14 de ago. de 2010

O Eu e o Cérebro

O Eu é um principio cósmico ativo do qual somos uma parte e um produto. Mas o materialista discorda, encarando o Eu como um simples produto da função cerebral. Será o Eu simplesmente um ‘ego’, um subpoduto do cérebro, ou será um processo incrivelmente rico, um autêntico tesouro que justifica a busca que os místicos tem feito desde tempos imemoriais?

Evidentemente, a identidade e a integridade do Eu individual, como é ele comumente vivenciado, tem uma base, física que parece estar centralizada em nosso cérebro. Podemos perder porções consideráveis de nosso cérebro sem que isso venha a interferir com a personalidade. Em 1980, o neurologista John Lorber publicou um artigo na prestigiosa revista ‘Science’ que demonstrava esse fato. O artigo apresentava figuras de vitimas de excesso de fluido no cérebro, com mais de noventa por cento do córtex cerebral ausente – condição conhecida como hidrocefalia. Mesmo tendo noventa por cento do córtex faltando, sua condição não era percebida até que, por razões que nada tinham a ver com o caso, batia-se chapas de raio-x da cabeça do paciente. Essas pessoas levavam uma vida normal, e tinham inteligência acima da média.

Por outro lado, dano à integridade mental parece dever-se largamente a dano ou desordem no cérebro. Paradoxalmente, uma lesão no cérebro pode produzir um grande dano aos mecanismos físicos que facilitam o autocontrole e a autoconsciência. Entretanto, se a mesma lesão ocorrer ocorrer lentamente durante um longo período de tempo pode não produzir qualquer dano. Na verdade, a dependência que a consciência do Eu tem do cérebro não é tão definida como se supõe à primeira vista.

Embora se conjeture que a ligação entre o Eu e o cérebro seja extremamente intima, devemos apontar uma série de importantes fato que depõem contra relacionamento tão intimo e tão mecânico. Muito trabalho tem sido realizado para descobrir as funções desempenhadas pelas várias áreas do cérebro humano. Uma das descobertas mostra que existem ÁREAS COMPROMETIDAS bem como ÁREAS DESCOMPROMETIDAS. Por exemplo, as áreas sensorial e motora estão comprometidas com essas funções desde o nascimento. Por outro lado, o centro da fala não parece estar plenamente comprometido. Até os cinco ou seis anos de idade o hemisfério cerebral direito coopera com o esquerdo no controle das funções da fala. Isso pode explicar a recuperação da fala quando o centro principal no hemisfério esquerdo é danificado. Se a criança é muito crescida quando o centro da fala é danificado, a perda da fala pode ser permanente. Em todos os tipos de processos de crescimento, a ocorrência das coisas no momento correto é um fator muito importante.

A qualidade de não-comprometimento de extensas áreas do córtex cerebral pode também ser percebida de outros modos. Consideráveis porções do córtex descomprometido podem ser removidas sem dano evidente a qualquer função mental. Acidentes e remoções cirúrgicas de partes do cérebro no tratamento de graves casos de epilepsia produziram mesmo alguns casos de melhoria da capacidade intelectual.


O CÉREBRO E O COMPUTADOR

Naturalmente, isso tudo não é suficiente para refutar a afirmação materialística de que a estrutura física do cérebro pode explicar tudo sobre a mente. Alguns cientistas proeminentes notaram, aliás, que o desenvolvimento de um novo centro da fala no hemisfério intacto lembrava-lhes a reprogramação de um computador. A analogia mecanística entre e o cérebro e o computador pode ser admitida no sentido de que evidencia o fato de que o computador nada faz sem um programador.

Algumas das funções cerebrais parecem estar numa ‘de um para um’ com a experiência. Mas parece haver muitos outros casos para os quais este tipo de relação não pode ser apoiada empiricamente. O neuro-psicólogo Karl Lashley passou anos tentando descobrir a sede da memória no cérebro, mas nunca encontrou sequer uma região geral que fosse responsável por um traço especifico de memória. Suas descobertas eram mais compatíveis com a idéia de que as imagens e as lembranças decorrem de campos ou padrões de energia gerados em toda a superfície do cérebro.

