18 de abr. de 2010

A Vida e a Essência dos Cristais


A formação dos cristais vem intrigando e fascinando as pessoas desde os primeiros sinais de percepção que experimentaram, e de certa forma expressa o mistério do desabrochar da mente. Nossa mente luta por despertar mais completamente à luz da consciência plena ou cósmica. No transcorrer desse denodado esforço, os poderes subconscientes que forma a nossa natureza humana, ou mente, são atraídos para forças semelhantes que fazem parte da natureza. Contudo, sem a poesia da experiência, do poder da observação analógica e do espírito buscador, o nascimento criativo de nosso EU mais profundo e transparente não possui o veículo nem a semente capaz de gerar um novo crescimento e uma nova vitalidade. A formação ou crescimento dos cristais, tal como o crescimento das pessoas, merece uma intensa concentração, contemplação e meditação de nossa parte. Os místicos e poetas nos afirmam que a ciência da ‘cristalografia’ revela princípios da natureza, princípios que, sendo universais, agem em nós mesmos como agem no mundo que nos cerca.

Em termos de evolução, quando uma legião de moléculas agrupadas sofrem uma mutação inicial em direção àquilo que é em geral considerado vida, essa mutação aparece inicialmente como uma intensificação de atração ou viscosidade, uma qualidade familiar de estabilidade. A operação do principio de atração-repulsão é o principio da ordem essencial à vida.

Mas que forma toma essa viscosidade vital ao se dirigir para a estabilidade e à ordem? Como, exatamente, as moléculas se colocam?

A resposta é que elas começam a se alinhar, a se posicionar, formando filas, camadas, treliças. Em resumo, elas se cristalizam, pois o cristal é, em sua essência, uma estrutura organizada. Por este motivo, o cristal é a estrutura básica da vida, da ordem e a razão pela qual os elementos sólidos organizados, da pedra, da madeira, dos músculos e ossos, podem ser descritos como cristais.

O que dá aos cristais e sua organização seu potencial vital, seu curioso elo com a vida? Sendo o cristal mais frio, mais tranqüilo e mais em repouso que um liquido ou gás, por que então não é menos vivo?


Afinal de contas, a latência e a inércia são mais ou menos sinônimas. Provavelmente existe um fator de relatividade neste paradoxo, uma espécie de ajuste dimensional entre ordem e movimento, com a vida exigindo, ao mesmo tempo, suficiente ordem para organizar seu movimento e suficiente movimento para desenvolver e mover sua ordem. Esta não é uma questão fácil, pois aparentemente ninguém sabe por que os átomos aceitam disposições ordenadas.

Possivelmente, cargas positivas e negativas inerentes, localizadas em várias regiões de átomos, atraem e repelem átomos próximos de um modo tal qual que grupos de átomos simplesmente se ajustam melhor naquela forma. Como se fossem vivos, eles parecem sentir-se mais confortáveis quando estão em ordem, especialmente quando a pressão externa, a seca ou temperatura muito baixas os forçam a formar uma massa densa. Em algumas situações, uma ordem desse tipo pode significar a diferença entre a vida e morte, demonstrando de forma dramática sua qualidade prometéica. Entretanto, existem inúmeras classes de ordem e ordem parcial. Para podermos compreender os cristais e a vida precisamos conhecê-los melhor. Tenhamos em mente que isto não é tão simples quanto estudar a desordem. Estudar a desordem geralmente significa examinar gases e líquidos que praticamente não têm estrutura ou forma. Além disto, há muitas espécies de ordem que não estão baseadas em padrões repetidos e uniformes. Por esta razão, não se qualificam integralmente como cristalinas; presumivelmente, isto quer dizer que, em grau idêntico, não são apropriadas para servirem de material de construção da vida.

Quando chegamos finalmente à ordem viável dos cristais com seus padrões repetidos, as variedades nos parecem não apenas infindáveis mas literalmente multiplicadas ainda mais por impurezas, por ‘doenças’ contagiosas, por microbolhas, por misturas de diferentes substâncias e por inevitáveis descontinuidades que se insinuam nos sistemas de cristais, mesmo na forma de substância pura, sem misturas. O enfoque biológico sobre a complexidade dos cristais seria lembrarmo-nos de que os cristais estão hoje classificados em cerca de 1.500 ‘espécies’.

