19 de jul. de 2010

O Homem _ quem ele é? [Parte V] Homo Volens

Homo Volens – Vontade – Liberdade – Amor
“Homem de vontade”, “homem de caráter”, “homem decidido”, são expressões usadas para designar o tipo ideal de Homem. No entanto, vontade, caráter e decisão acham-se potencialmente em todos os homens. Tal característica é amplamente estudada e atribuído o nome de “Poder da Vontade.”

O enfoque antropológico da vontade não é menos valioso do que aquele visando resultados psíquicos mentais. Temas como projeção psíquica, lembrança de sonhos, criação mental, cura metafísica, projeção de pensamentos, vibroturgia e a própria harmonização cósmica estão relacionados em algum grau com o poder que advém do uso correto da vontade. O Dr Lewis, em sua obra “Envenenamento Mental”, mostra-nos o quanto a auto-sugestão negativa pode ser destrutiva à nossa saúde e à vida mental harmonizadas.

Embora essencialmente tratando-se da mesma coisa, nosso convite é de, mais uma vez, o estudante ‘focar’ a vontade como atributo humano; estudá-lo nas suas implicações antropológicas, ou seja, enquanto algo peculiar ao Homem enquanto tal. O Homem, além de dotado d somaticidade, de vida e de inteligência, explorados nos artigos anteriores, se nos apresenta também dotado de vontade: é Homo Volens.

Para estudar a vontade humana será necessário investigar assuntos que, devidamente associados, lançarão luz sobre a questão da vontade. Questões universais como a liberdade, as soluções para ela, a sua existência e natureza, e a questão do amor serão tratados neste contexto para a nossa proposição final.

As ações do homem nascem de suas decisões. Ele estuda porque quer estudar, ama porque quer amar, e assim por diante. Esse querer, essa capacidade de auto-determinação, caracteriza o homem tão profunda e especificamente quanto o conhecer, o falar, o trabalhar. Estudiosos vêem no querer a verdadeira característica especifica do homem.

Há, antes de se definir a vontade, de enquadrá-la no homem e na natureza. Aristóteles, no inicio de sua “Ética Nicamanus” – Livro I, Capítulo I – afirma:

“Toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito, tendem a algum bem; por isto foi dito acertadamente que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem.”

O Bem é o objeto, a coisa que suscita, provoca e estimula a inclinação, o apetite. O querer é definido como uma forma de inclinação, de tendência ou de apetite. Por apetite entende-se qualquer inclinação para o bem.

Expliquemos melhor: as coisas têm, segundo Aristóteles, uma causa final que é o propósito a que se destinam. Possuem um instinto de preservação e de auto-realização chamado por Spinoza de ‘conatus’.

Esse ‘conatus’ ou tendência [inclinação] natural é chamado também de ‘apetite naturalis’ e está presente na própria natureza da coisa e não exige nenhum conhecimento para se acabar; está contido intrinsecamente na coisa.

Há 3 tipos de apetite:

1. o que acabamos d citar ou ‘apetitus naturalis’ [conatus], contido nas coisas como uma inclinação natural, basicamente devido à sua forma. Segundo Aristóteles e São Tomás: “a cada forma corresponde uma própria inclinação”. Exemplo: o conatus da pedra é cair, do mundo expandir-se, da planta crescer, do sino tocar, etc.
2. Aquele dos seres possuidores do conhecimento, que além do apetite natural são dotados de inclinações originadas pelas coisas conhecidas. Exemplo: aquele do gato que vê o peixe sobre a mesa e sente uma atração, uma inclinação em direção a ele.
3. E aquele do Homem, que além do sensitivo proporcionado pela visão das coisas e de seu conhecimento, é ‘intelectivo, universal, abstrato.’ Ele sabe o que é a coisa e sente atração por elas. Exemplo: o homem sabe quando quer pão ou carne.

O homem conhece, além disso, coisas abstratas e espirituais, como a virtude, a bondade, a glória, a coragem, a felicidade, e tem aspirações a elas. Por isso, além do apetite sensitivo, ele é dotado também e especificamente de um ‘apetite intelectivo’. A este último chamamos de vontade.

Há concordância do enfoque antropológico com aquele destacado em que explicam que nossa mente objetiva estrutura o raciocínio de modo a possibilitar uma decisão. Feita essa opção, a vontade acaba por levar à ação o ato humano que carece de ‘ideações’ para agir, isto é, ‘a vontade consistente de uma decisão firme por parte da mente objetiva’.

A VONTADE DO HOMEM
Qual a verdadeira natureza da vontade humana?

A vontade do homem possui propriedades [humanidade, inconstância, transcendência, etc] dentre as quais a liberdade é a mais importante, isto porque ela exige para si certa autonomia, pois sente-se responsável pelo próprios atos.

HISTÓRIA DO PROBLEMA
A filosofia grega nos ofereceu grande auxilio para o problema porque acreditava que todas as coisas estavam sujeitas ao destino, aos deuses, e porque o homem é escravo da engrenagem da história, concebida como um movimento cíclico em que tudo se repete periodicamente.

