Ilya Prigonine [Prêmio Nobel de química em 1977] e seu grupo tem mostrado que a seta do tempo e a linha da evolução vão no sentido de criar cada vez mais complexidades auto-organizadas, diversidades e inter-retrorrelacionamentos. A evolução não é linear. Ela dá saltos. Exemplo disso é a formação do cérebro de um embrião. Após oito semanas de fecundação, sem sabermos por quê, ocorre uma frenética produção de células nervosas, os neurônios. Milhões deles irrompem a cada dia. Após 35 dias, o ritmo se desacelera. Inicia-se outro processo, o da interconexão entre os neurônios,base para toda a vida da mente. E prossegue pela vida afora. As conexões se dão também além da mente, no campo familiar, comunitário, social e planetário. Surge uma pan-relacionalidade que é a característica do tempo em que vivemos.
Teilhard de Chardin havia percebido a seguinte lógica na evolução: quanto mais ascende, mais ela se complexifica; quanto mais se complexifica, mais se interioriza; quanto mais se interioriza, mais consciente se torna; e quanto mais consciente se torna, mais converge a um ponto onde tudo se concentra, se sintetiza e constitui uma unidade superior.
Não estaríamos hoje, com a complexificação dos meios de comunicação, com o estreitamento das interdependências, com a consciência da unificação da humanidade e a aceleradíssima globalização, criando as condições para um novo patamar da hominização? Para a emergência de um sistema nervoso complexo e planetário e para um cérebro global?
Os saltos podem dar-se, na evolução, a qualquer momento, desde que haja certa acumulação de energia. A acumulação populacional dos cérebros humanos,o crescimento das inter-conexões dos neurônios com a sofisticação de todos os saberes e experiências, a consciência cada vez mais planetária, a percepção de sermos co-responsáveis pelo que possa acontecer com a natureza e a humanidade permitiriam a colocação da hipótese ‘teilhardiana da noosfera’ [a esfera da mente humana unificada]. Estaríamos na antevéspera da implosão de algo inédito na história do planeta: num de seus membros, na espécie humana, emergiria uma convergência das linhas ascendentes da evolução rumo a uma unidade orgânica. Não apenas no conhecimento, mas principalmente no AMOR. A ‘amorização’ significaria a forma mais alta de ‘união’ de todos com todos e de todos com tudo.
A globalização com suas contradições e com a vitimação de tantas pessoas e tantos seres da natureza provoca fortemente seu oposto dialético. Sabe-se que há comunicações extra-sensoriais da mente, o fenômeno da ‘sincronicidade’, a morfogênese biológica [Rupert Scheldrake] segundo a qual, além do código genético que fornece os materiais químicos de construção da vida, entra o campo formológico invisível e não detectável pelos sentidos que explica como os elementos do código genético se juntam em formas e estruturas específicas, quer dizer, em sistemas. É semelhante ao campo gravitacional e magnético, que são estruturas espaciais invisíveis e reconhecíveis pelos efeitos. Assim a limalha de ferro espalhada em torno de um ímã revela a estrutura espacial de seu campo. Algo semelhante ocorre com a vida. Não bastam os sensores da televisão estarem bem ligados, nem o aparelho estar conectado a uma fonte de energia. Eles não produzem as imagens. Estas vêm de outra fonte produtora. Consoante a TEORIA DO CAMPO MORFOLÓGICO, quando são bem-sucedidas, as experiências produzem uma ressonância sobre todos mos seres do sistema de relação. Tal ressonância faz com que a experiência nova não se perca, mas, depois de certo número de repetição e reprodução, se passe aos membros do mesmo sistema; ela começa a ser reproduzida, garantindo um avanço no processo da vida. Assim, na humanidade estaria havendo um acúmulo significativo de ressonâncias rumo a uma unidade planetária. Atingindo certo ponto crítico, esta unidade emergiria historicamente.
Os processos históricos se aceleram. Entre 15.000 e 8.000 anos a.C. fez-se no neolítico a revolução agrária; todas as culturas praticamente incorporaram esta revolução. Somente trinta séculos depois implodiu outra revolução, a industrial, entre 1750-1850. Em seguida, com muito mais rapidez, um século após, deu-se a revolução nuclear. Dez anos depois ocorreu a revolução da informação com a decodificação do código genético. A espiral da evolução vai se enovelando sobre si mesma.
Há os que esperam a onda zero proximamente [nos inícios do terceiro milênio] quando então eclodiria a ‘noosfera’, o novo ‘katun’ [a nova era planetária] na terminologia dos maias, que muito especularam sobre essas realidades globais. E assim se inauguraria uma nova fase para a humanidade como humanidade, unida e diferenciada e convergente.
A humanidade com sua capacidade de sinergia [colaboração de todos] funcionaria como uma espécie de cérebro do planeta Terra. À medida que o ser humano entrasse em sintonia e em sincronia com os movimentos do planeta Terra e com sua lógica, promoveria um tipo de desenvolvimento com a natureza e não contra ela. Poderia mostrar-se criativo à medida que captasse as potencialidades ocultas da Terra e as explicitasse, acelerando ou desacelerando a seta evolutiva. A humanidade seria a própria Terra enquanto pensa, quer, simboliza, projeta, sonha e ama.
Tudo o que cada pessoa humana faz ou deixa de fazer concorre para a criação desta nova fase da humanidade ou a impede. Por isso importa cada um sentir-se em profunda ‘osmose’ com a Terra e seu destino; é importante fazermos inteiros o que fazemos, com a mente pura e afinada com tudo à nossa volta e com o cosmos. Estamos fornecendo á Gaia o passo necessário para que ela realize o seu desígnio que nos inclui, desígnio de vida, de consciência de si, de plenitude do ‘Espírito na matéria’, de sinfonização de tudo com tudo em face do mistério de Deus.
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[Capítulo 4, do Livro Civilização Planetária, Ed. Sextante,
2003/Autor: Leonardo Boff]
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14 de fev. de 2010
O Sentido da Globalização Atual: A Criação de uma Noosfera?
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