Nem sempre orar por uma pessoa representa uma atitude caridosa. Numa pesquisa do Instituo Gallup, 5% dos americanos assumiram ter rezado pelo mal de alguém. Até quando se reza com a melhor das intenções, na verdade, a prece pode ser uma tentativa de controlar o pensamento e as atitudes de outro. [*]
Há feiticeiros entre nós. Mães e pais, homens de negócios e médicos, amigos e vizinhos: pessoas que vão à igreja aos domingos – e rezam.
Se ‘feiticeiro’ parece uma expressão muito forte, considere uma pesquisa, feita pelo Instituto Gallup: segundo ela, 5% dos americanos já rezaram pelo mal de outras pessoas. E esses são apenas os um-em-vinte que “admitem” o fato;é sem duvida muito maior a verdadeira prevalência do uso da prece para prejudicar outros. Qual é diferença entre uma prece feita para prejudicar alguém e a maldição de um feiticeiro?
Comecei a pesquisar seriamente o potencial nocivo da prece em 1993, logo depois da publicaçãodo meu livro ‘Palavras que Curam’, no qual discuto várias experiências cientificas que sugerem claramente que os efeitos da prece são reais. Muitos leitores acolheram essa informação com entusiasmo, gratos por descobrir que a fé que tem na prece pode ter base cientifica. No entanto, uma pequena minoria enviou cartas indignadas, tachando de eresia, blasfêmia e pecado os experimentos com a prece.
Zangados, alguns fiéis prometeram rezar para eu rever as coisas do jeito certo – ‘do jeito deles’. No começo, fiquei feliz com tanta atenção – o livro se tornou um campeãos de vendas. Senti-me grato por essa vontade que as pessoas tinham de rezar por mime respondi agradecendo pela preocupação e pelas preces. Depois, comecei a pensar melhor nessas preces. Parecia-me que, em geral, eram tentativas de virar minha cabeça para baixo, de me transformar à força em outra pessoa. Senti que queriam reorganizar radicalmente o meu pensamento e instalar suas opiniões no lugar das minhas. É impossível distinguir algumas dessas preces dos feitiços e maldições – tentativas de controlar o pensamento e o comportamento de uma vitima contra a sua vontade.
Paradoxalmente, essas pessoas afirmavam que estavam agindo movidas apenas por amor e preocupação. Talvez estivessem, mas suas preces não davam a impressão de generosidade e suas palavras não tinham o som do amor. Acabei com aversão a esse tipo de prece.
Graças a “Palavras que Curam”, surgiram oportunidades de discutir o tema “prece” por todo o país. Havia sempre alguém que perguntava:”Se há evidencias de que a prece ajuda, há provas de que ela possa causar danos?” A reação do público a essa pergunta era curiosa. Quem a fazia recebia olhares críticos, como se tivesse entrado em território proibido.
Não confiamos totalmente na prece, talvez porque conjure poderes que não podemos compreender e controlar. A ambivalência em relação à prece está estranha na língua. Em inglês, a palavra “deprecate”, que significa também depreciar, está ligada à raiz latina de prece;”precarius”. Em seu livro The Gods os the Greeks, o mitologista Karl Keréni observa que o nome grego do deus da guerra, Ares, “tinha o mesmo som de “ara”[maldição], palavra que tinha também o sentido de “prece” – e era como que outro nome para guerra”. Assim, parece que a prece sempre esteve associada à violência e ao dano.
O medo da prece surge até mesmo quando ela é usada de maneira caridosa, como aconteceu certa vez num serviço de saúde mental na Nova Inglaterra. Uma psicoterapeuta foi chamada pelo diretor da clinica para explicar por que seus pacientes se recuperavam e tinha alta antes dos pacientes dos outros terapeutas. “Por que seus pacientes melhoram mais depressa? O que você faz de diferente?”, perguntou ele. Ela revelou que rezava por seus pacientes e isso talvez explicasse as diferenças entre os resultados clínicos. Diante disso, foi convocada uma reunião urgente com o pessoal da clínica para discutir a situação. Todos ficaram extremamente nervosos em relação a essa terapia altamente controversa. Assim, a terapeuta recebeu ordens para parar de rezar, porque isso dava a seus pacientes uma “vantagem injusta.”
