9 de abr. de 2011

Spinoza_Religião e Imortalidade

Como nós a vemos, a filosofia de Spinoza foi uma tentativa de amor num mundo que o transformara num solitário proscrito; de novo, como Job, personificava ele o seu povo e perguntava a si próprio como podia ser justo, assim como o povo eleito, sofrer perseguição e exílio. Por algum tempo o conceito do mundo como processo de leis invariáveis e impessoais lhe bastou e o consolou; no fim, porém, o seu espírito essencialmente religioso transfez esse frio processo em algo amável. Experimentou fundir seus próprios desejos com a ordem universal das coisas e tornar-se parte quase indiscernível da natureza. “O maior dos bens é o conhecimento da união do espírito com a natureza inteira” [*De Emendatione]. Realmente, nossa separação individual é uma sensação ilusória; somos parte da grande corrente de lei e causa, parte de Deus; somos formas passageiras e perecíveis de um ser maior e sem fim. Nossos corpos não passam de células do corpo da raça; nossa raça, um incidente um drama da vida; nosso espírito, faísca da luz eterna. “Nosso espírito é um eterno de pensamento, determinado por outro modo de pensamento, que por sua vez se determina por outro e assim até ao infinito; e todos simultaneamente constituem o eterno e infinito intelecto de Deus. Nesta panteistica fusão do individuo com o Todo fala de novo o Oriente: ouvimos o eco de Omar, que “nunca chamou dois ao Um”, e recordamo-nos do velho poema da Índia: ”Reconhece em ti e no Todo uma mesma alma; bane o sonho de que és parte autônoma”.  “As vezes, diz Thoreau, quando vagueio no Walden Pond, cesso de viver para ser”.

Como parte de tal todos somos imortais. “O espírito humano absolutamente não pode ser destruído com o corpo; parte dele permanece eterna”, a parte que concebe as coisas sub specie eternitatis; mais concebemos desse modo as coisas, mais eterno é o nosso pensamento. Spinoza é ainda mais obscuro aqui do que em qualquer outra parte; após infindável controvérsia entre seus comentadores, suas palavras ainda falam diversamente a cérebros diversos. Imaninamo-lo as vezes a significar com essas palavras a idéia de George Eliot sobre a imortalidade pela reputação, isto é, que o que em nosso pensamento e em nossa vida há de mais racional e belo nos sobreviverá para exercer uma influencia indefinida para o diante. Spinoza as vezes parece ter em mente uma imortalidade individual ou pessoal; e pode ser que, como a morte o ameaçasse muito cedo, haurisse consolação na esperança que brilha eterna nos corações humanos. Insistentemente, todavia, distingue eternidade de duração. “Se dermos tento a opinião comum dos homens, os veremos todos conscientes da eternidade do espírito; as confundem eternidade com duração, e atribuem a imaginação ou memória o que julgam que durará depois da morte”. Mas, como Aristóteles, embora falando de imortalidade, Spinoza nega a sobrevivência da memória pessoal. “O espírito não pode imaginar nem recordar-se de qualquer coisa senão quando está no corpo”. Nem crê em recompensas celestiais: “Estão muito longe da virtude os que para ela esperam o galardão de Deus como a maior das recompensas; como se a virtude e o servir a Deus não fossem a felicidade em si”. “Bem-aventurança não é a recompensa da virtude, mas a virtude em si”. E talvez do mesmo modo a imortalidade não é a recompensa do alto pensamento, e sim o alto pensamento em si, que desse modo traz o passado ao presente e leva este ao futuro, superando os limites do tempo, e apreendendo a perspectiva que permanece eterna atrás das mudanças caleidoscopicas; tal pensamento é imortal porque cada verdade é uma criação permanente, parte de uma aquisição eterna do homem e que o influencia indefinidamente.

Com esta observação final termina Spinoza sua Ética. Raras vezes um livro acumulou tanto pensamento e provocou tantos comentários, permanecendo ainda hoje campo de batalha para interpretações hostis. Sua metafísica pode ser deficiente; sua psicologia, imperfeita; sua teologia, insatisfatória e obscura; mas da alma desse livro, do seu espírito, nenhum homem falará sem reverencia. No ultimo parágrafo esse espírito brilha luminoso:

*Completo assim a exposição do que pretendi mostrar no relativo ao poder do espírito sobre as emoções, ou liberdade do espírito, do qual ressalta quanto o homem sábio está na frente e quanto mais forte é ele que o ignorante, apenas guiado por apetites. Porque o ignorante, além de ser agitado de muitas maneiras por causas externas, jamais goza verdadeira satisfação de espírito; vive na quase inconsciência de si próprio, de Deus e das coisas, e logo que cessa de ser passivo cessa de ser. O sábio, ao contrário, tem consciência de si, de Deus e das coisas; nunca cessa de ser e goza sempre de satisfação de espírito. Se o caminho que mostrei é difícil, pode no entanto ser descoberto. E na realidade deve ser muito áspero já que não é raramente perlustrado. Todas as coisas excelentes são difíceis e raras.

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