Existem dois termos que geralmente são usados para descrever o processo de raciocínio: indução e dedução. Ambos possuem significado especial segundo os campos de conhecimento a que são aplicados. Em eletricidade, por exemplo, bobina de indução indica um mecanismo que transforma a energia em corrente alternada. A Lógica chama de raciocínio indutivo o processo pelo qual o raciocínio parte do específico para o genérico.
Do mesmo modo, dedução significa subtração ou extração, a diminuição ou abatimento de algo, o resultado ou conclusão. E em lógica, chama-se dedução o sistema de raciocínio que parte de uma proposição a uma conclusão.
Esses termos ilustram o modo pelo qual o significado das palavras sutilmente se alteram pelo uso em campos especializados. Além disso, indicam a necessidade de compreender seu significado exato quando usadas para descrever métodos de se chegar a verdades básicas.
É possível que o uso atual desses termos tenha decorrido de uma noção equivocada do que os místicos da antiguidade clássica indicavam por eles. É preciso duvidar de que tenham sido considerados descritivos dos dois métodos do processo de raciocínio objetivo. Em vez de considerá-los métodos de análise [da premissa à conclusão ou da conclusão à premissa], talvez os místicos e filósofos originalmente os equiparassem aos termos ‘objetivo e subjetivo’, o indutivo relacionando-se com o objetivo, e o dedutivo, com o subjetivo.
ð Para esses, portanto, o raciocínio indutivo significava abordar questões de um modo horizontal ou plano – movendo-se, por assim dizer, para frente e para trás, num movimento lateral entre os fatores de um problema específico, real ou meramente especulativo.
ð Pelo raciocínio dedutivo, segundo essa linha de pensamento, tinham em mente a ação extremamente penetrante das faculdades subjetivas, que sobem ou descem a níveis variados de consciência, num modo vertical ou estritamente interior.
A distinção é intrigantemente significativa. Raciocinar indutivamente, portanto, teria significado mover para frente e para trás, num plano, entre os fatores de um problema, o que possibilitaria enxergar não mais que os fatores individuais e isolados. Pode ser caracterizado como pensamento sem perspectiva, como se não se avistasse uma floresta, mas suas árvores apenas.
O raciocínio dedutivo, por outro lado, teria sido um processo subjetivo pelo qual o indivíduo podia elevar-se em consciência acima dos fatores de seu problema, alcançando um plano em que enxergaria como um todo integrado os fatores isolados.
DISTINÇÃO PRÁTICA_
A experiência com a instrução mística faz criar a distinção entre as faculdades objetivas e subjetivas. A distinção reside em que as faculdades objetivas provêm os veículos através dos quais o mundo exterior penetra a consciência. As faculdades objetivas possuem natureza conducente ou indutiva. Quando uma informação penetra a consciência através dos canais objetivos, as faculdades subjetivas – as que estamos propondo os místicos terem chamado de dedutivas – atuam sobre ela e chegam a uma conclusão.
Desse modo, os dois conjuntos de faculdades atuam de forma complementar. A instrução mística sempre foi baseada nesse ponto de vista; por isso, seu valor singular reside em demonstrar ao homem como usar melhor essa dualidade de suas funções mentais.
De ordinário, o homem mantém sua consciência quase sempre no nível objetivo, nunca sendo muito capaz de se libertar dos significados, relações e limites superficiais. Acredita [e essa crença é reforçada pelos métodos de educação] que suas faculdades objetivas são seus únicos instrumentos. Ele as usa a todo o instante para acumular informação e experiência, e as usa também para tentar avaliar e usar essa informação e experiência.
Para ele, portanto, a indução e a dedução não passam de diferentes abordagens das faculdades objetivas, que visam o mesmo fim: a consecução da verdade, a qualquer ritmo de progresso em sua direção. Acreditando que ambos os métodos operam no nível horizontal, seja o problema encarado de um ou de outro ponto de vista, o homem a ele não pode fugir, pois dele faz parte. Não pode isolar-se.