Cada uma dessas espécies tem uma forma característica que representa apenas a expressão externas de um arranjo interno [quase que genérico], altamente organizado, de sextilhões de átomos que são diferentes para cada elemento ou composto que formam. O tráfego e a balbúrdia que ocorrem são sugeridos por um cálculo recente o qual revela que um cubo cristalino de um milímetro de espessura tem cerca de um quintilhão de ‘níveis’ de energia, ocupados pelos elétrons de valência de seus átomos constituintes, formando um continuum. Além disto, qualquer faceta deste cristal cresce à razão aparentemente lenta de dois milímetros por dia, sendo que em média uma centena de camadas de moléculas deve ser precisamente colocada em sua superfície a cada segundo, cada camada compreendendo cerca de dez milhões de átomos exatamente arrumados.

Não é de surpreender que neste microtufão, que espalha um bilhão de átomos por segundo, alguns deles [ou alguns poucos milhões deles] deixem de encontrar seu nicho apropriado, formando então espaços vazios ou bolhas, nem que partículas alienígenas se insinuem entre eles, ocupando lugar dos que estão ausentes ou simplesmente se introduzindo nos interstícios desocupados. Quanto às áreas de descontinuidade entre dois cristais orientados de maneira diferente mas do mesmo material, essas zonas fronteiriças são hoje classificadas como defeitos cristalinos. Uma curiosa característica desses defeitos cristalinos é que as camadas de átomos envolvidos no processo mostram sinais [seus movimentos errantes] de não saberem com certeza a qual ‘cristal’ pertencem. Este fenômeno estranho, quase que mental, aparentemente ocupa um dos veios internos da vida onde nasce o ‘indeterminismo’ em meio ao ‘determinismo’, e onde o ‘livre-arbítrio’ surge da pétrea resignação ao destino.

De um modo simbólico, o crescimento dos cristais ilustra a natureza organizada dos processos de crescimento e desenvolvimento de todos os tipos. Surgem hiatos no crescimento de nossa mente e de nossas relações humanas, tal como ocorre no crescimento dos cristais,em que o desenvolvimento ou evolução nem sempre ocorre de modo compassado, ordenado e cadenciado. Esses hiatos podem ser considerados como uma falta ou não-integralidade que evoca em nós um intenso desejo por conforto e unificação. Assim como ocorre com os cristais, esse desejo pode ser a fonte de força vital criativa para a consecução de uma nova evolução de forma e de caráter.
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[Texto de George f. Buletza]

Fantasia Prática _ A Verdadeira Chave das Portas da Alma


Havia, em certa época, grande respeito pelos ‘tecedores de histórias’ natos. Mas, em nosso elogiável e prático progresso visando o domínio do nosso ambiente mundano, creditamos aos ‘tecedores de histórias’ um respeito intelectual não muito maior do que o que creditamos ao piloto que imprudentemente permite que seu avião entre em parafuso. Apesar disto, será que pode haver um lugar legítimo e uma utilidade prática em nossa vida para fantasias de ocasionais tecituras de pensamentos ‘autônomos’? Como uma teia de aranha que atrai gotas de orvalho coloridas, a fantasia tradicional pode formar uma teia capaz de captar um mundo interior em que duendes e fadas – a ’gente miúda’ – podem viver uma existência significativa através de nós.

‘Fantasia’ é um termo mais respeitoso para ‘sonhar acordado’, embora todos saibamos o quanto improdutivos podem ser esses sonhos e devaneios. Aprendemos também, desde crianças, que só se entregam a este passatempo aparentemente inútil pessoas de mentalidade infantil ou os menos afortunados de intelecto inferior.

É verdade que, em sua maior parte, os seres humanos tendem a ser mentalmente preguiçosos. É bem mais fácil deixarmos para o dia seguinte o que podemos fazer hoje. Por isso é preciso que se nos lembrem de dirigirmos nossos pensamentos positivamente, para que os concretizemos criativamente pois, com efeito, tornamo-nos aquilo que pensamos.