O neurologista William Penfield demonstrou que a recordação pode iniciar-se numa estimulação lobo-temporal. Contudo, a estimulação não é especifica tratando-se de recordações específicas. Tudo o que se pode afirmar é que ocorrerá alguma recordação. Uma estrutura que se encontra no interior do lobo-temporal, chamada de sistema límbico, é importante para essa recordação. Danos no sistema límbico resultam em prejuízo à capacidade de recordar, mas não se pode afirmar quais impressões da memória não serão recordadas. Um paciente com dano no sistema límbico pode ‘esquecer-se’ da morte de um amigo intimo mas não a de um bichinho de estimação favorito.

Podemos também considerar o fato de que existem sentenças ou frases que usamos uma única vez. Poder-se-ia teorizar uma relação ‘de um para um’ entre as palavras e certos processos cerebrais. Entretanto, a experiência de compreendermos uma sentença transcende a mera compreensão da seqüência das palavras. Temos experiência disto quanto temos de ler duas ou mais vezes uma sentença difícil para compreendê-la. Visto que essa experiência pode ser uma dentre muitas que são essencialmente únicas, não podemos arbitrariamente supor que um processo cerebral guarda uma relação ‘de um para um’ numa base de ‘um para um’. Só podemos falar numa relação ‘de um para um’ se alguma regra ou lei universal correlaciona os dois processos, o que geralmente acredita-se não existir. Naturalmente, poucos pensadores materialistas, mecanicistas ou deterministas duvidariam de que existe um processo cerebral, talvez único, ocorrendo ao mesmo tempo e interagindo com a experiência. Considerações semelhantes dizem respeito a todas as experiências criativas. Com efeito, poderíamos descrever a formação de qualquer nova sentença como criativa, o que faz com que possamos nos considerar criativos na maior parte do tempo.

Outro ponto enfatizado pelo neurocientista John Eccles, laureado com o Prêmio Nobel, é o de que não apenas existe o problema da identidade do Eu em sua relação com a identidade do cérebro, mas também o problema da unidade do Eu. Nossas experiências freqüentemente são complexas, e às vezes, mesmo nossa atenção é dividida. Assim mesmo, por nossa experiência de introspecção, todos nós sabemos que o Eu possui unidade, embora não pareça haver parte definida do cérebro que corresponda a esse Eu. Ao contrário, parece que todo o cérebro, se não todo o complexo das células do corpo, deve estar plenamente ativo para ser ligado à consciência. Este é um processo ou sentimento, intuitivo de inimaginável complexidade.

Ao invés do cérebro produzir Eu, o cérebro é produto do Eu, do Ser em seus ininterruptos esforços para existir. O cérebro é o instrumento incrivelmente refinado criado pelo Eu no processo de expressar sua própria natureza. O Eu é sempre ativo. No sentido místico/filosófico, esta constante atividade do Eu é a única atividade genuína que conhecemos.

O Eu psico-físico ativo é o programador do ‘computador cerebral’. O Eu é o músico,e o cérebro, seu instrumento. A mente, como disse Platão, é o piloto, e não como David Hume e William James propuseram: a soma total ou o fardo das percepções, ou a torrente das experiências do cérebro. Este ponto de vista tende a sugerir passividade. Esta visão talvez resulte da tentativa de observar passivamente ao invés de reexaminar nossas ações passadas. Acima de tudo, o Eu é um principio cósmico ativo do qual nós próprios somos uma parte.

Estas considerações nos mostram que o Eu não é simplesmente um ‘ego’ ou um objeto a ser observado passivamente. Antes, o Eu é um processo incrivelmente rico, o tesouro que os místicos têm procurado desde tempos imemoriais. Como um piloto, nosso Eu observa e age ao mesmo tempo. Age, sofre, recorda o passado, planeja o futuro. Nosso Eu anseia, e nosso Eu determina. Contém em imediata sucessão, ou contém tudo de uma só vez. Nosso Eu encerra uma vívida consciência de ser o centro da ação. Nosso Eu deve a consciência dessa individualidade às interações com outras pessoas, outras partes do Eu e o mundo meditativo dos símbolos, princípios e idéias arquetípicas – tudo isso interagindo intimamente com a tremenda ‘atividade’ que ocorre no cérebro do Eu.

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[Texto de George F. Buletza P.hD]

Referências: Buletza G., Wilson O., Schaa J., [1978]; Pesquisa: Mistérios Internos do Cérebro, o Sistema Límbico – Memória e Aprendizagem, ‘O Rosacruz’ – junho/81.

Peenfield W., [1975]: The Mysteri off the Mind, Princeton University Press, Princeton, New Jersey.

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