A associação das palavras “informática” e “misticismo” talvez cause surpresa. Em que medida o computador, estrutura puramente material, tem relação com o misticismo? Procuremos neste artigo discutir essa questão.
A informática é uma disciplina recente, nascida no final dos anos 40. Seu objetivo é conceber programas [ou aplicativos] que permitem automatizar tarefas repetitivas. Existem vários campos na informática: o gerenciamento dos dados, o cálculo cientifico, a concepção e criação com a ajuda do computador, etc. Vejamos sucintamente a estrutura de um computador.
O COMPUTADOR E O SER HUMANO_
Um computador compõe-se de diversas partes. A unidade central contém um processador, principal órgão de decisão, verdadeiro “cérebro” da máquina, pelo qual passa toda informação. Um microcódigo está contido na memória morta [ROM], que contém informações de modo permanente, instaladas na hora da criação da máquina. É uma espécie de código genético do computador. A memória central, também chamada de “memória viva” [RAM], conserva as informações enquanto a máquina estiver ligada. Podemos comparar essa RAM à memória de curto prazo do ser humano.
A memória de massa permite reunir um grande número de informações na máquina, e conservá-las de modo permanente. Usamos para isso um suporte físico, como um disquete, um disco, uma fita magnética, etc. Podemos comparar essa memória tanto à memória de longo prazo do ser humano como a de um caderno onde anotamos informação.
Por exemplo, é bem provável que um ser humano retenha um número de telefone por alguns minutos depois de tê-lo recebido, mas venha a esquecê-lo alguns dias mais tarde. Isso corresponde à memória de curto prazo [RAM]. Mas ao contrário, se ele decora esse número [memória de longo prazo], ou se o anota em um caderno, será fácil, mesmo depois de muitas semanas, recuperar a informação: buscando no caderno ou fazendo um esforço ‘de memória’. Isso corresponde à memória de massa. Esse meio de armazenamento é bem menos limitado que a RAM, mas requer um tempo maior para a busca de informações.
Todos esses elementos constituem o núcleo básico do computador. É preciso acrescentar-lhe os órgãos periférico: monitor, leitora de disco ou disquete, etc. Além disso, para poder funcionar e, principalmente, se comunicar com o usuário humano, a máquina necessita de uma linguagem, denominada “sistema de exploração”. Em geral, um computador funcionando com um sistema de exploração muito específico seria incapaz de ler dados escritos a partir de um outro sistema de exploração, do mesmo modo que um ser humano não compreenderia um livro escrito numa língua que não a sua. Há, porém, exceções, à semelhança dos seres humanos que às vezes compreendem e falam várias línguas. Portanto, um paralelo humano/computador é possível.
Aquilo que é verdadeiro a nível de indivíduo, também o é a nível de grupo. Do mesmo modo que o homem não vive isolado e se comunica com outros homens, o computador utiliza as “redes informáticas” para enviar informações para outros computadores, e também receber. Assim, é possível enviar em poucos segundos, via rede, uma mensagem da França ao Canadá. A informação pode ser de natureza diversa: texto [análogo ao envio de uma carta],som [comparável ao telefone] ou imagem [como em uma tv ou fax].
Aliás, cada vez mais sons e imagens estão sendo gerados a partir do computador. Os sons sintéticos invadem nossas musicas [a “dance music”, a “tecno”, etc]. As imagens de síntese, criadas inteiramente pelo computador, estão presentes nas telas de cinema e televisão [por exemplo, nos noticiários de TV].
Assim, mais do que nunca, podemos nos questionar se aquilo que vemos e ouvimos com nossos sentidos objetivos existe realmente. Com as imagens de síntese, podemos ver cenas que não existem na realidade!
Além disso, pode acontecer de não percebermos imagens que, no entanto, estão realmente presentes. Sem falar de imagens subliminares, vamos ficar com as imagens ocultas em “3D stereo” [em relevo], que surgiram há alguns anos, criadas por computador. Trata-se de um desenho contendo uma repetição de determinados padrões. Olhando a imagem de um certo modo, pode-se ver aparecer uma outra imagem, em relevo. Atrás dessa outra imagem pode se esconder uma segunda, e atrás desta às vezes até mesmo uma terceira...O observador tem então a impressão de estar usando uma outra visão [a visão psíquica?] que lhe permite descobrir coisa escondidas por trás das aparências banais da imagem primeira, e de ter passado então para um outro plano. Assim, já que vemos o que não existe [imagens em síntese] e não vemos imediatamente o que está de fato diante de nossos olhos [imagens ocultas em 3D stereo], podemos então nos perguntar se o mundo existe tal como nossos sentidos objetivos o descrevem. Chegamos então a um pensamento místico que não é estranho aos ensinamentos das fraternidades místico/filosóficas.