No período cristão, o problema da liberdade assume um caráter teocêntrico. A natureza e a história não estão mais acima do homem, mas a seu serviço.

No período moderno, a perspectiva teocêntrica cede lugar à antropocêntrica: o homem toma consciência da sua autonomia e, por isso, a liberdade não constitui mais um problema para as relações com Deus.

No período contemporâneo, o fenômeno da socialização e suas conseqüências leva-nos a considerar a liberdade sobretudo do ponto de vista social.

LIMITES DA LIBERDADE: AS PAIXÕES
A liberdade, enfim, é condicionada pelas paixões. Esse último condicionamento foi sempre tomado m consideração pelos filósofos. Encontramos tratados sobre paixões em todos os períodos da história da filosofia, no grego e no medieval como nos modernos e contemporâneos. Esse fato basta sozinho para testemunhar o quanto é importante uma indagação sobre as paixões, a fim de estabelecer em que medida elas podem condicionar no homem o exercício da liberdade. Por este motivo, é importante aprofundarmo-nos um pouco mais sobre a natureza, sobre a divisão das paixões e sobre o seu influxo sobre a vontade.

O AMOR: VIRTUDE E PAIXÃO
E falando em paixão relativa à questão da vontade, observamos que o amor representa um elemento-chave para a compreensão do assunto.

Na esfera da atividade humana, quase todos os filósofos estão de açodo em assinalar um papel fundamental ao amor. Isso foi feito sobretudo por Platão, Aristóteles, Agostinho, Spinoza, Hobbes, Freud, Sartre e Marcel.

Platão situa o amor numa moldura metafísica que potencializa a sua função e o seu alcance espiritual. Ele se desenvolve entre dois pólos, o Bm e as Idéias por uma parte, e a alma [psykhe] por outra. É a alma, carente de felicidade e estabilidade, que sente a aspiração, o desejo [Eros], a atração do Bem e do mundo ideal e imortal. A alma, pela sua afinidade com as idéias, adverte obscuramente a sua presença e experimenta no contato com o belo sensível um arrepio misterioso: A ascensão do amor inicia-se com um ato irracional, que tem todos os caracteres de uma loucura [mania] que aliena o homem de si mesmo e lhe anuncia um valor transcendente. Diante das formas belas pode o homem assumir duas posturas fundamentais:

1. aceita e ama a bela aparência como realidade absoluta e deseja possuí-la, porque não procura nada além dela, porque não entrevê nada além do sensível: este é o amor sexual, terreno, inferior, que perde a alma – é a Afrodite pandêmica.
2. Ou então ama enquanto reconhece o invisível e, por isso, transcende a bela aparência para possuir noeticamente [ou seja, intelectualmente] não o que morre, mas o que é eterno: este é o amor puro, o amor que salva – é a Afrodite celeste.

E a dialética do amor como processo cognitivo é uma ascensão gradual: do amor de um corpo belo se passa a amar a beleza de todos os corpos belos, uma e idêntica para todos; da beleza dos corpos sobe-se depois à beleza das almas, das instituições, das leis e das ciências, até que se chega à única ciência que tem por objeto o Belo absoluto: aqui a alma se acalma porque acha o seu Bem e a sua felicidade. Trata-se de uma ascensão longa e fatigante. “Para o homem que haja participado das celestes iniciações em tempos muito remotos ou para o homem corrompido, não é lícito transportar-se facilmente daqui até lá, até a pura Beleza objetiva, no momento em que se contemplam as coisas belas que dela recebem o nome. Ele olha e a sua alma não é fascinada por um generoso ímpeto de veneração.” Mas quando o filósofo consegue libertar-s dos grilhões deste mundo sensível e atinge o sumo vértice da ciência do amor, “contemplando em ordem sucessiva e com justo método todas as coisas belas, atinge finalmente a consumação da ciência amorosa. E então, por súbita visão, ele contemplará algo divinamente belo na sua natureza objetiva: a Beleza, razão primeira e meta de todos os precedentes exercícios fatigantes”.

O conceito platônico do amor entendido como privação e desejo é mantido inalterado também na metafísica de Aristóteles: é o amor que move a matéria e todas as coisas deste mundo em direção ao seu objetivo final, Deus.

Vale dizer, a TEORIA DA ASCESE PLATÔNICA coaduna perfeitamente com a das sucessivas encarnações.

Já para Aristóteles, além de um principio metafísico, o amor desempenha um papel fundamental como valor moral. De fato, a amizade, à qual Aristóteles dá o primeiro lugar entre as virtudes morais, baseia-se essencialmente no amor: ela não é nada senão o amor desinteressado de outra pessoa.

