A satisfação proveniente de um desejo realizado ou de um objetivo conquistado é sempre passageira. Para alcançar o contentamento duradouro, o homem, na verdade, precisa enfrentar o mundo interior e desenvolver maior compreensão de si próprio.
Quem não quer contentamento?
Embora todos queiram, há uma verdadeira epidemia de descontentamento na vida moderna.É a tragédia de nosso tempo que, seja o que for que a gente consiga, seja qual for a quantia de dinheiro que a gente ganhe, sejam quais forem as bênçãos que nos sejam concedidas nunca é o bastante. Pois, para cada desejo que a gente satisfaz, outro sempre o segue muito de perto. Você pode ter uma casa em Aspen ou ganhar tanto dinheiro quanto Bill Gates e, apesar disso, ainda sentir que a plenitude continua se esgueirando para longe de você. Isso acontece porque o contentamento não é um resultado do que você tem, nem mesmo do que você faz na vida. O contentamento não está lá fora. Bem, talvez você tenha um aperitivo ou outro lá fora, mas eles deixam de satisfazê-lo em pouco tempo e,então, você já está ansiando por mais. E, por mais que tente,nenhum volume de propriedade, poder ou prestigio satisfaz por muito tempo.
Pense numa época em que você esteve contente de verdade. Quase todos conseguem se lembrar de momentos que um desejo profundo foi satisfeito. Talvez você estivesse olhando seu filho comer um pedaço do bolo de seu primeiro aniversário, ou dar seus primeiros passos. Que experiência maravilhosa, plena! Talvez você estivesse pescando num lago tranqüilo de uma montanha, ou caminhando sossegadamente pelos bosques, longe dos prazos e pressões do trabalho e do aborrecimento constante das tarefas domésticas. O contentamento também pode surgir no trabalho – naqueles momentos em que parece que você entrou no ritmo de suas tarefas. Em vez de ficar consultando o relógio a cada cinco minutos, você fica completamente absorvido pelo que está fazendo, e o tempo voa. Realizar um objetivo pode dar contentamento durante algum tempo.
Mas esses momentos se desvanecem rápido demais. Muitas vezes, você só percebe que cruzou a fronteira do céu alguns dias ou semanas depois, quando começa a sentir saudade do que está faltando. E então tenta reproduzir as condições que levaram ao contentamento. Você faz outro bolo ou volta a caminhar nos bosques. Mas não é mais a mesma coisa.
O contentamento é difícil de preservar. Com conseguir tranqüilidade interior, satisfação e paz de espírito?
Nossa sociedade ensina que a única realidade é aquela que podemos pegar. Valoriza as experiências externas e as posses materiais. Portanto, procuramos o contentamento “lá fora” e vivemos com uma mentalidade de “assim que...” “Assim que eu terminar meu trabalho, vou relaxar.” “Assim que eu me casar, vou ficar contente” ou, inversamente: “Assim que meu divórcio sair, vou ficar contente”. “Assim que eu ganhar bastante dinheiro, vou poder ficar mais tempo com meus filhos”. “Assim que eu tiver um chefe melhor, um emprego melhor, uma casa maior, um carro novo...” E, assim, nosso contentamento “escorre” por entre os dedos como água – outro momento, um lugar diferente, uma situação melhor.
“Poderosos criadores de descontentamento” – A Madison Avenue compreende a nossa fome de contentamento e a usa como base da publicidade moderna. Sopas, automóveis, seguros de vida – vende-se de tudo com a promessa de satisfação que vai trazer ou do desconforto que vai nos ajudar a evitar. A publicidade infiltra-se em praticamente todos os recessos da vida moderna, dos comerciais de rádio e televisão aos dos jornais, revistas, traseiras de ônibus, outdoors, bancos de praça, camisetas, a Internet – e até nossos telefones residenciais. Todas essas mensagens se destinam a nos MANIPULAR no sentido de desejar um produto ou serviço. Somos impelidos pelos desejos e empurrados pelos medos. A Madison Avenue e a mídia são poderosos criadores de descontentamento.
James Joyce, o grande romancista do século 20, ao refletir sobre o papel da arte na sociedade, observou que a propaganda se destina a criar sentimentos de desejo ou aversão no publico. O desejo insiste conosco para possuirmos, ir atrás de uma certa coisa, enquanto a aversão insiste conosco para abandonarmos, para nos afastarmos de uma certa coisa. Joyce contrasta isso com a arte, que, em sua opinião, eleva a mente humana, cria tranqüilidade interior e nos conecta ao que é”grave e constante” no destino da humanidade.