Seria a vida como uma peça teatral ou um filme que se desenrola ante nossos sentidos objetivos? A priori não, pois não somos nem passivos nem unicamente “espectadores”; podemos agir sobre os acontecimentos, usar nosso livre-arbítrio e modificar o curso das coisas, graças às escolhas que fazemos. Contudo, notemos que, quanto aos computadores, há hoje em dia filmes de síntese que apresentam seqüências de vídeo variadas, segundo a escolha feita pelo usuário. Pode-se selecionar áreas determinadas na tela e interagir diretamente com o desenrolar do filme. A cena, então, muda em função da ação do usuário, podendo o final ser completamente diferente de um usuário para outro.
Isso nos leva a uma outra disciplina da informática, a realidade virtual, onde o ser humano fica completamente imerso em um mundo de síntese: um capacete cobre-lhe toda a cabeça para isolá-lo do mundo exterior, imagens são projetadas diretamente ante seus olhos e luvas especiais servem de captadores para interagir com o meio virtual. Assim, por exemplo, duas pessoas se encontram “virtualmente”, graças a essa técnica, na abadia de Cluny [hoje em ruínas, mas reconstituída virtualmente através de imagens de síntese], sendo que uma delas está em Paris e a outra em Mônaco. Que é então a realidade? Assistimos com esse tipo de tecnologia, a uma supressão do tempo e do espaço!
Notamos, então, que o computador, em sua estrutura e comportamento [sua utilização], possui pontos em comum com o ser humano. Teria o homem desejado ‘criar uma máquina à sua imagem’? Está nossa sociedade em vias de criar um Golem [no sentido da Qabbala] ou o monstro de Frankenstein? A priori, não! Não esqueçamos a dimensão trina do homem: corpo físico, corpo psíquico e alma. A comparação, se comparação existe, pára no nível mais material, o corpo físico. Embora as vibrações da energia Espírito estejam contidas em tal máquina, nem a Força Vital nem a Alma estão presentes.
COMPUTADOR E RACIOCÍNIO_
Isso não significa, porém, que o computador seja incapaz de raciocinar. Com efeito, graças à “inteligência artificial”, temos hoje aplicativos dotados de capacidades de raciocínio. Esse ramo da informática, nascido no final dos anos 50, tem por objetivo padronizar e reproduzir, em máquina, o comportamento humano inteligente. Para isso, apela para outras áreas, como a psicologia [essencialmente a psicologia cognitiva], a lingüística [e psicolingüística], a filosofia e a lógica.
Assim, hoje em dia podemos encontrar máquinas capazes de derrotar jogadores experientes, usando programas nascidos da inteligência artificial. Do mesmo modo, vimos aparecer a noção de “sistema especialista”, aplicativo capaz de adotar o raciocínio de um especialista em uma área precisa – por exemplo, diagnóstico de defeitos em carros, detecção de rubéola na mulher grávida, ou identificação e classificação de cogumelos a partir de sua descrição.
A inteligência artificial interessa-se essencialmente por dois aspectos: a representação do conhecimento e o raciocínio. Diversos modos de raciocínio são, assim, reproduzidos em máquina: dedutivo, indutivo, por analogia, à base de casos exemplos, por redes de neurônios artificiais [conexionismo]. Igualmente, o modo como o homem estrutura seu conhecimento para usá-lo melhor é estudado. Algumas pesquisas, estão sendo feitas sobre os vários meios de representação dos conhecimentos: lógica de predicados, lógica sutil, lógica temporal, redes semânticas, textos, representações orientadas, objetos, etc.
A noção de ‘metaconhecimento’ é igualmente interessante. Refere-se ao “conhecimento do conhecimento”, ou seja, a padronização daquilo que se sabe [às vezes até da ignorância]. Assim, o computador pode, dotado desse metaconhecimento, ser capaz de se auto-analisar, separando aquilo que ele conhece daquilo que ele ignora, tendo então “consciência” de seu próprio conhecimento, noção muito interessante do ponto de vista filosófico [“que sei realmente?”].
