões psíquicas de retidão, ou que desejam ampliar seu sentimento de ‘unidade’ com a realidade, o Cósmico, são aparentemente isolados. Seu problema parece ser o seguinte: deverão todos os sentimentos superiores do u, que eles sentem, ser primeiro submetidos a explicação cientifica, isto é, como resultados exclusivamente de fenômenos físico? Ou, por outro lado, se o que eles sentem é chamado de espiritual, deverá isso então ser explicado somente por limitadas ou restritas doutrinas religiosas, que não satisfazem?
O hiato entre os dois extremos, esses pólos de diferença, está aumentando. A ciência pura não é a responsável. Mas aqueles que a ‘comercializam’ exclusivamente em termos d materialismo e conforto material, são uma das principais causas do estado de coisas reinantes.
A outra causa é o aspecto da religião que insiste em restringir a “Consciência Pessoal”; que persiste em impor sua interpretação de ‘idealismo espiritual’, declarando que ela detém o único critério verdadeiro para o estado supremo de consciência.
O individuo que tende a se dedicar ao estudo do misticismo, metafísica e assuntos correlatos, é com freqüência encarado, por muitos daqueles que são devotos estritos do valor utilitário da ciência, como excêntrico e dado a fantasias. Por outro lado, ele pode ser considerado, pelos fundamentalistas religiosos, como carente de espiritualidade, se não como ateu!
Não podemos ver nesse estado de coisas um fator de criminalidade? Por um lado, parece a muitos que o ‘hedonismo’ [isto é, o materialismo e seus prazeres] constitui a plenitude da vida, a ser alcançada a qualquer preço. Por outro lado, a espiritualidade parece estar aprisionada pelo dogmatismo ortodoxo. Este problema básico terá de ser resolvido ao avançarmos mais na era da tecnologia.
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[Texto do Imperator]
20 de mai. de 2010
Jung e a Alquimia
Antes de Jung se interessar pela alquimia, foi atraído d 1918 a 1926 para os gnósticos e os Doutores da Igreja, vendo neles buscadores e pensadores preocupados com as questões metafísicas, e que queriam não apenas crer mas conhecer. É verdade que os gnósticos haviam à sua maneira atinado com o mundo primitivos do inconsciente, e o maior cuidado de Jung foi o de estabelecer uma ponte entre a gnose, o neoplatonismo e nossa época moderna. Quando tomou consciência do valor místico, simbólico e arquetípico da alquimia, ele compreendeu que ela era de algum modo esse elo entre o passado e o presente.
Os sonhos de caráter antecipativo e/ou premonitório, tratando de forma repetitiva do mesmo tema, intrigariam Jung imensamente [nos anos que precederam o começo do seu interesse pela alquimia]: “Ao lado da minha casa, ‘conta ele’, havia uma outra, quer dizer, uma ala de casa ou uma construção anexa, que me era desconhecida. Toda vez eu me espantava, no sonho, por não conhecer aquela parte da casa que, ao que parecia, sempre estivera ali. Finalmente, aconteceu um sonho em cujo desenrolar eu entrei nessa ala desconhecida. Ali descobri uma biblioteca maravilhosa, provinda na maior parte dos séculos XVI e XVII. Nas paredes havia in-fólios encadernados com pele de porco. Alguns estavam decorados com gravuras em cobre de natureza estranha e imagens representando símbolos singulares, como eu jamais havia visto. Eu não sabia então a que se referiam esses símbolos e só bem mais tarde vim a reconhecer que se tratava de símbolos alquímicos. Essa ala que eu desconhecia era patê de minha personalidade, um aspecto de mim mesmo. Representava algo que fazia parte de mim, mas de que eu ainda não tinha consciência. Essa construção e, em particular, a biblioteca referiam-se à alquimia, ao estudo da qual eu iria me dedicar durante muitos anos”.
Quinze a vinte anos mais tarde, Jung tinha em seu poder uma das mais belas coleções européias de manuscritos alquímicos, que ele tinha guardado em uma biblioteca muito parecida com aquela do seu sonho.
