3 de jul. de 2011

Henri Bergson_Consideração Final

“Creio”, diz Bergson, “que o tempo consumido em refutação de filosofia é usualmente tempo perdido. Dos muitos ataques dirigidos pelos pensadores uns contra os outros, que fica? Nada ou quase nada. O que conta e perdura é a parcela de verdade com que cada qual contribui. A coisa verdadeira é em si hábil para deslocar a idéia errônea e tornar-se por si mesma a melhor refutação, sem que tenhamos de nos dar a esse trabalho”. Isto é a voz da própria sabedoria. Quando “provamos” ou “des-provamos” uma filosofia, estamos simplesmente apresentando outra, que, como a criticada, é um falaz produto da experiência e da esperança. A medida que as experiências se dilatam e as esperanças mudam, encontramos mais “verdade” nas “falsidades” que denunciamos e talvez mais falsidades nas nossas verdades de moços. Quando nos erguemos nas asas da rebelião atiramo-nos ao determinismo e ao mecanismo porque os achamos cínicos e diabólicos; mas quando a morte se deixa entrever perto procuramos ver para além dessas filosofias. A filosofia está A filosofia está em função da idade. Não obstante...

O que primeiro impressiona em Bergson é o estilo; brilhante, sem o fogo de artifício do paradoxo nietzscheano – brilho firme, continuo, do homem que se propõe a manter as tradições da prosa francesa. Se ocasionalmente se mostra obscuro é em conseqüência do rico derrame das suas imagens, suas analogias e ilustrações; ele tem um prazer quase semita pela metáfora e muitas vezes substitui a prova paciente pelo sorriso engenhoso. Temos de nos conservar em guarda contra o seu poder imaginativo, tal se estivéssemos diante de uma vitrina de jóias, embora reconhecendo com alegria que a sua Evolução Criadora constitui a primeira obra da literatura filosófica do nosso século.

Talvez Bergson fosse mais sábio se baseasse a sua critica do intelecto em mais larga inteligência em vez de nos acasos da intuição. A intuição introspectiva é tão falível como os sentidos; tudo tem de ser provado e corrigido pela prova, pela matéria de fato; Bergson presume demais supondo que o intelecto apreende unicamente os estados e não o fluxo da realidade e da vida; pensamento é uma corrente de idéias transitivias, como James mostrou; “idéias” são meramente pontos que a memória escolhe na caudal do pensamento; e a corrente mental adequadamente reflete a continuidade de percepção e o movimento da vida.

Foi algo saudável que este eloqüente desfio enfrentasse o excesso de intelectualismo; mas é tão pouco sábio oferecer a intuição no lugar do pensamento como querer corrigir as fantasias da mocidade com os contos de fadas da infância. Corrijamos nossos erros para a frente, não para trás. Dizer que o mundo sofre de muito intelecto é coisa que requer a coragem do louco. O protesto romântico versus pensamento, de Rousseau e Chateaubriand a Bergson, Nietzsche e James, já operou o seu trabalho; concordamos em destronar a Deusa Razão, se não formos convidados a reacender os círios diante do ídolo da Intuição. O homem existe por instinto, mas progride pela inteligência.

O que há de melhor em Bergson é o seu ataque contra o materialismo mecanicista. Nossos bonzos de laboratórios tornaram-se demasiado confiantes em suas categorias e pensaram em meter todos os cosmos dentro de suas retortas. O materialismo é como uma gramática que só reconhece nomes; mas a realidade, como a língua, tanto contem ação como objetos; verbos tanto quanto substantivos; vida e movimento tanto quanto matéria. Podemos compreender, talvez, uma memória molecular, como a “fadiga” no aço muito trabalhado, mas previsão molecular, idealismo molecular? Houvesse Bergson enfrentado estes novos dogmas com um ceticismo saneador seria um pouco menos construtivo mas menos vulnerável a critica. Suas duvidas fundem-se quando seu sistema começa a formar-se: ele nunca cessa de indagar o que é a “matéria”; se não será menos inerte do que supomos; se pode ser, não a inimiga, mas a serviçal da vida se a vida conhecesse seu espírito. Bergson pensa do mundo e do espírito, do corpo e da alma, da matéria e da vida como coisas hostis umas as outras; mas a matéria e o corpo e o “mundo” são meramente materiais que esperam ser formados pela inteligência e vontade. E quem sabe se essas coisas não são também formadas de vida e presságios do espírito? Talvez até aqui, como Heráclito dizia, haja deuses.