Segundo esse modo de ver a civilização, grande parte da cultura popular de hoje – e não só a publicidade – é mera propaganda com o objetivo de instigar nosso descontentamento.
Como evitar o martelar constante da propaganda na vida moderna? Um bom primeiro passo é reconhecer que ir atrás de coisas novas ou diferentes nunca satisfaz, e seu contentamento é importante demais para ser perdido num ciclo interminável de ganhar e gastar, desejo e arrependimento.
Como você provavelmente já percebeu, fazer mais do que já fez até agora não é a resposta. Mais bens de consumo, mais trabalho, mais férias, mais amantes não levam a mais contentamento. O que você precisa é desenvolver mais CONSCIÊNCIA e a COMPREENSÃO de si. O contentamento vem de dentro.
“Em Busca do Contentamento” – O que é contentamento? O dicionário informa que é a experiência de estar satisfeito, de não desejar mais do que você tem. Este é um ponto de partida, mas ignora elementos importantes do contentamento, inclusive os aspectos mais essenciais, a partir de uma perspectiva psicológica. Como é a experiência do contentamento? Quais são as condições que levam a ele?
Procure lembrar de novo de um momento de satisfação em que tudo parecia certo: não havia necessidade de mudar o que você estava fazendo, nem a pessoa com quem você estava, nem o lugar onde se encontrava. Durante esses momentos, a vida é rica e plena. O burburinho das preocupações, medos e ansiedades misturados, que tantas vezes ficam em volta da cabeça como um enxame de mosquitos famintos, silencia. Em vez de julgar a si mesmo ou chorar pelo leite derramado, você está satisfeito só por existir. Até aquela voz antiga e familiar do desejo, a inquietação na sua cabeça que chora como uma criança mimada e exigente, “gritando eu quero, eu quero, eu quero”, também está calada. O contentamento é cheio de paz como o luar no fundo de um rio, tranqüilo no meio da mudança constante.
Agora. Aqui. É isso. O contentamento proporciona uma experiência diferente do tempo; a mente pára de perambular pelo passado ou pelo futuro. Como pessoas modernas que somos, perdemos muito tempo desejando estar numa situação diferente, o que, claro está, é impossível. Você pode dizer que contentamento é estar apaixonado pelo momento presente, não apenas aceitando-o como um casamento arranjado, mas abraçando com êxtase e sofreguidão o eterno agora como quem abraça seu amor.
O contentamento surge de uma disposição de abandonar idéias preconcebidas e de afirmar a realidade tal como ela é. Respeitar “as coisas como elas são“ é o exato oposto de viver com aquela mentalidade do “assim quem...”. A realidade nem sempre é como você gostaria que fosse. E, quando não é, ou você fica frustrado e redobra os esforços para curvá-la à sua vontade, ou aprende a aceitar, confirmar e até a dançar com o que lhe é dado.
“Arusacumar, o vendedor de coco – Mark Twain“ disse certa vez que nada amplia tanto a visão de uma pessoa quanto viajar para um país estrangeiro. É difícil perceber os pressupostos e hábitos em torno dos quais sua vida gira enquanto você não sai de sua órbita.
Há um vendedor de coco chamado Arusacumar que vive num barraco de bambu perto da cidade de Pondicherry, no sul da Índia. É um mestre da arte de cortar o topo de um coco verde com um facão, introduzir um canudinho e oferecê-lo a seus fregueses. Você se senta num saco de estopa cheio de cocos para saborear a sua água, pois é a única mobília de sua banca no meio-fio. Arusacumar é um dos homens mais contentes do mundo, e esse estado semidivino é extremamente contagiante. Ele canta e ri e faz você entrar no clima do Jardim do Éden, onde passa os seus dias.
O contentamento está além dos caprichos da sorte e das posses. As opções de Arusacumar são limitadas, suas expectativas são poucas e seu contentamento é grande. Ele ainda faz muita bobagem e se mete em muitas encrencas, mas, quando está em dificuldades, não se sente culpado, nem fica obcecado pelo que poderia ter feito ou deixado de fazer.