Conceito absolutamente novo do amor aparece com o cristianismo; o próprio nome é mudado: não Eros, mas ágape, caridade. No pensamento grego, o amor era o sinal da pobreza espiritual, acompanhado do desejo; ao contrário, no cristianismo o amor é positividade e perfeição do ser: quanto mais um individuo é perfeito mais ele ama. O próprio Deus ama [“Deus caritas est”, escreve o evangelista João]. A vida intima de Deus é amor: a relação de amo entre Pai e Filho é o Espírito Santo; com um ato de amor Deus cria o mundo; pó amo Deus assume a natureza humana e a tira da morte. Cristo, o Verbo de Deus feito carne, é o amor feito carne. Além de base da vida de Deus, o amor é base da vida daqueles que crêem n’Ele. A ética cristã exprime-se em termos de amor: amar a Deus sobre todas as coisas; amar o próximo como a si mesmo. Mas a caritas não é um sentimento, um pathos, um fato natural como o Eros platônico na sua origem primeira; é, sim, um ato de liberdade potencializado pela Graça divina. Por isso, ele não abarca apenas os parênteses e os amigos, mas também os inimigos. No cristianismo, amor quer dizer ‘benevolência’ e a caridade se resolve em fazer o bm, m ser útil, benéfico.

O progresso das ciências na idade moderna acaba com o mito do Eros motor do mundo, e o substitui pelas leis da mecânica e da física. A partir de Hobbes e Spinoza, o amor é uma paixão que é estudada com o mesmo rigor cientifico com que se estudam os fenômenos físicos e as figuras geométricas e passa, por isto, a fazer parte dos quadros de uma sistemática racional. Desvincula-se assim do amor qualquer premissa metafísica ou teológica.

Com Freud, o amor retorna o seu lugar de impulso fundamental de tudo o que o homem pensa e faz; mas não é mais concebido como o Eros platônico, essencialmente orientado para o Bem, nem como a caritas cristã, participante do amor divino, mas simplesmente como instinto fisiológico, como paixão sexual, como pura libido. Freud, demolindo qualquer estrutura meta-fisico-religiosa, vê nos diversos aspectos do amor [Eros platônico, caritas cristã, amor filial, etc], degeneração ou sublimação do impulso sexual originário.

No existencialismo de J.P. Sartre, também o amor perde todo o significado: desgarrado o homem do universo, de Deus e da Humanidade, o amor não tem nenhum fundamento metafísico nem um terreno objetivo, mas se dobra de modo vão sobre si mesmo. O outro não é nunca um amigo para amar e nem um igual para respeitar; é simplesmente um rival ou até um inimigo. Por isso, para Sartre as relações humanas não levam senão ao mal: “os outros são o nosso inferno” [L’enfer c’est les autres].

Podemos afirmar por esta breve panorâmica histórica que o amor constitui uma dimensão fundamental da natureza humana: é a mola de cada desejo e de cada ação.

Desejamos mostrar que na sua ligação com a liberdade e com a vontade é que o amor não constitui ipso facto um valor: a sua bondade ou malicia é determinada pelo objeto [pela pessoa] a que é voltado e, outros sim, pelos motivos para os quais é exercido. Destas considerações resulta um principio conhecido dos estudantes: não é a arma que é um mal, mas a direção em que ela é apontada. Assim, o amor será entendido diferentemente pelo cristão e pelo marxista, pelo existencialista e pelo tomista, pelo estruturalista e pelo freudiano.

IMPLICAÇÕES ONTO-ANTROPOLÓGICAS
O estudo da vontade nos fez constatar que ela caracteriza o homem essencialmente: o homem é decididamente um Homo Volens. Ele se distingue dos outros seres sobretudo porque é dotado de vontade. São-lhe tributados elogios e infligidos castigos porque as suas ações são guiadas e determinadas pelo seu querer.

Nosso ensaio fez-nos ver que a vontade caracteriza o homem com relação aos outros seres, mas também porque na vontade e em toda esfera afetiva recolhemos indícios da complexidade e do mistério do ser humano.

A vontade a afetividade humanas surpreendem-nos pela sua insaciabilidade. A nossa vontade não está nunca contente com o que realizou ou adquiriu. Há nela um impulso para autotranscender-se que não se aplaca nunca. Continua a escolher e a descartar, a fazer e a abandonar. Dilata-se sobre todas as coisas e sobre todos os projetos realizados, com uma soberania ilimitada.

Esse poder ilimitado de autotranscender-se não se registra apenas na esfera da vontade, mas também na das paixões. “Nas grandes paixões há uma intenção transcendente que não pode proceder senão da atração infinita da felicidade. Só um objeto suscetível de representar o todo da felicidade pode atrair tanta energia, elevar o homem acima das suas faculdades ordinárias e torná-lo capaz de sacrificar o seu prazer e de viver dolorosamente... É, portanto, ao desejo da felicidade que se deve ligar a paixão e não ao desejo de viver; na paixão, de fato,o homem põe toda a sua energia, todo o seu coração, porque um sujeito de desejo se tornou tudo para ele.”

Em última análise, podemos afirmar, em concordância com o pensamento de Ralph M.Lewis em seu livro “Os Sete Degraus para a Felicidade”, que a felicidade é a opção viável para o homem no exercício de sua vontade e de sua liberdade.

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