Ligado aos conhecimentos e ao raciocínio, aparece também, em inteligência artificial, a noção de “aprendizagem automática”. Trata-se de conceber programas que permitam à máquina aprender sozinha, sem nenhuma intervenção humana, novos conhecimentos a partir de casos concretos, diríamos quase que de “situações vividas”. Aí também, não podemos nos impedir de traçar um paralelo com o ser humano, ainda mais que a inteligência artificial não se confina ao comportamento do indivíduo isolado mas ao de toda uma sociedade. Vemos então surgir a noção de inteligência artificial distribuída [IAD], utilizando sistemas multi-agentes [SMA], composta de um conjunto de agentes artificiais autônomos [programas informáticos], isto é, de vários aplicativos capazes de se comunicaram entre si e interagirem com o objetivo de resolver um problema preciso.
Assim, os computadores se associam, tal como os seres humanos, para realizar tarefas complexas, sendo cada um mais ou menos especializado numa área particular e “subdelegando” partes do problema a outros computadores.
Aí também podemos ter a impressão de que o homem tenta criar à sua imagem um sr [um aplicativo, portanto, imaterial] capaz de servi-lo, de ajudá-lo, até mesmo de substituí-lo no cumprimento de algumas tarefas. Topamos de novo com o pensamento cabalístico sobre o Golem. “O computador, esse ser de linguagem, é bem o companheiro fiel do homem contemporâneo. Mas para que fim?...à medida que os computadores estão cada vez mais ramificados[distribuídos], seus criadores estão perto das concepções iniciais e se aproximam das teses da Cabala. De fato, são os arranjos de linguagem ou as instruções [o aplicativo]mais que o pó ou a areia – o silício é a matéria própria dos processos – que constituem o eixo de desenvolvimento em informática.” [J-L Moisset e M-L Cohen].
Pois bem, o Sefer Yetzirah, livro básico para a Qabbala, ensina as capacidades criativas das combinações das letras. O Rabi Eléazer de Worms, cabalista do passado, explica que é a força criativa das combinações de letras [O Verbo Divino] que permite a Deus criar o mundo e permite ao homem criar um ser artificial: o Golem. Moshe Idel, comentando Eléazar de Worms, escreve a propósito da criação de um homem artificial: “O operador é reputado por criar uma figura ou um corpo a partir do pó; essa forma é chamada de Golem... A operação, que consiste em pronunciar as letras do alfabeto, começa apenas depois da modelagem da forma humana...Uma vez que o matérias esteja pronto, o operador começa o processo que compreende, entre outras coisas, a recitação das letras do alfabeto. O operador cria 231 combinações de letras que correspondem a outros tantos ‘portais’...”[Moshe Idel].
O Golem aparece assim como um ser de linguagem, tal como o computador. “Assim, as antigas discussões de rabinos, que podiam parecer saídas de uma mística arcaica e ultrapassada pelo progresso da ciência e da tecnologia, encontram-se no coração da mais moderna atividade cientifica. As antigas indagações éticas dos sábios da tradição judaica a respeito do Golem tomam hoje todo um sentido. Moshe Idel escreve que “a prática da criação do Golem constitui uma tentativa humana que visa conhecer Deus através do meio pelo qual Deus operou para criar o homem”. E Henri Atlan, prefaciando o livro de Moshe Idel, nos convida a questionar a respeito do estatuto moral de um tal ser e, em particular, de sua autonomia e de sua responsabilidade perante a lei.” [J-L Moisset e M-L Cohen].
O COMPUTADOR E A QUABBALA_
A Qabbala nos traz, portanto, uma imagem diferente do computador. Mas a informática, em si mesma, pode também servir de instrumento para pesquisas sobre o misticismo e, em particular, sobre a Qabbala.
Em nosso comitê “Informática e Misticismo” dois terços dos trabalhos são feitos em relação à Qabbala, com o objetivo de descobrir os sentidos ocultos do texto bíblico e, desse modo, sentir melhor nossa ligação com Deus.
Possuímos um aplicativo, o “RAZIM” [1], que permite fazer a guematria, isto é descobrir a partir de uma palavra todas as palavras que tem a mesma soma [cada letra hebraica está associada a um número]a fim de encontrar correspondências secretas. Ele permite também encontrar palavras ocultas em meio ao texto bíblico, segundo o método da Guezerah Shavah” [Doron Witztum], tirado do Zohar, utilizando-se seqüências de letras eqüidistantes. Isso permite determinar com precisão alguns sentidos secretos e até mesmo descobrir fatos históricos que se passaram bem depois da Bíblia ter sido escrita.