FLORENCE NIGTHINGALE, a fundadora da moderna enfermagem, era uma mulher profundamente espiritual,preocupada com o potencial de manipulação que a prece tem. A excelência de Deus, dizia ela, é ser inexorável. Se fosse possível influenciá-lo, estaríamos à mercê dos que tentam fazê-lo mudar de idéia através de suas preces. Ela falava do “ velho James Martin”, que preferia padronizar todas as preces, porque nada mpedia que as pessoas rezassem para “o dinheiro sair do bolso ‘dele’ e entrar no delas.”
Alguns dizem que se ressentem da prece porque ela é uma invasão indeseda em seu ‘espaço psicológico’. Acho que lá no fundo se esconde o medo primordial de sermos controlados ou prejudicados pelos pensamentos e desejos dos outros - e uma repulsa diante da possibilidade de possuirmos também o poder de prejudicar os outros com “nossas mentes”.
Os gregos não eram tão suscetíveis assim diante do potencial de prejudicar os outros através da mente. Em suas Leis, Platão abordou o assunto de frente. Recomendou que fossem condenados à morte os que usassem “feitiços, encarnações e outras bruxarias com propósitos malignos...” E se levássemos a sério as evidencias a favor dos efeitos negativos da mente? Será que nós, como Platão aconselhou, processaríamos os que fazem preces negativas? E se condenássemos os 5% da população que “cometeram” prece negativa? Será que seriam presos? Não é provável. As grades não impedem ninguém de rezar.
Atualmente, nos Estados Unidos [1]escolas de medicina oferecem cursos que tratam da espiritualidade na clinica médica e 60 – praticamente a metadedas escolas de medicina do país – tem interesse em desenvolver tais programas. Essa tendência reflete um reconhecimento crescente da importância que a prática religiosa e a prece tem em relação à saúde. Mas, à medida queas evidencias dos efeitos “positivos” da prece forem se tornando mais conhecidas, a medicina precisará enfrentar o “dano” potencial que também é associado a essas práticas.
A dra. Marilyn J. Schlitz, diretora de pesquisa do Instituto de Ciências Noéticas em Sausalito, Califórnia, chama a atenção para essas preocupações. Sua formação em antropologia lhe dá uma visão mais ampla dos poderes da consciência. “Se uma pessoa pode influenciar a distancia a fisiologia de outra pessoa, é claramente possível que nem sempre essa influencia seja positiva”, diz ela no estudo “Intentionality and Intuition and Their Implications”;
“Na região do Rio Sepic, em Papua-Nova Guiné, por exemplo, a mesma pessoa é o curandeiro e o feiticeiro. É ao mesmo tempo a solução e a causa da doença. É esse o tipo de pessoa que você quer ter como seu agente de cura? À medida que avançamos, devemos pensar nas implicações éticas e morais [dessas questões].”
Na medicina convencinal, no entanto, não levamos em conta a capacidade de fazer o mal a distancia através de pensamentos, mesmo porque relutamos em reconhecer a existência de fenômenos mentais a distancia. Mas negar o lado escuro da prece é como ignorar os efeitos colaterais de um medicamento: é algo que não se justifica, por maiores que sejam os benefícios trazidos pela droga.
No estudo citado, Marilyn explica por que essas questões são importantes para todos nós:
“As implicações mais profundas[...] estão no nível social[...] Nós[...]assumimos que somos seres isolados e que ‘meus pensamentos são meus pensamentos e os seus são os seus, e nunca vão se encontrar’. Na verdade, acho que os dados sustentam a idéia de que somos interligados num nível que ainda não foi totalmente reconhecido pela ciência ocidental e que está longe de se integrar à nossa visão de mundo. Se minhas intenções podem influenciar a distancia a fisiologia de uma pessoa, se seus pensamentos podem ser incorporados aos meus, não apenas em ambientes clínicos mas em qualquer lugar, então devemos ser mais atentos e mais responsáveis, não apenas por nossas ações, mas por nossa maneira de pensar nos outros e de interargir com eles.”
SE ACEITAMOS que o pensamento humano tem efeitos a distancia, é irrancional pensar que ninguém, ao longo da história, tentou usar essa força para o mal. Esse é o domínio das maldições, dos feitiços, dos encantamentos e do uso da prece para prejudicar os outros. No entanto, para cada maldição ou prece negativa deliberada, há milhares de “pequenas maldições” lançadas sem intenção. Elas são lançadas inadvertidamente por pessoas muito boas que nunca fariam mal a ninguém.
