Assim como a moralidade jaz na força e não na bondade, assim o objetivo do esforço humano não devia ser a elevação de todos, mas o desenvolvimento dos mais perfeitos e fortes indivíduos. Não o gênero humano, mas o super-homem é a meta. A ultima coisa que um homem deve empreender é o melhoramento do gênero humano; o gênero humano não melhora – e nem existe, é uma abstração; o que existe é um vasto formigueiro de indivíduos. O aspecto do todo é muito mais semelhante ao de uma enorme fabrica experimental onde em cada época alguma coisa sai bem feita enquanto a maioria falha; e o alvo de todas as experiências não é a felicidade da massa, mas o melhoramento do tipo. Melhor que as sociedades se extingam do que tipos de eleição deixem de aparecer.
A sociedade é instrumento para realce do poder e da personalidade do individuo; o grupo não é em si um fim. “Para que haveria maquinas se todos os indivíduos só servissem para as conservar?” Maquinas – ou organizações sociais – “que sejam fins em si – é esta a comédia humana”.
A principio Nietzsche falou como se as suas esperanças fossem para a produção de uma nova espécie; depois foi levado a pensar do seu super-homem como o individuo superior que se erguia precariamente do chavascal da mediocridade e devia sua existência mais a cuidadosa criação do que aos acasos da seleção natural. Porque o processo biológico é inútil aos indivíduos de exceção; a natureza mostra-se crudelíssima para com os seus mais altos produtos, e, ao contrário, protege a media, o medíocre; há na natureza uma perpetua reversão ao tipo, ao nível da massa – uma recorrente dominação do melhor pelo mais. O super-homem pode sobreviver unicamente pela seleção humana, pela previsão eugênica e por uma nobre educação.
Que absurdo, portanto, deixar que os mais altos tipos casem por amor – heróis com criadas, gênios com costureiras! Schopenhauer não tinha razão. O amor não é eugênico; quando um homem está amando não está em situação de tomar decisões que he afetem a vida inteira; não lhe é dado ao mesmo tempo amar e ser sábio. Devíamos declarar nulos os votos de amor e fazer do amor um impedimento legal para o casamento. O melhor só deverá casar com o melhor; e o amor deixado para a canalha. O fim do casamento não é apenas a reprodução; é também desenvolvimento.
8Tú és jovem e anseias por casamento e filhos. Mas, pergunto, és homem que ouses desejar um filho? És acaso um vitorioso, um dominador de ti próprio, um comandante dos teus sentidos, um senhor das tuas virtudes? – ou em teu desejo só fala o animal, a necessidade? Ou a solidão? Ou discórdia contigo mesmo? Eu quero que tua vitória e liberdade desejem um filho. Construirás monumento vivo sobre tua vitória e liberdade. Construirás para além de ti mesmo. Mas primeiro tens de construir-te sólido de alma e corpo. Não apenas propagar, mas propagar-se para cima! Casamento: assim eu chamo a vontade de dois para criar um que seja mais que os que o geraram.
Sem bom nascimento, impossível a nobilidade. “O intelecto apenas não nobilita: ao contrário, alguma coisa sempre falta para enobrecer o intelecto. Que falta? Sangue...[Não me refiro aqui ao “de” do Almanaque de Gotha: isto é parentesco para asnos]”. Mas dado o bom nascimento e a origem eugênica, o próximo fator na formula do super-homem é uma escola severa onde a perfeição seja exigida como matéria de curso; onde o corpo seja ensinado a sofrer em silencio e a vontade aprenda a obedecer e comandar. Não contra-senso libertário, não enfraquecimento da espinha física e moral pela indulgência e “liberdade”! Mas a escola onde se ensine a alegria do coração; os filósofos serão graduados segundo sua capacidade para rir; Aquele que escala as mais altas montanhas rir-se-á de todas as “tragédias”. E não haverá “ácido moralico” nesta educação do super-homem; um ascetismo da vontade, não condenação da carne. “Não pareis de dançar, lindas jovens! Nenhum estragador da vida vos está olhando com maus olhos ... nenhum inimigo das moças de belos tornozelos” [*Anticristo]. Mesmo o super-homem deve ter gosto pelos belos tornozelos.
Um homem desse modo nascido e criado estaria além do bem e do mal; não hesitaria em ser böse, se seus propósitos o requeressem; seria antes destemeroso do que bom. “Que é ser bom?... Ser bravo é bom”. Tudo quanto aumenta o sentimento de poder, a vontade de poder, o poder em si. Que é mau [schlecht]? Tudo que vem da fraqueza”. Tudo que vem da fraqueza”. Talvez a marca dominante do super-homem seja amor ao perigo e a luta, contanto que tenha um alto propósito: jamais sobreporá a tudo a segurança; deixará essa felicidade para o grande numero. “Zarathustra adorava os que fazem viagens longas e não gostam de viver sem perigos”. Daí toda guerra ser boa, a despeito da vulgar mesquinharia das suas causas nos tempos modernos; “uma boa guerra sana qualquer causa”. Ainda a revolução é boa; não em si, porque nada pode ser mais infortunado que o predomínio das massas; mas porque os tempos de luta desabrocham a grandeza latente de indivíduos que antes não encontravam bastante estimulo ou oportunidade; do bojo do caos emerge a estrela; do torvelino da Revolução Francesa saiu Napoleão; da violência e desordem da Renascença, brotaram poderosas individualidades – e em tal abundancia que a Europa não as pode suportar.
Energia, intelecto e orgulho – isso faz o Super-Homem. Mas precisam ser harmonizados; as paixões tornar-se-ão força unicamente quando selecionadas e unificadas por algum grande propósito, que molde o caos dos desejos no poder de uma personalidade. “Maldição para o pensador que não é jardineiro, e sim apenas o solo das suas plantas!” Esse que só segue seus impulsos, quem é? O débil; falta-lhe o poder para inibir; não é bastante forte para dizer Não; é uma discórdia, um decadente. Disciplinar-se, eis a coisa suprema. “O Homem que não deseja ser apenas um da massa, tem de cessar de ser leniente consigo mesmo”. Ser duro pra com os outros, porém ainda mais duro consigo mesmo; fazer tudo menos trair um amigo – isto é a patente final nobreza, a ultima formula do super-homem.
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