A critica de Bergson ao darwinismo decorre naturalmente do seu vitalismo. Ele segue a tradição francesa estabelecida por Lamarck e vê impulso e desejo como forças ativas em evolução; seu temperamento místico rejeita a concepção spenceriana de uma evolução engenheirada inteiramente pela integração mecânica da matéria e dissipação do movimento; a vida é uma força positiva, um esforço que constrói seus órgãos através da persistência do seus desejos. Temos de admirar a profundidade da preparação de  Bergson em biologia, sua familiaridade com a literatura e ainda com o movimento cientifico que se reflete nas revistas. Bergson nos dá a sua erudição modestamente e nunca com a dignidade majestática que pesa nas paginas de Spencer. E afinal de contas o seu criticismo mostrou-se efetivo quanto a  Darwin, cuja teoria, na parte espeficicamente darwiniana, vai sendo gradualmente abandonada [*Os argumentos de Bergson, entretanto, não são inexpugnáveis. O aparecimento de efeitos similares (como sexo ou vista) em diferentes linhas pode ser a resultante mecânica de exigências de meio-ambiente similares; e muitas das dificuldades do darwinismo encontrariam uma solução se posteriores pesquisas justificassem a crença de Darwin na transmissão parcial de caracteres repetidamente adquiridos em sucessivas gerações].

De muitos modos a relação de Bergson para a era de Darwin se assemelha a relação de Kant para a era de Volteire. Kant lutou para repelir a grande onda secular do intelectualismo começado com Bacon e Descartes e desfechado no ceticismo de Hume e Diderot; e seus esforço tomou o caminho de negar a finalidade do intelecto no campo dos problemas transcendentais. Mas Darwin, inconscientemente, e Spencer, conscientemente, renovaram os assaltos que Voltaire e seus seguidores haviam dirigido conta a antiga fé; e o materialismo mecanista, que havia cedido diante de Kant e Schopenhauer, ganhou de novo toda a força no começo do nosso século. Bergson atacou-o, não com a critica kantiana do conhecimento, nem com a proposição idealística de que a matéria é conhecida apenas por meio do espírito; mas seguindo a chefia de Schopenhauer e procurando, tanto no mundo objetivo como no subjetivo, um principio energético, uma entelequia ativa que pudesse ser mais compreensível que os milagres e sutilezas da vida.  Nunca o vitalismo foi tão bem fundamento, nem tão atrativamente vestido.

Bergson conquistou rápida popularidade porque vinha em socorro das esperanças que ardem eternamente no peito humano. Quando as criaturas descobrem que podem crer na imortalidade e na deidade sem perder o respeito a filosofia, mostram-se agradecidas; e a sala de lições de Bergson se viu cheia de esplendidas damas, felizes de verem as esperanças dos seus corações animadas por tão erudita eloqüência. De mistura com elas estavam os ardentes sindicalistas que na critica de Bergson ao intelectualismo encontraram a justificação do seu evangelho de “menos pensamento e mais ação”. Mas esta rápida popularidade teve o seu preço – e Bergson compartilhou do fado de Spencer, vivendo bastante para assistir em vida ao crepúsculo da sua reputação.

Não obstante, de todas as modernas contribuições para a filosofia é a de Bergson a mais preciosa. Necessitávamos da sua ênfase sobre a ilusória contingência das coisas e a remodeladora atividade do espírito. Andavamos perto de pensar do mundo como uma acabada e predeterminada feira de amostras na qual nossa iniciativa era uma ilusão e nossos esforços um divertimento dos deuses; depois de Bergson começamos a ver o mundo como o palco e o material dos nossos poderes criadores. Antes dele éramos mancais e rodas de uma vasta maquina sem vida; agora já podemos escrever as nossas partes no drama sem fim da criação.            

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