As preces e as maldições são relacionadas? Dion Fortune[1890-1946], estudiosa de psicologia freudiana e uma das espiritualistas mais conhecidas da Inglaterra em sua época, acreditava que as conexões são profundas. Observou: “Não há uma diferença essencial entre espetar alfinetes numa imagem de cera de um inimigo e acender velas diante de uma imagem de cera da Virgem.”
Michael Murphy, co-fundador do Instituto Esalen Calif´ronia e autor de The Future of the Body, também está convencido de que é tênue a linha que separa pragas, feitiços e práticas religiosas. Em seu livro, ele observa:
“As tradições mais sagradas afirmam que toda capacidade pode ser comum içada sem sinais sensoriais. Tais capacidades [...] podem ser usadas destrutivamente. As mesmas tradições religiosas que celebram a transmissão meta-normal de estados iluminados testemunham também a capacidade de comunicação empregada com propóstios egocêntricos, cruéis e até mesmo monstruosos. Em todas as culturas religiosas há, tradicionalmente, casos de adeptos que usam seus poderes especiais [...] para fins egoístas.”
Incluindo as tradições judaica e cristã. Muitos fiéis afirmam que as maldições são usadas apenas por pessoas diabólicas, mas elas existem na Bíblia e muitas vezes são empregadas pela elite espiritual. O profeta Eliseu, por exemplo, fez com que 42 crianças fossem devoradas por ursas por terem caçoado de sua careca [2 Reis 2:23-24]. O apóstolo Paulo fez um feiticeiro ficar cego [Atos 13:11]. E até Jesus fulminou uma figueira aparentemente inocente porque ela não tinha frutos [Mateus 21:9, Marcos 11:13-14,20-22]. Esses exemplos desafiam a tendência para fazer nítidas distinções entre prece e maldição. Do ponto de vista das crianças devoradas pelas ursas, o feiticeiro que ficou cego e da figueira mirrada, será que há alguma diferença essencial entre ser salvo de uma praga ou de uma prece? O mais importante é o “resultado associado” a esses acontecimentos, não o seu nome.
Rejeitamos preces negativas, maldições e feitiços porque queremos “livrar a barra de Deus”, nas palavras do filósofo Alan Watts. Como insisitia uma mulher:”Meu Deus é bom. Nele não há espaço para a prece negativa”. Mas negar o lado escuro do Todo-poderoso é inconsistente com os ensinamentos bíblicos. Veja Isaís 45:7:Eu formo a luz e cria as trevas, asseguro o bem-estar e crio a desgraça: sim eu, Iahweh, faço tudo isso.” Amós 3:6:”Se acontece uma desgraça na cidade, não foi Iahweh que agiu?” E Eclesiastico 11:14:”Bel e mal, vida e morte, pobreza e riqueza, tudo vem do Senhor.”
Um dos maiores obstáculos para enfrentar a questão da prece negativa é, portanto, o desejo de dar sempre uma boa aparência à prece. “Se a prece está prejudicando alguém”, disse um médico devoto, “a culpa não é da prece, mas de alguma outra coisa”. “Como o que?”, perguntei: “Não sei direito”, respondeu. “Talvez ‘ a mente sobre a matéria’, mas não a prece.” Outros não concordam –como os 5% da população retromencionada, que “dizem”ter usado a prece para prejudicar os outros.
Como meu amigo médico que rejeita de cara a idéia da prece nociva, nunca paramos para perguntar “por que” a prece seria capaz de causar o mal. Será que uma prece que negocia a morte pode servir a um propósito válido? Será que pode ser útil?
Até mesmo um exame superficial da prece revela por que ela ‘pode e deve’ ter conseqüências negativas. Quando rezamos pela recuperação de alguém que está com pneumonia, Aids ou qualquer outra infecção, estamos rezando pela morte de milhões de microrganismos que provocam a doença, apesar de não pensarmos nisso. Quando rezamos para o câncer desaparecer, estamos pedindo a destruição total das células malignas. Quando pedimos que uma doença cardíaca desapareça, queremos que as lesões nas coronárias sejam totalmente obliteradas. Mesmo quando rezamos pelo pão nosso de cada dia, estamos pedindo a morte de pés de trigo e de seus grãos. Devemos deixar de lado tanto melindre em relação à prece. É melhor ‘esperar’ que nossas preces tenham efeitos letais – caso contrário ficaremos na mão, com um ritual enfraquecido que nunca realiza o que pedimos.