Desde que para ele as faculdades objetivas são tudo, crê que são o único meio de ele alcançar a verdade. Sobre as faculdades subjetivas, o homem conhece pouco ou nada. Vive, pois, ou tenta viver, só com a metade de suas faculdades, de modo que efetivamente só é vivo pela metade. Ele vive, como William James certa vez acentuou, bem dentro dos limites de seu potencial. Sua vida é toda plana. Falta-lhe a dimensão vertical que o transformaria num ser perpendicular – um homem ereto e integral.
“Nossos olhos são limitados”, diz Emerson, “de modo que não podemos ver as coisas que estão bem à vista, até que chegue o momento em que, nossa mente esteja amadurecida.”
Pela iniciação, meditação ou harmonização espiritual, as faculdades subjetivas são postas em atividade, a consciência é induzida a se elevar e o plano amorfo da experiência se torna uma perpendicular dinâmica, cheia de significado, vida e beleza. Esse fato e sua relação para com a totalidade do homem é forçosamente evidenciado no relato, por parte de um estudante, do que o mestre conseguiu em misticismo. Dado o nível incomum de consciência mantido pelo mestre, seu ‘sistema’ induz nos estudantes uma mudança fundamental, que produz uma compreensão capaz de assimilar questões profundas e abstrusas. Isso enfatiza a importância positiva do raciocínio vertical. Um indivíduo que tivesse a capacidade de usar desse modo as faculdades mentais seria capaz de elevar a consciência dos outros a um nível acima do objetivo, a ponto de conseguirem eles chegar a novas conclusões e pontos de vista.
Essa proposição pode ser esclarecida, talvez de modo mais simples, por referência ao estudo da condição chamada de CONSCIÊNCIA CÓSMICA, dada a público pelo Dr. Richard Maurice Bucke.
Ele define três tipos de consciência:
ð a simples [possuída pelos animais];
ð a autoconsciência [possuída pelo homem];
ð e a cósmica [uma forma de consciência superior à do homem comum].
Existe, com certeza, um lapso entre a consciência simples dos animais e o nível de consciência do homem: a autoconsciência. Igualmente, existe um lapso ainda maior entre o homem dotado de mera autoconsciência e o homem que alcançou o estado de consciência chamado de Consciência Cósmica.
A META_
A Consciência Cósmica, portanto, pode ser considerada a meta rumo à qual o homem autoconsciente está evoluindo. No estudo dos relativamente poucos indivíduos que alcançaram esse nível cósmico de consciência, o Dr Bucke elaborou uma tabela de características comuns a todos.
Essas características incluem:
ð 1. Esclarecimento ou iluminação intelectual;
ð 2. Exaltação moral;
ð 3. Estado de euforia, júbilo, moralidade acentuada. Além disso [e talvez mais importante], sempre houve a convicção de que a imortalidade não é uma ‘possibilidade futura’, mas uma ‘posse presente’.
O objetivo dessa referência é mostrar que o místico, do passado e do presente, através de cerimônias de iniciação e exercícios de grupo, bem como através dos exercícios e meditações espirituais, consegue um grau de elevação, euforia, e um esclarecimento intelectual que é uma participação parcial [ou pelo menos um prenúncio] do estado chamado de Consciência Cósmica. Certamente, não seria esse o caso se se confiasse nas concepções e limitações aceitas dos instrumentos mentais do homem.
Em toda a autentica prática mística, este é o fim em mira: ganhar experiência no uso complementar das duas faculdades, indutiva ou objetiva e dedutiva ou subjetiva, de modo que, pela fusão gradual da consciência em níveis progressivamente mais elevados, o indivíduo possa adquirir o autodomínio. O exemplo místico clássico talvez seja o de HEINRICH KHUNRATH, o Mestre Rosacruz, que, numa fração de tempo transmitia a seus discípulos harmonizados todo um discurso por meio de uma única palavra. A Bíblia oferece corroboração desse modo de trabalhar no relato da Festa de Pentecostes.