Arusacumar tem uma CONSCIÊNCIA profunda de uma REALIDADE INVISIVEL, ETERNA. Quando as coisas não estão do jeito que ele gostaria que estivessem, ele supõe que um plano maior está em ação. Essa estrutura invisível – dê-lhe o nome de destino, ou de vontade de Deus – pode não ser clara em termos imediatos, mas ele confia em que acabará por lhe ser revelada, e a aceita. Que diferença da abordagem moderna de agarrar a vida pelos colarinhos e tentar esganá-la para que ela se submeta à sua vontade!
“PERDA DE CONTATO COM NOSSAS RAÍZES” – Fez parte da genialidade do psiquiatra suíço CARL JUNG reconhecer que a vida moderna atribui uma tarefa grande demais ao eu pessoal. A sociedade ocidental nos ensina que cada um de nós é um eu separado, isolado. Esquecemos a existência de uma camada mais profunda de experiências que partilhamos com toda a nossa cultura e com toda a criação. A essa camada, Jung deu o nome de inconsciente coletivo – uma fonte de sabedoria, de propósito, de significado.
O INCONSCIENTE COLETIVO é um grande mar onde todos nós nascemos. Nesse mar vivem os sentimentos, as idéias, as capacidades, os comportamentos, os defeitos e virtudes que identificamos como nós mesmos; e desse mar brota cada individuo, cada ego, cada “eu”.
Muitas pessoas inteligentes de nossos dias recusam-se a admitir que tem um inconsciente. Insistem em dizer que sabem porque querem o que querem, e porque fazem o que fazem.
INCONSCIENTE é um termo curioso, como IRRESISTÍVEL. Diz o que algo não é, em lugar de dizer o que é. Mas o inconsciente não é tão vago e esotérico assim. Consiste em todos aqueles processos que ocorrem dentro de você e à sua volta,mas no segundo plano. Você sabe que a sua pressão sangüínea e o ritmo de sua respiração ajustam-se quando sobe um morro correndo, ou quando o tempo muda, e você não precisa pensar nisso conscientemente. O corpo faz muitas coisas sem precisar de pensamento consciente, e a mente também. Dizer que temos um inconsciente é uma forma de dizer que, mental e fisicamente, fazemos parte da natureza. As profundezas do inconsciente são as profundezas da natureza. Mesmo quando nos sentimos inteiramente isolados dos outros, é importante lembrar que nosso lar psicológico comum continua o mesmo.
O doutor JUNG levantou questões importantes para as pessoas modernas em relação à natureza de nosso verdadeiro eu, ou SELF, lembrando-nos de uma coisa que as civilizações anteriores tinham como ponto pacífico - que o verdadeiro EU encontra-se numa camada muito mais profunda que a razão e o intelecto, mais profunda que nossa individualidade. As proezas dos deuses e demônios dos antigos parecem fantásticas e irracionais pelos padrões de hoje, mas os povos pré-modernos ao menos tinham conhecimento do fato importante de que há forças poderosas em ação em nossa vida, forças que tem uma existência própria, independente de nossos desejos e de nossa vontade consciente. Para chegar ao contentamento, não podemos simplesmente ignorar os poderes do inconsciente. Precisamos nos relacionar com eles.
RELIGIÃO COM ALGO MAIOR – Vivemos numa era de CONSCIÊNCIA do “EU”. Os seres humanos dominam o mundo físico de uma forma que ninguém julgava possível. Nossos edifícios e nossas cidades são monumentos a nós próprios. Basta olhar a linha do horizonte de uma grande metrópole; os edifícios mais altos são símbolos do poder humano, de “status” e controle. Antigamente, na história ocidental, as construções mais altas eram sempre dedicadas ao divino. Mas, à medida que fomos adquirindo a capacidade de controlar a realidade externa, também fomos nos enchendo de um sentimento de onipotência.
Não faz muitos anos, o edifício da Shell Oil em Londres foi construído andar por andar, até sua altura exceder a cúpula da Catedral de São Paulo. Houve um clamor nos jornais e uma controvérsia tremenda; disseram que uma era antiga terminara e uma nova era secular de comércio e negócios estava substituindo os valores tradicionais.
Crises ecológicas de vários tipos estão nos mostrando a tolice de pensar que podemos manipular a natureza à vontade, sem conseqüências graves. Todas as formas de vida são interconectadas e são interdependentes. No nosso mundo interior também.
