10 de dez. de 2009

FERNANDO PESSOA _ e o OCULTISMO


Treze de junho é a data de nascimento de Fernando Antônio Nogueira Pessoa, em 1888. Suas últimas palavras,antes de morrer, em trinta de novembro de 1935, foram escritas em inglês erudito: “Não sei o que o amanhã me reserva.”

Acredito realmente que, com todo o brilhantismo de seu cérebro privilegiado, não poderia prever que sua obra causaria tamanho impacto no mundo inteiro. Obra que ainda está para ser totalmente desvendada, uma vez que seu “baú” [o lugar em que punha tudo o que escrevia] parece inesgotável. Ainda estão selecionando e publicando tudo o que deixou. Para ser estudada, então, séculos serão precisos como aconteceu com Camões e Shakespeare. Até hoje estudamos e amamos esses dois gênios.

Fernando Pessoa ocupa o mesmo pódio, com seus setenta e um heterônimos, que pouca gente sabe que existiram, pois divulgados foram apenas Alberto Caeiro, Álvaro de Campo, Ricardo Reis e posteriormente, Bernado Soares.

Com obra tão variada e tão extensa, somente muitas gerações pela frente é que estudarão tudo o que escreveu, que abrange muitos setores do conhecimento.

Deixando os dados biográficos, escolhemos um assunto de que ele gostava muito – o ocultismo – e esclarecemos que empregamos esse termo aqui de forma bem genérica, englobando esoterismo, espiritismo e entidades filosóficas, pois, conforme nossas pesquisas, Fernando Pessoa interessou-se por tudo.

João Gaspar Simões, o primeiro crítico a estudar esse aspecto da obra do Poeta, disse que ele se interessou pelo espiritismo, por influencia de sua tia Anica, tendo mesmo afirmado que era médium. Uma ocasião, escreveu para a tia, que então estava na Suíça, contando que foi praticamente obrigado a psicografar, tais as sensações que sentia, mas que não eram coisas compreensíveis. Isso aconteceu mais vezes e também uma tendência a psicografar números e a desenhar sinais cabalísticos e maçônicos, deixando-o um pouco preocupado.

Quando Casais Monteiro, a quem Fernando Pessoa escreveu sobre a origem dos heterônimos, perguntou-lhe sobre o ocultismo, respondeu:

“Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, sutilizando-se até chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou esse mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não. Por essas razões e ainda outras, a Ordem Externa do Ocultismo, ou seja, a Maçonaria, evita [exceto a Maçonaria anglo-saxônica] a expressão “Deus”, dada as suas implicações teológicas e populares e prefere dizer “ Grande Arquiteto do Universo”, expressão que deixa em branco o problema de se Ele é Criador ou simplesmente Governador do Mundo. Dadas estas escalas de seres, não creio na comunicação direta com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual, poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos. Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico[...], o caminho místico [...], e o caminho alquímico.”

Ainda nesta carta, o Poeta diz não pertence a nenhuma ordem, mas protestou veementemente quando quiseram fechar a Maçonaria em Portugal, considerou-se médium quando escreveu à tia Anica, e afirmou ainda, em outra ocasião, “ter visto nitidamente” o que ia acontecer a Sá Carneiro [o suicídio do amigo].

Outra estudiosa de Fernando Pessoa, Dalila L.P. da Costa, vita dois períodos de profunda transformação na vida mística do poeta:

1] dos 26 aos 29 anos [1914-1917] – ele deseja e consegue, na poesia e na contemplação a união do ‘eu’ com o Absoluto, numa alquimia transmutadora da personalidade. Vejam-se os quatorze sonetos de “Passos da Cruz”.

[cito apenas alguns versos dos sonetos mais significativos, todos de Fernando Pessoa ele-mesmo, ou ortônimo]:

“Venho de longe e trago no perfil/
Em forma nevoenta e afastada/
O perfil de outro ser que desagrada/
Ao meu atual recorte humano e
Vil.//
Aconteceu-me do alto do
Infinito esta vida// Caiu chuvas
Em passado que fui eu// Narrei-me à sombra e
Não me achei sentido/ Hoje sei-me o deserto onde
Deus teve/ Outrora a sua capital de olvido.//
Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela/ E
Oculta mão colocara em mim/ Pus a alma no nexo
De perdê-la / E o meu Principio floresceu em Fim./
/Inconscientemente me divido/ Entre mim e a
missão que meu ser tem.”

