5 de jul. de 2011

Benedetto Croce_A Filosofia do Espírito

Seu primeiro livro foi, na forma original, uma preguiçosa serie de artigos sobre o Materialismo Histórico e a Economia de Karl Marx. Croce viu-se enormemente estimulado por Antonio Labriola, seu professor na Universidade de Roma, sob sujo paládio o estudante mergulhou nos labirintos do Kapital de Marx. “Esse intercurso com a literatura do marxismo, e ansiedade com que por algum tempo seguiu o movimento da Alemanha e da Itália, agitaram todo o meu ser, pela primeira vez despertando em mim o sentimento do entusiasmo político. Eu era um homem que, havendo caído em amor já não muito moço, está em estado de observar em si o misterioso processo da nova paixão” [*Picolli:Benedetto Croce]. Mas o vinho da reforma social não o fez perder a cabeça; breve reconciliou-se com os absurdos políticos da humanidade e voltou ao altares da filosofia.

Um dos resultados dessa aventura foi Croce elevar o conceito da utilidade ao nível do da Bondade, Beleza e Verdade. Não que atribuísse a matéria econômica a suprema importância dada por Marx e Engels. Ele louvava esses homens por serem os criadores de uma teoria que, embora incompleta, havia atraído a atenção para um mundo de dados até então em menos-preço; mas rejeitara o absolutismo da interpretação econômica da historia como sendo o efeito da sugestão de um ambiente industrial. Recusou-se a admitir o materialismo como filosofia para adultos, ou mesmo como método para a ciência; o espírito era para ele a realidade primaria e ultima. E quando veio a escrever seu sistema de pensamento, denominou-o “a filosofia do espírito”.

Porque Croce é um idealista que não reconhece nenhuma filosofia além da de Hegel. Toda realidade é idéia; nada sabemos exceto a forma com que as coisas se apresentam em nossas sensações e em nossos pensamentos. Por isso toda filosofia é redutível a lógica; e a verdade não passa de um perfeito relacionamento em nossas idéias. Talvez Croce aprecie um pouco demasiadamente esta conclusão; ele é sobretudo um lógico; ainda em seu livro sobre a estética não pode resistir a tentação de incluir um capitulo sobre a lógica. É verdade que chama a filosofia o estudo do concreto universal, e a ciência, o estudo do abstrato universal; mas, para infelicidade do leitor, o concreto universal de Croce é universalmente abstrato. É ele, afinal de contas, um produto da tradição escolástica; deleita-se em abstrusas distinções e classificações que exaurem o assunto e o leitor; escorrega facilmente na causidica lógica e refuta mais rapidamente do que conclui. É um italiano germanizado, como Nietzsche foi um alemão italianizado.

Nada mais alemão, ou mais hegeliano, que o título da primeira obra da trilogia que é a  Filosofia do Espírito – a Lógica como Ciência e Conceito Puro [1905]. Croce quer que cada idéia seja tão pura, tão abstrata e pragmática quanto possível; nada aí da paixão pela clareza e conteúdo prático que faz de William James o grande farol dentro das brumas da filosofia. Croce não cura de definir uma idéia reduzindo-a as suas conseqüências práticas; prefere reduzir as coisas praticas a idéias, relações, categorias. Se todas as palavras abstratas e técnicas fossem removidas dos seus livros, eles não sofreriam tanto de obesidade.

Por ‘puro conceito’ Croce significa um conceito universal, como quantidade, qualidade, evolução ou qualquer pensamento que concebivelmente possa ser aplicado à realidade. E segue a jogar com esses conceitos como se o espírito de Hegel houvesse encontrado na Itália o seu avatar, e como se quisesse emparelhar-se com o filosofo alemão em obscuridade. Chamando a tudo isto ‘lógica’, Croce convence-se a si próprio de que está a mofar da metafísica e que se guarda longe dela; metafísica, julga ele, é um eco da teologia, e o moderno professor universitário de filosofia equivale ao teólogo medieval. Mistura idealismo com uma certa dureza de atitude contra as crenças velhas; refuga a religião; crê na liberdade da vontade mas não na imortalidade da alma; o culto da beleza e a vida mental formam os seus substitutos da religião. “A religião era todo o patrimônio intelectual dos povos primitivos; o nosso patrimônio intelectual é a nossa religião...Não sabemos que uso pode ser feito da religião pelos que a querem conservar lado a lado da atividade teórica do homem, com sua arte, sua critica e sua filosofia...A filosofia remove da religião toda a razão de existir...Como ciência do espírito, olha para a religião como para um fenômeno, um fato histórico transiente, uma condição psíquica a ser transcendida” [*Estética]. Ficamos a pensar se o sorriso da Gioconda não pairou no rosto de Roma ao ser escrita esta frase.

Temos em Croce o raro fenômeno de uma filosofia que é a um tempo naturalística e espiritualistica, agnóstica e indeterminista, pratica e idealística, econômica e estética. Verdade que o interesse de Croce vai mais para os teóricos do que para os práticos aspectos da vida; os temas, porém, que ele abordou mostram um honroso esforço para superar as suas inclinações escolásticas. Escreveu um enorme volume, A Filosofia do Prático, que em parte vem a ser a velha lógica com outro nome e em parte uma discussão metafísica do velho problema do livre arbítrio. E em um tomo mais modesto sobre a Historia, chega a fecunda concepção da Historia como filosofia em ação, e do historiador como o que mostra a natureza e o homem, não abstratos e teorizados, mas no fluxo real e operante das causas e conseqüências. Croce exalta a Vico e calorosamente sustenta a velha idéia italiana de que a história deve ser escrita por filósofos. Julga que o fetiche de uma historia perfeita conduz a erudição microscópica, na qual o historiador deixa escapar a verdade em visto do excesso de coisas que sabe. Do mesmo modo que Schliemann exumou, não uma, mas sete Troias que os historiadores científicos mostraram que não existira nenhuma, assim supõe Croce que os historiadores hipercríticos exageram a nossa ignorância do passado.

*Recordo-me da observação que me foi feita, quando em moço andei mergulhado em pesquisas, por  um amigo de poucos conhecimentos literários ao qual havia emprestado uma historia da Roma antiga, em excesso critica. Ao terminar a leitura devolveu-me o  livro declarando que adquirira a convicção de “ser o mais sábio dos filólogos” – porque os outros só depois de imensos estudos chegavam à conclusão de que não sabiam nada, ao passo que ele não sabia nada sem nenhum estudo, por mero dom da natureza [Sobre a Historia].  

Croce reconhece a dificuldade de apreender o passado real, e cita Rousseau na sua definição de historia como “a arte de escolher entre muitas mentiras as que mais se parecem com verdades”. Não mostra simpatia para com os teoristas da marca de Hegel, Marx ou Buckle, que torcem o passado em um silogismo que lhes sirva as idéias preconcebidas. Não há preordenar planos na historia; e o filosofo que escreve historia deve devotar-se a revelação das causas e conseqüências e correlações, em vez de traças desígnios cósmicos. E também recorda que somente essa parte da historia tem valor para nós, na sua significação e esclarecimento. A historia podia, no fim, ser chamada como Napoleão a definiu – “a única filosofia verdadeira e a única verdadeira psicologia” – se os historiadores pudessem escrevê-la como apocalipse da natureza e como o espelho do homem.

 

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