Contudo, na luta que travamos contra as nossas naturais características de indolência e protelação, devemos cuidar para que não nos descartemos de nossa ‘criança fantasiosa’ com um ‘não-prático banho de água fria’. Devemos apreciar criteriosamente nossa capacidade natural de devaneio e fantasia, permitindo-lhe enriquecer nossa vida de labuta diária que, caso contrário, torna-se insípida. Vista sob este ângulo, a fantasia pode transformar-se em imaginação, atributo mental que sempre merece nosso respeito. Não obstante, devemos admitir que mesmo usada construtivamente a fantasia é de fato uma estranha esposa casada com o intelecto objetivo, mas este casamento alquímico pode ocorrer por uma porta de fantasia que dá acesso à terra do visível bem e mal dos contos de fadas.

CONTOS DE FADAS
Na maior parte da primeira metade do século vinte, época em que a ‘psicanálise’ tornou-se popular, o interesse por contos de fadas era considerado um estágio mental que o homem intelectualmente culto havia deixado para trás juntamente com a Era Vitoriana. Muitos pais de então concluíram que os contos de fadas exercem influência desnecessária e indesejável sobre seus filhos. Esses pais, algo preocupados, não desejavam atemorizar seus pequeninos com contos que encerravam horrores medonhos, nem desejavam alimentar as já naturais capacidades de seus filhos para criar fantasias e ‘inventar histórias’ que não pudessem ser provadas pela realidade diária. Implícita nessas admoestações havia a sutil insinuação de que ‘contar histórias’, como as ‘mentirinhas inocentes’, não era próprio de crianças ‘boazinhas’. E alguns adultos, indevidamente influenciados pelas primitivas descobertas da Psicologia, pensaram que essas histórias de regiões imaginárias apenas acentuavam a já selvagem e bárbara natureza de seus filhos.

Devido a que as histórias de fadas falam a própria linguagem simbólica da criança, despertam em sua mente infantil a confiança que lhe permite alcançar objetivos de um ainda desconhecido mundo do gigante adulto. Como adultos talvez pensemos que a fantasia é coisa infantil e ingênua. Mas será também inútil e não-prática? A criança indefesa precisa da esperança reconfortante de que ela pode [e d que vai de fato] conquistar o desconhecido [para a criança] mundo da realidade do adulto. Ela precisa que lhe ensinem a alcançar isto numa linguagem com que pode se identificar e compreender. Caso contrário, ela pode desejar permanecer num estágio mais primitivo, resistindo às forças que procuram fazê-la adaptar-se às responsabilidades que a civilização moderna espera de seus cidadãos adultos.

Ornitólogos têm documentado evidências de que pássaros criados m total isolamento, sem nenhum contato com pássaros adultos, passarão a assobiar um tipo de melodia muito primitiva dos da sua espécie. Do mesmo modo, uma criança que tenha sido criada sem o conhecimento reconfortante das ‘histórias de fadas’ viverá um conto de fadas primitivo pessoal. Por conseguinte, como o pássaro isolado, esta criança dificilmente sra capaz de alcançar na idade adulta o refinamento que alcança a pessoa que na infância teve contato com os exemplos contidos nos contos de fada. Essas maravilhosas histórias infantis nos ensinam a linguagem simbólica de nossa herança interior. Precisamos, a cada nova vida, renovar nosso contato com essas histórias para que reafirmemos e cumpramos criativamente nossa herança evolutiva como adultos.

Do mesmo modo que os contos de fada ajudam a criança a se ajustar a um mundo terrível e desconhecido da realidade do adulto, a relígio-mitologia pode auxiliar o adulto amadurecido a se ajustar a uma igualmente terrível existência de além transição.

A título de exemplo, ‘O Livro Egípcio dos Mortos’ aponta um dedo de esperança para a vida após a morte. As imagens simbólicas contidas nesses Mistérios de Osíris esboçam o desmembramento do deus morto e a coleta das diferentes partes do seu corpo pela deusa Ísis, como irmã, esposa e mãe, ocasiona a eterna renovação da vida através de Hórus, filho seu e de Osíris.