Arranjamos todo tipo de problemas por pensar que a vida pode ser medida, compreendida e controlada exclusivamente pela nossa vontade consciente. O indivíduo isolado procura chegar ao contentamento por meio da novidade, do poder, do prestígio – manipulando o mundo externo. Sem contato com o INCONSCIENTE COLETIVO, ficamos cheios de ansiedade e insegurança.
O “eu” dentro de nós pode tornar-se arrogante e alienado de suas raízes na natureza. É difícil para nós admitir que há muita coisa na vida fora de nosso controle. Mas um pouco de humildade é um dom maravilhoso.
“DE NOVO COM OS PÉS NO CHÃO” – Temos familiaridade com a palavra ‘humus’, que significa terra fértil, que você coloca em seu jardim para fazer com que ele se desenvolva. Está relacionada com as palavras “humildade, humilhar e humildade” – todas elas implicam fazer com que voltemos à terra. O contentamento não requer raciocínio e força de vontade; se esses dois atributos fossem tudo quanto é necessário, a humanidade certamente estaria contente agora. Mas não está. Precisamos, isso sim, aprender a diminuir nosso orgulho e reconhecer que o “eu” lá de dentro não sabe tudo e, às vezes, passa por maus bocados até descobrir o que é melhor para nós.
O contentamento requer que a gente acabe com a arrogância da consciência moderna voltando a pôr os pés e os joelhos no chão e restabelecendo uma relação permanente com o inconsciente coletivo.
A maior parte da psicologia atual – 90% ou mais – procura facilitar a relação de uma pessoa com o mundo externo. Talvez você não esteja conseguindo ter alguém, ou seu casamento vai mal, ou você seja desajeitado socialmente, ou algo assim. Essas são questões importantes e muitas vezes precisam ser trabalhadas. Mas, para chegar ao contentamento, precisamos enfrentar o mundo interior, igualmente maravilhoso e difícil.
Há aquela história de um homem empenhado na busca espiritual que um dia perguntou a seu mestre: “Dizem que antigamente as pessoas iam e conversavam com Deus. Por que isso não acontece mais?”. O mestre respondeu: “Porque hoje em dia, ninguém se rebaixa a esse ponto.”.
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Notas
[*]O texto é um excerto dos capítulos 1 e 2 do Livro CONTENTAMENTO, de Robert A. Jhonson e Jerry M.Ruhl, lançado pela Editora Mercuryo, Tradução: Dinah de Abreu Azevedo.
Quem não quer contentamento?
Embora todos queiram, há uma verdadeira epidemia de descontentamento na vida moderna.É a tragédia de nosso tempo que, seja o que for que a gente consiga, seja qual for a quantia de dinheiro que a gente ganhe, sejam quais forem as bênçãos que nos sejam concedidas nunca é o bastante. Pois, para cada desejo que a gente satisfaz, outro sempre o segue muito de perto. Você pode ter uma casa em Aspen ou ganhar tanto dinheiro quanto Bill Gates e, apesar disso, ainda sentir que a plenitude continua se esgueirando para longe de você. Isso acontece porque o contentamento não é um resultado do que você tem, nem mesmo do que você faz na vida. O contentamento não está lá fora. Bem, talvez você tenha um aperitivo ou outro lá fora, mas eles deixam de satisfazê-lo em pouco tempo e,então, você já está ansiando por mais. E, por mais que tente,nenhum volume de propriedade, poder ou prestigio satisfaz por muito tempo.
Pense numa época em que você esteve contente de verdade. Quase todos conseguem se lembrar de momentos que um desejo profundo foi satisfeito. Talvez você estivesse olhando seu filho comer um pedaço do bolo de seu primeiro aniversário, ou dar seus primeiros passos. Que experiência maravilhosa, plena! Talvez você estivesse pescando num lago tranqüilo de uma montanha, ou caminhando sossegadamente pelos bosques, longe dos prazos e pressões do trabalho e do aborrecimento constante das tarefas domésticas. O contentamento também pode surgir no trabalho – naqueles momentos em que parece que você entrou no ritmo de suas tarefas. Em vez de ficar consultando o relógio a cada cinco minutos, você fica completamente absorvido pelo que está fazendo, e o tempo voa. Realizar um objetivo pode dar contentamento durante algum tempo.
Mas esses momentos se desvanecem rápido demais. Muitas vezes, você só percebe que cruzou a fronteira do céu alguns dias ou semanas depois, quando começa a sentir saudade do que está faltando. E então tenta reproduzir as condições que levaram ao contentamento. Você faz outro bolo ou volta a caminhar nos bosques. Mas não é mais a mesma coisa.