Por que relutamos em reconhecer que a prece tem um lado escuro? Por que tanto empenho em preservar a reputação da prece? Como a associam com Deus, muitas pessoas temem alvitar o Todo-Poderoso se admitirem o lado ‘desmazelado’ na prece. Mas ela é o que é, com verrugas e tudo, e acredito que devemos entrar num acordo com ela, respeitando seu lado positivo e seu lado negativo. Reconhecer o potencial da prece para o mal não anula seu poder para o bem, que continua sendo imenso.
Não devemos ter medo de aviltar o Todo-Poderoso ao reconhecer que a prece tem um lado escuro. É verdade que louvar o Absoluto é uma das funções mais reconhecidas da prece, mas é impossível que o Todo-Poderoso precise dela. E a prece – assim como o Todo-Poderoso – é tão grandiosa que sobrevive aos elementos negativos que contém. Seja como for, “honrar” o Absoluto por intermédio da prece é como iluminar o Sol com uma lanterna: pouco acrescenta ao brilho do Sol e gasta as pilhas. Não precisamos ajudar o Todo-Poderoso; ele é totalmente capaz de enfrentar sem a nossa ajuda os desafios colocados pelas complexidades da prece.
Mesmo assim, reconhecer que podemos causar o dano pela prece cria um tremendo mal-estar: não é agradável encarar os próprios demônios. Mas o risco está em negar a capacidade de fazer o mal através de pensamentos e preces.Ignorando o potencial negativo da prece, não diminuímos o dano que causamos e continuamos sendo vitimas em potencial.
REPRIMIR A SOMBRA – é assim que os psicanalistas chamam essa recusa em contemplar o lado negativo da vida, essa tendência para banir as más qualidades indesejáveis para os cantos inconscientes da mente. Para crescer no nível psicológico e espiritual, precisamos resgatar o lado escuro do EU. Como afirmou C.G.Jung, a pessoa plena é aquela que andou com Deus e lutou com o Diabo.
Mas muitos temem um enfrentamento com o diabo. Por exemplo: enquanto escrevia este texto, recebia vários conselhos de amigos, que achavam insensato discutir publicamente o lado negativo da prece. Segundo eles, isso poderia acabar incentivando o uso destrutivo da prece e provocar uma epidemia de mal.
Apesar dessas preocupações, estou convencido de que a pior opção é negar o lado escuro da prece. Não estamos “introduzindo” preces negativas e maldições. Esses fenômenos existem desde tempos imemoriais. Assim, é quase certo que já desenvolvemos formas de proteção contra pensamentos negativos – uma espécie de “sistema imunológico espiritual” que equivale ao sistema imunológico que nos defende das infecções. É provável que esses mecanismos de proteção façam parte de nossa biologia, operando independentemente da consciência, sempre que precisamos deles.
Mas, em situações extremas, esses mecanismos de proteção, assim como o sistema imunológico, podem ser sub-jugados, precisando de reforço. Assim, ao longo da história, surgiram métodos para desenvolver essa poteção – diferentes rituais,contrapreces, afirmações e outras coisas. Há outra salvaguarda natural contra preces e intenções negativas. A maioria das pessoas que usa a prece para prejudicar os outros está fadada ao fracasso pela própria inaptidão. Na verdade, geralmente criam um risco maior para si mesmas do que para os outros; é do conhecimento geral que esses esforços malevolentes costumam sair pela culatra e prejudicar o praticante em vez da presa.
Não acredito que uma discussão franca sobre a prece negativa popularize seu uso e espalhe uma epidemia de mal. A prece negativa já é preponderante. Ela existe no pano de fundo do cotidiano, como um zumbido despercebido. Provavelmente esse ruído sempre teve a mesma intensidade.
Como um imã, a prece tem pólos positivo e negativo. Como o fogo, ela pode ser usada para o bem ou para o mal. Por 2 mil anosenfatizamos o lado “luminoso” da prece. Agora devemos explorar seu negligenciado lado sombrio.
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Nota: [*] O texto aqui apresentado é um excerto da introdução do livro Cuidado com o que Você Pede nas Suas Orações...Voce Pode Ser Atendido! De Larry Dossey, lançado pela Editora Cultrix. Tradução: Carlos A.L.Salum e Ana Lucia Franco.
23 de nov. de 2009
PRECES NEGATIVAS_O LADO SOMBRIO DAS ORAÇÕES
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