Por exemplo, tomemos a palavra “TORAH”, que designa o PENTATÊUCO, isto é, os cinco primeiros livros do Antigo Testamento: a Gênese, O Êxodo, o Levítico, os Números, o Deuteronômio. Na primeira palavra da Gênese [“bereshit = no princípio]encontra-se a letra Tav [T] de “Torah”. Contando 50 letras para frente[sem contar os espaços], encontra-se a letra Vav [O] de “tOrah”, no termo “as profundezas”. Em seguida, 50 letras adiante, obtém-se Resh [R], em “ele vive”. Mais 50 letras adiante, tem-se He[última letra da palavra], em “Elohim”. Portanto, “No princípio, nas profundezas, ele vive, Deus. [ em português: “Deus vive”]...”. Mera coincidência?
Encontra-se o mesmo fenômeno no segundo livro da Bíblia [Êxodo]. A mesma coisa no quarto [Números] e também no quinto [Deuteronômio]. Com outras palavras acontece o mesmo! Além disso, afixando as palavras por linha de 50 letras [para este exemplo], sem nenhum espaço, topamos com a aparição de novas palavras, satélites, em torno da palavra “TORAH” [ou da palavra pesquisada por este método], em relação direta com a mesma. Em resumo, notamos também associações de palavras que permitem encontrar um sentido oculto na Bíblia.
Conseguimos, da Universidade de Lyon [2], toda a Bíblia em hebraico no computador [os 39 livros do Antigo Testamento], como também o aplicativo que permite gerar e editar textos em hebraico. A partir daí, começamos a conceber um aplicativo que permite contar o número de palavras ou de ocorrência de cada letra hebraica em cada capítulo, versículo ou livro [ou ainda no total], e levantar tabelas estatísticas. O objetivo é tentar descobrir, a partir daí, o simbolismo oculto da faixa de texto em questão. Estamos pensando em estender o programa, num futuro próximo, à contagem de ocorrências de palavras, depois de fazê-lo evoluir para a análise de contextos. Obtivemos recentemente os primeiros resultados, que comentamos abaixo:
ð Contando o número de ocorrências de cada uma das 22 letras hebraicas, pode-se constatar, tanto no conjunto dos 39 livros do Antigo Testamento quanto no livro do Pentateuco, que a letra mais presente é YOD [139.875 aparições no conjunto dos 39 livros], seguida por VAV [131.428 ocorrências], depois HE [102.734]. Em seguida, vêm as letras MEM [99.746] e ALEPH [96.405], ao passo que algumas letras aparecem menos de 10.000 vezes [ZAïn, TET, SAMéH].
Ora, as letras que aparecem mais de 100.000 vezes são justamente as letras simples que formam o TETAGRAMA divino: YHVH [YOD HE VAV HE]. Em seguida, logo abaixo da linha das 100.000 ocorrências, vem duas das letras-mãe: ALEPH e MEM. Salientemos, porém, que a letra SHIN aparece 58.680 vezes, logo após LAMED, RESH e TAV. Por enquanto não tivemos êxito em explicar esse fenômeno. Ressaltamos, porém, que a versão da Bíblia à nossa disposição, extraída do manuscrito B19a de Leningrado, contém várias passagens entre parênteses, correspondendo a comentários [ausentes no texto original]. Talvez haja muitas letras, como LAMED, RESH e TAV, nessas partes entre parênteses, que devem ser ignoradas. Em breve, vamos modificar nosso aplicativo de modo a não levar em conta essas partes, a fim de obtermos novos dados estatísticos. Seja como for, é notável constatar que primeiro vem as e letras do TETAGRAMA, depois duas letras-mãe. Essas letras de destacam bem nitidamente do resto, pois a média de ocorrência das outras letras é de 37.860 aparições [portanto, longe da linha das 100.000].
Isso vem corroborar um certo número de conhecimentos extraídos da Qabbala, e especialmente do simbolismo das letras. Com efeito, a letra YOD corresponde simbolicamente à PALAVRA DIVINA. Constata-se que realmente o traço preponderante do Antigo Testamento é a PALAVRA DIVINA: é um livro recebido de Deus. Essa letra, segundo Y.A. Dauge, designa o PAI, ponto de partida da Vontade Divina.”O YOD é a divindade presente do fundo de cada ser. YOD corresponde à SEPHIRAH MALKOUTH, o reino. MALKOUTH simboliza a presença de Deus na criação, exilado no mais profundo do nosso ser, e nos recorda que a nós cabe fazer vir à tona e desabrochar essa presença”. [Amédée de Miribel].