O sentimento do sagrado e da sacralidade da vida sempre esteve presente em Fernando Pessoa, com a crença num outro mundo, certeza compensatória de nosso exílio terrestre.


2] O segundo período é o da maior metamorfose de sua busca espiritual; dedicou-se ao estudo de textos órficos, templários, rosacruzes, percorrendo as doutrinas teosóficas, cabalísticas, neoplatônicas, espíritas, budistas, convencendo-se de que a Igreja não pode revelar mais que uma parte ínfima de Deus.

Os principais poemas místicos são dessa época. “O poema Iniciação, por exemplo, é a descrição da morte ritual como descida aos infernos. O neófito percorre os diversos graus de iniciação, sucessivos estados espirituais, com o objetivo de atingir crescentes níveis de sublimação. A progressiva perda do eu externo falso, para a realização do verdadeiro eu, até resgatar sua essência divina, na funda caverna e ultima purificação com seu corpo material abandonado na terra.”

Os sonetos que tem como título “No túmulo de Christian Rosencreutz”, são precedidos de uma citação de um documento rosacruz chamado “Fama Fraternitatis Rosae Crucis” e são também de Fernando Pessoa ortônimo; os estudiosos do Poeta afirmam, porém, que todos os heterônimos [pelo menos os mais conhecidos] apresentam elementos ocultistas em seus versos, e, para Fernando Pessoa ele-mesmo, a essência do universo, a substância última da vida são as forças ocultas. Vejam-se, por exemplo, Magnificat, de Álvaro de Campos, em que aparece a “noite negra” e o “áureo alvorecer”; algumas odes de Ricardo Reis; Iniciação e Mensagem, de Fernando Pessoa ortônimo.

Jacinto do Prado Coelho, grande conhecedor da obra de seu conterrâneo, chama Alberto Caeiro de “ místico da espantosa realidade”. Diz ainda: “Toda a poesia ortônima e heterônima pressupõe a amargura da incapacidade de conhecer o que está para além, uma vez adivinhado um além; a fome de Absoluto, sentimento do absurdo da vida, sentimento de que tudo é ilusão. Cada um deles, a seu modo, era místico, ocultista vez por outra. O poema Eros e Psique tem como epigrafe um trecho do ritual do Grau do Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal. O poema é de Fernando Pessoa ortônimo.

O critico Gilberto de Melo Kujawski diz que o poema ‘Além Deus’ documenta a entrada do Poeta no esoterismo e afirma: “O ocultismo em Fernando Pessoa não é farsa, é projeção cósmica de sua duplicidade fundamental.”

Vejamos os versos do poema:

“Olho o Tejo, e de tal arte/ Que me
esquece estar olhando/ E súbito isso me
bate/ De encontro ao devaneando -/ O que
é ser-rio, e correr? O que é está-lo eu a ver?
// Sinto de repente um pouco./ Vácuo, o
momento, o lugar./ Tudo de repente é oco
-/ Mesmo o meu estar a pensar./ Tudo –
eu e o mundo em redor - / Fica mais que
exterior. Perde tudo o ser, ficar,/ do
pensar, se me some./ Fico sem poder ligar
/Ser, idéia, alma de nome/ A mim, à terra
e aos céus...//............../ E súbito
encontro Deus.” [Há mais quatro poemas ainda, sobre esse ‘encontro’].

Nos últimos quatros anos de sua vida, Fernando Pessoa procura sua salvação ou seu verdadeiro ser. Em sete de novembro de 1933 ele localiza a “experiência do divino”, a sua “iluminação”, que classifica como a experiência mais importante de sua vida:

“[...] foi como o acordar, o fim das trevas, o conhecer pleno e afinal chegar ao abrigo, ao seio primitivo e perdido.”