O contentamento é difícil de preservar. Com conseguir tranqüilidade interior, satisfação e paz de espírito?
Nossa sociedade ensina que a única realidade é aquela que podemos pegar. Valoriza as experiências externas e as posses materiais. Portanto, procuramos o contentamento “lá fora” e vivemos com uma mentalidade de “assim que...” “Assim que eu terminar meu trabalho, vou relaxar.” “Assim que eu me casar, vou ficar contente” ou, inversamente: “Assim que meu divórcio sair, vou ficar contente”. “Assim que eu ganhar bastante dinheiro, vou poder ficar mais tempo com meus filhos”. “Assim que eu tiver um chefe melhor, um emprego melhor, uma casa maior, um carro novo...” E, assim, nosso contentamento “escorre” por entre os dedos como água – outro momento, um lugar diferente, uma situação melhor.
“Poderosos criadores de descontentamento” – A Madison Avenue compreende a nossa fome de contentamento e a usa como base da publicidade moderna. Sopas, automóveis, seguros de vida – vende-se de tudo com a promessa de satisfação que vai trazer ou do desconforto que vai nos ajudar a evitar. A publicidade infiltra-se em praticamente todos os recessos da vida moderna, dos comerciais de rádio e televisão aos dos jornais, revistas, traseiras de ônibus, outdoors, bancos de praça, camisetas, a Internet – e até nossos telefones residenciais. Todas essas mensagens se destinam a nos MANIPULAR no sentido de desejar um produto ou serviço. Somos impelidos pelos desejos e empurrados pelos medos. A Madison Avenue e a mídia são poderosos criadores de descontentamento.
James Joyce, o grande romancista do século 20, ao refletir sobre o papel da arte na sociedade, observou que a propaganda se destina a criar sentimentos de desejo ou aversão no publico. O desejo insiste conosco para possuirmos, ir atrás de uma certa coisa, enquanto a aversão insiste conosco para abandonarmos, para nos afastarmos de uma certa coisa. Joyce contrasta isso com a arte, que, em sua opinião, eleva a mente humana, cria tranqüilidade interior e nos conecta ao que é”grave e constante” no destino da humanidade.
Segundo esse modo de ver a civilização, grande parte da cultura popular de hoje – e não só a publicidade – é mera propaganda com o objetivo de instigar nosso descontentamento.
Como evitar o martelar constante da propaganda na vida moderna? Um bom primeiro passo é reconhecer que ir atrás de coisas novas ou diferentes nunca satisfaz, e seu contentamento é importante demais para ser perdido num ciclo interminável de ganhar e gastar, desejo e arrependimento.
Como você provavelmente já percebeu, fazer mais do que já fez até agora não é a resposta. Mais bens de consumo, mais trabalho, mais férias, mais amantes não levam a mais contentamento. O que você precisa é desenvolver mais CONSCIÊNCIA e a COMPREENSÃO de si. O contentamento vem de dentro.
“Em Busca do Contentamento” – O que é contentamento? O dicionário informa que é a experiência de estar satisfeito, de não desejar mais do que você tem. Este é um ponto de partida, mas ignora elementos importantes do contentamento, inclusive os aspectos mais essenciais, a partir de uma perspectiva psicológica. Como é a experiência do contentamento? Quais são as condições que levam a ele?
Procure lembrar de novo de um momento de satisfação em que tudo parecia certo: não havia necessidade de mudar o que você estava fazendo, nem a pessoa com quem você estava, nem o lugar onde se encontrava. Durante esses momentos, a vida é rica e plena. O burburinho das preocupações, medos e ansiedades misturados, que tantas vezes ficam em volta da cabeça como um enxame de mosquitos famintos, silencia. Em vez de julgar a si mesmo ou chorar pelo leite derramado, você está satisfeito só por existir. Até aquela voz antiga e familiar do desejo, a inquietação na sua cabeça que chora como uma criança mimada e exigente, “gritando eu quero, eu quero, eu quero”, também está calada. O contentamento é cheio de paz como o luar no fundo de um rio, tranqüilo no meio da mudança constante.