A letra VAV vem logo após YOD. Além disso, está presente na maioria dos casos na primeira letra de cada versículo [para ser bem visível]. Essa letra se parece com um YOD que se prolonga para baixo: È a letra do homem, a qual indica a relação entre a criatura e seu Criador, de onde a seguinte interpretação: a Bíblia é a palavra Divina [YOD] que desce à matéria [prolongamento de YOD em VAv] para ser transmitida ao homem [VAV]. Por último, vem a letra HE, simbolizando a janela, abertura para a luz. Assim, estudando a Bíblia, podemos encontrar a abertura para a emersão divina, para a reintegração. Percebemos, além do mais, que isso corresponde à criação do mundo material: o ponto [YOD] torna-se linha [VAV] e depois plano [HE].
A guematria também nos dá elementos interessantes a respeito dessas três letras. YOD tem por valor o 10 [10ª letra do alfabeto], o que nos sugere as 10 Sephiroth. O número 10 é também a soma dos quatro primeiros algarismos [1=2=3=4=10]. Pois bem, HE tem por valor o 5 [depois dos quatro primeiros algarismos] e VAV tem por valor o 6 [que se segue ao 5]. “Essas três letras tem lugar importante na linguagem hebraica. A Qabbala nos ensina que elas abrem os 32 caminhos da sabedoria. Ora, 32 é guematria de “LEV “ [Lamed Beith], o coração, formado por duas letras que marcam o princípio [Beith para Bereshit] e o fim [Lamed para Israel] da Torah. Em hebraico, essas duas letras são também preposições. Beith colocada à frente de uma palavra significa “em”, e Lamed “para”.[Virya]. Assim, o inicio da TORAH situa-se “em” Deus, enquanto o final, “para”Deus, sugere a reintegração. O livro da Bíblia, portanto, é a história do homem em seu ciclo de involução, seguido de evolução rumo ao Cósmico.
A propósito de guematria, fazemos notar que existem diversos métodos de cálculo. A guematria simples, chamada “MISPAR GADOL”, corresponde à soma dos números associados a cada letra que constitui a palavra a ser codificada. Uma outra guematria, chamada “MISPAR KATRAN”, utiliza para cada letra da palavra não o seu valor numérico, mas a guematria em MISPAR GADOL do nome da letra.
Assim, em Mispar Gadol, a letra YOD tem valor 10, mas possui valor 20 em Mispar Katan. O nome dessa letra [“YOD”] compõe-se de três letras: YOD [1ª Letra], VAV[corresponde ao “O”, segunda letra da palavra “yOd”], e DALETH [última letra:”yoD”]. A soma dos valores é, portanto, 10 [Yod]+6[Vav]+4[Daleth] igual a 20. O número 20, associado a YOD,corresponde à guematria, em Mispar Katan, da palavra “BADAD” que significa “isolamento, só, isolado, solidão”. Além disso, é também a guematria de “ABOA”, [Aleph Beith Vav Aleph], que significa “eu virei” [aspecto teúrgico? Podemos entender daí que Deus virá se estudarmos a Bíblia de modo místico?]. O 20 corresponde também a guematria, em Mispar Gadol, das palavras “DYO”[tinta de escrever], “HAYAH”[ser] e”H’AZAH”[ver,olhar;tórax].
Podemos então deduzir que para alcançar a reintegração {letra HE, janela para a luz] ou fazer vir Deus [Aboa = eu virei], o homem deve estudar {H’azah =ver, olhar], recitar e cantar [H’azah=tórax,portanto, canto, sopro], no isolamento [Badad=isolamento], a Palavra Divina [letras YOD]transmitida ao homem [letra Vav] sob forma escrita [Dyo = tinta de escrever]. O estudo da Qabbala deve, pois, ser orientado principalmente num sentido espiritual [e não especulativo] e interior. Parte da prática do cabalista repousa na prece e na invocação.
Chegamos agora à noção de “HITBODEDOUTH”, expressa no século XIII de nossa era por Abraham Aboufalia. Esse termo significa “isolamento” e corresponde ao recolhimento espiritual para a aplicação de técnicas de meditação [“Tserouf”]. O Tserouf, baseado no uso de sons vocálicos e de meditação sobre as combinações das letras, leva a pensar no sopro e, por isso, no tórax, duas vezes evocado anteriormente: por um lado, a partir da guematria da palavra “H’AZAH”, semelhante àquela da letra YOD, encontrada em maior quantidade pelo computador, e por outro lado, pela forte presença de letras ALPEH [perto de 100.000 ocorrências], letra que também se associa ao ar, ao sopro e ao tórax.