Não nos esqueçamos também daquele outro sonho que anunciou a Jung seu encontro com a alquimia. Esse sonho terminava com sua prisão no paço de uma construção medieval, próxima do palácio de um Príncipe da Itália do Norte. Um camponês que o acompanhava exclamou, quando o portal se fechou com um ruído surdo: ‘somos prisioneiros do século XVII’. E Jung, no sonho, diz então:’seremos prisioneiros por muitos anos’, mas se consola pensando que tornará a sair desse lugar ao fim de alguns anos.
Mais tarde ele compreendeu o sentido desse sonho que se referia à alquimia, cujo tempo mais vigoroso foi o século XVII, a qual ele ajudou a resgatar da obscuridade no século XX.
Dois personagens provavelmente participaram nesse contato de Jung com a alquimia. O primeiro Hans Silberer, um de seus amigos, tinha escrito em 1917 um trabalho sobre a questão do ‘misticismo e seu simbolismo’, no qual colocara em evidência que, contrariamente ao pensamento de Freud, ‘a experiência mística era uma simples sublimação da sexualidade’. A participação de Silberer foi talvez involuntária, pois Jung pretendeu ter esquecido as reflexões de seu amigo sobre a alquimia; mas o que foi na realidade esse esquecimento? O segundo, Richard Wilhelm, deu-lhe em 1928 um curioso trabalho intitulado. “O Segredo da Flor de Ouro”. Esse livro era um tratado de alquimia taoísta, narrando a revolução da luz, que terminava na eclosão de um germe imortal e que se apresentava como uma obra mística, integrando elementos da alquimia e de filosofias orientais, onde o objetivo da meditação é o elixir da vida.
A alma ali simbolizada sob a forma de um demônio-nuvem masculino e de um fantasma branco feminino ligado à terra. Jung viu nisso os símbolos de ‘ânimus e de ânima’ e se conscientizou do fato de que o objetivo da alquimia espiritual consistia em produzir um corpo etérico chamado ‘corpo diamantino’:
“Se queres completar o corpo diamantino sem demora
Aquece com cuidado a raiz da consciência e da vida
Ilumina a região
Bem-aventurada que está
Sempre próxima
E faz nela habitar para
Sempre, oculto, teu
Verdadeiro Eu.”
Richard Wilhelm traduziu para o alemão, além desse, um outro trabalho chinês célebre, o “I Ching” ou “Livro das Mutações”, que descreve uma metodologia particular que permite obter-se uma espécie de oráculo com a ajuda de pequenos bastões, o qual mostra-se útil para aquele que utiliza essa técnica, no momento em que a emprega.
Jung sentiu-se atraído para a simbologia e metodologia do I Ching, que se tornaram um dos pontos de partida das suas TEORIAS sobre a SINCRONICIDADE. O I Ching tem por hipótese que todo evento que se produz em um dado momento acha-se necessariamente revestido da qualidade geral característica desse momento.
Jung, desejando profundamente estabelecer um elo entre o cristianismo primitivo e a psicologia profunda, encontrou nesse livro “O Segredo da Flor de Ouro”, a idéia de se voltar para a alquimia como essa possível ponte. Um comerciante de livros de Munique conseguiu-lhe então diversas obras alquímicas, entre as quais a primeira foi “A Arte Aurífera”, volumosa coleção de tratados em latim, que ele achou incompreensíveis, deixou de lado, voltando a eles de tempos a tempos, e isto durante dois anos, até o dia em que descobriu que os alquimistas se expressavam por símbolos. E esse foi o início de uma extraordinária jornada e de um trabalho gigantesco através dos manuscritos alquímicos.
Notando que no “Rosário dos Filósofos” certas expressões repetiam-se freqüentemente, como “Solve et coagula” [dissolve e coagula], “prima matéria” [matéria primeira], etc., ele decidiu compor um verdadeiro dicionário de termos de referência.
“Percebi rapidamente”, disse ele, “que a psicologia analítica casava-se singularmente com a alquimia. As experiências dos alquimistas eras as minhas experiências o mundo deles, em certo sentido, era o meu mundo”. Jung se deu conta da estreita correlação entre a alquimia medieval e os símbolos dos sonhos, fez comparações entre os símbolos dos alquimistas e os descritos por seu pacientes em seu sonhos.