Agora. Aqui. É isso. O contentamento proporciona uma experiência diferente do tempo; a mente pára de perambular pelo passado ou pelo futuro. Como pessoas modernas que somos, perdemos muito tempo desejando estar numa situação diferente, o que, claro está, é impossível. Você pode dizer que contentamento é estar apaixonado pelo momento presente, não apenas aceitando-o como um casamento arranjado, mas abraçando com êxtase e sofreguidão o eterno agora como quem abraça seu amor.
O contentamento surge de uma disposição de abandonar idéias preconcebidas e de afirmar a realidade tal como ela é. Respeitar “as coisas como elas são“ é o exato oposto de viver com aquela mentalidade do “assim quem...”. A realidade nem sempre é como você gostaria que fosse. E, quando não é, ou você fica frustrado e redobra os esforços para curvá-la à sua vontade, ou aprende a aceitar, confirmar e até a dançar com o que lhe é dado.
“Arusacumar, o vendedor de coco – Mark Twain“ disse certa vez que nada amplia tanto a visão de uma pessoa quanto viajar para um país estrangeiro. É difícil perceber os pressupostos e hábitos em torno dos quais sua vida gira enquanto você não sai de sua órbita.
Há um vendedor de coco chamado Arusacumar que vive num barraco de bambu perto da cidade de Pondicherry, no sul da Índia. É um mestre da arte de cortar o topo de um coco verde com um facão, introduzir um canudinho e oferecê-lo a seus fregueses. Você se senta num saco de estopa cheio de cocos para saborear a sua água, pois é a única mobília de sua banca no meio-fio. Arusacumar é um dos homens mais contentes do mundo, e esse estado semidivino é extremamente contagiante. Ele canta e ri e faz você entrar no clima do Jardim do Éden, onde passa os seus dias.
O contentamento está além dos caprichos da sorte e das posses. As opções de Arusacumar são limitadas, suas expectativas são poucas e seu contentamento é grande. Ele ainda faz muita bobagem e se mete em muitas encrencas, mas, quando está em dificuldades, não se sente culpado, nem fica obcecado pelo que poderia ter feito ou deixado de fazer.
Arusacumar tem uma CONSCIÊNCIA profunda de uma REALIDADE INVISIVEL, ETERNA. Quando as coisas não estão do jeito que ele gostaria que estivessem, ele supõe que um plano maior está em ação. Essa estrutura invisível – dê-lhe o nome de destino, ou de vontade de Deus – pode não ser clara em termos imediatos, mas ele confia em que acabará por lhe ser revelada, e a aceita. Que diferença da abordagem moderna de agarrar a vida pelos colarinhos e tentar esganá-la para que ela se submeta à sua vontade!
“PERDA DE CONTATO COM NOSSAS RAÍZES” – Fez parte da genialidade do psiquiatra suíço CARL JUNG reconhecer que a vida moderna atribui uma tarefa grande demais ao eu pessoal. A sociedade ocidental nos ensina que cada um de nós é um eu separado, isolado. Esquecemos a existência de uma camada mais profunda de experiências que partilhamos com toda a nossa cultura e com toda a criação. A essa camada, Jung deu o nome de inconsciente coletivo – uma fonte de sabedoria, de propósito, de significado.
O INCONSCIENTE COLETIVO é um grande mar onde todos nós nascemos. Nesse mar vivem os sentimentos, as idéias, as capacidades, os comportamentos, os defeitos e virtudes que identificamos como nós mesmos; e desse mar brota cada individuo, cada ego, cada “eu”.
Muitas pessoas inteligentes de nossos dias recusam-se a admitir que tem um inconsciente. Insistem em dizer que sabem porque querem o que querem, e porque fazem o que fazem.
INCONSCIENTE é um termo curioso, como IRRESISTÍVEL. Diz o que algo não é, em lugar de dizer o que é. Mas o inconsciente não é tão vago e esotérico assim. Consiste em todos aqueles processos que ocorrem dentro de você e à sua volta,mas no segundo plano. Você sabe que a sua pressão sangüínea e o ritmo de sua respiração ajustam-se quando sobe um morro correndo, ou quando o tempo muda, e você não precisa pensar nisso conscientemente. O corpo faz muitas coisas sem precisar de pensamento consciente, e a mente também. Dizer que temos um inconsciente é uma forma de dizer que, mental e fisicamente, fazemos parte da natureza. As profundezas do inconsciente são as profundezas da natureza. Mesmo quando nos sentimos inteiramente isolados dos outros, é importante lembrar que nosso lar psicológico comum continua o mesmo.