Mensagem, a única obra publicada em vida do autor, é tida como a sua obra mais esotérica. Trata de Portugal, sua história, sua alma, mas, sobretudo, trata da condição humana, daí seu alcance universal.

Fernando Pessoa refere-se a fatos e personagens históricos diretamente ou em metáforas. Não é uma obra narrativa, como “Os Lusíadas” e as demais epopéias conhecidas.

O poema se divide em três partes:
1]Brasão, com 19 poemas;

2] Mar Português, com 12 poemas e;

3] O Encoberto, com 13 poemas.

Na primeira parte, é evidente o uso da numerologia esotérica. O escudo heráldico distintivo da nobreza de Portugal tem relações numéricas constantes e altamente significativas. Mensagem é o fruto final da iniciação hermética de Fernando Pessoa, sua grande obra alquímica.

Brasão fala das origens de Portugal, até o inicio da expansão marítima; Mar português trata das grandes viagens e tem os versos bastante conhecidos:”Valeu a pena? Tudo vale as pena/ Se a alma não é pequena”; O Encoberto tem o pequeno poema: “Que símbolo fecundo / Vem na aurora ansiosa?/ Na Cruz Morte do Mundo/ A vida, que é a Rosa// Que símbolo divino// Traz o dia já visto?/ Na cruz que é o Destino/ A Rosa que é Cristo// Que símbolo final/ Mostra o Sol já desperto/ Na cruz morta e fatal / A Rosa do Encoberto”, ‘Mensagem’ termina com a expressão Valete, Fratres!.

Para entender o poema, o próprio Poeta adverte: ”O entendimento dos símbolos e dos rituais [simbólicos] exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.”

“A primeira é a simpatia [...] pelo símbolo que se propõe interpretar.[...]A segunda é intuição[...], aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja[...]. A terceira é a inteligência. Para relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo [...] A quarta é a compreensão, o conhecimento de outras matérias que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionando com vários outros símbolos [...] A quinta é menos definível. Direi, talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros que é o Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma dessas coisas como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.”

Muito se poderia falar ainda sobre o ocultismo em Fernando Pessoa. Este trabalho é despretensioso e tem apenas o desejo de chamar a atenção para essa face do imenso poeta que ele é, a fim de que outros continuem o estudo, que é fascinante, especialmente para quem é igualmente conhecedor ainda que pouco, do esoterismo.

A respeito dos rosacruzes, em suas “Páginas Intimas” diz: [...] ”passam de época em época, através dos ciclos e das civilizações, despercebidos, nenhuns, e contudo, pela grandeza da cousa transcendental que criaram, maiores do que os gênios todos da evidência humana[...]. Apraz-me crer que eles existam para que possa pensar nobremente da humanidade.”

Para encerrar, citamos a opinião sempre abalizada do professor Massaud Moisés, grande estudioso do Poeta: “ Hiperlúcido, podendo destruir-se até o suicídio, Pessoa submete tudo à sua diabólica inteligência. Espalhou por sua obra uma série de chaves que autorizam a iniciar um roteiro de sondagem no seu universo ocultista ... Uma delas é o poema ‘Tabacaria’.
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[Por Nilva Mariani, Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras – ARL, UBE e Ordem dos Velhos Jornalistas]

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PRECE
Senhor, que és o céu e a terra. Que és a vida e a morte!
O sol és Tu e a lua és Tu e o vento és Tu!
Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és Tu também.
Onde nada está, Tu habitas e onde tudo está – o Teu templo – eis o Teu corpo.
Dá-me alma para Te servir e alma para Te amar.
Dá-me vista para Te ver sempre no céu e na terra.
Ouvidos para Te ouvir no vento e no mar.
E mãos para trabalhar em Teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu.
Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos,
Nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos.
Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos.
E servir-te como a um pai.
Minha vida seja digna da Tua presença,
Meu corpo seja digno da terra, Tua cama.
Minha alma possa aparecer diante de Ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o sol para que eu possa Te adorar em mim.
E torna-me puro como a lua para que eu possa Te rezar em mim.
E torna-me claro como o dia para que eu Te possa ver sempre em mim.
E rezar-Te adorar-Te.
Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta Teu!
Senhor, livra-me de mim.
[1912].


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