Bem sabemos que os alquimistas, que se consideravam bons cristão, procuravam a transformação interior e não a obtenção de ouro, e que eles não se satisfaziam com um caminho de salvação como o que lhes oferecia a Igreja. Eles desenvolveram em si mesmos um caminho de conhecimento, utilizando seus processos químicos para favorecer a visão psíquica e traduzindo suas experiências através dos símbolos. E há pontos comuns entre os processos alquímicos e o processo analítico do trabalho com os sonhos: os dois conduzem a uma transmutação interior que pode desembocar na dimensão espiritual.
Só que não é suficiente ter bons sonhos; todo mundo pode ter a experiência dos arquétipos em sonhos, até mesmo do ‘self’, sem que se opere uma verdadeira e autêntica transmutação. O cotidiano continua sendo o laboratório necessário para que sejam interligadas as mensagens fornecidas em sonho pelo inconsciente. E uma pessoa que tome esse caminho deve cultivar aquilo que emerge de novo, de bom e de diferente. Vários autores atuais consideram que esse trabalho do analista é o opus do alquimista. O simbolismo alquímico se situa sobre o plano cosmológico e a alquimia pôde ser encarada como uma extensão e uma aceleração da geração natural, representando a evolução humana do nível materialista ao nível espiritual: transformar os metais em ouro equivale a transformar o homem em puro espírito...
Os diversos processos alquímicos são bem simbolizados pela expressão ‘solve et coagula’, que pode ser traduzida como ‘purifica e integra’, correspondendo estas duas fases às do ritmo universal: inspiração/expiração, involução/evolução, e a prática da alquimia, seja material ou espiritual [será possível não ser material?] permite entrar em contato com o que em si mesmo pode ser denominado a ‘caverna do coração’.
Num artigo escrito para a Enciclopédia Hebraica, Jung diz o seguinte:
“Uma pesquisa comparativa provou que os símbolos alquímicos são formados por uma parte de variações de temas mitológicos que pertencem ao mundo dos alquimistas e por outra parte de produções espontâneas do inconsciente. Isso torna-se evidente no paralelismo observado entre o simbolismo dos sonhos e aquele da alquimia. O símbolo principal da substancia transformada no curso do processo é indicado por Mercurius. Sua descrição nos textos concorda em essência com as características do inconsciente. No inicio do processo ele está na ‘massa confusa’, o caos ou a ‘nigredo’. Mercurius aqui representa o papel de ‘prima matéria’. Ele também é chamado de alma cativa do mundo, um sistema pelo qual as potências mais altas encontram-se nas mais baixas. Isso descreve uma condição obscura [inconsciente] do adepto. Os procedimentos da fase seguinte têm por objetivo iluminar a escuridão pela união dos elementos opostos. Isso conduz à ‘albedo’ [obra ao branco] que se compara ao nascimento do Sol. A transformação da escuridão em luz é simbolizada pelo tema da luta com o dragão; a passagem ao vermelho se dá pela intervenção da ‘conjunctio’, a lua une-se ao Sol, a prata ao ouro, o feminino ao masculino.
“O desenvolvimento da ‘prima matéria’ até a ‘rubedo’ descreve a tomada de consciência de um estado inconsciente de conflito que será daí em diante mantido na consciência, e durante esse processo a sobra que não pode ser melhorada deve ser rejeitada. Tornar-se consciente de um conteúdo inconsciente equivale à sua integração na psique consciente e forma, deste modo, uma ‘conjunctio Solis et Lunae’. O processo de integração é um dos fatores mais importantes e mais úteis da psicoterapia moderna, interessada prioritariamente pela psicologia do inconsciente, pois a natureza da consciência, assim como a do inconsciente, é modificada por esse processo. Via de regra, ele é acompanhado do fenômeno da transferência, isto é, da projeção de conteúdos inconscientes sobre o terapeuta. Encontramos igualmente esse fenômeno na alquimia onde amiúde uma mulher adepta desempenha o papel da ‘soror mystica’ [Nicolas Flamel e Pernelle, Zósimo e Teosébia]. A ‘conjunctio’ cria o ‘lapis philosophorum’, símbolo central da alquimia; o ‘lápis’ representa a personalidade que foi modificada pela integração do inconsciente.”
QUAL A TEORIA DE JUNG SOBRE A ALQUIMIA?
Para Jung, tudo se passou assim: ‘numa época em que a matéria permanecia cheia de incógnitas, o alquimista abordava a Grande Obra com uma seriedade de tal intensidade que ele projetava, de maneira perfeitamente inconsciente, imagens de seu inconsciente num material de sua escolha e se esforçava em ali realizar a transmutação. O alquimista utilizava inconscientemente sua imaginação criativa, engendrando visões que invadiam seu laboratório como sonhos vivos.’
