19 de jul. de 2011

George Santayana_Razão na Sociedade

O grande problema da filosofia é descobrir um meio de persuadir o homem a virtude sem o recurso aos terrores e esperanças sobrenaturais. Teoricamente foi este problema resolvido duas vezes; tanto em Sócrates como em Spinoza aparece um perfeito sistema de ética racional. Se os homens pudessem ser amoldados a essas filosofias, tudo estaria resolvido. Mas “uma verdadeira moralidade ou um verdadeiro regime social racional nunca existiram no mundo, e é difícil de lhe concebermos a possibilidade; permanecem um luxo de filósofos. “Um filosofo tem um céu em si, do qual, suspeito a bem-aventurança o seguirá em outras vidas...é um símbolo poético; tem prazer na verdade e uma igual presteza para gozar a cena ou abandoná-la [embora se observe nos filósofos uma teimosa longevidade]. Para o resto de nós a alameda do desenvolvimento moral deve estar, no futuro, como o foi no passado, no crescimento das emoções sociais que florescem na generosa atmosfera do amor e do lar”.

È verdade, como argüiu Schopenhauer, que o amor constitui decepção que a raça arma ao individuo; que “nove décimos das causas do amor estão no amante e apenas um décimo no objeto amado”; e que o amor “funde novamente a alma no cego fluxo impessoal”. Não obstante, o amor tem suas recompensas; e no sacrifício máximo encontra o homem o seu mais feliz momento. “Em seu leito de morte Laplace murmurou que a ciência era uma bagatela e que nada havia de real fora do amor”.  Mas apesar de tudo,o amor romântico, com tas as suas ilusões poéticas, desfecha normalmente em um parentesco – de pai e filho – muito mais satisfatório para os instintos do que a segurança do celibato. Os filhos soa a nossa imortalidade de boa vontade o borrão manuscrito das nossas vidas as chamas devoradoras quando vemos o texto imortal duplicado em mais uma bela cópia”.

A família é a via da perpetuidade humana e por isso constitui a instituição básica entre os homens; e manter-se-á mesmo quando todas as outras instituições venham a desaparecer. Mas essa via é estreita para a civilização; ulterior desenvolvimento pede um sistema mais amplo e mais complexo, no qual a família cesse de ser uma unidade produtiva, perca o controle sobre as relações econômicas dos seus membros e tenha a sua autoridade e os seus poderes mais e mais controlados pelo estado. O estado pode ser um monstro, como queria Nietzsche; um monstro de desnecessário vulto; mas a sua tirania centralizada tem a virtude de abolir a miscelanea de inumeráveis pequeninas tiranias que outrora atenazavam e confinavam a vida. Um pirata único, que calmamente arrecada tributos, é preferível a cem piratas que os exijam sem aviso e sem limitação. 

Dai, em parte, o patriotismo do povo; o povo sabe que o preço pago pelo  governo é mais baixo do que lhe custaria o caos. Santayana indaga se tal patriotismo não traz mais mal que bem,visto que sua tendência é para apor o estigma da deslealdade sobre todos que advogam mudanças. “Amar um país, a não ser que esse amor seja cego e não-ativo, envolve uma distinção entre as condições atuais do país e o seu ideal inerente; e por sua vez esta distinção envolve uma necessidade de mudanças”. Por outro lado, o patriotismo racial é indispensável. “Algumas raças são obviamente superiores a outras. Um mais perfeito ajustamento as condições da existência dá-lhes espírito de vitória, escopo e uma relativa estabilidade”. Em conseqüência, a mistura com outras raças se torna perigosa, exceto se forem de reconhecida igualdade e estabilidade. “Os judeus, os gregos, os romanos, os ingleses nunca foram tão grandes como quando defrontavam outros povos, reagiam contra eles e ao mesmo tempo lhes adotavam a cultura; mas esta grandeza desaparece sempre que o contato chega a amalgamação”.

O grande mal do estado está na sua tendência para tornar-se maquina de guerra, ou punho hostil erguido contra o rosto de povos supostamente inferiores. Santayana estabelece que nenhum povo jamais ganhou uma guerra.

*Onde partidos e governos são maus, como tem acontecido em muitas épocas e países, não há nenhuma diferença pratica, para a comunidade, em que o seu exercito ou o do inimigo saia vitorioso da guerra...Em ambos os casos os cidadãos continuarão a pagar as taxas máximas e a sofrer nos seus interesses privados o Maximo de vexação e desleixo. Não obstante...os oprimidos exultam com patriótico ardor e insultam como mortos para o dever e para a honra os que apontam a calamidade de um governo que não atende ao interesse publico.

Isto é linguagem forte para um filosofo, mas queremos aqui dar Satayana como ele é, não expurgado. Freqüentemente, diz ele, a conquista e absorção por um estado maior é passo a frente para a organização e pacificação do gênero humano; seria um grande negocio para o mundo se ele fosse governado por um só poder ou um grupo de poderes, como já em grande parte sucedeu, primeiro pela espada e depois pela palavra de Roma.

*A ordem universal já uma vez sonhada e nominalmente quase estabelecida e o império da paz universal, não são tidos em conta hoje...Aquelas escuras idades das quais a nossa pratica política deriva, produziram uma teoria política que devíamos estudar; a teoria do império universal sob a igreja católica foi por sua vez o eco de uma anterior idade de razão, quando, uns poucos homens conscientes do governar o mundo procuravam vê-lo qual um todo e dirigi-lo com justiça.