O doutor JUNG levantou questões importantes para as pessoas modernas em relação à natureza de nosso verdadeiro eu, ou SELF, lembrando-nos de uma coisa que as civilizações anteriores tinham como ponto pacífico - que o verdadeiro EU encontra-se numa camada muito mais profunda que a razão e o intelecto, mais profunda que nossa individualidade. As proezas dos deuses e demônios dos antigos parecem fantásticas e irracionais pelos padrões de hoje, mas os povos pré-modernos ao menos tinham conhecimento do fato importante de que há forças poderosas em ação em nossa vida, forças que tem uma existência própria, independente de nossos desejos e de nossa vontade consciente. Para chegar ao contentamento, não podemos simplesmente ignorar os poderes do inconsciente. Precisamos nos relacionar com eles.
RELIGIÃO COM ALGO MAIOR – Vivemos numa era de CONSCIÊNCIA do “EU”. Os seres humanos dominam o mundo físico de uma forma que ninguém julgava possível. Nossos edifícios e nossas cidades são monumentos a nós próprios. Basta olhar a linha do horizonte de uma grande metrópole; os edifícios mais altos são símbolos do poder humano, de “status” e controle. Antigamente, na história ocidental, as construções mais altas eram sempre dedicadas ao divino. Mas, à medida que fomos adquirindo a capacidade de controlar a realidade externa, também fomos nos enchendo de um sentimento de onipotência.
Não faz muitos anos, o edifício da Shell Oil em Londres foi construído andar por andar, até sua altura exceder a cúpula da Catedral de São Paulo. Houve um clamor nos jornais e uma controvérsia tremenda; disseram que uma era antiga terminara e uma nova era secular de comércio e negócios estava substituindo os valores tradicionais.
Crises ecológicas de vários tipos estão nos mostrando a tolice de pensar que podemos manipular a natureza à vontade, sem conseqüências graves. Todas as formas de vida são interconectadas e são interdependentes. No nosso mundo interior também.
Arranjamos todo tipo de problemas por pensar que a vida pode ser medida, compreendida e controlada exclusivamente pela nossa vontade consciente. O indivíduo isolado procura chegar ao contentamento por meio da novidade, do poder, do prestígio – manipulando o mundo externo. Sem contato com o INCONSCIENTE COLETIVO, ficamos cheios de ansiedade e insegurança.
O “eu” dentro de nós pode tornar-se arrogante e alienado de suas raízes na natureza. É difícil para nós admitir que há muita coisa na vida fora de nosso controle. Mas um pouco de humildade é um dom maravilhoso.
“DE NOVO COM OS PÉS NO CHÃO” – Temos familiaridade com a palavra ‘humus’, que significa terra fértil, que você coloca em seu jardim para fazer com que ele se desenvolva. Está relacionada com as palavras “humildade, humilhar e humildade” – todas elas implicam fazer com que voltemos à terra. O contentamento não requer raciocínio e força de vontade; se esses dois atributos fossem tudo quanto é necessário, a humanidade certamente estaria contente agora. Mas não está. Precisamos, isso sim, aprender a diminuir nosso orgulho e reconhecer que o “eu” lá de dentro não sabe tudo e, às vezes, passa por maus bocados até descobrir o que é melhor para nós.
O contentamento requer que a gente acabe com a arrogância da consciência moderna voltando a pôr os pés e os joelhos no chão e restabelecendo uma relação permanente com o inconsciente coletivo.
A maior parte da psicologia atual – 90% ou mais – procura facilitar a relação de uma pessoa com o mundo externo. Talvez você não esteja conseguindo ter alguém, ou seu casamento vai mal, ou você seja desajeitado socialmente, ou algo assim. Essas são questões importantes e muitas vezes precisam ser trabalhadas. Mas, para chegar ao contentamento, precisamos enfrentar o mundo interior, igualmente maravilhoso e difícil.
Há aquela história de um homem empenhado na busca espiritual que um dia perguntou a seu mestre: “Dizem que antigamente as pessoas iam e conversavam com Deus. Por que isso não acontece mais?”. O mestre respondeu: “Porque hoje em dia, ninguém se rebaixa a esse ponto.”.
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Notas
[*]O texto é um excerto dos capítulos 1 e 2 do Livro CONTENTAMENTO, de Robert A. Jhonson e Jerry M.Ruhl, lançado pela Editora Mercuryo, Tradução: Dinah de Abreu Azevedo.
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