“ A alma possui por natureza uma função religiosa”, diz ele em “Psicologia e Alquimia”, e a função religiosa do inconsciente encontra sua expressão por meio de símbolos na alquimia. A pesquisa da significação do sonho alquímico ocupou Jung em duas obras: “Psicologia e Alquimia” e “Mysterium Conjuncitionis”.
Jung estabeleceu um paralelismo estreito entre o processo de individuação e a Grande Obra, que têm em comum o fato de se estenderem por muitos anos, de serem um movimento circulatório em torno do qual vê-se aparecer cores sucessivas, como o negro [que evoca a angustia da dissolução da consciência], o branco e o vermelho [luz da consciência renovada e o devir operante]. Cada autor alquímico, segundo Jung, tem seu próprio caminho, como é o caso da individuação, e os sonhos veiculam freqüentemente imagens alquímicas desconhecidas do sujeito.
Em nossa época da física nuclear que realiza a transformação da massa em energia, e às vezes em claridade mortal, a psicologia profunda permite reencontrar o antigo caminho que conduziu Dante até o fundo de si mesmo, e permite ao homem reencontrar-se.
“O desenvolvimento da consciência individual e a integração, pelo indivíduo, dos conteúdos inconscientes são as únicas verdadeiras garantias contra a possessão pelos arquétipos e, conseqüentemente, contra perigosos movimentos de massa. A integração dos conteúdos inconscientes constitui um ato individual de tomada de consciência, de compreensão e de julgamento moral”, escreveu Jung, acrescentando que esta é uma tarefa muito difícil, que demanda um alto grau de responsabilidade ética e que talvez poucos sejam capazes dessa consecução, os quais não são os dirigentes políticos mas os guias morais da humanidade.
De fato, s obas alquímicas de Jung, nos ensinam muitas coisas quanto ao seu autor e às suas idéias fundamentais, porém seu valor intrínseco relativamente à própria alquimia é discutível.
QUE PENSAR ENTÃO DESSA TEORIA DE JUNG?
Constatamos que existe uma alquimia dita operativa e uma alquimia dita espiritual. Onde classificar a descrita por Jung: a alquimia dos sonhos que se tornam uma via de conhecimento do Eu? Em que pé estava a alquimia no momento em que Jung a redescobriu? Geralmente oprimida pelo sarcasmo, ela seguia através de certos adeptos [Cyliani, Fulcanelli e Eugène, por exemplo]sua jornada subterrânea, solitária e mais do que nunca dissimulada, seus praticantes considerando seu isolamento, até mesmo sua cladestinidade, como um sinal da idade das trevas. Entretanto, como expressão da tradição hermética, a alquimia jamais cessou completamente de existir. Sob sua dupla forma, espiritual e operativa, a alquimia é a expressão de uma tradição que remonta a Hermes Trismegisto e que, através da Babilônia, Egito e mundo árabe, está difundida no Ocidente, constituindo uma das vias do esoterismo.
Lembremo-nos que cada praticante da arte propõe-se a regenerar a matéria acelerando o crescimento dos metais e os purificando até a obtenção da Pedra Filosofal; e através da transmutação que põe em cena quatro elementos [ar-água-fogo-terra], três princípios [mercúrio-enxofre-sal] e a energia cósmica, o alquimista tenta realizar a obra divina da criação, completando com perfeição o trabalho da natureza.
È evidente que essa Teoria junguiana foi severamente criticada pelos depositários da antiga sabedoria. Basta ver as reações da Eugène Cansaliet quando se evocava diante dele as hipóteses de Jung; escreveu aliás o seguinte: “O grande volume de Jung”, “Psicologia e Alquimia”, não nos parece nem mais nem menos nocivo,l o qual, numa muito pessoal e frágil interpretação, reúne todavia grande número de extratos de obras, notas bibliográficas e, particularmente, figuras simbólicas. Fora isso, esse mirrado espólio que poderia servir ao estudante de alquimia, e com mais razão, ao operador cioso de toda verificação em laboratório, que se poderia esperar de um escritor peculativo que compreendeu tão pouco a ciência a ponto de pretender submetê-la à sua acrobacia psicológica e reconduzi-las simplesmente às dimensões reduzidas de seus procedimentos banais e de suas falaciosas induções?”. Severas reflexões...