Talvez o desenvolvimento dos esportes internacionais possa dar vazão ao espírito de rivalidade entre os grupos e de algum modo servir como o “equivalente moral da guerra”; e talvez a inversão internacional dos capitais consiga contra-bater a tendência para choques armados em vista da disputa de mercados. Santayana não se mostra tão seduzido pela industria como Spencer; conhece-lhe tanto o lado pacifista como o militarista, e sente-se mais à vontade na atmosfera de uma antiga aristocracia do que no turbilhão da metrópole moderna. Produzimos demais e sentimo-nos afogados pelas coisas que fazemos; “as coisas estão na sela e cavalgam o gênero humano”, como disse Emerson. Em um mundo composto inteiramente de filósofos, uma hora ou duas de trabalho manual produziria todo o preciso para todas as necessidades materiais. A Inglaterra mostra-se mais sabia que a América; porque embora também esteja obsecada  pela mania de produção, pelo menos uma parte do seu povo compreende o valor das artes e do ócio.

Santayana pensa que a cultura, como o mundo a tem conhecido, é sempre um produto das aristocracias.

* A civilização tem até aqui consistido na difusão e diluição de hábitos originados nos centros privilegiados. Esses hábitos não procedem do povo; surgem dentro dele por meio de uma variação e são depois impostos de cima para baixo...Um estado composto exclusivamente de operários e camponeses seria um estado profundamente bárbaro. Todas as tradições liberais pereceriam; e igualmente a própria essência racional e histórica do patriotismo. A emoção desse patriotismo perduraria, sem duvida, porque não é  generosidade o que falta ao povo. O povo possui todos os impulsos; experiência é o que não pode acumular, porque acumulando-se, passa logo a constituir esses órgãos mais altos que formam a sociedade aristocrática.

Também desadora o ideal da igualdade e argüi, com Platão, que a igualdade de desiguais constitui desigualdade. Não obstante não se entrega completamente a aristocracia; sabe que a historia já a experimentou e viu que suas virtudes e defeitos se contrabalançam; que ela fecha o caminho ao talento sem pedigree e sufoca o desenvolvimento dos valores que mais devia desenvolver e usar. Beneficia a cultura, mas também fomenta a tirania;a escravidão de milhões sustenta a liberdade de muito poucos. O primeiro principio da política deve ser que uma sociedade será julgada pela medida em que favorece a vida e a capacidade dos indivíduos constituintes. Deste ponto de vista a democracia constitui um grande avanço sobre a aristocracia. Mas também ela tem seus males; não apenas corrupção e incompetência mas, pior, uma peculiar tirania – o fetiche da uniformidade. “Não existe mais odiosa tirania do que a anônima e vulgar. Infiltra-se em tudo, torce tudo; destrói todos os botões e rebrotos da novidade e sufoca o gênio sob o peso da sua onipresente e altiva estupidez”.

O que Santayana acima de tudo despreza é o caos e a indecente pressa da vida moderna. Fica em duvida se não haveria mais felicidade para os homens na velha doutrina aristocrática de que o bom não é a liberdade, mas sim a sabedoria da resignação as nossas naturais limitações; a tradição clássica admitia que só muito poucos podem vencer. Mas agora que a democracia abriu o livre-para-todos, o ‘catch-as-catch-can” do industrialismo “laisses-faire’, cada alma se angustia na luta para subir e ninguém está contente. Guerra de classes: “qualquer classe que saia vitoriosa, a vitima será o liberalismo -  o mesmo liberalismo que tornou possível a luta”. Esta é também a Nemesis das revoluções, que para sobreviverem tem que restaurar a tirania que destruíram.

  • As revoluções são ambíguas. Em regra tem o sucesso proporcionado ao poder de adaptação àquilo contra o que se rebelaram. Milhares de reformas deixaram o mundo tão corrupto como era, porque cada reforma vitoriosa cria uma nova instituição e esta instituição desenvolve novos abusos congenitais.

Por que forma de sociedade, então, nos devemos bater?  Talvez por nenhuma; não há grandes diferenças entre elas. Mas a decidirmo-nos por alguma, então pela ‘timocracia”. Seria Seria o  governo dos homens de  mérito e de honra; uma aristocracia não hereditária; cada homem ou mulher teria de conformidade com sua capacidade o caminho aberto para as mais altas funções do estado; mas esse caminho estaria fechado a incompetência, por mais apoiada que fosse nos plebiscitos. “A única igualdade subsistente seria a das oportunidades”. Sob tal governo a corrupção atingiria o mínimo e a ciência e as artes floresceriam dentro de um ambiente de estimulo indiscriminado. Só os melhores poderiam governar mas cada homem teria todas as oportunidades de evoluir de modo a ser colocado entre os melhores. Temos de novo aqui ao velho Platão com os reis filósofos da sua Republica, visão que invariavelmente reaparece no horizonte de cada filosofia que vê longe. Mais meditamos nestes assuntos, mais retornamos a Platão. Prova de que não necessitamos de novas filosofias; necessitamos apenas de coragem para por em pratica as mais velhas e melhores.

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