Com o ultimo período de nossa vida terrena advém o tempo em que devemos começar a escrever nosso ‘Mahabharata’ individual. Em outras palavras, podemos começar pela emulação do venerado deus hindu ‘Ganesa’*. Ao tomarmos indiviso interesse no registro acurado dos acontecimentos interiores e exteriores de nossa vida individual, dissecando então suas diferentes partes, podemos reuni-los todos em nossa maturidade, vivenciando assim o significado pleno que reside além da diversidade de nosso curto período de vida. Mas, como a criança que distingue a fantasia da realidade que irá viver no estágio seguinte de sua vida, o adulto pode fazer uso prático de uma verdadeira ‘chave mitológica’ que o ajudará a abrir as portas de um mundo transcendental, liberando a silente melodia que é a Alma.

Entretanto, dos anos setenta para cá, eminentes autoridades, como o Dr Bruno Bettleheim, conhecido psicólogo freudiano infantil, estão apresentando alguns fatos contrastantes sobre a relação que existe entre os contos de fadas e a adaptação da criança ao seu ambiente familiar e mundano. Assim é que o conto de fadas está assumindo um papel importante e adequado no ensino infantil. De acordo com o Dr. Bettleheim, há evidências suficientes que apóiam sua TEORIA de que a criança automaticamente elaborará fantasias primitivas sobre algum objeto inanimado do seu ambiente se não leu ou ouviu os clássicos contos de fadas.

Os adultos que em criança foram privados dos contos de fadas tradicionais tendem a ser mais inseguros. Muitos inclusive parecem suscetíveis a mais aflições mentais e sociais que os que tiveram contato com os contos de fadas em infância. Por outro lado, a criança a quem ensinaram a pôr ordem em seu ‘modo caótico’ de travar contato com as experiências do mundo [pela imaginação ou aprendizado do natural processo de mudanças dos exemplos unidimensionais contidos nas fantasias dos contos de fadas] parece comparativamente menos insegura sobre sua vida interior, tanto na infância quanto na maturidade. Com certa surpresa, crianças assim tornam-se mais motivadas a se adaptarem à vida no mundo da verdadeira maturidade. Isto certamente é o reverso do anterior ponto de vista: de que os contos de fadas são nocivos ou, na melhor das hipóteses, inúteis.

Certa dose de contos de fadas, de acordo com o Dr. Bettleheim, ajuda a criança a enfrentar um mundo desconhecido, a realidade do mundo adulto que para ela é muito mais atemorizante do que o mundo de fantasia no qual ela se sente bem mais em casa. O Dr. Bettlheim constatou também que a criança mentalmente sadia tem muita consciência das diferenças que existem entre a verdade do cotidiano a fantasia porque ‘intuitivamente ela compreende que embora os contos de fadas sejam irreais, não são inverídicos’ para sua compreensão.

Em muitos contos de fadas o herói ou a heroína é a criança enjeitada, a menor, a mais nova, algumas vezes portando alguma deficiência física – um personagem absolutamente insignificante que, apesar de tudo isto, enfrenta os muitos testes e tribulações até que finalmente alcança seu objetivo tão almejado. Esses contos possibilitam que nós, como crianças ‘mentalmente orfanadas’, nos identifiquemos com alguém que também é um ‘patinho feio’, ou com uma bela criança deixada aos cuidados de um padrasto ou madrasta cruel.

Mas os contos de fadas também mostram à criança que no fim tudo dá certo se o herói [com quem a criança se identifica] perseverar e mantiver uma atitude de confiança amorosa. Embora muitas vezes fraco, tendo bom coração, o herói [ou a heroína] recebe a informação e o auxílio necessários de animais como pássaros, cobras, e insetos, bem como de fantásticas criaturas do reino vegetal e mineral.

Desafios e recompensas estão sempre sendo proporcionados pela ‘gente miúda’ – magos, feiticeiras, duendes e fadas. Com a ajuda recebida, o herói ou a heroína alcança seu objetivo e retorna para viver ‘feliz para sempre’.
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[Texto de June Schaa]
*Notas: O Mahabharata é um poema épico hindu de quase 100.000 dísticos, no qual está contido o conhecido Bhagavad Gita. A mitologia hindu atribui a autoria deste poema a Ganesa, deus das Letras e do Aprendizado.