Em comparação ao que se convencionou chamar ‘A Tradição’, a proposta de Jung fez papel de reducionismo psicológico. A obra junguiana não esgota as múltiplas faces da alquimia e deixa intacta a visão mística, mas por honestidade cientifica circunscreveu o campo de estudo, fornecendo uma metodologia que garantiu a credibilidade de suas asserções.
JUNG PRESTOU UM MAU SERVIÇO À CAUSA DA ALQUIMIA?
Certamente que na. Ele participou de uma renovação da alquimia, evidentemente sob um ângulo que os alquimistas não haviam previsto. Participou de uma recolocação, ao gosto moderno, do simbolismo e dos sonhos. Tudo isso interessa muito aos místicos.
Evidentemente, para Jung a alquimia deve ser compreendida no sentido da transformação do EU. A via alquímica é o processo de individuação que permite essa transmutação, e essa via régia utiliza a arte da interpretação e da utilização dos sonhos. “A consciência é a verdade”, disse o sábio Ramana Maharshi. Jung não cessava de repetir a mesma coisa. E os iniciados, que dizem? A mesma coisa! A seu próprio modo, com uma outra forma simbólica. O importante é fazer vir à consciência elementos primordiais e necessários, capazes de fazer evoluir o ser.
Os limites da obra junguiana, em sua relação com a Grande Obra, são que sua explicação é apenas uma entre as interpretações possíveis da alquimia.
O ponto que eu pessoalmente encaro com muita reserva é a afirmação de Jung de que o alquimista, em suas operações de laboratório, parece trabalhar projetando ‘inconscientemente’ sobre a matéria elementos simbólicos procedentes de si mesmo. Esse certamente foi o caso para um grande numero deles, mas não para todos; é possível que Jung tenha demonstrado certo desconhecimento do mundo do esoterismo. Talvez tenha se iludido ao afirmar que o alquimista é solitário: ele é aparentemente um solitário, um taciturno, um incógnito. Mas na verdade os alquimistas autênticos freqüentemente eram membros integrantes de fraternidades iniciáticas, ou estiveram ligados a elas em alguma época de sua vida; toda uma formação simbólica de base lhes havia sido ensinada; alguns puderam ter acesso a arquivos da mais alta importância. Toda uma estruturação de seu trabalho alquímico pôde assim sr ordenada.
Falar da solidão do alquimista é esquecer seu senso de segredo, como também suas relações com os planos superiores, as hostes celestes, o Mestre Invisível que cada iniciado pode encontrar um dia, psiquicamente, em sua senda.
Tenhamos em mente que os praticantes da arte, os adeptos, insistiam sobre o trabalho interior, as meditações no oratório. O alquimista realiza uma obra que se desenrola simultaneamente em diversos planos; sua reflexão mística não cessa de alimentar o processo operatório, e o trabalho na matéria permite verificar e ampliar as intuições que brotam durante suas contemplações no oratório. A meditação do alquimista iniciado revela as relações misteriosas, invisíveis mas reais, que associam a alma universal – a alma mundi – e a via secreta dos elementos e dos metais. Com humildade, o adepto faz experiências até desembocar na luz do Impessoal. A busca do UM supõe efetivamente que o iniciado se despoje progressivamente de seus afetos e desejos, e o alquimista ao final da obra participa de uma visão unitiva: é a união do conhecimento e do Amor.
O PAPEL DA LITERATURA ALQUÍMICA
Ela tem a tarefa de transmitir uma revelação cuja compreensão depende diretamente do grau de conhecimento espiritual adquirido pelo adepto. A leitura alquímica é um teste iniciático: o adepto deve decifrar e aprender a vivenciar, a perceber em seu próprio interior os símbolos que se remetem aos fenômenos materialmente observáveis.
Concluindo, podemos afirmar que, pondo de lado certas reservas expressas acima, o papel de Jung em sua abordagem da alquimia permanece considerável e permite a um bom número de buscadores conhecer a si mesmo, e operar essa transmutação necessária, tornando-se assim alquimista espiritual.
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[Texto de Jean-Pierre Clainchar]