O hitbodedouth nos recorda como nos indica Aboufalia em seu livro “H’ayé Haolam Haba”: “Deverás preparar-te pela união do coração e a purificação do corpo. Um lugar especial e reservado deve ser escolhido, onde tua voz não seja ouvida por ninguém. Instala-te completamente só e recolhe-te no hitboded. Deves ficar sentado nesse lugar reservado, que pode ser um quarto ou um cubículo, mas sobretudo não reveles esse segredo a ninguém. Afasta de teu espírito, as futilidades desse mundo, pois esta é a hora em que vais falar com teu Criador, do qual desejas conhecer a Grandeza.” [Abraham Aboufalia].
Do mesmo modo, um discípulo de Issac Louria, Eliezer Azikri, da escola de Safed [séc.XVI], fala dessa prática em seu livro “Sefer Hah’aredim”: “Ele reservará para seu estudo um dia por semana e se retirará da companhia dos homens. Ali, na intimidade de seu Criador, ele atará sua meditação a Ele, como se já estivesse em Sua presença no dia do julgamento.”
A presença em grande numero das letras mãe MEM e ALEPH pareceria indicar uma correspondência com as três letras simples do TETAGRAMA, e especialmente com YOD. Já evocamos a idéia de sopro e de ar, associadas a ALEPH, mas também a YOD por meio da guematria da palavra “H’AZAH”. Aleph corresponde, aliás, simbolicamente, ao sopro de ar que equilibra a água [MEM] e fogo [SHIN]. Não é surpreendente constatar então um certo número de ALEPH compreendido entre o de MEM [água] e o de SHIN [fogo].
Essa associação entre ALEPH e YOD, por meio do sopro, nos sugere também expressões contidas nos capítulo 1 do Séfer Yetzirah [versículos 9,10,11 e 12]:o sopro do Deus vivente “ROUA’H ELOHIM HAYIM”, o sopro originado do sopro “ROUA’H MEROUA’H], as águas originadas do sopro “MAYIM MEROUA’H” e o fogo originado da água “ESH MEMAYIM”. Observem que, por um lado, o fogo, associado à letra SHIN, vem por último [tem-se bem menos ocorrências de SHIN]. Por outro lado, não se tem a expressão “Esh meroua’h” [o fogo originado do sopro], mas sim “esh meMayim” [ o fogo originado da água], o que poderia explicar a quantidade menor de SHIN no texto bíblico.
Através desses exemplos diversos, constatamos então que o computador pode ser um instrumento para o estudo do misticismo.
Quem poderia imaginar há uns cinqüenta anos que conhecimentos enciclopédicos poderiam ficar disponíveis através de uma rede como essa? Quem poderia imaginar que homens transmitiriam suas anotações de cálculos ou seus projetos ao outro lado do planeta no minuto seguinte à sua elaboração, graças a Internet? Como cada um pode colocar ali o tipo de informação que deseja compartilhar com outros, esse gênero de rede informática evoluíra segundo os focos de interesse de seus usuários. Isso representará um reflexo da sociedade atual. Podemos então pensar que uma grande rede de computadores, como a Internet, seguirá a evolução coletiva da humanidade e poderá mesmo contribuir para guiá-la rumo ao conhecimento e à espiritualidade, sob a condição de que a própria humanidade zele pelo processo.
Assim, através do computador, a raça humana poderá ou progredir rumo à luz ou estagnar nas trevas do “homem da torrente”, segundo a utilização que ela fará dessa tecnologia prometeica.
Esperamos que as palavras ‘informática’ e ‘misticismo’ formem um bom par nos anos futuros.
_
[Texto de Philippe Irigano]
Notas:
[1]_A palavra “Cabala” pode também ser escrita “Qabbala”, como neste artigo, segundo alguns autores, em razão de interpretações diferentes dos valores fonéticos e simbólicos das letras hebraicas dessa palavra.
[2]RAZIM, programa de pesquisa de valores informáticos na Torah, divulgado pela Associação Sod Adamantha, Marseille Cantini.
[3]CATAB Centro de Análise e Tratamento Automático da Bíblia e Tradições Escritas, Universidade Jean-Moulin-Lyon, Villeurbann.
14 de jan. de 2010
INFORMÁTICA E MISTICISMO_
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