Na antiguidade, a iniciação e a instrução mística eram consideradas tão necessárias para a descoberta do homem integral, que ninguém era considerado digno de participar da sociedade a menos e até que tivesse buscado a iniciação e instrução das Escolas de Mistérios. Sem esse algo fornecido pela instrução mística, o indivíduo não era considerado um ser humano. Platão, o iniciado, afirmou: ”Aqueles que estabeleceram essas cerimônias para nós evidentemente não eram pessoas superficiais, porque desde tempos imemoriais faz-se alusão a que todos quanto sem a iniciação [ou sem terem praticado nas cerimônias] chegam ao Hades permanecem no lodo; mas todos quantos se auto-purificam e participaram nos Mistérios, quando ali chegarem, habitarão entre os deuses.”
Píndaro também, o poeta lírico grego, nascido antes da época de Platão, escreveu: “Aventurado é o indivíduo que morre após ver essas coisas; pois então conhece não só o propósito da vida, mas sua origem divina também.”
TESTEMUNHO VALIOSO_
Testemunhos como esse evidenciam que as Escolas de Mistérios ensinavam ao homem algo sobre a vida e o sucesso no viver que não poderia ser aprendido em outra parte. O fato de que esse ‘algo’ dizia respeito à divina origem da vida e seu propósito indica um corpo de conhecimento bem como uma compreensão desconhecida, insuspeitada ou não-usada pelo indivíduo comum, não-iniciado.
Isso, naturalmente, levanta a questão de qual era o método e de como o homem redescobre e o faz operar em seus afazeres diários.
As Escolas de Mistério, é questão de registro histórico, foram suplantadas pela Igreja, que proclamou um monopólio e anunciou-se como a única possuidora do conhecimento sobre o propósito e significado da vida. O meio de se alcançar esse conhecimento e salvação, ensinava a Igreja, era a crença e a emulação. O leigo, porém, só poderia receber segundo sua crença e emulação. Era excluído do pleno esclarecimento prática racional, mais ou menos como acontecia anteriormente com o não-iniciado, especialmente se não fosse simpatizante da Igreja. Com o crescimento da Igreja, tanto o conhecimento como seu método de operação se tornaram mais e mais circunscritos. E com o triunfo da Igreja no século treze, o conhecimento e o método da Igreja foram quase totalmente suprimidos.
O indivíduo sincero, inteligente e sequioso ainda podia buscar o conhecimento, mas o único pão que lhe ofereciam era o da crença, que com freqüência era uma pedra. A própria Igreja estava em trevas, pois, ao renegar a herança das Escolas de Mistérios e banir de suas fileiras os místicos que lhe tinham trazido a luz em suas origens, não mais tinha uma fonte confiável de instrução. Como o aprendiz do feiticeiro, em sua tentativa de operar princípios quase totalmente incompreendidos, a Igreja acarretou inúmeros danos.
Quando o Renascimento tentou libertar os homens do domínio da Igreja, esta voltou-se uma vez mais ao passado do esclarecimento. Seu sucesso foi apenas parcial, pois não podia restaurar imediatamente aquele algo importante de cuja própria existência tinha sido mantida em ignorância. Deve-se a FRANCIS BACON o crédito da convicção de que a resposta encontra-se no passado remoto, e deve-se aplaudir sua coragem de declarar a necessidade de se voltar integralmente ao ponto de vista das Escolas de Mistérios. Ele esperava que seu método de investigação fornecesse os inúmeros elementos pelos quais a verdade poderia ser descoberta.
Bacon interrogou o passado e prestou especial atenção aos Mistérios Eleusianos da Grécia antiga. O interesse desses Mistérios pela questão de como a alma encarna levou-o à convicção de que nos mitos da Grécia estavam ocultas afirmações de leis naturais. Especialmente na história de Deméter, Perséfone e Plutão, leu Bacon o relato da descida da alma à matéria.
