3 de jul. de 2011

Benedetto Croce_O Homem

De Bergson a Croce a transição é impossível: Não há paralelismo nas linhas de ambos. Bergson era um místico que fixava suas visões; Croce um cético com um dom quase germânico de obscuridade. Bergson tem o espírito religioso e todavia fala como um puro evolucionista; Croce é um anticlerical a escrever como um americano abeberado em Hegel. Bergson é um judeu francês que herdou as tradições de Spinoza e Lamarck; Croce, um católico italiano que nada guardou da sua religião exceto a escolástica e o devotamento a beleza.

Talvez que a relativa infecundidade da Itália em matéria de filosofia nos últimos cem anos seja devida em parte a retenção das atitudes e métodos escolásticos ainda por pensadores que abandonaram a velha teologia. {Mais que isso, sem duvida, pela translação da industria e da riqueza para o norte]. A Itália pode ser descrita como a terra da Renascença, mas nunca da Reforma; destruir-se-á por amor a beleza, mas se mostra tão cética como Pilatos quando pensa na verdade. Talvez sejam os italianos mais sábios que todos nós, e tenham chegado a conclusão de que a verdade é uma miragem, ao passo que a beleza  - embora subjetiva – é uma posse e uma  realidade. Os artistas da Renascença [exceto o sombrio e quase protestante Miguelangelo, cujo pincel era um eco da voz de Savonarola] nunca se preocuparam com moral e teologia; era-lhes bastante que a Igreja reconhecesse seu gênio e lhes pagasse as contas. Tornou-se lei não escrita na Itália que os homens de cultura não acarretariam perturbações para a Igreja. Como poderia ter um italiano má vontade para com uma Igreja que havia trazido todo o mundo para Canossa e cobrava tributo do mundo inteiro para fazer da Itália uma galeria universal de arte?

E a Itália permaneceu fiel a velha fé, contentando-se em matéria filosófica com a Summa de Tomás de Aquino. Vico surgiu e agitou o espírito italiano; mas Vico passou e a filosofia pareceu morrer com ele. Rosmini julgou por algum tempo que iria ser um rebelde; mas cedeu. Pela Itália afora os homens tornavam-se mais e mais irreligiosos, porém mais e mais fieis a Igreja.

Croce foi uma exceção. Nascido em 1866, em uma cidadezinha da província de Áquila, e filho único de uma boa família de católicos conservadores, recebeu educação teológica tão completa que acabou ateu. Em países onde não entrou a Reforma não há meio termo entre a ortodoxia e a incredulidade completa. Croce foi a principio piedoso a ponto de insistir em estudar todas as fases da religião, inclusive a sua filosofia e antropologia, e insensivelmente seus estudos lhe substituíram a fé.

Em 1883 recebeu um desses golpes que usualmente fazem os espíritos voltar atrás. Um terremoto destruiu a pequena cidade de Casamicola onde ele se achava; perdeu pai e mãe e permaneceu com sua irmã enterrado por muitas horas nos escombros, com vários ossos moídos. Levou alguns anos para recobrar a saúde, mas sua vida daí por diante não revelou nenhuma modificação do espírito. A calma rotina da convalescença deu-lhe,o u fortificou-lhe, o gosto pela erudição; empregou a modesta fortuna que a catástrofe lhe fizera vir as mãos para reunir uma das mais preciosas bibliotecas da Itália; tornou-se um filosofo sem pagar o tributo da praxe a pobreza ou ao professorado; e compreendeu a cautelosa lição do Eclesiastes, de que a “sabedoria harmoniza bem com uma herança”.

Durante a vida inteira permaneceu um estudioso, um amante das letras e do lazer. Contra a vontade viu-se um dia arrastado para o Ministério da Educação, talvez para que emprestasse uma aura de dignidade filosófica a um gabinete de políticos. Foi depois escolhido para o Senado, e como é regra na Itália que, uma vez senador, é sempre senador [é cargo vitalício], Croce deu o espetáculo, não raro na antiga Roma mas talvez único em nossos tempos, de um homem que pode ser senador e filosofo ao mesmo tempo. Teria interessado a Iago. Mas Croce não tomou a política muito a sério; seu tempo era dado a publicação da sua internacionalmente famosa revista La Critica, na qual, com Giovanni Gentile, dissecava  o mundo do pensamento e das belas letras.

Quando sobreveio a guerra em 1914, Croce encolerizou-se ao pensamento de que um simples conflito econômico viesse interromper o crescimento do espírito europeu e denunciou-o como suicídio, e ainda quando a Itália entrou na guerra, permaneceu no alto, tornando-se tão impopular em sei país como Bertrand Russel na Inglaterra ou Romain Rolland na França. Mas a Itália perdoa-o agora, e toda a sua mocidade olha-o como para o guia firme, o filosofo, o amigo; Croce tornou-se-lhe uma instituição de tanta importância como as universidades. Nada tão freqüente hoje como ouvir sobre ele juízos como o de Natoli: “O sistema de Benedetto Croce permanece a mais alta conquista do pensamento contemporâneo”. Vamos estudar o segredo dessa influencia.



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