Aí estava a essência do conhecimento e também um exemplo do método todo. Os Mistérios celebrados em Elêusis dividiam-se em duas partes, uma preparatória da outra. Instruído nos Mistérios Menores, depois de algum tempo o indivíduo era aceito nos Maiores. A dualidade do todo era assim demonstrada. O primeiro passo era instruir quanto a coisas de valor eterno. Antes de conseguir distinguir claramente isso, o indivíduo não poderia saber dentre todos os fatores indiferenciados da vida quais eram valiosos e quais não. Tendo sido isolados e reunidos os fatores essenciais, o método pelo qual eram fixados na consciência e se tornavam operacionais podia ser dominado. Como a referencia aos Mistérios Eleusianos foi feita apenas à guisa de exemplificação, a natureza gradativa do processo neles esboçado pode ser posta de lado.
A intenção da referência foi ilustrar a atividade mental objetiva e subjetiva e sua relação para com o raciocínio horizontal [indutivo] e vertical [dedutivo]. O conhecimento do ritual, que se tornou famoso pelo Rito de Deméter em Elêusis, corrobora de modo impressionante o modo pelo qual a mente pode ser elevada pelo processo subjetivo, dando ao nível objetivo da vida sua verdadeira perspectiva e avaliação.
Exceto por ser uma obra bastante desconhecida, a cerimônia iniciática apresentada no LIVRO DOS MORTOS pode também servir de exemplo. Nela, no clímax do Grau preparatório, mostram-se ao candidato três objetivos:
ð o escaravelho kheper, símbolo do deus Ra;
ð a balança, símbolo do Deus oculto; e
ð uma pedra ou Estela vazia.
Nenhuma fala do condutor acompanha a apresentação desse objetos. A mente indisciplinada ou não-instruída pode ficar exausta na tentativa de neles descobrir um significado essencial através do raciocínio objetivo. Para a mente limitada ao nível dos próprios objetos, eles nada mais são que imagens coloridas, talvez com alguma tênue relação recíproca, mas que só despertam confusão. O mesmo deve ocorrer sempre que as faculdades destinadas a só trazerem à consciência a percepção das coisas são chamadas também a interpretá-las.
Mas busque a pessoa o método de análise mental que pertence ao aspecto eterno de sua personalidade, que o resultado será diferente e satisfatório. Deixando o nível dos próprios objetos, a consciência ascende a um plano interior, que está completamente acima do mundano, e subitamente chega a um ponto em que o significado dos objetos se torna claro. KHEPER, o escaravelho, não mais será uma simples imagem do Criador. Será uma absoluta descoberta interior de que a ‘própria criação é divina’, a obra da Divindade. As balanças também revelar-se-ão não apenas uma representação do deus oculto, mas o fato de que todo aspecto da natureza e da vida contém a presença de Deus e O revela. Finalmente, a Estela não mais será uma simples pedra lisa: será o Horizonte do Céu, em que a identidade eterna e individual deve ser impressa.
Um método tão eficaz em cerimônia mística deve ser considerado parte da instrução mística, sendo, portanto, passível de utilização diária. Por conseguinte, os ensinamentos místicos transmitidos são para serem usados, e nesse uso demonstra-se a superioridade da instrução mística.
O ALGO IMPORTANTE_
Esse ‘algo’ que só a instrução mística provia no passado [e há pouca evidência de que a situação tenha mudado muito no presente] dizia respeito ao uso do equipamento mental. Desse processo, o mundo profano e erudito só preserva a casca, representada por dois termos que quando muito só fornecem termos para a atuação. Em certo sentido, degeneram-se em dois métodos, ligeiramente diferentes de raciocínio da mente objetiva. Como tais, descrevem dois tipos de abordagem mental na solução de problemas.
ð O indutivo relacionado com um avanço metódico de uma idéia específica a uma proposição geral;
ð O dedutivo, o processo inverso, que parte de uma proposição geral a uma aplicação particular.
Ambos estão limitados à esfera da consciência objetiva.
Isso bem equivale a uma total negação da instrução mística e resulta, quando muito, só na metade da solução para os problemas que o homem se dispõe a solucionar. Volte-se a questão a sua acertada definição mística, porém, que emergem duas funções complementares, operáveis e cosmicamente corretas. Além disso, descobrimos a chave da eficácia de uma parte do conhecimento místico.
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[Texto de John Le Roy]
12 de jan. de 2010
RACIOCÍNIO HORIZONTAL E VERTICAL_
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